sexta-feira, 14 de julho de 2017

Robespierre












Robespierre foi figura proeminente do grupo dos jacobinos durante a Revolução Francesa e com a ascensão desses ele passou por algum tempo a ser o líder principal do governo revolucionário. A participação de Robespierre na Revolução mostrou um cidadão preocupado com direitos básicos dos franceses. Por outro lado, foi mandante de muitos assassinatos em nome da Revolução, agindo como um déspota. Em nome de ideais contribuiu muito para a instalação de uma máquina estatal terrivelmente repressora e reprimiu rigorosamente a oposição aos jacobinos. 

A seguir um resumo da história deste personagem histórico e uma breve análise de sua personalidade. 

Maximilien François Maria Isidore de Robespierre nasceu em Arras, em 06 de maio de 1758. Foi advogado e chegou a ser chamado pelos amigos de "O Incorruptível". Os seus inimigos durante o Terror (fase de rígida repressão estatal) o chamavam de "Candeia de Arras", "Tirano" e "Ditador Sanguinário". 

Ele nasceu em uma família da pequena burguesia e perdeu sua mãe ainda criança e foi depois abandonado com seus  três irmãos pelo pai, advogado, que entrou em depressão após a morte de sua esposa e passou a beber. O avô materno, um rico negociante, ficou com Robespierre e os irmãos. 

A morte da mãe, o abandono pelo pai e a responsabilidade que Robespierre assumiu pelos irmãos podem ter deixado marcas em sua personalidade, pois tornou-se um jovem sério e solitário, características que conservou até o fim de sua vida. 

Em Paris, estudou com uma bolsa de estudos dada pelo bispo de Arras. Como melhor aluno, foi premiado e teve a honra de ser cumprimentado pelo rei e a rainha da França (que tempos depois seriam executados pelos revolucionários jacobinos). Em 1781, formou-se em Direito, tendo na ocasião de seus estudos na capital francesa entrado em contato com o pensamento iluminista. Um dos seus professores foi D' Alembert, um dos organizadores da Enciclopédia, uma obra importante no período. Mas foram as ideias de Rousseau que provavelmente mais influenciaram Robespierre, que convenceu-se que a sociedade tinha degradado e escravizado as pessoas e concordou com Rousseau de que o Estado e o povo são os verdadeiros senhores de todos os bens.

Começou como advogado em 1783. Foi, de início, bem sucedido na sua profissão em sua cidade natal. Porém, desiludiu-se, pensando em abandonar Arras, quando o rei Luís XVI anuncia a sua intenção de convocar os Estados Gerai Teve trabalhos premiados e, em um deles mostrava sua discordância  sobre a atitude da sociedade para com os criminosos e doentes mentais. Os novos conceitos do século XVIII - a democracia, a igualdade e a liberdade - eram partes importantes  do seu pensamento.

Destacou-se com mais de 260 discursos. O Clube dos Jacobinos já era uma das alas mais radicais dos revolucionários, tornando-se Robespierre num dos principais articuladores da Revolução Francesa. Passou a ser mais notado quando fez um discurso em 25 de Janeiro de 1790, no qual  defendia que todos os franceses deveriam poder ser admitidos nos empregos públicos, sem outra distinção que não fosse a dos seus talentos e virtudes Em maio de 1791 ele consegue o seu maior sucesso parlamentar, ao fazer decretar que nenhum membro daquela Assembleia poderia ser eleito na legislatura seguinte.

Ele exigiu a execução do rei Luís XVI, guilhotinado em janeiro de 1793 e criou o Comitê de Salvação Pública contra os inimigos da Revolução, sendo na época instalado o "Grande Terror". Com a traição de Dumouriez, Robespierre passa a crer que a conivência dos girondinos com o general rebelde não oferecia dúvida, abrindo-se o processo que vai culminar na proscrição dos seus líderes, em 2 de Junho de 1793.

Em 1794 outro líder revolucionário, Danton, foi executado na guilhotina a mando de Robespierre e no mesmo ano tornou-se Presidente da Convenção Nacional. Robespierre manda decretar que o povo francês reconhece a existência do Ser Supremo e a imortalidade da alma.

A Planície (grupo político da Convenção Nacional),  organizou um golpe contra Robespierre, que é preso em julho de 1794, tendo sido guilhotinado um dia depois, em Paris, em 28 de julho. Com ele foram guilhotinados outros jacobinos importantes, como o seu irmão Augustin de Robespierre (também membro da Junta de Salvação Pública) e outros de seus colaboradores, dentre eles, seus dois grandes amigos, companheiros desde o início de sua jornada, Saint-Just e Couthon.

Apesar de ter mandado tantos para a guilhotina, defendia princípios humanistas como o sufrágio universal, a igualdade de direitos e a abolição da escravidão. Combateu a Igreja, mas acreditava em um Ser Supremo, chegando a dizer: "Se a existência de Deus, se a imortalidade da alma não fossem senão sonhos, ainda assim seriam a mais bela de todas as concepções do espírito humano".

O historiador F. A. Mignet escreveu sobre sua percepção dos ideais de Robespierre e de Saint-Just:

"(...) Robespierre e Saint-Just haviam traçado o plano desta democracia, cujos princípios eles defendiam em todos os seus discursos. Eles queriam mudar os costumes, o espírito e os hábitos da França. Eles queriam transformá-la em uma república à moda dos antigos".

"O domínio exercido pelo povo, magistrados desprovidos de orgulho, cidadãos sem vícios, a fraternidade nos relacionamentos, o culto da virtude, a simplicidade dos modos, a austeridade do caráter, eis o que pretendiam estabelecer".

"Liberdade e igualdade para o governo da república; indivisibilidade em sua forma; virtude como seu princípio; Ser Supremo como o seu culto. Quanto aos cidadãos, fraternidade em seus relacionamentos, probidade em sua conduta, bom senso como espírito, modéstia em suas ações públicas, que eles deveriam nortear para o bem do estado, e não para eles mesmos. Tal era o símbolo de sua democracia."

Ele queria criar uma República da Virtude, sem reis ou nobres, sem extremos de riqueza ou pobreza. Para conseguir seus objetivos ele perseguiu severamente os inimigos da República: girondinos que criticavam o governo jacobino, federalistas contrários a um governo central forte; padres, nobres e camponeses contrarrevolucionários e especuladores que escondiam alimentos. Em um discurso dele que ficou famoso ele afirmou:   "As funções públicas não podem ser consideradas como sinais de superioridade nem como recompensa, mas como deveres públicos.  Ninguém possui o direito de ser mais "inviolável" do que outros cidadãos. O povo tem o direito de conhecer todos os atos dos seus mandatários".

Robespierre conseguiu algumas realizações significativas. Como exemplo, na área militar: o exército francês conseguiu impedir a invasão da França por forças estrangeiras. E durante o governo dele vigorou a nova Constituição da República (1793), que garantia ao povo:     Direito ao voto; Direito de rebelião; Direito ao trabalho e à subsistência. Nessa Constituição havia uma declaração de que o objetivo do governo era o bem comum e a felicidade de todos. Foi uma das figuras mais polêmicas da Revolução Francesa. No desejo de promover a democracia, pôs em prática o chamado Reinado do Terror, durante o qual foram guilhotinadas milhares de pessoas. 

Ele  tinha muito medo de ser assassinado e preocupava-se excessivamente com os trajes que usaria ao assinar atos capitais. Era vaidoso, usava paletós bem cortados e coletes ricamente bordados. Sempre que precisava falar em público, sofria com contorções compulsivas nas mãos e na face e exibia um manuseio descontrolado dos óculos.

A seguir alguns comentários do psicanalista Jean Bergeret sobre Robespierre em sua obra "A Personalidade Normal e Patológica" (destaquei algumas palavras):

"Seu narcisismo de esfolado vivo suporta mal o face a face individual acusador; ele pretendia terrivelmente ser amado mas, em público, a tensão torna-se forte demais, tudo parece acusá-lo de suas próprias origens infelizes, de sua própria ascensão compensatória, de sua própria angústia e de sua própria agressividade interna;tudo então torna-se persecutório e, em um movimento defensivo impulsional direto, terrivelmente custoso e que se esgotará rapidamente, apesar dos encorajamentos excitadores de um ideal de ego sem medidas, ele não conseguirá resistir ao ritmo esgotante de uma "corrida terrivelmente endiabrada."

"Quando só diante de seus próprios problemas, como no 8 ou 9 Termidor, vemo-lo oscilar, tergiversar, perder a altivez, angustiar-se, não escolher, em contrapartida, desde que se sinta em oposição diante de um grupo adverso, sua violência renasce prontamente: Hebert e seus partidários, Danton, Desmoulins e seus amigos tornam-se o centro dessa angústia, desde que ela ultrapasse o limiar do suportável pelo consciente, do organizável pelo ego,da manutenção em representações não demasiadamente clivadas da realidade."

"... Por outro lado, em um movimento complementar e simultâneo, cria em si um vínculo igualmente subdelirante com a representação interna positiva de um Ser Supremo dotado de todos os poderes, todas as bondades e virtudes, mas que permaneceria o Ser Supremo de Robespierre, o seu, não o dos irmãos padres (o Deus da igreja), nem o dos irmãos revolucionários (a deusa da razão)..."

"Se houvesse podido dispor de uma suficiente maturidade afetiva que lhe permitisse "amar", Robespierre teria conseguido utilizar sua excepcional inteligência e incontestável incorruptablidade não para atiçar, mediante excessos suplementares, processos primários já bastante liberados, mas para devolver alguma audiência ao princípio da realidade através de uma secundarização e elaboração, que talvez tivesse evitado a posterior e inelutável perversificação bonapartista da situação".

"Não pretendemos julgar Robespierre, mas tentar compreender o nível de funcionamento de tais processos mentais, ao mesmo tempo mórbidos e assintomáticos que entram incontestavelmente na patologia caracterial sob uma forma que parece ser nitidamente psicótica, dada a importância da clivagem dos imagos e consecutiva amputação da realidade, bem como o empobrecimento progressivo do ego (...)"

"...Robespierre via a si mesmo, nesses anos, como alguém que tinha uma missão em que um mundo convulsionado, onde arriscava jogar fora aos poucos conquistas alcançadas até então pela Revolução. Ele queria combater a corrupção sob todas as formas..."

"Ele via na virtude o eixo da vida política republicana e na corrupção, a força destrutiva que devia ser combatida a todo custo. A linguagem na qual ele se exprimia-assim como muitos homens políticos de seu tempo- devia muito a Rousseau. Mas seus discursos portavam a marca dramática de um ator que acreditava que a revolução corria perigo. Até o fim de sua vida, ele se guiará pela ideia de que a França e a Revolução corriam grande perigo e só o emprego de terror seria capaz de deter o processo de corrupção que se instalava na nação..."

Eis a análise de um psicanalista. É a forma como ele analisa esse personagem histórico. Se formos verificar a infância e a adolescência de Robespierre, provavelmente não foram felizes, principalmente pela ausência de seus pais ( a mãe morreu cedo e o pai entregou-se à bebida alcoólica, abandonando os filhos), o que pode ter realmente causado a ele problemas significativos na esfera afetiva, problemas esses que podem ter influenciado nas suas ações extremistas como líder revolucionário. O que, ao meu ver, não invalida certas ideias suas que eram realmente revolucionárias e em prol de melhorias sociais. Mas seus métodos foram diversas vezes cruéis. Ele com certeza devia achar que "os fins justificam os meios". Outros líderes políticos na História também pensaram assim e milhões pereceram e outros milhões sofreram na busca de realização de utopias. É possível que suas histórias de vida quando crianças e adolescentes expliquem também determinados atos seus. Porém isto seria motivo para outros artigos e não cabe neste momento em referência à temática. 

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Márcio José Matos Rodrigues-Psicólogo e Professor de História

Figura: Google

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Luís XVI






Este artigo é o segundo que escrevo em referência à Revolução Francesa. É sobre o rei Luís XVI, dos Bourbon, que governava quando houve a revolução. Ele era um rei do chamado "Antigo Regime", que governava segundo o modelo absolutista.

Segundo Bernard Vicent, um dos biógrafos do rei, ele não era mau humorado, mas "indeciso em algumas questões de pressa". Para Bluche, Riais e Tulard em sua obra "Revolução Francesa", ele não era um soberano enérgico e quando isso acontece "as rédeas do poder flutuam".  Conforme esses três autores, ele nasceu em 1754, sendo educado com base no fenelonismo (ideias do arcebispo Fenelon, de cunho místico e contemplativo), carecendo de vontade e de autoconfiança, era benevolente, generoso, muito piedoso, preocupado em fazer as coisas corretamente, tendo aspirações ao mesmo tempo conservadoras e progressistas que se traduziam por constantes oscilações entre firmeza e fraqueza. 

O abade Vermond dizia que ele possuía "o coração melhor que a cabeça". O autor do livro Maria Antonieta-O retrato de uma mulher comum, Stefan Zweig, dizia que ela tinha uma figura pesada e desengonçada, que tinha problemas com impotência, era indeciso, bem fechado e introvertido e o Conde Mercy, embaixador austríaco na França, falava que o rei tinha "muita desgraciosidade e nenhuma sensibilidade.

Vincent de novo nos diz sobre Luís XVI: "... esses traços contraditórios-a reserva,a impetuosidade, a timidez e a veemência-se encontrarão estranhamente misturados no Luís XVI adulto". O mesmo autor relatou que o rei na aparência tinha um rosto calmo, que mostrava gentileza. Tanto Vicent quanto Zweig afirmam que ele não era influenciado politicamente por Maria Antonieta, sua esposa austríaca. 

Pela análise do que diziam os autores, embora ele tivesse seus defeitos, a sua personalidade não foi a principal causa do processo revolucionário que aconteceu e sim toda a realidade da França na época, com aspectos históricos que já tinham começado antes mesmo de seu reinado. 

Segundo Daniel Fresnot, Luís XVI foi um rei bem intencionado e mal aconselhado que recebeu a coroa aos 20 anos em 1774. Luís chamou para auxiliá-lo um ministro que desejava abolir privilégios e servidões: Turgot, que era íntegro e competente, porém que mexeu com os interesses de nobres conservadores e de membros importantes do Clero. As intrigas fazem com que o rei o demita. O ministro seguinte, Necker, embora mais comedido que Turgot em busca de reformas, também é bloqueado por nobres conservadores da corte de Versalhes. Os ministros seguintes, Calonne e Brienne, não tem a mesma grandeza dos outros dois e não entram em confronto com a aristocracia palaciana que continua com seus gastos em demasia.  

Antes da Revolução, Luís XVI agiu em algumas ocasiões de forma humanista, mandando abolir a tortura e dando plenos direitos civis aos protestantes. Ele forneceu ajuda aos revolucionários americanos que lutaram contra a Inglaterra pela independência das treze colônias, embora essa ajuda tenha endividado mais a França.

Para tentar resolver a crise financeira, o rei chamou de novo Necker (1788) e convoca então os Estados Gerais. A situação na França era bem grave naquele tempo, pois os mais pobres estavam passando sérias dificuldades e as ideias iluministas se espalhavam, criticando o Absolutismo.

A popularidade do rei é fortalecida com a decisão de que o Terceiro Estado teria tantos representantes quanto o Clero e Nobreza juntos, só que não soube aproveitar a ocasião para orientar as eleições e nem propor aos deputados um programa de reformas.

Tentou enfraquecer os Estados Gerais, porém os deputados se declararam Assembleia Nacional e depois Assembleia Constituinte. Demitiu  Necker e mesmo com as "jornadas revolucionárias" ainda consegue ter popularidade em Paris, mas suas ações acabam reforçando a política dos radicais quando se recusa a assinar a Declaração dos Direitos do Homem e outras medidas da Assembleia. Assim, teve de sair de Versalhes por pressão popular e se estabelece em Paris em outubro de 1789. Como há ainda uma corrente política que deseja uma monarquia como poder moderador ele tem alguma vantagem. Jurou fidelidade à Constituição, sendo aclamado por parisienses e pelos guardas nacionais que estavam presentes. 

Cometeu um grave erro em não aceitar a monarquia constitucional, com a possibilidade de ter ficado afetado com a questão do juramento civil que a revolução passou a exigir dos padres e começa a desejar a intervenção estrangeira como salvação. Tenta fugir até os exércitos monarquistas que querem invadir a França, porém é descoberto em Varennes, em junho de 1791. Nessa ocasião perdeu toda a sua popularidade, embora continuasse rei. Ele ainda possuía apoio de membros revolucionários mais conservadores e propõe à Assembleia declarar guerra à Áustria, pois tinha esperança que essa ganhasse a guerra. De início, austríacos e prussianos obtém vitórias, mas depois são derrotados em Valmy. 

Após essa vitória francesa contra os invasores, o rei, que já era considerado um traidor, é destronado e aprisionado. A Convenção Nacional que substituiu a Assembleia Legislativa, julga Luís e o condena à morte por uma maioria apertada. Diversos girondinos (grupo político mais moderado formado pela alta burguesia) tentaram defendê-lo. Mas os jacobinos (mais radicais) insistiram em sua execução. Ele portou-se com dignidade e coragem, sem convencer ao negar as acusações que foram feitas contra ele. Assim ele foi condenado e morreu guilhotinado em 21 de janeiro de 1793.
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

quarta-feira, 12 de julho de 2017

A Revolução Francesa






Em comemoração ao 14 de julho, o dia da Queda da Bastilha, fato histórico tido como um marco na chamada Revolução Francesa, resolvi escrever este artigo. Creio que  pensar a Revolução Francesa hoje em dia nos remete a vários pensamentos como a situação de injustiça social, as amplas desigualdades sociais, os privilégios de poucos em relação à grande maioria da população, o parasitismo político, as práticas revolucionárias que acabam resultando em uma violência extrema, a adoção de medidas sociais visando os mais desfavorecidos, a desorganização administrativa em virtude de políticas ultrapassadas clientelistas e tradicionalistas. 

Houve casos revolucionários pelo mundo que seguiram os passos dados pelo extremismo do jacobinismo francês do século XVIII, chegando ao poder, com a manipulação das massas; perseguição sistemática de opositores, inclusive com o extermínio generalizado de inimigos ou pretensos inimigos e de quem se recusasse a seguir sua política; e o fim do direito de discordar. Mas deve-se reconhecer que em determinadas sociedades, após um processo revolucionário, houve a adoção de políticas sociais que, em certo grau, procuraram reduzir desigualdades, tentando resolver a questão agrária (mas não sem experimentar insucessos) e procurando dar um maior amparo ao povo em relação à saúde, à Educação e ao emprego, embora instituindo um Estado totalitário, o que nos deve levar à reflexão de é preciso ter novas alternativas, porque caminhos rumo a ditaduras (mesmo as ditas do proletariado) é melhor que sejam evitados.

Certos autores, como Le Bon, mencionaram atitudes radicais tomadas durante a Revolução Francesa que se assemelhavam a atos místicos que visavam uma imposição de ideias e de modelos considerados ideais que se pretendia exportar para fora da França. Tocqueville, um famoso pensador de tendência liberal-conservadora também fez suas críticas: "Como parecia aspirar mais ainda à regeneração do gênero humano que à reforma da França, acendeu uma paixão que as revoluções políticas as mais violentas jamais conseguiram produzir até então. Inspirou o proselitismo e gerou a propaganda. Foi assim que pegou este ar de revolução religiosa que tanto apavorou os contemporâneos, ou melhor, tornou-se ela própria uma espécie de nova religião, uma religião imperfeita, é verdade, sem Deus, sem culto, sem Além, mas que, todavia, como o islamismo, inundou toda a terra com seus soldados, apóstolos e mártires."

Creio que podemos pensar (claro que estabelecendo as devidas diferenças), ao lembrar da situação que levou à Revolução Francesa, na questão que abrange países com contradições sociais profundas, como o nosso país, com categorias políticas tendo privilégios exagerados, uma distribuição de renda ainda muita injusta, com considerável violência urbana e rural provocada por um sistema que não tem sido suficientemente capaz de realizar reformas sociais voltadas verdadeiramente para os mais pobres e sem valorizar como deveria os que se empenham no trabalho, existindo corrupção disseminada, havendo práticas populistas atrasadas e com uma política rural que ainda favorece muito os grandes proprietários. 

A Revolução Francesa, apesar dos graves excessos de violências, do autoritarismo e intolerância do período jacobino (que apesar de suas falhas, implantou medidas em prol dos mais pobres), deu contribuições para as sociedades, como a difusão de ideias liberais pela Europa e América, a contestação ao Absolutismo e às práticas feudais, a adoção de um novo sistema de pesos e medidas etc. 

Vou relatar a seguir o que levou a essa revolução e como ela aconteceu. 

A França era ainda um país agrário no final do século XVIII. Novas técnicas de cultivo e novos produtos melhoraram a alimentação e a população aumentou, ficando em torno de 25 a 28 milhões e desses cerca de 20 milhões viviam no campo. A sociedade estava baseada em estamentos, mas já se percebia uma divisão de classes. 

O Clero tinha cerca de 120.000 religiosos, dividido em alto clero (arcebispos, bispos e abades com nível de nobreza) e baixo clero (padres e vigários de baixa condição econômica) e era o Primeiro Estado.   

A nobreza constituía o Segundo Estado, com 350.000 membros, sendo que uma aristocracia palaciana vivia de pensões reais e exerciam cargos públicos, enquanto os provinciais viviam no campo. A nobreza de toga era constituída de gente oriunda da burguesia e comprava seus títulos.

Mais de 90% da população formava o Terceiro Estado: alta burguesia (banqueiros, financistas e grandes empresários); média burguesia, formada por profissionais liberais; a pequena burguesia formada por artesãos e lojistas; e a maioria do povo, constituída por uma camada heterogênea de trabalhadores e camponeses. Entre esses havia ainda aproximadamente 4 milhões de servos. 

O Terceiro Estado tinha de pagar impostos e contribuições para o rei, o clero e a nobreza. Os privilegiados tinham isenção tributária. A principal reivindicação desse Estado era a abolição dos privilégios e que fosse instalada a igualdade civil.

O rei monopolizava a administração; concedia privilégios; tinha desperdícios com luxo; controlava tribunais etc. O seu poder era um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo.O Estado francês tinha sérias dificuldades em captar com eficácia os impostos, cobrados por arrecadadores particulares. O orçamento tinha frequentes déficits. Quando estourou a revolução, a dívida externa chegava a 5 bilhões de libras, mas o meio circulante não passava da metade. Havia denúncias dessa situação pelos iluministas. A realidade era propícia a uma revolução, porém faltava uma conjuntura favorável para precipitar a revolução.

Em 1786, um tratado com a Inglaterra foi muito desfavorável à indústria francesa e beneficiava a indústria inglesa. Também houve em 1788 uma grave seca que provocou uma redução da produção de alimentos. Os preços desses subiram causando fome entre os mais pobres no campo e nas cidades. Para piorar a situação, as finanças do reino estavam prejudicadas pelo apoio aos colonos americanos que lutaram contra a Inglaterra numa guerra entre 1775 e 1783 e formaram os Estados Unidos. Esse apoio custou à França 2 bilhões de libras. 

Diante de seríssima situação financeira, o rei Luís XVI chamou o ministro Turgot para achar uma solução. Ele tentou fazer uma reforma tributária na qual o Primeiro e o Terceiro Estado teriam de pagar impostos, mas os nobres reagiram e ele se demitiu. O outro ministro, Calonne, convocou a Assembleia dos Notáveis, composta por nobres e clérigos em 1787. O ministro fez a proposta de que os dois Estados pagassem impostos. Mas os representantes do Clero e da Nobreza recusaram. Então, o novo ministro, Necker, sugeriu ao rei a convocação da Assembleia dos Estados Gerais para se achar uma solução. As eleições para a Assembleia, em abril de 1789, coincidiu com revoltas geradas pela colheita péssima desse ano. Houve agitação no grupo dos sans-cullotes (pessoas pobres das cidades) que  foi instigado por panfletos. 

Em maio de 1789, os Estados Gerais se reuniram no Palácio de Versalhes. O Terceiro Estado foi avisado de que os projetos seriam votados em separado, por Estado, o que daria a vitória ao Clero e à Nobreza por 2 a 1. O Terceiro Estado se recusou a aceitar e propôs votação por cabeça, porque tinha 578 deputados contra 270 da Nobreza e 291 do Clero. E ainda tinha o apoio de 90 deputados da nobreza esclarecida e 200 do baixo clero.

Em 17 de junho, o Terceiro Estado reuniu-se e se considerou Assembleia Nacional. O rei dissolveu a reunião. Os deputados do Terceiro Estado foram para a sala de Jogo da Péla, onde tiveram adesão de deputados do Clero e de nobres com ideias iluministas. O rei então aceitou a Assembleia Nacional.

Em 9 de julho a Assembleia proclamou-se Assembleia Nacional Constituinte e em 13 de julho é formada por ela a milícia de Paris, uma organização militar-popular. E então, em 14 de Julho membros da população de Paris tomam a fortaleza da Bastilha que era uma prisão. A explosão revolucionária espalha-se por outras partes do país, com grande violência no campo. É o Grande Medo.

Os deputados da Assembleia em reunião decidem em 4 de agosto a aprovação da abolição dos direitos feudais; são suprimidas as obrigações devidas pelos camponeses e ao rei e as devidas aos nobres deverão ser pagas em dinheiro. E em 26 de agosto os deputados aprovam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de inspiração iluminista, que defende o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão. Na sessão que discutiu o poder de veto pelo rei, os aristocratas à favor do rei sentaram-se à direita e os democratas à esquerda. 

Houve a recusa real em assinar a Declaração de Direitos e a massa parisiense revoltou-se devido principalmente ao alto preço de alimentos. Diversas mulheres de Paris participaram na Marcha das Mulheres sobre Versalhes. Foram as jornadas de outubro. O Palácio de Versalhes foi invadido e o rei passou a morar no Palácio das Tulherias, em Paris.

Com a aprovação da Constituição Civil do Clero, em 1790, ficou estabelecido que os bens eclesiásticos seriam confiscados para servir de lastro à emissão dos assignats (bônus do Estado) e os padres seriam funcionários do Estado. Muitos juraram fidelidade à Revolução, não obedecendo a orientação papal e outros se recusaram, os refratários. Alguns desses passaram a insuflar rebeliões contra a Revolução em certas províncias. 

Na Constituição de 1791 o poder Executivo ficaria com o rei e o Legislativo à Assembleia, que passou a ser chamada Assembleia Legislativa. O trono continuaria hereditário e os deputados teriam mandato de dois anos. Os juízes teriam de ser escolhidos entre advogados. Os eleitores teriam de ter um mínimo de riqueza. O feudalismo foi abolido e suprimidos os privilégios e as antigas ordens sociais, sendo proclamada a igualdade civil. Foi mantida a escravidão nas colônias. Foi instaurada a liberdade de produção e de comércio, afastando a interferência do Estado e proibindo as greves dos trabalhadores. Foram criados três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Satisfeita com realizações que envolviam a igualdade perante a lei, a ideia das carreiras abertas ao talento, Constituição escrita, governo parlamentar- a burguesia não queria que a Revolução avançasse mais. 

Luís XVI, estando em contato com outros soberanos, tentou fugir e foi descoberto, em julho de 1791, sendo mandado de volta ao palácio e mantido sob vigilância. Com receio de que os ideais revolucionários se espalhassem pela Europa, as potências estrangeiras uniram-se contra a França revolucionária.

Surgiram grupos dentro da Assembleia. Os girondinos representavam a alta burguesia, defendiam as posições conquistadas e procuravam evitar a ascensão dos sans-cullotes.  Os jacobinos, representavam a pequena e média burguesia, sendo o partido mais radical, sob a liderança de Robespierre, que se apoiava nos sans-cullotes. Havia ainda os cordeliers, mais ao centro e os feuillants, à direita. 

Exércitos de austríacos e prussianos com apoio secreto de Luís XVI, invadiram a França. Nobres foram considerados traidores. A massa parisiense atacou aristocratas nas prisões no massacre de setembro.

Em 20 de setembro de 1792 austríacos e prussianos foram vencidos pelos franceses em Valmy e à noite foi proclamada a República, sendo que o rei foi considerado suspeito de traição. Foi dissolvida a Assembleia Legislativa e formada a Convenção Nacional, que deveria preparar uma nova Constituição. Os jacobinos acabaram tomando o poder e afastando os girondinos.

O rei, apesar de defendido pelos girondinos, foi considerado culpado de traição e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Uma nova representação nesse ano tomou posse, eleita por sufrágio universal masculino. Em março desse ano uma grande coligação formada por Inglaterra, Império Austríaco, Prússia, Holanda, Espanha, Portugal e Rússia se formou contra a França. A Convenção convocou milhares de franceses para o Exército. No entanto, na região que chamavam de Vendeia, houve resistência ao alistamento obrigatório e padres se aproveitaram da insatisfação popular para atacar os revolucionários. Tropas do governo devastaram a região, havendo massacres de milhares de mulheres e crianças. 

A Convenção criou instituições em defesa da República: Comitê de Salvação Pública (controle do Exército); Comitê de Segurança Nacional (Segurança Interna); Tribunal Revolucionário (para julgar os contrarrevolucionários). A Convenção e os principais comitês estavam dominados pelos jacobinos, que começam a perseguir os adversários. Muitos girondinos são guilhotinados. É o período do Terror, que se estenderia de junho de 1793 a julho de 1794. 

Os indulgentes de Danton protestaram e pediam o fim das perseguições e os adeptos de Hebert, pregavam mais violência. Diante da pressão popular, Robespierre fez concessões: tabelou preços, perseguiu especuladores, criou mais impostos sobre os ricos; pobres, velhos e desamparados ficaram protegidos por leis especiais; manufaturas públicas foram criadas para produzir armamentos e roupas; a instrução tornou-se obrigatória e bens de nobres emigrados foram vendidos para cobrir despesas do Estado. O Tribunal Revolucionário prendeu mais de 300.000 pessoas, condenando à morte mais de 17.000 (há autores que dizem que pode ter sido por volta de 35.000). Muitos morriam nas prisões esperando julgamento. Foi criado pelos jacobinos o culto público ao "Ser Supremo". 

Robespierre atingiu a própria Convenção com sua política terrorista. Promulgou a Lei dos Suspeitos, que colocava sob suspeita qualquer pessoa que, entre outras atitudes, falasse de modo "desrespeitoso" em relação à República e parecesse favorável à Monarquia. Condenou Danton à morte e perseguiu os hebertistas. Mas quando o sucesso militar afastou o perigo de invasão da França, a população passou a desejar cada vez mais o abrandamento da repressão. Os girondinos começaram a reagir. Sem apoio maciço dos sans-cullotes, cujos líderes tinham sido em grande parte executados, Robespierre foi preso e guilhotinado com outros jacobinos, em julho de 1794. A alta burguesia voltava ao poder. 

A Planície ou Pântano, movimento constituído por elementos da alta burguesia em sua maioria,  oportunistas e de duvidosa moral, que ligou-se aos girondinos e passou a dominar a Convenção. Os clubes jacobinos foram fechados. Foi feita uma nova Constituição, mais conservadora, que fortaleceu a importância da propriedade privada, possibilitando aos proprietários maior participação política, suprimiu o voto universal masculino, restabeleceu o voto censitário (por renda) e estabeleceu um poder Executivo com 5 diretores eleitos pelo Legislativo: o Diretório. Os deputados comporiam duas câmaras: O Conselho dos 500 e o Conselho dos Anciãos. 

Nessa nova assembleia, os girondinos e seus aliados sentavam-se ao centro, os realistas à direita e os jacobinos e socialistas utópicos à esquerda. Houve tentativas de golpes à esquerda e à direita. Um dos golpes, em 1795, foi tentado pelos realistas e sufocado por um jovem general, Napoleão Bonaparte. A recompensa a ele foi o comando de um exército que iria combater os austríacos na Itália. Em 1796 houve a tentativa fracassada de Babeuf de dar continuidade ao movimento radical na "Conspiração dos Iguais". 

Na época, o Exército francês era uma instituição que estava fortalecida, por causa das vitórias contra revoltas e contra os exércitos invasores. Os generais foram estimulados a ampliar a área do território francês em guerras com outros países. 

Em 1798 os jacobinos venceram as eleições, mas a burguesia queria um governo forte que conduzisse a França a uma estabilidade política. Assim, dois diretores apoiaram um golpe de Estado que colocou Napoleão como consul, em 09 de novembro de 1799. Napoleão assim afastava os jacobinos e consolidava o poder da burguesia. Começava o período napoleônico que terminaria em 1815.

Cito a seguir alguns comentários do historiador Eric Hobsbawm (1996):

"A Revolução Francesa foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente.
 (...) Metade dos sistemas legais do mundo está baseado na codificação legal que a Revolução implantou (...)"

"Países tão afastados de 1789, como o Irã islâmico e fundamentalista, são Estados nacionais territoriais estruturados no modelo trazido ao mundo pela Revolução Francesa, junto com muito de nosso vocabulário político (...)"

"A Revolução Francesa deu aos povos a noção de que a história pode ser mudada por sua ação. Deu-lhes também o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada para a política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou: "Liberdade, igualdade, fraternidade".

O saldo de mortos na França durante a Revolução foi terrível e assim descrito por 3 autores franceses, Bluche, Riais e Tulard: 

"As terríveis guerras da Revolução e do Império, de fato indissociáveis, resultaram em um saldo territorial praticamente nulo. A sangria praticada na população- cerca de 700.000 mortes resultantes de massacres e guerras entre 1789 e 1799..."
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: Google.