O Blog do MJRodrigues realizou uma entrevista
com o superintendente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP),
Luiz Carlos Mantovani Néspoli (Branco). Luiz Mantovani é engenheiro Civil
/Escola Politécnica-USP, com curso de Administração de Empresas/FGV-SP
(administração para executivos), é superintendente da Associação Nacional de
Transportes Públicos (ANTP), desde 2012. Sua carreira foi desenvolvida desde
1975 nas áreas de planejamento, projeto, operação e gestão de transporte,
trânsito e mobilidade urbana. Atuou no setor público no Metrô/SP, EMTU/SP,
EMPLASA/SP e na CET/SP.
A seguir a entrevista com Luiz
Mantovani.
1- Como surgiu a ANTP?
Quais as atividades e objetivos da ANTP? Pode fazer um relato de como surgiram
os congressos e como foi o desenvolvimento dos mesmos até a atualidade?
Resposta.: A ANTP é uma entidade
privada, sem fins lucrativos. Foi criada em 30 de junho de 1977, com o objetivo
permanente de defesa do transporte público de qualidade, mobilidade urbana
sustentável e qualidade de vida urbana. A maneira de atuar da ANTP é criar
oportunidades para geração e disseminação de conhecimento na área de mobilidade
urbana em todos os seus aspectos. Com esse propósito, cria em 1978 dois grandes
eixos de atuação: a Revista dos Transportes Públicos, hoje na sua 157ª edição,
e o Congresso Brasileiro de Mobilidade Urbana, hoje já na sua 24ª edição. Ao
longo dos seus 48 anos, procurou contribuir para a criação de políticas
públicas, como a criação do ônibus tipo Padron, o Vale Transporte, e a Política
Nacional de Mobilidade Urbana. Nosso acervo digital conta com mais de 6 mil
documentos digitalizados e totalmente disponíveis na biblioteca virtual
no site da entidade
2- Quais os problemas
mais sérios de mobilidade na atualidade no Brasil e como resolver estes
problemas?
Resposta : Ao longo dos 48 anos de
existência da ANTP, evoluímos muito na mobilidade urbana no país. Acho que
podemos ver o copo meio cheio e não meio vazio. Hoje o país fabrica ônibus
muito melhores do que no passado, já vemos muitos ônibus elétricos nas ruas,
avançamos bastante na prioridade do ônibus na via pública com a construção de
faixas exclusivas e corredores em muitas cidades brasileiras, como também
evoluímos muito na implantação de sistemas de maior qualidade como o BRT. Mas é
necessário muito mais para que tenhamos um transporte público de qualidade:
mais prioridade na via, renovar a frota de ônibus (a idade média é muito alta e
a frota ainda tem muitos ônibus do tipo Euro 3, muito poluentes), descarbonizar
a mobilidade urbana, ampliar a infraestrutura para mobilidade ativa (andar a
pé, acessibilidade e bicicleta).
Vencemos o tabu do subsídio, e o país
conta hoje com quase 400 cidades que aportam recursos de custeio para o
transporte público. Mas, vivemos um momento agudo de crise de demanda (perda de
passageiros ao longo das últimas duas décadas), de crise de financiamento do
custeio (o transporte público não se sustenta apenas com tarifa paga pelos
passageiros). Por isso é fundamental que o Marco Legal do Transporte Público
avance no Congresso Nacional, dispositivo que moderniza e torna transparente a
contratação do transporte público, que traz possibilidade de novos recursos
para infraestrutura e custeio, e inova na governança, trazendo de volta o
Governo Federal como ente com responsabilidade sobre o transporte público.
3- Em relação ao meio
ambiente e à mobilidade, o que está sendo feito no Brasil para redução de
emissão de gases de efeito estufa? O que precisa ser feito?
Resposta.: Em 2023, a ANTP lançou o
Caderno Técnico nº 29 – Rotas Tecnológicas de Descarbonização do Transporte
Público no Brasil, documento que expõe e discute todas as possibilidades de
energia. Estamos avançando bastante na implantação do ônibus elétrico à
bateria. Cita-se a cidade de São Paulo que hoje já tem 1.000 veículos rodando
nas linhas de ônibus da cidade. Mas, o esforço de ampliar a frota
descarbonizada ainda depende de linhas de financiamento e barateamento do
ônibus novo, já que custa cerca de três vezes mais do que um similar a diesel
Euro 6. As cidades estão criando planos de negócios peculiares para tentar
introduzir o ônibus descarbonizado em suas redes de transporte público, para
que o passageiro não arque com o peso da transição energética. Reduzir
poluição, seja local (material particulado principalmente) ou de efeito estufa
(CO2), que é de interesse de toda a sociedade – nacional e mundial, não pode
ser arcado apenas pelo passageiro. Deve ser um projeto de Estado.
4- Em relação à questão
da tarifa 0 quais as possibilidades de implantação em todas as cidades
brasileiras? Qual a importância desta questão?
Resposta: De fato, muita gente da
população está hoje alijada do uso de transporte motorizado em face da tarifa
estar acima da renda necessária. A tarifa-zero tem esse condão de ser uma
política de inclusão social, permitindo o acesso ao direito à cidade para todos
os brasileiros. O índice de mobilidade urbana no país é de 1,6 viagens por
habitante, enquanto em cidades mais desenvolvidas em países ricos é de 4.
Portanto, oferecer condições para que as pessoas possam se movimentar mais,
deve ser um objeto. Mas temos que ter claro que o processo não pode ser
abrupto, pois os recursos necessários são elevadíssimos.
A ANTP propõe como ponto de partida a
modicidade tarifária (ou seja, tarifas reduzidas para todos) com inclusão
social (gratuidades para a população de mais baixa renda). Mesmo assim, isso requer
ainda bastante recurso, que deve vir também de outras fontes, como dos
orçamentos federais e estaduais (hoje os municípios já estão subsidiando), mas
também de recursos extraordinários da sociedade, porque o transporte público de
melhor qualidade e universal contribui para economia das cidades.
A tarifa-zero é mais facilmente
implantada em cidades pequenas, onde o equilíbrio entre oferta e demanda é mais
facilmente gerenciada. Nas redes mais complexas, é importante alertar para que
decisões não sejam isoladas de uma cidade apenas (caso de regiões
metropolitanas e aglomerados urbanos), nem tão pouco por um único sistema. Nas
cidades onde há metrôs e ferrovias, por exemplo, o cuidado é maior ainda, já
que estes sistemas não tem condições de aumentar a oferta em horários de pico
(não é possível colocar mais trens em circulação na mesma via).
5- Como o senhor
considera a participação de diversos segmentos sociais, técnicos, empresariais
e acadêmicos no recente congresso promovido pela ANTP? Esta participação tem
aumentado nos congressos?
Resposta: As características dos
congressos da ANTP são sua abrangência e diversidade de temas. A mobilidade
urbana envolve a participação de muita gente, muitos setores, muitas
organizações. Diferentemente de outros congresso em que se organiza em torno de
um setor, ou de um tema do momento, os congressos da ANTP buscam abordar todos
os temas e dar espaço para uma grande diversidade de ideias e experiências.
Não foi diferente no Arena Antp 2025.
Foram 42 painéis temáticos, com a participação de mais de 200 palestrantes, que
representavam mais de 60 entidades públicas, privadas, de organizações não
governamentais e acadêmicas.
Ao lado das conferências, uma grande
feira de exposições de cerca de 8 mil metros quadrados, com exposição de
fabricantes, fornecedores de tecnologias, entidades de fomento e órgãos
públicos.
Outro diferencial do congresso da ANTP
é a abertura que dá para autores de artigos técnicos apresentarem suas ideias e
experiências. Recebemos 148 artigos técnicos (já depositados no acervo técnico
digital da ANTP) e 102 autores estiveram presentes para fazer a apresentação
nas arenas do congresso.
Recebemos ao longo dos três dias mais
de 5.500 visitantes.
Em março de 2026, vamos lançar a
Revista dos Transportes Públicos nº 158 com a resenha de tudo que aconteceu no
24º congresso da ANTP.
6- Quais as propostas da
ANTP para a melhoria do transporte público no Brasil?
Resposta: Resumidamente:
· Aprovação do Marco
Legal do Transporte Público* pelo Congresso Nacional;
· Financiamento do
custeio por todos os entes federados, e também por recursos extra tarifários.
· Ampliação a
infraestrutura viária para dar prioridade ao transporte publico sobre pneus ou
VLTs. Isso envolve recursos de financiamento, mas, sobretudo, decisão dos
prefeitos.
· Ampliação da rede
metroferroviária onde a demanda exigir este modo de transporte;
· Maior transparência
nos contratos de concessão e maior transparência nos dados e informações que
devem ser públicos.
·
Modicidade tarifária para recuperar demandas que saíram do transporte
público e inclusão de setores da sociedade hoje alijados do transporte público.
7- Sobre os
deslocamentos feitos à pé e por meio de bicicletas o que ainda precisa ser
feito em nosso país para melhorar? Qual a importância destes deslocamentos para
melhorar a qualidade de vida?
Resposta: É necessário criar, e
ampliar, a infraestrutura de ciclovias e ciclofaixas, mas também de estacionamento.
A bicicleta não polui, vai bem em até 6 km. Ao lado disso, é fundamental sua
instalação em cidades ou setores da cidade que tem mais vocação para o seu uso.
Não basta colocar a infraestrutura em pé, é fundamental o incentivo ao uso.
8- O que é preciso para
tornar o transporte público mais utilizado por brasileiros de classes mais
altas e para que pessoas que deixaram de utilizar voltem a usar?
Resposta: Estudos já indicaram que não
basta a melhoria do transporte público para atrair setores mais ricos da
sociedade. Isso só será possível cobrando dos automóveis o que de fato eles
custam. Os automóveis usam gratuitamente o espaço viário, sobretudo para
estacionar gratuitamente. O financiamento indireto ao uso do automóvel é
conhecido de todos que estudam o tema. A sociedade brasileira, como indica o
sistema de informações da ANTP, investiu 4 vezes mais na infraestrutura do
transporte individual motorizado do que para o transporte público. Saímos
de um carro para cada 9 habitantes no início dos anos 1990, para um carro para
cada 2 habitantes em 2025. Por esta razão o uso do transporte por este meio
deve ser precificado e esse recurso deve ser direcionado para a melhoria do
transporte público.
9- Em relação a uma
legislação mais justa e abrangente para a mobilidade no Brasil, o que tem sido
feito pelos legisladores e como a ANTP tem se posicionado?
Resposta: A ANTP fez parte do Fórum
Consultivo do Ministério das Cidades e ao lado de outras entidades propôs o
Projeto de Lei do Marco Legal do Transporte Público, uma lei que será o divisor
de águas na gestão do transporte público no país.
10- No que consiste a
proposta de premiação de “Boas Práticas” com o prêmio Plínio Assmann?
Resposta: O Engenheiro Plinio Assmann
foi o fundador da ANTP. Como profissional, tem uma lista grande de
contribuição, mas foi como presidente do Metrô de São Paulo que mostrou toda a
sua capacidade de gestor público quando implantou as primeiras linhas de metrô
na cidade. Foi presidente da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) e também
Secretário de Transportes do Estado de São Paulo. Plinio Assmann faleceu neste
ano de 2025. Em sua homenagem, a ANTP lançou no Arena Antp 2025, o Prêmio
Plínio Assmann de Boas Práticas em Mobilidade Urbana, que premiará as melhores
práticas que estão sendo organizadas no Portal Boas Práticas da ANTP.
Em agosto de 2026, será feita a
primeira cerimônia de premiação. Ao longo do ano, a ANTP anunciará as regras de
participação.
*Marco
Legal: “Trata-se do Projeto de Lei nº 3278/2021, cujo Relator no Senado
Federal foi o Senador Veneziano Vital do Rego. O PL encontra-se na Câmara
Federal, sob relatoria do Deputado José Prianti. O Marco Legal altera a Lei
12.587 no que diz respeito à regulamentação do transporte, aborda todos os
aspectos envolvidos no planejamento, produção, operação e financiamento do
transporte público. Destaca-se a previsão da União participar do custeio do
transporte público. Outros aspectos importantes são os direitos dos usuários e
a transparência total das informações e dados”.(Explicação dada pelo
entrevistado).










































