Em comemoração à Proclamação da República no Brasil, que aconteceu em 15
de novembro de 1889, portanto, há 127 anos, resolvi escrever este artigo. Vou
começar fazendo um retrospecto histórico desde a ideia de Platão sobre
República até chegar na República no Brasil.
Platão, filósofo grego, escreveu “A República”. A questão
principal exposta diz respeito à busca de uma fórmula que garanta uma
harmoniosa administração a uma cidade. As crianças dessa República ideal estão
sob especial cuidado do Estado. Até a idade dos vinte anos, recebem a
mesma educação.
Há todo um processo neste tipo de República em que as crianças passam
por um sistema educacional e seletivo, sendo que os menos aptos ficariam nas
classes inferiores e os mais aptos, que se destacassem mais, seriam elevados a
patamares superiores.
Aos 30 anos os que fracassarem nos exames são reunidos para formar a
classe média: a dos soldados. E os demais terão autorização para continuar seus
estudos superiores, cuja principal disciplina é a Filosofia. São exercitados
para governar, porque deverão ser os dirigentes do Estado. Esse ensino superior
irá durar uns cinco anos ainda. E então, aos trinta e cinco anos, servem como
“aprendizes da vida”.
Como filósofos amadurecidos, na teoria e na prática, devem
então comandar o Estado, pois para Platão o Estado ideal deve ser
governado por filósofos e a finalidade deste Estado é estabelecer a Justiça
Universal.
Em Roma Antiga, a República foi instalada em 509 a. C, com a
deposição do último rei do povo etrusco (Tarquínio, o Soberbo), que dominava
Roma. A partir daí, a mais poderosa instituição política passa a ser o Senado,
constituído por membros patrícios, que eram da classe dos grandes proprietários
de terras. Também havia os magistrados (pretores, questores, cônsules, edis
etc) e, em ocasiões especiais, havia o governo de ditadores, como foram Sila (a
favor dos aristocratas) e Júlio César (que apesar de ser patrício reduziu
certas regalias dos grandes proprietários e estabeleceu alguns benefícios aos
mais pobres).
Existia a Assembleia Centurial, composta por patrícios e plebeus, que
votava as leis que vigoravam em Roma, elegiam cônsules e pretores, como também
resolvia as apelações de cidadãos, sendo que havia mais centúrias patrícias.
Outras instituições importantes eram a Assembleia Curiata, que cuidava de
assuntos religiosos e a Assembleia da Plebe, que escolhia os tribunos da plebe
e votava leis.
O período republicano em Roma foi caracterizado por lutas
entre patrícios e plebeus. A revolta desses resultou em leis que
os beneficiaram (Licínia, Canuleia, Hortênsia
etc).
Com a expansão territorial, a partir das conquistas militares
houve aumento da concentração de terras em mãos dos patrícios, êxodo
rural, proletariado urbano empobrecido e aumento da escravidão. Durante a
República houve o surgimento da classe dos equestres (comerciantes), a
tentativa frustrada de Reforma Agrária (irmãos Graco), revoltas de escravos,
derrota do império cartaginês, aumento das atividades comerciais. Além disso, a
sociedade romana também sofreu forte influência da cultura grega e helenística,
aumento da corrupção e das separações entre casais, lutas entre o partido
Popular e o partido Aristocrático.
O fim da República se deu após a luta entre e Marco Antônio e
Otávio, integrantes do Segundo Triunvirato, que originalmente também contou com
Lépido, sendo vencedor Otávio (herdeiro político de Júlio César) e que
passou a ser designado Augusto, o primeiro imperador.
Outras duas experiências republicanas importantes de outros países que
eu destaco são: a Independência dos Estados Unidos, sendo formada uma República
Federalista e Presidencialista e a República da Convenção da Revolução
Francesa.
Em relação à república formada nos Estados Unidos, sua
Constituição teve fortes influências iluministas, como por exemplo,
a teoria dos direitos naturais de John Locke. Esta Constituição garantia a
propriedade privada, optou pelo sistema de república federativa, defendia os
direitos e garantias individuais do cidadão, embora mantivesse a escravidão. De início existiram duas facções: os federalistas e os
republicanos. A Constituição, datada de 1787, buscou um
equilíbrio entre essas duas forças, abrindo caminho para que os estados
norte-americanos tivessem autonomia para elaborar uma série de leis, que
tratariam de assuntos de natureza mais específica.
Entre as mais famosas reformas na Constituição dos Estados Unidos, podem
ser citadas as leis que determinaram o fim da escravidão (1865); a criação do
voto feminino (1920); a proibição das confissões sob tortura (1937) e a que
concedeu o direito do cidadão ficar em silêncio e exigir um advogado quando
acusado por algum crime (1966).
Na França, durante a fase da Convenção, o rei absolutista foi guilhotinado.
No governo republicano dos jacobinos, que representavam a pequena burguesia e
os sans-cullotes (população pobre urbana), houve o enfrentamento às tropas
estrangeiras que estavam invadindo a França; a criação do Comitê de
Salvação Nacional, que buscava resolver os problemas internos; o Tribunal
Revolucionário, que perseguia e condenava à morte qualquer um que viesse
a ser visto como desleal à revolução.
Foram implantadas medidas a favor dos mais pobres como: sufrágio
universal, que anulou os direitos feudais remanescentes; permitiu a
formação de pequenas propriedades; e tabelou o preço de todos os gêneros de
primeira necessidade. Também foram tomadas outras medidas como a defesa da
criação da escola primeira pública e gratuita; a regulação dos salários; o
direito de greve e o combate ao estado de miséria que atingisse qualquer
cidadão. Caracterizou-se também o governo jacobino pela enorme mortandade
devido à ação descontrolada e abusiva do Tribunal Revolucionário, sendo executadas
dezenas de milhares de pessoas.
As experiências republicanas dos Estados Unidos e França influenciaram
diversos movimentos na América, como nos casos das independências de vários
países da América hispânica e em movimentos republicanos no Brasil como as
Conjurações Mineira e Baiana no século XVIII; a Confederação do Equador, em
Pernambuco e a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul no século XIX.
Em 1840 assumiu o governo o imperador Dom Pedro II. Seu pai, Dom Pedro
I, primeiro imperador do Brasil, havia abdicado em 1831 e começaram os governos
regenciais (Regências Trinas, Regência de Feijó e Regência de Araújo Lima). O
último governo regencial acabou graças à antecipação da maioridade de Pedro de
Alcântara, o segundo imperador. O segundo Império iniciou tendo de lidar com
algumas revoltas provinciais que tinham começado nos governos regenciais, sendo
a mais duradoura a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul. No fim da
década de 1840 as tropas imperiais derrotaram a Revolução Praieira em
Pernambuco, acabando com as revoltas nas províncias.
A política partidária no Segundo Império ficou dominada pelo Partido
Conservador (mais centralizador) e pelo Partido Liberal (a favor de mais
autonomia às províncias). O imperador governava tendo a seu favor o Poder
Moderador, que possibilitava a ele um poder centralizador e de intervenção
política.
Na segunda metade do século XIX, conflitos externos (Guerra contra
o ditador Rosas na Argentina, Guerra contra os blancos do Uruguai e a Guerra do
Paraguai); a Questão da escravidão; a Imigração de europeus; as
iniciativas de Mauá e o desenvolvimento cada vez maior da lavoura
cafeeira foram fatores de destaque na realidade brasileira.
Depois da Guerra do Paraguai, fatos importantes influenciaram
no enfraquecimento do Império e contribuíram para a implantação
da República. Com o fim da guerra contra o exército paraguaio de Solano
Lopez, novos aspectos aconteceram como o Manifesto Republicano de 1870; o
surgimento de uma nova consciência corporativa por parte de membros do Exército
brasileiro e o crescimento do movimento abolicionista. Podem ser apontadas como
as principais “Questões” que foram responsáveis pela decadência do Império
as seguintes: Questão Religiosa; Questão Escravocrata; Questão Militar.
A Questão Religiosa se deu devido a dois bispos brasileiros terem punido
padres maçons, seguindo a orientação papal, mas sem a autorização do imperador,
conforme determinava o padroado, que estabelecia a submissão do Clero
brasileiro ao Império (tal prisão ocasionou um desgaste da relação entre
Igreja e o governo imperial); a Questão Escravocrata, por causa da Lei Áurea
que libertou os escravos, levando ao descontentamento diversos fazendeiros
escravistas; a Questão Militar, devido ao sentimento de desvalorização por
parte de integrantes do Império e à prisão de militares que se manifestaram
contra atos do Império, assim como a influência de ideias republicanas e
positivistas no meio de oficiais do Exército. Também foram fatores que tiveram
influência a Questão da Sucessão do Trono, pois a princesa Isabel, herdeira do
trono, era casada com um nobre francês; e republicanismo federalista de certos
fazendeiros, principalmente da província de São Paulo, querendo descentralizar
o poder e dar mais autonomia às províncias (na República, os estados) e o
descontentamento de camadas médias da população, que queriam
mais oportunidades.
O acirramento da Questão Militar, com a prisão de militares,
levou certos oficiais a marcarem a derrubada do imperador. Foi chamado a
chefiar as tropas que iram realizar o movimento o marechal Deodoro da Fonseca,
que era de origem monarquista. De início não tendo se decidido a apoiar o
movimento, acabou por tomando parte e liderando as tropas que depuseram o
ministério imperial, principalmente por ter sido espalhado um boato de que ele,
Deodoro, como também outros oficiais, seriam presos. Então, em 15 de novembro
de 1889, o governo imperial caiu, sendo que o imperador e sua
família tiveram de se exilar na Europa.
Os primeiros governos republicanos foram chamados de “República da
Espada” (governos de Deodoro e Floriano Peixoto). A Constituição de 1891
instituiu algumas mudanças importantes, como o fim do voto censitário (por
renda); a separação da Igreja do Estado; o fim do poder Moderador; mais autonomia
para os Estados; o voto direto para presidente da república (depois da primeira
eleição, que seria indireta). Mas a estrutura econômica do país ainda
continuava muito baseada no campo e os que podiam votar eram somente
homens alfabetizados a partir de 21 anos, estando excluídos também
mendigos e membros de ordens monásticas, o que restringia o número de eleitores
a uma ínfima parcela da população. E o voto não era secreto. Durante a
“República da Espada” milhares de brasileiros perderam a vida em conflitos
sangrentos (Revolta da Armada e Revolução Federalista).
Após o governo de Floriano veio a chamada República
Oligárquica, dominada pelos fazendeiros, com predomínio das oligarquias
paulista e mineira. A República da Espada e a Oligárquica formaram a chamada
República Velha (1889-1930), período sucedido por outas fases republicanas do
Brasil: Era Vargas (1930-1945); Governos Populistas (1946-1964); Governos
Militares (1964-1985) e a fase atual de democratização (1985 até hoje).
Houve durante toda a República, em nosso país, conquistas de direitos de
cidadãos por meio de lutas diversas; massacres; vitórias e retrocessos
políticos; maiores direitos quanto ao voto; diversificação econômica;
crescimento urbano; melhorias sociais etc. Infelizmente problemas sociais
graves continuam ocorrendo. A violência urbana acentuada e a corrupção
disseminada ainda são aspectos negativos muito frequentes e com um sistema
judiciário em variadas ocasiões com falhas e injusto. A Educação e a Saúde
Pública tem que melhorar muito, como também necessita haver um maior
desenvolvimento de muitos aspectos estruturais. Enfim, houve
mudanças boas, avanços democráticos, porém para nossa República ser mais justa
e mais democrática ainda falta muito.
De Platão, podemos nos inspirar na sua ênfase na educação e na
necessidade dos esforços por melhorias das capacidades das pessoas, mas sem
chegar nas minúcias de seu processo seletivo, onde a sociedade discriminava os
que não tinham condições de serem os mais capacitados e onde os
"intelectuais" tinham um poder supremo. E dos jacobinos, o exemplo da
preocupação com os mais necessitados, sem chegar nos seus excessos e
autoritarismos. Dos Estados Unidos há boas ideias de respeito aos direitos de expressão,
os direitos pessoais. Porém temos de ter consciência de que o Brasil não tem
que ter como um modelo ideal este último país, que também tem seus defeitos,
como se viu na última eleição, quando um candidato menos votado foi eleito
presidente. O Brasil precisa encontrar seu próprio caminho em busca de
uma sociedade melhor e mais justa.
Que a data do 15 de Novembro nos sirva de reflexão sobre a história de
nossa república e o que queremos que mude em nossa nação!
Márcio José Matos Rodrigues - professor de
História.
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