sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Aniversariante de Dezembro, o escritor brasileiro Érico Veríssimo

 






Em 17 de dezembro de 1905 nasceu o escritor Erico Lopes Veríssimo, em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul. Foi um escritor brasileiro da segunda fase modernista, chamada de fase de consolidação. Foi um dos melhores romancistas brasileiros.  Nasceu em uma família de posses, que entrou em decadência econômica. Seu  pai era o farmacêutico Sebastião Verissimo da Fonseca e sua mãe era Abegahy Lopes. Esteve muito doente quando criança, tendo sido diagnosticado com meningite e boncopneumonia, mas conseguiu sobreviver com ajuda médica. Estudou na infância no Colégio Venâncio Aires, em Cruz Alta. Em 1914, com quase 14 anos, criou a revista Caricatura, fazendo desenhos e escrevendo. Aos treze anos de idade leu autores nacionais como Joaquim Manuel de Macedo e Aluísio de Azevedo, assim como escritores do exterior (Walter Scott, Émile Zola etc). Em 1920 passou a estudar no Colégio Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre. Nesse colégio se destacou como primeiro aluno da turma.

Em dezembro de 1922 Érico Veríssimo terminou seus estudos no Colégio Cruzeiro do Sul, ano em que seus pais se separaram. Érico, seu irmão mais novo e sua irmã adotiva passaram a morar na casa dos avós maternos. O pai se perdeu em dívidas, perdendo bens da família. Em 1923, Érico conseguiu emprego no armazém de um tio e depois foi trabalhar no Banco Nacional do Comércio. Na época transcreveu obras de Euclides da Cunha e de Machado de Assis, também se interessando pela música lírica. Passou a ler mais os autores nacionais e estrangeiros. Em 1926, ele tornou-se sócio de uma farmácia, mas o negócio  faliu em 1930, o que levou Érico a ter uma dívida por anos. Outra ocupação dele nesse período foi a de professor de literatura e de língua inglesa.

Em 1929, Érico ficou noivo e publicou o texto Chico: um Conto de Natal, na revista “Cruz Alta em Revista”. Seus contos  Ladrão de Gado e A Tragédia dum Homem Gordo foram enviados por um amigo à Revista do Globo e no jornal Correio do Povo foi publicado o conto A Lâmpada Mágica.

Em outubro de 1930 o pai de Érico mudou-se para Santa Catarina e eles não se viram de novo. Érico, sem dinheiro e desempregado, foi para Porto Alegre, para viver como escritor. Ele foi contratado como secretário de redação da Revista do Globo e tinha encontros com autores como Mário Quintana e Augusto Meyer no centro da cidade.

Em 1931 há o casamento de Érico em Cruz Alta com Mafalda Halfen Volpe e o casal passa a morar em Porto Alegre, tendo dois filhos, Clarissa e o futuro escritor Luís Fernando Veríssimo. Com a finalidade de aumentar sua renda, Érico iniciou traduções do inglês para o português. Também começou a colaborar para as edições de domingo dos jornais Diário de Notícias e Correio do Povo. Foi promovido em 1932 ao cargo de diretor na Revista do Globo. Nesse ano é publicado a sua obra Fantoches, que era uma coletânea de contos, grande parte em forma de pequenas peças de teatro. Não houve uma boa venda dos exemplares desse livro.

No ano de 1933, Érico publicou seu romance Clarissa (o primeiro que foi publicado) e também traduziu o livro Contraponto, de Aldous Huxley. Em 1935 publicou o segundo romance, Caminhos Cruzados, que foi criticado pela Igreja Católica e pelo Departamento de Ordem Pública e Social, o que fez o autor ser chamado na polícia. Em 1936 publicou outros dois romances, na verdade continuações de ClarissaMúsica ao Longe (que levou o prêmio Machado de Assis) e Um lugar ao Sol. Também criou um programa infantil na Rádio Farroupilha: O Cube dos Três Porquinhos, que teve de sair do ar por causa da repressão do Estado Novo. Em 1938 foi publicada a obra de Érico Veríssimo considerada a primeira de repercussão nacional: Olhai os Lírios do Campo. Essa obra foi traduzida para várias línguas. Passou a ser conselheiro literário da Editora Globo. Outros escritores estrangeiros foram escolhidos por ele para serem traduzidos como Thomas Mann, Virgínia Wolf, Balzac etc. Em 1940, Veríssimo publicou Saga.

Érico Veríssimo morou por três meses nos Estados Unidos. Lá ele proferiu conferências, sendo financiado pelo Departamento de Estado devido à Política Boa Vizinhança de Franklin Roosevelt. Já no Brasil, quando estava passando em um lugar com seu irmão viu quando uma mulher caiu de um prédio. Esse fato o inspirou para escrever o romance O Resto é Silêncio, cujo início começa com um suicídio de uma mulher.

Quando esteve em 1943 novamente nos Estados Unidos, mais uma vez a convite do Departamento de Estado, ficou por dois anos, lecionando Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Sobre suas viagens ao exterior, ele escreveu Gato preto em campo de neve e A volta do gato preto. Um dos motivos para Érico aceitar morar por um tempo nos Estados Unidos foi a sua não concordância com a ditadura de Vargas.

Em 1947 começou a escrever a trilogia O Tempo e o Vento, considerada a sua obra-prima. O primeiro volume, O Continente, foi publicado em 1949. Nessa época o autor colabora com a revista luso-brasileira Atlântico. Outros volumes de O Tempo e o Vento foram publicados em 1952 (O Retrato) e em 1954 (Noite).

Retornou aos Estados Unidos, ficando lá no período de 1953 a 1956, quando assumiu a direção do Departamento de Assuntos Culturais da Organização dos Estados Americanos, em Washington. Em 1957, em Porto Alegre, iniciou o livro México a respeito de uma viagem a este país.

Érico teve um infarto do miocárdio em 1961. Em 1962, entrega O Arquipélago,  outra parte de O Tempo e o Vento para ser publicada. Em 12 de outubro de 1963 a mãe de Érico morre. Em 1965 foi publicado o romance O Senhor Embaixador (uma reflexão sobre a América Latina). Nesse ano ganha da Câmara Brasileira de Livros o prêmio Jabuti, na categoria romance. Em 1966 publica sua autobiografia: O Escritor diante do Espelho. Em 1971 escreve o romance Incidente em Antares, com base em aspectos da história do Brasil, criando Antares, uma cidade fictícia. Em 1972 Érico relançou a obra Fantoches (que tinha sido publicada primeiramente 40 anos antes) e em 1973 publica o primeiro volume de Solo de Clarineta, que era uma segunda e mais ampla autobiografia. Em 28 de novembro de 1975, em Porto Alegre,  o autor morre de infarto. O segundo volume de Solo de Clarineta é publicado postumamente em 1976. O amigo Drumond escreveu o poema A falta de Érico Veríssimo em homenagem ao escritor falecido:

 

A falta de Érico Veríssimo

Falta alguma coisa no Brasil
depois da noite de sexta-feira.
Falta aquele homem no escritório
a tirar da máquina elétrica
o destino dos seres,
a explicação antiga da terra.

Falta uma tristeza de menino bom
caminhando entre adultos
na esperança da justiça
que tarda – como tarda!
a clarear o mundo.

Falta um boné, aquele jeito manso,
aquela ternura contida, óleo
a derramar-se lentamente.
Falta o casal passeando no trigal.
Falta um solo de clarineta.

 

Carlos Drumond de Andrade

 

 

A Professora Licenciada em Letras Daniela Diana destaca as principais obras de Érico Veríssimo:

 

“Érico Veríssimo possui uma vasta obra dentre contos, romances, novelas, ensaios, literatura infanto-juvenil, biografias, autobiografias e traduções.

Alguns pesquisadores afirmam que sua obra pode ser dividida em três fases: romance urbano, romance histórico e romance político.

Confira abaixo suas principais obras:

  • Fantoches (1932)
  • Clarissa (1933)
  • A vida de Joana d’Arc (1935)
  • Música ao Longe (1935)
  • As aventuras do avião vermelho (1936)
  • Um lugar ao sol (1936)
  • Olhai os Lírios do Campo (1938)
  • O urso com música na barriga (1938)
  • Saga (1940)
  • Gato Preto em Campo de Neve (1941)
  • As Mãos de Meu Filho (1942)
  • O Resto é Silencio (1943)
  • A Volta do Gato Preto (1946)
  • O Tempo e o Vento – 3 volumes (Vol. I “O continente” (1948), Vol. II “O retrato” (1951) e Vol. III “O arquipélago” (1961))
  • Noite (1954)
  • Gente e Bichos (1956)
  • O Escritor Diante do Espelho (1956)
  • O Senhor Embaixador (1965)
  • O Prisioneiro (1967)
  • Incidente em Antares (1971)”

 

 

Frases de Érico Veríssimo:

 

“Felicidade é a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente.”

“O amor está mais perto do ódio do que a gente geralmente supõe. São o verso e o reverso da mesma moeda de paixão. O oposto do amor não é o ódio, mas a indiferença...”

“Quando os ventos de mudança sopram, umas pessoas levantam barreiras, outras constroem moinhos de vento.”

“A gente foge da solidão quando tem medo dos próprios pensamentos.”

“Precisamos dar um sentido humano às nossas construções. E, quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.”

“O objetivo do consumidor não é possuir coisas, mas consumir cada vez mais e mais a fim de que com isso compensar o seu vácuo interior, a sua passividade, a sua solidão, o seu tédio e a sua ansiedade.”

“Como o tempo custa a passar quando a gente espera!
Principalmente quando venta.
Parece que o vento maneia o tempo.”

“Eu não devia observar tanto, pensar tanto. Se vivesse mais no ar, era mais feliz. Quando a gente quer olhar tudo, acaba descobrindo o que há de feio no mundo.”

“A vida começa todos os dias.”

“O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais.”

“Todos nós somos um mistério para os outros... E para nós mesmos.”

 “A inteligência é o farol que nos guia, mas é a vontade que nos faz caminhar.”

“Em geral quando termino um livro encontro-me numa confusão de sentimentos, um misto de alegria, alívio e vaga tristeza. Relendo a obra mais tarde, quase sempre penso ‘Não era bem isto o que queria dizer’.”

“A vida vale a pena ser vivida apesar de todas suas dificuldades, tristezas e momentos de dor e angústia.
O mais importante que existe sobre a face da terra é a pessoa humana. E surpreender o homem no ato de viver é uma das coisas mais fantásticas que existe.”

“Pensemos apenas nisto: não fomos consultados para vir para este mundo e não seremos consultados quando tivermos de partir. Isso dá bem a medida da nossa importância material na terra, mas deve ser um elemento de consolo e não de desespero.”

“O amor que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto: deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música ao longe.”

"Quando muito moço, eu me sentia como uma personagem que tinha entrado por engano numa peça a cujo elenco não pertencia. Eu me movia num palco estranho sem ter ideia do meu papel, e tudo ao meu redor parecia impreciso, absurdo e relativo." 

“O espírito de gentileza podia salvar o mundo. O que nos falta é isso: espírito de gentileza. Boas maneiras de homem para homem, de povo para povo.”

“Considera a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo”.

“É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as do amor e da persuasão”.

“E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim, à aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar”.

Nenhum escritor pode criar do nada. Mesmo quando ele não sabe, está usando experiências vividas, lidas ou ouvidas, e até mesmo pressentidas por uma espécie de sexto sentido.

 

Sugestão de vídeos: https://www.youtube.com/watch?v=K_z1uhHdkgE

https://www.youtube.com/watch?v=hwcIXCUaFXo

https://www.youtube.com/watch?v=yiOpPho0Eqs

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Márcio José Matos Rodrigues

 

Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+%C3%A9rico+ver%C3%ADssimo&sxsrf=

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Mensagens do final do ano

 


Natal em tempos de álcool gel 

        

Nestes tempos de álcool gel,

Até Papai Noel

Usa álcool setenta.

Ele usa uma máscara

Com a foto de um roqueiro dos anos 80.

Sei que pediste a vacina,

Mas isto o Noel não inventa!

Ah! Esta sina

Do bom velhinho,

De levar às crianças

Além dos presentes

A esperança!

Márcio José Matos  Rodrigues





 

Esperança      

 

Um ano se vai,

Foram ditos muitos “ais”!

Em 2021,

Haverá quantos mais?

A esperança chega

E com ela

Uma promessa de paz.

Acreditas nela?

Ela carrega,

Os desejos de tantos.

O seu canto,

Incentiva,

Anima,

Alegres muitos dão vivas.

A esperança é uma diva,

Muito querida,

Pelos mais otimistas;

Respeitada pelos chamados realistas,

Desprezada pelos pessimistas.

Por mais que seja exigida,

Ela não cansa.

Quem é esta visita,

Que aparece na virada do ano,

Na caverna do monge eremita,

Que reza pela Humanidade?

A morte?

A saudade?

Não.

Sua amiga,

A esperança!

Uma deusa com sabedoria antiga

E o sorriso de uma criança!


Márcio José Matos  Rodrigues

 









A hora derradeira de um ano que finda  

 

Muitos lamentam,

E sentem saudade;

Em meus pensamentos,

Desejo um ano para a Humanidade,

Com mais alegrias,

Menos lamentos.

Sento,

Em um banquinho de madeira,

De frente para o mar,

Para esperar,

A hora derradeira,

Deste ano que finda.

Quando for onze e meia,

De uma noite tão linda,

Um anjo sem máculas,

Baterá na porta do castelo do conde Drácula,

Para cearem juntos,

Comemorando mais um ano,

Da amizade mais estranha do mundo.


Márcio José Matos Rodrigues



Figuras: https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk03vrd9bLltoXV28E9D7M4PCXYIFxQ:1608755194881&sourcs=univ&tbm=isch&q=imagem+de+natal

https://www.meusonhar.com.br/sonhar-com-fada-2/

https://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2014/05/castelo-de-dracula-e-colocado-venda.html

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O uso do etanol no Brasil

 




Muito tem sido dito no Brasil a respeito das vantagens do etanol como combustível. É conhecido também como álcool etílico ou álcool. Como combustível, o etanol é considerado por muitos como um combustível ecológico e alternativo, podendo ser usado puro ou misturado com gasolina. É assim um biocombustível de origem vegetal. A cana de açúcar é o principal meio de se obter etanol no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, onde se utiliza mais o milho para se obtê-lo. Outros vegetais usados para a fabricação de etanol são a beterraba, a mandioca, a batata etc. Nos postos de combustíveis do Brasil há três tipos de etanol disponíveis: o etanol comum, o etanol aditivado e a gasolina misturada ao etanol. Quando se trata de gasolina misturada com etanol, o percentual deste é de 26% a cada litro. Com esta mistura busca-se uma produção de gasolina mais barata e para diminuir a poluição, porque em relação à gasolina, por exemplo, o etanol produz 25% menos gases poluentes.

Vou citar como vantagens os pontos que tem sido mencionados por alguns autores:

-Baixo custo de produção do álcool como combustível em relação à gasolina e o diesel

-O etanol é mais limpo, já que não é um combustível fóssil. A plantação de cana de açúcar também ajuda na preservação da atmosfera, pois o processo de fotossíntese absorve parte do CO2 do ar e libera ar puro.

-O etanol pode dar maior potência ao veículo. Só que, como o etanol é consumido 30% mais rápido no motor dos veículos, só vale a pena escolher o etanol quando o seu preço é, ao menos 30% em valor menor do que o custo da gasolina no posto. E o etanol puro só é recomendado para veículos adequados para este tipo de combustível ou para veículos de tecnologia flex.

-Em época de safra o etanol fica geralmente mais barato na venda ao consumidor.

-Em caso de vazamento o etanol consegue se misturar à agua, o que não acontece com a gasolina, portanto o risco de poluir cursos de água é muito mais com diesel e gasolina.

-A produção do etanol é mais fácil que de combustíveis fósseis. Com a produção do etanol são produzidos substratos como bagaço e palha da cana-de-açúcar, que produzem vapor e geram energia térmica, mecânica e elétrica.

 -A Agência Internacional de Energia diz que utilizar etanol produzido por cana-de-açúcar reduz em cerca de 89% a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa se for feita a comparação com a gasolina.

 - O petróleo não é renovável como o álcool. As reservas de petróleo irão acabar. A produção de etanol depende apenas da plantação dos vegetais que o produzem.

-O Brasil conseguiu a maior produção de etanol da História (35,6 bilhões de litros obtidos através da cana-de-açúcar e do milho).

-A geração de empregos em todas as etapas de produção, desde as áreas rurais onde há as plantações e outra vantagem é que o etanol ajuda a manter o motor do carro mais limpo por mais tempo.

Como desvantagens, os críticos dizem que o processo de etanol precisa de muita energia.  Existem leis no Brasil que especificam quais áreas podem ser destinadas à produção de etanol como forma de proteção ao meio ambiente. Assim, há uma limitação de áreas para a produção do etanol e de outras fontes de biocombustível, pois é preciso que haja terras para a produção de alimentos. A eficiência do etanol em motores de veículos é menor no frio, porque o álcool perde capacidade de combustão.  A matéria-prima (em geral a cana de açúcar, necessita de áreas muito grandes para ser cultivada, podendo causar muito desmatamento).

Há diferenças entre o etanol de milho e o da cana. Esta precisa de algumas horas de fermentação para ser obtido o etanol e o milho tem que passar por um processo químico, sendo que o milho tem maior concentração de açúcar que a cana. Uma tonelada de cana produz 89,5 litros de etanol e uma tonelada de milho produz 407 litros.

Há pesquisadores sociais que tem feito críticas fortes contra a expansão do setor de produção de etanol de uma forma que está sendo muito prejudicial ao meio ambiente como diz Wendell Ficher Teixeira Assis em seu artigo Justificações Midiáticas: As estratégias de ambientalização da produção de etanol através da publicidade: “ As dinâmicas de avanço da monocultura de cana que vem colocando em marcha a expulsão da soja e da pecuária para a fronteira agrícola forçando a ocorrência de novos desmatamentos na Amazônia, não têm sido associadas pela opinião pública à ocorrência de impactos ambientais e sociais resultantes da produção de etanol. Como ainda inexiste no imaginário coletivo uma relação estreita entre a produção de etanol e a ocorrência de impactos negativos, as peças publicitárias do setor sucroalcooleiro não têm se direcionado a responder críticas e reclamações, ao contrário disso, propõem-se a criar uma imagem enaltecedora do produto, que realça os benefícios ambientais, o desenvolvimento econômico, o avanço tecnológico e o combate ao aquecimento global. A ambientalização da produção operada por meio da publicidade reforça, assim, a imagem de vida, sustentabilidade, inteligência, modernidade e consciência ambiental associada ao uso e fabricação do etanol, ao mesmo tempo em que dificulta o florescimento de críticas e obnubila os questionamentos formulados pelos movimentos sociais.”

Também diz o mesmo autor: 

“...Ao associar o etanol à redução de gases de efeito estufa o setor sucroalcooleiro fortalece a ambientalização da produção, ao mesmo tempo em que invisibiliza a existência de conflitos ambientais e territoriais desencadeados pelo avanço da monocultura de cana”. E também em outro trecho do artigo: “... uma das estratégias do agronegócio brasileiro tem sido a disseminação de uma visão triunfalista que articulada a uma imagem hiperbolizada do potencial agrícola nacional forma um cenário no qual a terra aparece como bem ilimitado e permanentemente disponível.

Há dezenas de pontos críticos na produção dos combustíveis ditos “ecologicamente e politicamente corretos”. Centenas de milhões de hectares de terras férteis têm sido e serão destinados à produção da biomassa, milhões de produtores rurais do campo são expulsos de suas terras de origem, a poluição da água e do meio, os problemas de saúde com a chuva de fuligem resultante da queima da palha de cana, a diminuição da diversidade social e biológica por conta do cultivo da cana, a potencial contaminação dos ecossistemas vizinhos por organismos geneticamente modificados, as condições de trabalho degradante dos camponeses, proletários, migrantes e sub-proletariados que trabalham na produção da biomassa.”

 Considerando-se o que determinados autores tem dito sobre o etanol, é preciso que se analise bem a questão, observando-se não somente pelo lado dos fatores energéticos e econômicos, como também envolvendo os aspectos humanistas e ambientais. Ver até que até ponto deve-se considerar que o etanol é uma das saídas para a questão energética do país, no que a produção e o uso dele está colaborando e no que pode ser prejudicial ao meio ambiente e às relações sociais no campo. Decerto há muitas opiniões a respeito do uso do etanol. É necessário verificar de forma bem crítica toda a questão da produção e do uso do etanol no Brasil, pois ao se elegê-lo simplesmente como uma das maiores soluções energéticas limpas, sem uma análise mais ampla,  pode-se estar muitas vezes negligenciando os possíveis danos que podem ser causados. E a produção do biodiesel, outro biocombustível,  também tem que ser avaliada considerando-se as questões do meio-ambiente de uma forma abrangente.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+etanol&sxsrf=ALeKk02LWzWPUd4HSo9PPVgL0xkwVX_LlA:1608680478220&tbm=isch&source


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Assinatura do Acordo de Dayton




 

Um fato importante na História, que certamente é desconhecido por muitas pessoas, foi a assinatura em Paris, França, de um documento, por líderes das seguintes nações:  Croácia (presidente Franjo Tudjman), Bósnia-Herzegovina (presidente Alia Izetbegovic) e a Iugoslávia (presidente Slobodan Milosevic).Na época do acordo a Iugoslávia se limitava a uma união entre Sérvia e Montenegro. Esse documento foi o Acordo de Dayton (Dayton é uma base no estado de Ohio onde negociações tinham sido feitas), que oficializava o fim da guerra envolvendo estas nações, fator que já tinha sido acertado em 21 de novembro de 1995. O presidente Clinton dos Estados Unidos disse na ocasião: “O povo da Bósnia tem a chance de agora deixar o horror da guerra para trás e alimentar a esperança de paz."

Por meio do Acordo de Dayton, os representantes das citadas nações que tinham feito parte da anterior Iugoslávia, concordaram que a Bósnia deveria continuar existindo, com uma parte croata-muçulmana e outra sérvia. Seravejo, a capital da Bósnia, permaneceu controlada pelos bósnios. Os sérvios manteriam Pale, Srebrenica e Zepa. Para que o acordo fosse cumprido, uma força internacional de paz ficou baseada na Bósnia, com comando dos Estados Unidos, sob responsabilidade da OTAN.

Dias antes, em 10 de novembro de 1995,a Federação Bósnio-Croata e a República Bósnia-Herzegovina tinham acordado a formação da Federação Bósnia-Herzegovina e a definição de um governo de transição para a cidade de Mostar. E em 12 de novembro croatas e sérvio-bósnios estabeleceram um acordo-base sobre a Eslovênia Oriental, Barânia e Sírmio Ocidental.

A assinatura do Acordo de Dayton teve a presença de dez chefes de Estado e de governo no palácio ChampsElysées. Também estiveram presentes representantes de aproximadamente 50 países. O presidente da França, Jacques Chirac, disse em seu discurso de abertura:

"A esperança – que surge agora para todos os povos da ex-Iugoslávia – não nos deixa esquecer os 200 mil mortos da guerra. O conflito sangrento tem de ser deixado para trás, mas certamente deixará feridas no coração da Europa. O restabelecimento duradouro da paz será sobretudo tarefa dos países da região. Agora, todos os responsáveis devem partir para o capítulo da reconciliação. E, neste ponto, o exemplo de Adenauer e De Gaulle podem ser um grande modelo."

Para se entender melhor os acontecimentos relacionados a intensos ressentimentos que provocaram conflitos étnicos e políticos até se chegar ao Acordo de Dayton, com a intervenção de potências estrangeiras, destacarei fatos da história da Iugoslávia e outros logo após sua desintegração:

1-Segunda Guerra Mundial: Durante a Segunda Guerra Mundial, a Iugoslávia, que tinha sido criada em 1929 (existiu antes logo depois da I Guerra Mundial o Reino dos sérvios, croatas e eslovenos), foi invadida pela Alemanha nazista que queria controlar a área dos Balcãs. Foram incentivados pelos nazistas antigos ressentimentos entre povos que habitavam a Iugoslávia. Também foram formadas milícias fascistas nacionalistas em apoio aos alemães e seus aliados italianos e búlgaros, que tinham também ocupado a região. Com as sucessivas derrotas alemãs em 1944 e 1945 em várias partes da Europa, inclusive na Iugoslávia, o desejo de vingança de determinados grupos e a busca pelo poder causaram mais violência entre os iugoslavos. Para enfatizar esta minha explicação, citarei a seguir trechos do livro Continente Selvagem, do autor britânico Keith Love.

Sobre a formação da Iugoslávia diz o citado autor:

“...Era assim o ponto de encontro de três grandes religiões – cristianismo ortodoxo, catolicismo e islamismo (ou quatro, na verdade, se incluirmos também a pequena minoria judaica que foi quase aniquilada pela guerra). Era o lar de mais de meia dúzia de grandes minorias étnicas e nacionais, que gestaram, todas, rivalidades e ciúmes por gerações. Os dois grupos políticos mais fortes no período entreguerras- os sérvios monarquistas e o Partido Camponês Croata- discutiram infinitamente se a Iugoslávia deveria permanecer um reino único e, se assim fosse decidido, quanta autonomia seria concedida a cada região.”

Sobre a violência na Iugoslávia durante a Segunda Guerra Mundial, diz o autor:

“A Iugoslávia foi o local da pior violência na Europa, tanto durante quanto depois da guerra. O que torna a situação única são as muitas camadas que constituíram o conflito. Grupos de resistência iugoslavos lutavam não apenas contra agressores estrangeiros em uma guerra de libertação nacional, mas também contra soldados de seu próprio governo em uma guerra revolucionária, contra grupos de resistência alternativos em uma guerra ideológica e contra grupos de bandidos em uma batalha para impor a lei e a ordem. Esses diferentes filamentos estavam tão entrelaçados que eram frequentemente indistinguíveis uns dos outros. Mas houve uma ameaça nessa tapeçaria de violência que se destacou: o ódio étnico. O poder desse ódio foi assumido por todas as partes na guerra, a despeito de suas diferentes agendas. Quase meio século antes da guerra civil que faria o termo “limpeza étnica” ser conhecido em todo o mundo, a Iugoslávia foi envolvida nos estágios finais de um dos conflitos étnicos mais cruéis do século XX.“

O final dramático da Segunda Guerra Mundial na Iugoslávia foi assim descrito pelo autor: “ Durante os seis meses finais da guerra, forças alemãs realizaram uma retirada épica de toda a península balcânica. Enquanto recuavam através da Iugoslávia em abril de 1945, vários colaboracionistas, soldados e milícias locais se uniram a eles...” E ainda: “Como no restante da Europa, muita da violência na Iugoslávia foi motivado por um simples desejo de vingança (...). E destacou também os aspectos políticos que se juntaram aos étnicos: “Não há dúvida de que os massacres que ocorreram na Iugoslávia depois da guerra tinham, ao menos em parte, motivação política. Como os comunistas estavam concentrados em forçar a Croácia e a Eslovênia a se unirem novamente a uma federação iugoslava, não fazia sentido em permitir que dezenas de milhares de nacionalistas croatas pusessem a unificação em risco. Tito também não poderia permitir que a persistência dos chetniks monarquistas de Mihailovic pusessem em risco sua visão de uma Iugoslávia comunista”.

 

2Ditadura de Tito e as consequências de sua morte:

O carisma, a habilidade política em reduzir a influência da Croácia e da Sérvia, sua postura centralizadora em sua pessoa, fizeram de Tito, o presidente da República Socialista Federativa da Iugoslávia, uma figura que foi capaz de conter os ressentimentos étnicos na Iugoslávia após a Segunda Guerra Mundial. Porém sua morte provocou um vácuo de poder que deu espaço ao reaparecimento dos conflitos entre os povos e o fortalecimento de discursos de tendência nacionalista extremista. Um fator externo que influenciou na Iugoslávia anos após a morte de Tito foi o fim do bloco socialista do leste europeu formado por países do Pacto de Varsóvia. A época, envolvendo o final dos anos 80 e o início dos anos 90, destacou-se pelo posicionamento separatista de lideranças de povos que faziam parte da Iugoslávia. A força política dos sérvios sobre outras repúblicas causava descontentamento entre as outras etnias. Também outro fator considerável para a dissolução da Iugoslávia era o desejo da Croácia e da Eslovênia, que tinham um desenvolvimento econômico maior, de terem autonomia, o que não era bem visto pela Sérvia. Tito havia deixado uma orientação de rodízio de poder entre as repúblicas, no entanto após sua morte essa política não foi bem sucedida.

Houve, em janeiro de 1990, um congresso do Partido Comunista da Iugoslávia na capital, Belgrado. Nesse congresso decidiu-se instalar um regime multipartidário no país. Mas o líder sérvio Milošević tinha posições resistentes em relação a reformas propostas pelas delegações da Eslovênia e da Croácia, que se retiram do congresso, o que causou a dissolução do partido. O próximo presidente da Iugoslávia deveria ser o croata Stipe Mesic. Porém os sérvios não permitiram sua posse, desconfiados de que um presidente croata atendesse as solicitações de croatas e eslovênios, que queriam uma nova confederação.

 

3Guerra Civil:

Os primeiros a se mobilizarem para formaram uma nação fora da Iugoslávia foram os eslovenos. Essa movimentação dos eslovenos pela independência motivou outros povos a fazerem o mesmo. Os eslovenos declararam sua independência em junho de 1991. Houve uma guerra curta de dez dias e então o governo iugoslavo retirou suas forças do território esloveno. Tais forças passaram a se direcionar para uma outra região que possivelmente lutaria pela separação: a Croácia.

Os croatas, influenciados pela independência dos eslovenos e não querendo ficar sob o domínio sérvio mobilizaram-se, mas havia um aspecto importante a considerar: uma quantidade significativa de pessoas de origem sérvia habitava a Croácia. O líder da Sérvia, Slobodan Milosevic, fomentava entre os sérvios o ideal de uma “Grande Sérvia”. Assim, os sérvios que habitavam a Croácia fizeram uma declaração de separação do território croata para se unirem à Sérvia. Começava aí a guerra entre sérvios e croatas. Durante essa guerra, o movimento pela independência da Bósnia cresceu. Na época existiam na Bósnia 31% de sérvios e 17% de croatas. Os muçulmanos da Bósnia queriam a independência da Bósnia-Herzegovina. Os sérvios queriam anexar territórios onde eles moravam à Sérvia. Os croatas queriam anexar os locais onde habitavam à Croácia. O líder nacionalista sérvio na Bósnia era Radovan Karadzic, que assumiu um posicionamento forte contra a separação da Bósnia em relação à Iugoslávia. Em setembro de 1991 foi oficializada a independência da Eslovênia e da Croácia.

A independência da Bósnia foi declarada em março de 1992. Em abril os sérvios começaram seus ataques em Seravejo, que foi cercada pelo exército sérvio. Houve então massacres realizados por milícias sérvias contra a população muçulmana da Bósnia. Tais ataques foram considerados por observadores internacionais como limpeza étnica. Também foram criados campos de concentração pelos sérvios onde havia violações de direitos humanos, como os estupros de mulheres bósnias. Alguns ataques também foram feitos por forças da Bósnia contra comunidades sérvias, em escala muito menor. O cenário lembrava os tenebrosos fatos da Segunda Guerra Mundial.

Os croatas conseguem vencer em seu próprio território e iniciam uma ofensiva contra os sérvios na Bósnia. Em 1995 a OTAN realiza bombardeios contra os sérvios. O líder sérvio Milosevic concorda então a negociar em Dayton, colocando fim na guerra da Bósnia e assim a ONU suspende parcialmente as sanções econômicas contra a Sérvia. 

Embora o Acordo de Dayton tenha terminado com os conflitos envolvendo Sérvia, Bósnia e Croácia, novos combates aconteceriam em territórios da antiga Iugoslávia. Houve atritos entre macedônios (a Macedônia também tinha se separado da Iugoslávia) e sérvios sulistas e o conflito no Kosovo (1998-1999). O presidente Milosevic, um grande incentivador dos conflitos entre os sérvios e os outros povos, é afastado do poder em setembro de 2000 e em abril de 2001 é preso, acusado de corrupção e abuso de poder. Depois veio a morrer na prisão. As consequências da guerra dos anos 90 foram centenas de milhares de mortos e feridos, cidades destruídas, aumento da criminalidade e graves  problemas econômicos em territórios da antiga Iugoslávia.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História


Figura:

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domingo, 6 de dezembro de 2020

A escritora Clarice Lispector, aniversariante de dezembro

 



Em 10 de dezembro de 1920 nasceu Chaya Pinkhasovna Lispector, conhecida no Brasil como Clarice Lispector, em Chechelnyk, Oblast de Vinnitsa, na República Popular da Ucrânia. Foi uma escritora, colunista, contista, cronista e jornalista com dupla nacionalidade (ucraniana e brasileira). Foi uma das escritoras com mais destaque da terceira fase do modernismo brasileiro, chamada de "Geração de 45". Junto com o escritor Guimarães Rosa é considerada a grande escritora brasileira da segunda metade do século XX, devido ao seu estilo, entre a poesia e a prosa.

Seus pais foram o comerciante Pinkhas Lispector e Mania Krimgold Lispector, ambos de religião judaica. Escreveu romances, contos e ensaios e é considerada uma das grandes escritoras brasileiras do século XX. No conjunto de obras suas estão cenas cotidianas simples e tramas psicológicas.

Sua família (pai, mãe e duas irmãs) viu-se com sérias dificuldades financeiras a partir da Guerra Civil nos territórios do antigo Império da Rússia, onde havia uma perseguição dos judeus nessa época e então emigra, chegando ao Brasil em 1922. Sobre a Ucrânia ela disse quando adulta: "Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo". Considerava-se cidadã do Brasil. Primeiramente sua família chegou em Maceió (nessa cidade a família teve problemas financeiros e dificuldades culturais), onde ficou pouco tempo, mudando-se para Recife. Nessa cidade a mãe de Clarice morreu quando ela tinha oito anos. Quando Clarice tinha 14 anos, ela, o pai e as irmãs mudaram-se para o Rio de Janeiro. Lá sua família ficou e foi onde seu pai morreu em 1940. No Brasil os nomes russos de seu pai, mãe, uma de suas irmãs e o dela foram mudados. Chaya virou Clarice. Ela foi uma das figuras mais influentes da Literatura brasileira e do Modernismo.

Um fato marcante na vida de Clarice foi que a mãe de Clarice foi estuprada durante  conflitos armados na Ucrânia e contraiu sífilis. E havia uma crença popular de que uma gravidez poderia curar a doença. Assim a mãe de Clarice engravidou e ela nasceu. Mas a doença não podia ser curada desta forma. Clarice soube desses fatos e isso originou uma espécie de complexo de culpa que pode ter influenciado aspectos de sua vida e até mesmo sua forma de escrever.

Clarice aprendeu a ler e a escrever aos sete anos, em 1928. Em 1930 escreveu sua primeira peça teatral Pobre menina rica. Mas depois as páginas foram perdidas. Enviou seus primeiros contos em 1931 para a página infantil do Diário de Pernambuco, que não os publicou. Segundo ela, a razão era porque os contos dela eram sem fadas, sem piratas.

Quando estudante no Ensino Primário passou a mostrar interesse por Matemática, tendo dado aulas para filhos dos vizinhos. Quando estava na terceira série ela ingressou no Colégio Hebreu-Iídiche-Brasileiro e lá aprendeu hebraico e iídiche. Em 21 de setembro de 1930 a mãe de Clarice morreu aos 42 anos. Foi nessa época que Clarice compôs sua primeira peça para piano, em homenagem à mãe. Em 17 de junho de 1931 o pai de Clarice solicitou formalmente a sua naturalização. Aos 12 anos, em 1932, Clarice e sua irmã Tania ingressaram no Ginásio Pernambucano e em 1933.  Clarice decidiu ser escritora.

Em uma entrevista antes de morrer disse sobre o início de sua formação literária : “Misturei tudo. Eu lia romance para mocinhas, livro cor-de-rosa, misturado com Dostoiévski. Eu escolhia os livros pelos títulos e não pelos autores. Misturei tudo. Fui ler, aos treze anos, Hermann Hesse, O Lobo da Estepe, e foi um choque. Aí comecei a escrever um conto que não acabava nunca mais. Terminei rasgando e jogando fora”. Nos anos 30 Clarice leu obras de Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Eça de Queiroz, Jorge Amado e Dostoiévski.

Em 1935, o pai mudou-se para o Rio de Janeiro, cidade na qual esperava desenvolver seus negócios e objetivava casar suas filhas com maridos vindos do meio judaico carioca. As irmãs entraram no serviço público. Em 1937 Clarice ingressou na escola preparatória da Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Não era comum naquele tempo uma mulher e ainda mais não originária das camadas mais altas da sociedade carioca entrar naquela instituição.  Apesar de certa resistência do pai ela prosseguiu. Disse ela sobre aquela época: “Minha ideia ... era estudar advocacia para reformar as penitenciárias”. Em 1938 mudou para outra escola preparatória, o Colégio Andrews. Na ocasião passou a dar aulas de Matemática e Português, começando sua aprendizagem em Inglês.

Quando começou o Estado Novo, o Brasil estreitou ligações com a Alemanha nazista e o isso influenciou em um crescimento de ideias antissemitas no Brasil. Nessa época o pai de Clarice arrecadava fundos para os judeus que estavam indo para a Palestina.  Em 1939 Clarice ingressou no curso de Direito e trabalhava em um escritório de advocacia como secretária, também fazendo traduções de textos científicos para revistas.

Em 25 de maio de 1940 Clarice publicou seu primeiro conto Triunfo, na revista Pan. O pai dela faleceu em 26 de agosto de 1940, aos 55 anos. A irmã de Clarice, Tania, convidou as irmãs para morarem com ela em seu apartamento.

Clarice, no ano de 1940, tentava entrar no jornalismo e ia nas redações de revistas oferecendo seus contos. A imprensa estava sob censura do governo. Na revista Vamos Ler! Clarice mostrou seus textos ao jornalista Raimundo Magalhães Júnior, que também era secretário do ministro de Propaganda. Segundo Clarice: “Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: “Eu tenho um conto, você não quer publicar?”. Aí me lembro que uma vez foi o Raymundo Magalhães Jr. que olhou, leu um pedaço, olhou para mim e disse: “Você copiou isto de quem?”. Eu disse: “De ninguém, é meu”. Ele disse: “Então vou publicar”. O primeiro texto dela na revista foi: Eu e Jimmy. Na época Clarice, passou a trabalhar como editora e repórter na Agência Nacional, do governo brasileiro.

Em 1941 Clarice estava trabalhando como repórter na inauguração do Museu Imperial em Petrópolis e conheceu Getúlio Vargas. Também esteve a trabalho em Belo Horizonte. Nesse tempo publicou textos em periódicos. Em 9 de agosto publicou o conto Trecho e no dia 30 Cartas a Hermengardo, no semanário Dom Casmurro. Também nesse ano escreveu contos que somente seriam publicados em 1979 após a morte de Clarice, na coletânea A Bela e a Fera. No mesmo ano de 1941 ainda foram publicados os contos Gertrudes pede um conselho, Obsessão e Mais dois bêbados. Colabora nesse tempo com a revista universitária A Época, onde foram publicados os ensaios: Observações sobre o fundamento do direito de punir Deve a mulher trabalhar? Embora aparentemente estivesse se aproximando de um ateísmopassou a se aproximar da religião com leituras de autores como Espinoza.

Começou nos anos 40 a frequentar um grupo que se encontrava no bar Recreio, na Cinelândia. Eram membros desse grupo pessoas famosas do meio literário como Vinicius de Moraes, Rachel de Queiroz e Otávio de Faria. Conheceu nessa época o poeta Augusto Frederico Schmidt, com quem começou uma sólida amizade. Uma crítica posterior feita a Clarice era de que seus textos escritos para a Agência Nacional na época do Estado Novo eram dentro de uma tendência para agradar a censura do regime, havendo muitas entrevistas com coronéis e generais estrangeiros que estavam passando pelo Brasil, assim como reportagens sobre inaugurações de locais sob administração ligada ao governo nacional. A autora revelou que foi muito influenciada pelo livro Felicidade, de Katherine Mansfield, tendo comentado após uma primeira leitura: "Este livro sou eu!" Segundo o site Resenhas a la Carte: Cada conto é recheado de sutileza, detalhes importantes – mas nem um pouco cansativos – e a leitura flui muito bem! Os temas são recorrentes do cotidiano, e diversas vezes tornam-se atemporais, como no caso de O Canário. A ironia da autora pode ser percebida nas entrelinhas, lembrando bastante o estilo de autoras brasileiras como Clarice Lispector e até um pouco de Lygia Fagundes Telles.” Clarice fez cursos  relacionados à Antropologia e à  Psicologia.

Nessa época Clarice envolveu-se amorosamente com Maury Gurgel Valente, seu futuro marido, colega no curso universitário de Direito. Passou a trabalhar na redação do Jornal A Noite. Por esse tempo é que teve contato com textos de escritores modernistas como Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Carlos Drumond de Andrade. Foi em 1942 que Clarice terminou de escrever seu primeiro romance, Perto do Coração Selvagem. Segundo a crítica de Álvaro Lins, o livro de Clarice era como "[o primeiro romance brasileiro] dentro do espírito e da técnica de Joyce e Virginia Woolf”. Logo depois iniciou o seu segundo romance: O Lustre.

Clarice conseguiu naturalizar-se em 12 de janeiro de 1943 e em 23 de janeiro casou-se com Maury Gurgel. Seu primeiro livro,Perto do Coração Selvagem, foi publicado em dezembro de 1943, sendo impressos mil exemplares. Recebeu elogios da crítica especializada que o comparou com obras de escritores europeus, mas a autora negou que tivesse havido tal influência. Em 19 de janeiro de 1944 a escritora mudou-se com o marido para Belém. Nessa época dedicou-se a ler autores como Sartre, Rilke, Proust e Virginia Woolf.

Em julho de 1944 Clarice e o marido diplomata estiveram  no Rio de Janeiro e depois partiram  ficando algum tempo em Portugal, onde chegaram em agosto. Foram então para o Marrocos e logo depois para a Argélia. Em 24 de agosto Clarice chegou em Nápoles onde o seu marido iria trabalhar. Lá fez visitas diárias a um hospital norte-americano, escrevendo e lendo cartas para os soldados. Seu livro Perto do Coração Selvagem recebeu o Prêmio Graça Aranha de melhor romance do ano. Em novembro concluiu o segundo livro, O Lustre.

Em 8 de maio de 1945, no dia do fim da guerra na Europa, conheceu em Roma o pintor surrealista Giorgio de Chirico, o qual pintou seu retrato, que não foi do agrado da escritora. Conheceu Florença, Veneza na Itália e também Córdoba, na Espanha. Nesse tempo conheceu o poeta italiano Giuseppe Ungaretti.

Em novembro de 1945, devido a críticas que Manoel Bandeira tinha feito a alguns poemas de Clarice, ela queimou todos os poemas que tinha escrito. Manoel Bandeira depois se arrependeu das críticas que fez e escreveu para ela: “Você é poeta, Clarice querida. Até hoje tenho remorso do que disse a respeito dos versos que você me mostrou. Você interpretou mal as minhas palavras [...] Faça versos, Clarice, e se lembre de mim

Já em 1946 o segundo livro, O Lustre, foi publicado. Clarice esteve a serviço do Ministério das Relações Exteriores e foi à cidade do Rio de Janeiro. Na ocasião conheceu Rubem Braga, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos. Em março mudou-se para Berna, na Suiça para onde o marido havia sido transferido. Durante esse tempo na Suiça leu autores como Ibsen, Dreiser, Cocteau e Simone de Beauvoir e escreve alguns contos, entre eles O crime (mais tarde reescrito como O crime do professor de Matemática), que seria o primeiro conto do livro Laços de Família.

Segundo alguns comentaristas, os livros O Lustre e A Maçã no Escuro, foram influenciados pelo Existencialismo do filósofo francês Sartre. Assim, há possibilidade de haver influência de filósofos como Sartre, Simone de Beauvoir na obra de Clarice. Mas sem dar certeza de que ela fosse uma seguidora do Existencialismo.

O primeiro filho de Clarice nasce na Suiça em agosto de 1948. Em fevereiro de 1953 nasce o segundo em Washington, nos Estados Unidos. O primeiro filho, na adolescência, foi diagnostico como esquizofrênico. Clarice passou a se culpar pela doença do filho. Em 1959, Clarice e o marido se separam, pois ele viajava muito e ela queria se fixar em um lugar para cuidar do filho e cuidar de sua carreira. Também não aguentava mais as desconfianças e ciúmes do marido. Ela então fica vivendo no Rio de Janeiro. Nesse ano Clarice assina a coluna Correio Feminino-Feira de Utilidades no jornal Correio da Manhã, assinando como Helen Palmer. Em 14 de setembro de 1966, ao dormir deixando um cigarro aceso, acaba provocando sem querer um incêndio em seu quarto. A escritora passou mal e ficou por três dias com risco de morrer no hospital, onde teve que ficar por dois meses.

Em Cali, na Colômbia, foi convidada em 1975 a participar do Primeiro Congresso Mundial de Bruxaria e lá fez uma pequena apresentação, falando de seu conto O ovo e a galinha. A partir daí Clarice passa a ser chamada de “a grande bruxa da literatura brasileira”. Em 1977, pouco tempo depois de publicar o romance A Hora da Estrela, a autora é hospitalizada por causa de um câncer de ovário. A doença se dissemina pelo organismo dela, que vem a falecer em 9 de dezembro de 1977, uma dia antes de seu aniversário. Foi sepultada no Cemitério Israelita do Caju, no Rio de Janeiro.

Clarice dominava bem os idiomas  português, inglês, francês e espanhol, um pouco menos os idiomas hebraico e iídiche e com algumas noções de russo. Traduziu obras das línguas inglesa, francesa e espanhola para o português. Traduziu contos, artigos e 35 livros. Ao todo foram mais de 40 traduções.

Entre suas obras, houve cerca de 179 traduções de livros e 25 de contos em mais de 10 idiomas. Seus livros mais traduzidos foram A Hora da Estrela e A Paixão segundo G.H, ambos com 22 traduções. Nos anos 80 suas obras se tornaram mais lidas e com mais traduções. Recebeu  prêmios como o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal e o Prêmio Graça AranhaPrêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

 Obras:

1-Romances

Perto do Coração Selvagem

O Lustre

A Cidade Sitiada

A Maçã no Escuro

A Paixão segundo G.H

Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

Água Viva

Um Sopro de Vida

2-Novela

A Hora da Estrela

3-Contos

Laços de Família

A Legião Estrangeira

Felicidade Clandestina

Onde Estivestes de Noite

A Via Crucis do Corpo

O Ovo e a Galinha

A Bela e a Fera

 

4-Literatura infantil

O Mistério do Coelho Pensante

A Mulher que Matou os Peixes

A Vida Íntima de Laura

Quase de Verdade

Como Nasceram as Estrelas

 

5-Crônicas

Para Não Esquecer

A Descoberta do Mundo

 

6-Correspondências

Correspondências

Minhas Queridas

 

7-Entrevistas

Entrevistas

 

8-Artigos de jornais

Outros Escritos

Correio Feminino

Só para Mulheres

  

Frases e poesias:


“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”

“Sim, minha força está na solidão. Não tenho medo nem de chuvas tempestivas nem das grandes ventanias soltas, pois eu também sou o escuro da noite.”

“Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho”

“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”

 “Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito: precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar. P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilacerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.”

“Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta continuarei a escrever.”

“Já que se há de escrever... que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas.”

“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma verdade inventada.”

“E umas das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi criadora de minha própria vida.”

“Não escrevo para agradar ninguém”

“Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”

“Passei a vida tentando corrigir os erros que cometi na minha ânsia de acertar.”

“Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo.”

Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro...”.

“A felicidade aparece para aqueles que choram.
Para aqueles que se machucam.
Para aqueles que buscam e tentam sempre”

 

Minha alma tem o peso da luz

Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros.

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Precisão

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,
existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

 

“Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.”

“Agora preciso de tua mão,
não para que eu não tenha medo,
mas para que tu não tenhas medo.
Sei que acreditar em tudo isso será,
no começo, a tua grande solidão.
Mas chegará o instante em que me darás a mão,
não mais por solidão, mas como eu agora:
Por amor.”

“Abro o jogo!
Só não conto os fatos de minha vida:
sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu
contei. E nem a mim mesma. Sou
um segredo fechado a sete chaves.

“Pertencer
Mesmo minhas alegrias, como são solitárias às vezes. E uma alegria solitária pode se tornar patética. É como ficar com um presente todo embrulhado com papel enfeitado de presente nas mãos - e não ter a quem dizer: tome, é seu, abra-o! Não querendo me ver em situações patéticas e, por uma espécie de contenção, evitando o tom de tragédia, então raramente embrulho com papel de presente os meus sentimentos.”

 

“Sou composta por urgências:
minhas alegrias são intensas;
minhas tristezas, absolutas.
Entupo-me de ausências,
Esvazio-me de excessos.
Eu não caibo no estreito,
eu só vivo nos extremos.
Pouco não me serve,
médio não me satisfaz,
metades nunca foram meu forte!
Todos os grandes e pequenos momentos,
feitos com amor e com carinho,
são pra mim recordações eternas.
Palavras até me conquistam temporariamente...
Mas atitudes me perdem ou me ganham para sempre.
Suponho que me entender
não é uma questão de inteligência
e sim de sentir,
de entrar em contato...
Ou toca, ou não toca.”

 

“Sou como você me vê... posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar... suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato... tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras, sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calma e perdoo logo.
Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre... Tenho felicidade o bastante para ser doce, dificuldades para ser forte, tristeza para ser humana e esperança suficiente para ser feliz. Não me deem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, por que sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre... Sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser.
E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério.
Sou uma só... Sou um ser… a única verdade é que vivo.
Sinceramente, eu vivo.”

“Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria melhor SENTIR.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de vida.
Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.
No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais”

“Eu me dou melhor comigo mesma quando estou infeliz: há um encontro. Quando me sinto feliz, parece-me que sou outra. Embora outra da mesma. Outra estranhamente alegre, esfuziante, levemente infeliz é mais tranqüilo.
Tenho tanta vontade de ser corriqueira e um pouco vulgar e dizer: a esperança é a última que morre.”

"Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima a qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda."

“Não é a toa que entendo os que buscam caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é o outro, são os outros.
Quando eu puder sentir plenamente o outro, estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada.”


Sugestão de  Vídeo: Entrevista com Clarice Lispector em 1977 no site  https://www.youtube.com/watch?v=nhnhthPmL7s

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e Psicólogo


Figura: https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk00UZ0BgUgGEoUevG3d5JajCAtPspg:1607298416776&source=univ&tbm=isch&q=imagens+de+clarice+lispector