Na Escola Estadual de Referência em
Ensino Médio Ageu Magalhães, em Recife, houve, recentemente, uma situação de
transtorno coletivo em alunos. Aproximadamente às 15h e 30 minutos, depois da
refeição, 26 alunos tiveram uma crise de pânico ou ansiedade generalizada.
Deitaram um por um no chão, suavam bastante e tinham tremores. Eles choravam e
apresentaram dificuldade para respirar. Alguns desmaiaram.
Pelas características apresentadas,
pode ter sido um caso de Contágio Psíquico, anteriormente chamado de Histeria
Coletiva. Houve informação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) a
respeito do caso. De acordo com essa informação, os estudantes tiveram sintomas
como sudorese, saturação baixa e taquicardia. Mas tiveram atendimento no local
e não foram encaminhados para hospitais.
A psicóloga Anna Paula Brito, que é
doutora em educação e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco
(UFRPE), destacou o contexto social que precisa ser considerado e que afeta
estudantes, professores e pais. Disse ela: "Existe uma cadeia aí, a gente
viveu um momento de crise muito grande, de crise social, na humanidade. [...]
Aumento do desemprego, a crise econômica que a gente está vivendo, tudo isso
faz com que a gente tenha a vida afetada, além da pandemia, com a morte de
pessoas próximas. Nós ficamos dois anos com a sombra da morte junto da gente.
Tudo isso não tinha como não promover um desequilíbrio emocional. Um episódio
desse [como o da escola] para a gente é um sinal".
Ela também disse:
"Esses adolescentes foram privados
do convívio com os seus colegas e já estavam vivendo um movimento de reclusão,
trancafiados em seus quartos com seu celular. Isso terminou sendo agravado com
a pandemia". E ainda:
"Perdemos nossos espaços de escola
e nossos espaços de manifestação cultural, de arte e de lazer. A gente perdeu
tudo de uma vez: contato social, lazer, cultura, arte e escola como espaço de
interação social".
Outros especialistas também explicam a
ocorrência de tais casos. Eles dizem que, os casos acontecem em decorrência de
alguma imposição política e social dogmática. Outro fator a ser considerado
nestes casos é um contexto de escassez, como também a ausência de poder
descarregar essas emoções coletivas, o que se fazia em tempos passados em
certos rituais.
Esses casos, antes chamados de
“histeria coletiva”, acontecem quando há em um grupo numeroso de pessoas certos
sintomas físicos ou psicológicos como riso incontrolável, desmaios, enjoos,
dores musculares. Este transtorno pode acontecer devido a um fator
ambiental, por exemplo, a contaminação do suprimento de água, causando a
preocupação de pessoas em um grupo de ficarem doentes, sentindo sintomas mesmo
estando saudáveis ou indivíduos que observam um membro do grupo adoecer,
apresentando os mesmos sintomas. Ou as pressões sociais ou emocionais que se se
tornam excessivas para um grupo de pessoas tolerar, causando ansiedade
generalizada. Tal quadro pode se espalhar por comunidades, cidades e até mesmo
podendo atingir países. Na Idade Média, casos de histeria coletiva foram
confundidos com bruxaria ou posse demoníaca. Segundo especialistas, os casos de
“histeria coletiva” podem estar ligados ao estresse emocional e mental. No
passado, houve diversos casos em escolas, prisões e conventos.
Considerando a denominação anterior do
Contágio Psíquico, ou seja,“histeria coletiva” a Wikepédia assim descreve o
transtorno:
“Histeria
Coletiva, também conhecida por histeria em massaou folie à
plusieurs(do francês,
"Loucura de muitos), é o fenômeno sóciopsicológico definido
pela manifestação dos mesmos ou semelhantes sintomas histéricos por
mais de uma pessoa. Uma manifestação comum de histeria coletiva ocorre quando
um grupo de pessoas acredita que sofre de uma ou
padecimento semelhante. O início da histeria coletiva se dá quando alguém
adoece ou torna-se histérico durante um período de estresse. E após isso,
outras pessoas passam a apresentar sintomas parecidos como fraqueza muscular,
náuseas, convulsões ou dores de cabeça. “
Há exemplos de casos que foram
considerados como “Histeria Coletiva”:
1-Entre os séculos XIII e XVII houve a
“praga da dança” ou também chamada de dança de “St. John” e “dança de St.
Vitus.” Em 1374 na cidade de Aachen, na Alemanha, centenas de pessoas dançaram
por dias descontroladamente, por dias e só pararam quando estavam já exaustos.
2-O autor J. F. C. Hecker, em
sua obra de 1844 “Epidemics of the Middle Ages”, relatou que houve uma situação em
que, em um convento na França, uma freira passou a miar como uma gata e que
outras freiras da imitaram até que todas apresentaram o mesmo comportamento.
Soldados foram chamadas e bateram nas freiras, que deixaram de “miar”.
3- Em 1962, na cidade
de Kashasha, Tanzânia, três moças que estavam emum internato feminino passaram
a rir sem controle, outras moças presentes também começaram a tir. Após algumas
semanas, a mesma situação aconteceu também acontecendo em outras 14 escolas.
Todas essas escolas tiveram de ser fechadas.
4-Na região de Salém, Massachussetts, nos
Estados Unidos, houve casos da chamada histeria coletiva, entre 1692
e 1693. Houve dezenas de meninas que gritavam e se contorciam. Elas foram
acusadas de bruxaria e julgadas, sendo que 25 delas foram condenadas à morte..
-Outros casos: Epidemia de dança em um
lugar da França, em 1518; ,No Reino
Unido, Irish Frightem 1688 e Spring Heeled Jack, em 1837; Epidemia
do purgador de vento de Seatle, nos Estados Unidos, 1954; Epidemia de desmaios
na Cisjordânia, em 1983; Envenenamento de estudantes em Kosovo, 1990;
Avistamento de palhaços, em 2016 etc.
E em Recife? O que
de fato ocorreu? Não se sabe exatamente. Como ocorrem em casos assim, emoções
são muito reprimidas, a repressão pressiona e as emoções querem sair e com
intensidade, de alguma forma. Lá houve a ansiedade coletiva, com sintomas de
falta de ar, ansiedade, desespero e crença de morte.
Segundo estudiosos que analisaram os
fatos em Recife (entre eles a psicóloga Anna Paula Brito, já mencionada), alguns fatores podem ter influenciado para o surgimento
do surto na escola. Por exemplo, a volta às aulas depois de um tempo de aulas
não presenciais e de isolamento, quando as crianças tinham necessidade de
relacionamentos interpessoais e mais a questão de pânico devido à pandemia. E
num sentido mais amplo, os especialistas dizem que outros fatores podem ter
contribuído como a questão financeira do país, afetada pela
pandemia; o dogmatismo religioso fortalecido em alguns grupos;
aspectos ligados à violência na sociedade; e as incertezas sociais.
Em situações como a situação da escola
em Recife, surtos podem ocorrer sem motivo aparente e podem durar dias ou meses
até terminarem totalmente. Tais casos podem ocorrer em indivíduos do mesmo
grupo, por exemplo, alunos de uma mesma escola ou torcedores de um mesmo time,
devido à ligação psicológica entre os componentes desses grupos.
Segundo analistas, o Contágio Psíquico
também tem seu lado positivo para a sobrevivência de diversas espécies,
inclusive a humana. Estudos indicam que graças ao Contágio Psíquico é que
surgiu a questão de um grupo sentir fome e sono em um mesmo horário ou de
outras pessoas vomitarem quando um indivíduo do mesmo grupo vomita.
Conforme explicações da neurociência,
mesmo o pensamento mais racional tem raízes nas emoções. A ligação psíquica
profunda e extrema entre seres humanos é explicada, por exemplo, por Jung, no
que ele chamou de “Inconsciente Coletivo”. Já Gilbert Durand chamou de
“Imaginário” e Edgar Morin de “Noosfera”. É por meio desta ligação psíquica
profunda que tais conteúdos com potentes cargas emocionais vem à tona e dominam
os indivíduos, podendo levar a desmaios, danças, terem falta de ar etc. No caso
das crianças, que estão se desenvolvendo psiquicamente, elas são mais sensíveis
à influência psíquica da família, do grupo em que estão inseridas e dos
acontecimentos que ocorrem na nação. Segundo o psicoterapeuta Leonardo Torres:
“No livro "Contágio Psíquico: a loucura das massas e suas reverberações na
mídia”, da editora Eleva Cultural, demonstro que o caso de Recife não é único,
ocorreu e ainda ocorre diversas vezes em escolas pelo mundo. Existem epidemias
de ansiedade e pânico, como a que aconteceu recentemente, mas também de
diversas outras emoções”.
Em muitas partes do mundo há os
principais elementos formadores do Contágio Psíquico: grupos sob estresse
psicológico e físico, geralmente com fome, cansado ou ambos. Mas há uma espécie
de gatilho que inicia pessoas ao seu limite e que faz com que ocorram os
sintomas em massa. Há momentos de incertezas e as mentes humanas querem
explicações e sem explicações há um descontrole emocional e o aumento do medo.
Para especialistas em psicossomática, há explicações fisiológicas adicionais
para alguns dos sintomas de surtos de histeria em massa. Pessoas muito agitadas
e assustadas podem hiperventilar ou começar a respirar muito rapidamente, o que
as faz exalar uma quantidade considerável de dióxido de carbono, baixando os
níveis deste elemento no corpo e havendo espasmos nos músculos das
extremidades, o que pode explicar a dormência, formigamento e contração
muscular sentidos por algumas vítimas. Pessoas com alto nível de ansiedade
podem interpretar mal as sensações físicas normais. Um simples problema no
estômago pode ser sentido como intoxicação alimentar e o nível de medo pode
aumentar e a pessoa cair no chão se antes tiver visto outras pessoas ao redor caírem
no chão como se estivessem se sentindo intoxicadas. Aquela pessoa foi absorvida
pelos sintomas do grupo. Pode ser relevante também a hierarquia social do grupo
na disseminação dos sintomas.
Segundo Yuri Vasconcelos(Publicado em
11 de agosto de 2010) a respeito de “Histeria Coletiva”, relatando sobre como
Freud tratava a questão:
“O exemplo que utiliza do terceiro tipo
de identificação é o das ‘moças do internato’. A situação é de uma moça que
recebe uma carta de alguém por quem está apaixonada, que lhe causa ciúmes e ela
tem uma ‘crise de histeria’. A crise da moça apaixonada desperta como reação o
fato de que suas amigas que sabem da situação ‘compartilham da crise’, num
mecanismo que Freud subscreve como ‘infecção mental’ ou “identificação baseada
na possibilidade ou desejo de colocar-se na mesma situação” (p.117). Freud
assinala que esse efeito não se dá por simpatia, mas por uma ‘identificação ao
desejo’ das outras moças que também desejariam ter um romance e, por isso,
compartilham o sofrimento envolvido na situação. Disso, ele argumenta que o que
acontece em uma cena como a descrita acima pode ser compreendido como
‘identificação por meio do sintoma’, na qual há uma ‘analogia significante’
entre o eu da moça da carta e o das outras, isto é: há um sinal de um ponto de
coincidência entre os eus. Desse ‘ataque histérico’ em série, pode-se então
supor uma histeria que é coletiva, ou seja: uma histeria que se compartilha e,
daí, sugerir de onde é que se extraiu o termo ‘histeria coletiva’ – que nada
tem que haver como uma predeterminação de tipo clínico histérico. Ou seja: isso
não tem qualquer relação com o tipo clínico dos membros de um grupo, diz muito
mais do modo como se delineia o contágio em grupo.
O exemplo das ‘moças do internato’ é o
que Freud utiliza para falar que é possível que se dê um tipo de identificação
através de algo em comum compartilhado e que não tem o sexual como mediador ou
causa; e, como destacou, quanto mais comum, mais bem-sucedida é a
identificação. Para Freud, este é o tipo de identificação presente nos membros
de um grupo e isso também pode ser remetido ao laço que o grupo estabelece com
o líder. Característica, aliás, que permite Freud elaborar que os sujeitos não
possuem um ‘instinto gregário’, mas que são animais de horda, na medida em que
os grupos capazes de subsistir estão sempre remetidos a uma liderança.
Já começamos a adivinhar que o laço
mútuo existente entre os membros de um grupo é da natureza de uma identificação
desse tipo, baseada numa importante qualidade emocional comum, e podemos
suspeitar que essa qualidade comum reside na natureza do laço com o líder.
Outra suspeita pode dizer-nos que estamos longe de haver exaurido o problema da
identificação e que nos defrontamos com o processo que a psicologia chama de ‘empatia’
[Einfühlung] o qual desempenha o maior papel em nosso entendimento do
que é inerentemente estranho ao nosso ego nas outras pessoas. Aqui, porém,
teremos de nos limitar aos efeitos emocionais imediatos da identificação, e
deixaremos de lado sua significação em nossa vida intelectual. (Freud,
1921/2006, p.117-118)” . E também diz Yuri:
“Não é possível localizar as razões de
cada um que desencadeiam esse tipo de reação em série e isso que se diz ‘comum’
fica aprisionado à imagem de ataque histérico, mesmo que não se trate de um. Se
voltarmos ao próprio texto de Freud, em uma de suas passagens, ele pressupõe
que o sujeito no coletivo ‘abre mão’ daquilo que lhe é individual para
agregar-se ao grupo, esfacelando assim o que lhe é particular. Pois, em grupo, o
sujeito está exposto a uma condição que afrouxaria as repressões inconscientes
(Freud, 1921/2006, p. 85). O afrouxamento das repressões inconscientes seria
uma característica constitutiva da sociedade humana, na qual “pouca
originalidade e coragem pessoal podem encontrar-se nela, de quanto cada
indivíduo é governado por estas atitudes da mente grupal que se apresentam sob
formas tais como características raciais, preconceitos de classe, opinião
pública etc.” (Freud, 1921/2006, p.127).”
Finalizando, ressalto que a Organização
Mundial de Saúde (OMS) fez uma estimativa de que 18,6 milhões de brasileiros
são afetados pela ansiedade e que houve uma agravamento dos transtornos ligados
à ansiedade por causa da pandemia de Covid-19.
Márcio José Matos Rodrigues-Psicólogo e
Professor de História.
Figura:
https://www.google.com/search?sxsrf=ALiCzsb3NHZ8wHwCp1DffVKB-g2r7y2Y0w:1652840939079&source=univ&tbm=isch&q=imagens+do+caso+de+histeria+coletiva+em+recife&fir=
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