sexta-feira, 14 de abril de 2023

O Carimbó -Parte 1

 






 

Sou paraense,e, como tal, quis escrever um artigo sobre o Carimbó, que é definido atualmente como um conjunto musical que envolve o uso de  instrumentos como os tambores (carimbós), onça (nome dado para a cuíca), reco-reco (instrumento dentado feito de bambu), viola e outros e mais a dança. O termo “Carimbó”, conforme o Glossário Paraense de Vicente Chermont de Miranda, publicado em 1905, seria um “tambor feito de madeira oca e coberto, em uma de suas extremidades, por um couro de veado”. A definição serve na atualidade como explicação do formato do instrumento com suas características principais. Há nos dias atuais uma variante musical que é o “carimbo eletrônico”, que utiliza uma bateria eletrônica e guitarras, em vez de marcação rítmica com os tradicionais tambores.

Segundo a Professora licenciada em Letras Márcia Fernandes:

“O Carimbó é uma dança de roda típica do nordeste do Pará, estado da Região Norte do Brasil, popular entre os nortistas e nordestinos.

Também chamado de Pau e Corda, Samba de roda do Marajó e Baião típico de Marajó, a dança do Carimbó é realizada em pares e marcada por movimentos giratórios.

Origem do Carimbó

A palavra "carimbó" é de origem indígena. Do tupi korimbó (pau que produz som) resulta da junção dos elementos curi, que significa “pau”, e mbó, que significa “furado”.

O nome faz referência ao curimbó, principal instrumento musical utilizado nessa manifestação folclórica. O curimbó é uma espécie de tambor tocado com as mãos, feito com um tronco escavado e oco.

O Carimbó do Pará foi trazido ao Brasil pelos escravos africanos. Posteriormente, foram incorporadas influências indígenas e europeias, especialmente ibéricas.

O costume da dança surgiu com o hábito dos agricultores e dos pescadores que, ao fim dos trabalhos diários, dançavam ao ritmo do tambor.”

Segundo especialistas sobre o Carimbó, este surgiu do batuque e como foi dito antes, tem influências dos negros, mestiços e caboclos na dança que passou a fazer parte aos costumes do folclore. A questão regional é forte , podendo se perceber isso claramente quando se vê os ensaios do "Carimbó na Roça", ocasião na qual os dançarinos e dançarinas vestidos com roupas de chita ou mescla, cabeça coberta por turbantes ou chapéus, como se fossem para o roçado, levando ao ombro, manivas, tipiti, paneiro, ralo, foice, machado, terçado, cavador, enxada e outros instrumentos para um plantio ou mutirão. A toada, os volteios rápidos, os requebros, as mexidas nos quadris e a esperteza nos passos, são próprios do Carimbó.

A dança do Carimbó , em certos lugares do Pará como Marapanim, antes era tida como dança de temporada, de 25 de dezembro até o Dia de Reis, em 06 de janeiro. Em Vigia, outro município paraense, o Carimbó é conhecido como Zimba e o ato de se dizer "vamos zimbar" significa convidar o outro para dançar o citado ritmo. É interessante que existia em Marapanim a figura do Mestre Inspetor, o caboclo que fazia comércio com sua canoa entre Marapanim e Abaetetuba e que em 25 de dezembro patrocinava uma “noite de Carimbó” em sua casa. Os homens tinham de estar vestidos de paletó e gravata.

Com o passar do tempo, houve alterações no estilo do Carimbó, por causa da questão do mercado musical. Gravadoras e artistas foram mudando o Carimbó original para o Carimbó de Vanguarda ou Carimbó Eletrônico, com o uso de instrumentos de sopro, guitarras, baixos, substituindo o chamado pau do Carimbó, que era escavado e com couro em uma das extremidades. Houve assim uma modificação naquele Carimbó original e nativo devido a fins comerciais.

O ritmo carimbó foi reconhecido em 2014 como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). E em junho de 2017 foi criada a Lei Municipal Pinduca, pela Câmara Municipal de Belém. Esta lei diz que as rádios da capital paraense incluirão na programação o Momento do Carimbó.

 

 

Grandes nomes do Carimbó:

1- MestresDuluca e Lucindo Costa

 

Estes mestres do Carimbó são originários do município de Marapanim. Os mestres Duluca e Lucindo, já falecidos, deixaram um número significativo de composições,partituras e um trabalho poético abrangente. Eles podem ser entendidos mais como historiadores regionalistas que como cantores/compositores, pois exploraram bem o cotidiano, os costumes, e as tradições.

Lucindo Costa compôs uma música especial que foi considerada por especialistas como antológica. A seguir alguns versos desta composição:

 

                  "Se eu soubesse que tu vinhas,
                   Eu fazia o dia maior,
                   dava um nó na fita verde,
                   Prá prender o raio do Sol". 

 

Mestre Lucindo tinha um pensamento do caboclo paraense, com alto sentimento Romântico de quem nasceu perto do mar, usando sua criatividade de poeta.


Em outra música que provavelmente era de Lucindo, vê-se o regionalismo da zona do Salgado, em especial o aspecto agrícola. A versão original era a seguinte:
 
                 "Dona Maria chegou
                  chegou de Moro-oca,
                  para fazer a farinha, farinha de tapioca
                 É prá rebolir, é prá rebolir,
                É prá rebolir, bolir, bolir, bolir, bolir".

 

Alguns grupos e conjuntos de carimbó substituíram o rebolir por remexer. Essa mudança afetou a música em seu sentido original, porque a Moro-oca que Lucindo menciona é um local fictício ou cabana indígena e o rebolir é arredondar o amido da mandioca para que seja produzido o caroço ideal da farinha de tapioca, não tendo relação com remexer ou requebrar.

 

Os anseios e o amor pela mulher amada estavam presentes nas músicas de mestre Lucindo, que utilizava elementos do seu cotidiano, de sua visão de mundo, com base Na sua realidade onde existia o mar, com pescarias e a confecção de artefatos de pescaria.Os instrumentos preferidos para essas músicas eram então a viola ou o banjo rústico.

Abaixo mais um exemplo dessa criatividade:

 

"Bateu vento na roseira,
Me mudei pro Marizá,
Cajueiro pequenino
Carregadinho de flor,
Eu também sou pequenino
Carregado de amor".

 

Além das palavras de amor, também em suas músicas há momentos de depressão, desilusão e incompreensão:   

 

"Se esta mulher fosse minha,
Eu ensinava a viver.
Dava limão com farinha,
A semana inteirinha,
Prá ela comer".

 

Também em suas músicas há momentos de aconselhamento baseados em sua experiência de vida:

 

 

"A folha da bananeira
de verde ficou madura
quem gosta de mulher dos outros
não tem a vida segura".

 

Há a questão ecológica presente em seu canto:

 

         "Minha rolinha que marisca pelo chão,
         Não mate minha rolinha, que marisca pelo ar,
        Não mate a rolinha ela não sabe avuar".

 

Ele também enalteceu a beleza da natureza e as praias onde ele pescava:

 

           "A praia do Algodoal
            É linda e tem riqueza,
            No farol do Maiandeua
           Onde mora a Princesa"

            coro:


            Eu já vi a princesa falá,
           Eu já vi a princesa cantá
           No morro do Maiandeua
          Na Praia do Algodoal"

E fez uma canção de despedida como forma de perpetuar a sua morte:

 

"Adeus morena. 
Meu amor, vou te deixar. 
Eu vou embora,
vou cantar noutro lugar".

O cantar de mestre Lucindo e dos mestres Malagueta, Membeca, Duluca tem com uma de suas características a defesa dos mais fracos e destacando o espírito de sobrevivência dos seres vivos como o camarão, maçarico, as rolinhas, o sarará etc, alertando-os do perigo em relação a predadores e ao Homem:

 

"Olha a cobra passarinho
Xô, xô, olha a cobra passarinho"
Periquitamboia pendurada no caminho,
Prá pegar, pegar, o passarinho.
Olha a cobra passarinho, xô, xô!...."

"Cuidado, sarará, que lá vem maguari, "
"Peixe-piaba, tubarão quer te comer".

 

Nesses mestres percebe-se todo um universo que lhes é comum: A mulher, o mar, os elementos da composição do mar (peixes e mariscos), a natureza e a exuberância praianas. A questão da pesca é muito forte nas composições desses autores de carimbo ligados à Marapanim:

 

"A onda jogava prá lá,
A onda jogava prá cá
Joguei minha rede no mar
Só pra ver o peixinho pegar"

 

.

Pescador-Mestre Lucindo

 

Pescador, pescador por que é
Que no mar não tem jacaré?
Pescador, pescador por que foi
Que no mar não tem peixe-boi?
Eu quero saber a razão
Que no mar não tem tubarão
Eu quero saber por que é
Que no mar não tem jacaré

Ah! Como é bom pescar
Na beira mar
Em noite de luar
Ah! Como é bom pescar
Na beira mar
Em noite de luar

Anel de Ouro-Mestre Lucindo

A menina bonita
Tem anel de ouro
Parece um tesouro
O dedinho dela

A menina bonita
Tem anel de ouro
Parece um tesouro
O dedinho dela

Ai quem me dera
Que eu fosse rico
Se eu tivesse dinheiro
Casaria com ela

Ai quem me dera
Que eu fosse rico
Se eu tivesse dinheiro
Casaria com ela.

Para ouvir

 

Mestre Lucindo - Foi ela que me deixou

https://www.youtube.com/watch?v=KuzdlftBab4

 

CARIMBÓ MESTRE LUCINDO - AS MELHORES DO MELHOR - O PANDA SOUND - YouTube

https://www.youtube.com/watch?v=eTNDFXSWZzo

 

2- Mestre Verequete:

Outro mestre que destaco é o Mestre Verequete, cujo nome completo é Augusto Gomes Rodrigues, nascido em 1916 em Quatipuru, interior do município de Bragança, no Pará e que morreu em 3 de novembro de 2009. Ele foi um músico brasileiro, cantor e compositor de carimbo, participando do grupo musical O Uirapuru. Foi chamado de “Rei do Carimbó”. Ele e outros grandes do carimbó como Mestre Vieira, Pinduca e Mestre Cupijó mudaram os rtimos populares paraenses com a introdução de outros elementos e assim tornando esses ritmos em sucessos do rádio.

Augusto Gomes ganhou o apelido de Verequete depois de ter narrado a colegas em seu trabalho que presenciou um acontecimento em um terreiro, no qual um pai de santo cantou “Chama Verequete”. Os colegas passaram a chamar Augusto de Verequete.

Verequete buscou compor carimbó tradicional chamado de “Pau e Corda” ou “Carimbó de Raiz”. Ele e Pinduca tornaram o carimbó mais popular no Pará e conseguiram mesmo projeção em outros lugares do Brasil entre os anos das décadas de 1970 e 1980. Verequete criou aproximadamente 200 músicas, lançou dez discos e quatro CDs. Alguns sucessos dele: “O carimbó não morreu”, “Chama Verequete”, “Morena penteia o cabelo” e “Xô peru”.

Verequete casou-se na primeira vez com Josenilda Pinheiro da Silva (conhecida como Dona Cenira), com quem teve apenas uma filha,Lucimar Rodrigues. Mas ele tinha quatro filhos de um relacionamento

Augusto Rodrigues foi casado com Josenilda Pinheiro da Silva (conhecida como Dona Cenira), com quem teve apenas uma filha, Lucimar Rodrigues, mas o mestre tinha outros quatro filhos do primeiro casamento. Cenira e Verequete conheceram-se em 1975, quando está tinha dezoito anos e trabalhava como garçonete em uma boate no bairro do Telégrafo, em Belém, que na ocasião contratou o cantor e o grupo.

A esposa junto com o filho mais velho, Augusto Carlos, e o neto, Felipe Rodrigues, também participaram do grupo O Uirapurú.

A causa da morte de Verequete em 2009 foi uma pneumonia grave e infecção generalizada, aos 93 anos. Recebeu do presidente Lula o título Comendador da Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura. Em 2009,  Verequete faleceu na cidade de Belém aos 93 anos. Em 2002  Rogério Parreira e Luiz Arnaldo Campos dirigiram o documentário “Chama Verequete”.

Discografia do grupo  O Legítimo Carimbó ‎(CID) - 1974;O Legitimo Carimbó, Vol. 2 (CID) - 1974;Conjunto Uirapuru (Tapecar) - 1974;Verequete e o Conjunto Uirapurú - O Legítimo Carimbó Vol III‎ (CID)- 1975;Al Son De Carimbo ‎(Tropical) - 1980;Verequete e Conjunto Uirapuru Vol 9 ‎(Gravasom) - 1980;A Volta Do Carimbó ‎(Gravodisco) – 1994;Verequete da Coluna (Zig Zag) - 1999;Uirapuru Chama Verequete ‎(Na Music) – 2011;Conjunto O Irapuru Do Verequete (Spot).

 

Vou Tirar Cipó - 1974

Verequete

 

Eu vou para o gapó
Fui tirar cipó
Eu vou para o gapó
Fui tirar cipó

Vem cá moreninha
Vem dançar carimbó
Vem cá moreninha
Vem dançar carimbó

Eu já pulei
Olha o carimbó
Eu vou pular
Olha o carimbó
Eu vou brincar
Olha o carimbó
RRRRRRRRRRRRRR
Olha o carimbó
Opa
Olha o carimbó

Eu vou pó gapó
Fui tirar cipó
Eu vou pó gapó
Fui tirar cipó

Vem cá moreninha
Vem dançar carimbó
Vem cá moreninha
Vem dançar carimbó

Eu já pulei
Olha o carimbó
Eu vou pular
Olha o carimbó
Eu vou brincar
Olha o carimbó
Eu vou rodar
Olha o carimbó
Rá, rá
Olha o carimbó
Ôba
Olha o carimbó
RRRRRRRRRRRRRR
Olha o carimbo

Para ouvir:

https://www.vagalume.com.br/verequete/vou-tirar-cipo-1974.html

_____________________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 


E

 

  Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+grupo+de+carimb%C3%B2&sxsrf=APwXEdfWizu0RZAbn6pGSfowhQp


 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário