terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Guerra civil na Síria e a queda de Assad

 



No dia 08 de dezembro de 2024 caiu finalmente na Síria o regime ditatorial de Bashar Assad. Foram mais de 13 anos de uma guerra civil que causou milhões de mortos, feridos e refugiados.

Neste artigo irei fazer um resumo da história da Síria, destacarei o período pós-independência no século XX, o domínio do partido Baath, a queda da oligarquia Assad e o momento atual da Síria após a guerra contra a ditadura.

Na Antiguidade a Síria foi ocupada por diversos povos: canaanitas, fenícios, arameus, hebreus, egípcios, sumérios, assírios, babilônios, hititas, persas, gregos, romanos e bizantinos. A Síria nos tempos antigos envolvia uma região com a Península da Anatólia, a Turquia e a Península do Sinai. Entre os séculos XII e VII a. C, na parte litorânea da Síria, houve a Civilização Fenícia.  Os marinheiros e comerciantes fenícios criadores dessa civilização criaram uma civilização mercantil onde as cidades fenícias sempre foram independentes, ainda que, por certos períodos, uma ou outra exercesse hegemonia sobre as demais. Os fenícios se destacaram na invenção do alfabeto, barcos adequados para a navegação em mar aberto, a confecção de cerâmicas e de tecidos, a sistematização dos conhecimentos geográficos e a primeira circunavegação da África.

A Síria, aproximadamente em 1 000 a.C. era dividida em vários Estados: Gesur, Zobá, Arã, Damasco. Em 990 a. C os sírios formaram uma nação unificada sob a liderança de Damasco. Houve o domínio persa e o de Alexandre Magno. Após a morte desse, o império dele foi dividido e a Síria ficou fazendo parte do Império Selêucida, que ia até o oeste da Índia. Com a expansão romana na Ásia, parte dessa região foi incluída nos domínios romanos. Passaram a acontecer guerras entre romanos e partas/persas pelo controle de regiões que tinham pertencido aos selêucidas.

Com a divisão do Império Romano, o território que corresponde à atual Síria fez parte do Império Bizantino. Mas em 636 os árabes muçulmanos conquistaram esse território, com a cidade de Damasco passando a ser a capital do império do Califado Omíada. O fim desse califado se dá em 750 com o assassinato do último califa omíada, Maruane II e os Abássidas tomam a região, transferindo a capital para Bagdá. Damasco perdeu então muito de sua importância política. No século XI a região presenciou a chegada dos cruzados. Havia conflitos entre chefes islâmicos, o que possibilitou conquistas cristãs. Mas em 1175 o chefe muçulmano Saladino unifica o Egito, Síria e Iraque, estabelecendo sua capital em Damasco e iniciando a expulsão dos cruzados. Pouco tempo depois a Síria foi afetada por forças de invasores mongois e tártaros.

No século XVI a Síria foi dominada pelos turcos e passou a fazer parte do Império Otomano. Em 1831 o governante do Egito conquistou a região. Houve revoltas de cristãos e muçulmanos e intervenção de tropas francesas que diziam estar protegendo comunidades cristãs. Em 1840 os otomanos recuperaram a Síria. Anos depois houve conflitos entre cristão maronitas e muçulmanos drusos. Nessa época surgiu o Líbano, como uma província do império turco, que deveria ser governado por um cristão nomeado pelo sultão e aprovado pelas potências europeias.

Após a I Guerra Mundial, o Império Otomano acabou e a Síria passou para controle da França até a independência em 1946. Em 1947 as últimas forças francesas deixaram a Síria e o Líbano.

Em 1948 a Síria participou da guerra de países árabes contra Israel e em 1956 lutou junto com o exército egípcio contra esse país na Guerra do Suez. Em 1958 houve uma unificação política envolvendo Egito e Síria criando a República Árabe Unida. Os Estados se separaram em 1961 e em 1972 foi criada a Federação das Repúblicas Árabes, englobando Síria, Egito e Líbia. Foi novamente uma tentativa de unificação política, mas havendo dessa vez uma maior autonomia dos países membros. Essa união durou de 1 de setembro de 1972 a 1 de janeiro de 1977.

Houve em 1963 uma revolução popular que levou ao poder o Partido Baath Árabe Socialista, fundado em 1947 por Michel Aflaq, um um militante nacionalista de origem cristã. E em novembro de 1970, tomou o poder o general Hafez al-Assad. O Partido Baath em seu V Congresso decidiu que os estados árabes eram divisões regionais de uma grande Nação Árabe, tendo o general Assad sido nomeado secretário-geral. Ele fez a seguinte proposta: "acelerar os passos para a transformação socialista nos diferentes campos". A Constituição da Síria de 1973 institucionalizou esse modo de pensar.

A Síria lutou contra Israel nas guerras de 1967 (Guerra dos Seis Dias) e 1973 (Guerra do Yon Kipur) . Em 1967 forças israelenses ocuparam as Colinas de Golã. O governo sírio se opôs  à política dos EUA na região e formou junto com a Argélia, o Iêmen e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) a Frente de Firmeza. Em 1976 forças sírias eram a maioria da Força Árabe de Dissuasão que interveio na guerra civil do Líbano.

As facções síria e iraquiana do Partido Baath em 1978 fizeram reuniões para debater uma possível unificação entre Síria e Iraque. Porém o projeto de unificação fracassou. Em 1980 a Síria estava contrária às posições da Arábia Saudita, Iraque e Jordânia. O governo sírio criticou o governo iraquiano pelo conflito desse país com o Irã e acusou a Jordânia de apoiar um grupo político religioso islâmico na Síria: a Irmandade Muçulmana. Em 1982 o exército sírio atacou bases desse movimento. O Iraque foi acusado de apoiar a Irmandade e houve uma situação tensa entre os dois países. Durante a Guerra Civil Libanesa houve a “crise dos mísseis” envolvendo a Falange Cristão (maronita) que enferentou os interesses sírios no Líbano . A Falange pediu socorro aos israelenses que mandaram aviões que derrubaram dois helicópteros sírios. O presidente Assad colocou então mísseis anti-aéreos de fabricação soviética em montanhas libanesas. Israel no mesmo ano invadiu o Líbano e destruiu a base de mísseis da Síria, que manteve cerca de 30 mil soldados no Líbano. Para retirar suas tropas da região o governo sírio exigiu a saída do exército israelense do Líbano. Em 1983 o governo sírio apoiou grupos da OPL contra o líder palestino Yasse Arafat. O general Assad conseguiu em 1985 aumentar seu tempo como presidente por meio de votação na Síria.

Na guerra do Iraque em 1990 contra a aliança que se opôs à invasão do Kwait o governo sírio ficou contra o Iraque. As relações entre Síria e Estados Unidos nessa época melhoraram e a Síria aumentou sua força no Líbano. Síria e Líbano assinaram um acordo de cooperação em 1991 no qual a Síria reconheceu a independência do Líbano. Em 2 de dezembro de 1991, Hafez al-Assad foi reeleito pela quarta vez, com 99,98% dos votos.

Os Acordos de Oslo em 1994 não contaram com a participação da Síria. Por esses arcodos foi permitido o estabelecimento de uma Autoridade Palestina e a assinatura de de acordos de Paz entre Israel e Jordânia. A Síria exigia que Israel retirasse totalmente suas forças dos territórios ocupados por essa nação após a Guerra dos Seis Dias em  fazer frente a um alinhamento entre Israel e a Turquia. Em 1998 o Irã mostrou apoio às negociações sírio-iraquiana sobre questões de segurança. Em 1999 Hafez al-Assad foi, mais uma vez, reeleito, porém em 10 de junho de 2000, ocorreu a sua morte, sendo sucedido por seu filho Bashar al-Assad. Nesse ano Israel retirou tropas do sul do Líbano e em junho de 2001 a Síria completou a retirada de suas tropas de Beirute. Em 2001 a Síria, graças ao apoio de países da Ásia e da África, conseguiu um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. A política de reaproximação com o Iraque foi fortalecida em 2001com a viagem do primeiro-ministro sírio ao Iraque e em maio de 2002, o Papa João Paulo II visitou a Síria.

O governo de Bashar al-Assad caracterizou-se pela repressão política e em  8 de março de 2004 o Comitê de Defesa das Liberdades Democráticas e Direitos Humanos na Síria organizou um protesto sem precedentes na capital síria para exigir democracia e liberdade para os presos políticos. Em 2005 , as potências ocidentais e a oposição libanesa fizeram uma grande pressão para que as tropas e agentes de inteligência síria se retirassem imediatamente do Líbano e nesse mesmo ano a Síria retirou suas tropas. Bashar al-Assad foi reeleito para o cargo de presidente por mais sete anos, em maio de 2007.

Guerra-civil:

O início da guerra civil na Síria está relacionado com um conjunto de manifestações populares, chamado de “Primavera Árabe” . Foram manifestações que aconteceram nos países de língua árabe do Norte da África e do Oriente Médio a partir de 2010. Entre as causas da “Primavera Árabe” estão: A existência de governos autoritários, truculência policial, desemprego e outras consequências da crise econômica de 2008. Os manifestantes desejavam o fim de governos autoritários e a democratização dos países, a reforma política, em alguns casos, e melhoria na qualidade de vida da população. Primeiro ocorreram manifestações na Tunísia e depois se espalharam por outros países, como Egito, Síria, Líbia, Iêmen, Barein, Marrocos e Arábia Saudita. Tunísia e Egito conseguiram derrubar os governos, enquanto reformas políticas de maior ou menor escala foram realizadas em algumas nações, sendo que houve guerra civil após a queda dos governos na Líbia e no Iêmen.

Na Síria, houve severa repressão aos protestos contra o governo. A partir de então houve conflitos  que acabaram levando à guerra civil na Síria. As manifestações começaram em janeiro de 2011, iniciadas por pessoas jovens da população do país. O objetivo principal era a renúncia do presidente Bashar al-Assad, no cargo desde 2000 e sucessor de seu pai, Hafez al-Assad. A revolta armada começou em março de 2011. Foram formadas brigadas por rebeldes que tomaram algumas cidades e vilas, tendo apoio de países como Estados Unidos e a França. O conflito passou a afetar grandemente a população que começou a sofrer com falta de alimentos.

Outro ator na guerra foi a organização chamada de Estado Islâmico, que aproveitou a fragilidade do país e conquistou territórios na Síria . Essa organização agiu muitas vezes de forma cruel com pessoas do povo.

Durante a maior parte da guerra os grupos principais foram:

1-As forças armadas da República Árabe Síria, apoiando o presidente  Bashar al-Assad. Contavam com apoios importantes do Irã, Hezbollah libanês e Rússia.

2-Exército Síria Livre : Formado por vários grupos contra o governo de Bashar al-Assad após o começo do conflito em 2011, apoiados por Turquia, Arábia Saudita e Catar.

3-Partido da União Democrática : formado pelos curdos, que lutam por um território curdo autônomo. Os curdos receberam o apoio dos Estados Unidos, União Europeia, Austrália, Canadá, etc.

4-Estado Islâmico – seu principal objetivo era declarar um califado na região. Apesar de terem capturado cidades importantes, suas forças foram derrotadas pelas potências ocidentais. Essa organização foi duramente atacada por seus inimigos que contaram com apoios de grandes potências militares, os Estados Unidos e Rússia. Em junho de 2014 o Estado Islâmico controlou amplas áreas da Síria e Iraque, formando um “califado”.

Em 2016 o exército de Assad tomou a cidade de Palmira que estava nas mãos do Estado Islâmico e a importante cidade de Alepo é retomada pelo exército da República da Síria com apoio da força aérea russa. 

Em janeiro de 2017 houve tentativa de negociar um cessar-fogo por meio do Acordo de Astana, que não foi aceito por líderes do movimento revolucionário e nem pelo governo sírio. Em abril de 2017 o exército republicano lança gás tóxico contra a população da cidade de Khan Shaykhun. Os Estados Unidos atacam com mísseis a base síria d'Al-Chaayrate. Em abril de 2018 mais um ataque com gás por forças que apoiavam o presidente sírio. Em outubro de 2019 o exército turco ataca os combatentes curdos na Síria. De 2020 em diante o Estado Islâmico encontra-se muito enfraquecido. Em 2021 Assad foi eleito para seu quarto mandato. Houve sérias denúncias de fraudes eleitorais.

Nos anos de 2020 e 2021 as forças de Assad tinham controle de uma parte considerável do país e cidades estratégicas. Mas uma grave crise econômica atingia a Síria, cujo governo era alvo de amplas sanções internacionais.  Em 2023 vários protestos aconteciam devido à crise econômica e se pedia a queda de Assad. Em agosto desse ano diversas milícias árabes atacaram os curdos. Os Estados Unidos se colocaram do lado dos curdos. No início de 2024, forças rebeldes do norte da Síria se reorganizaram, com novos armamentos e novos recrutas. Com a guerra em Gaza, Irã e seus grupos de apoio que davam suporte para Assad mudaram seu foco para a guerra em Gaza. O governo da Rússia, forte aliado de Assad,  também focou muito mais na guerra com a Ucrânia. As forças armadas da república síria que davam apoio a Assad se enfraqueceram sem esses apoios externos. Não havia dinheiro para as despesas do exército e a moral era baixa entre essas forças. Então, em novembro de 2024 forças rebeldes avançaram sobre cidades ainda controladas pelo governo Sírio. Alepo foi tomada pelos rebeldes e em 5 de dezembro tomaram a cidade de Hama. O exército de Assad em muitas ocasiões não quis lutar. Homs e Palmira foram tomadas por rebeldes e Damasco foi atacada. Em 8 de dezembro, percebendo ser impossível resistir, Assad foge e seu governo chega ao fim .

Consequências da guerra

O número de mortos na guerra de 2011 a dezembro de 2024 chegou a mais de 500 mil e mais de 130 mil tinham sido detidos pelo governo sírio. Mais de cinco milhões de sírios deixaram o país durante a guerra. Estão sendo investigados crimes de guerra e contra a Humanidade. A principal força de combatentes que se destacou no fim da guerra contra Assad foi a milícia Hayat Tahrir AL-Sham (HTS). É um grupo herdeiro da frente AL-Nusra (que surgiu em 2012) e uma dissidência do grupo Al-Qaeda. Seu líder é Mohammed al-Golani. Foi esse grupo que na madrugada de 8 de dezembro que iniciou a ofensiva rebelde que tomou Damasco e que antes tinha tomado cidades importantes.  O HTS absorveu a al-Nusra e outros grupos jihadistas menores. Por muito tempo os Estados Unidos tem considerado o HTS como uma organização terrorista. Abu Mohammed al-Golani, é considerado o principal estrategista da milícia. Em 2017 o grupo rompeu com a Al-Qaeda.

A Síria é um país de maioria islâmica sunita. Mas há populações xiitas, alauítas e drusas, que são também islâmicas e minorias cristãs. Há ainda grupos armados em disputa, como forças restantes do Estado Islâmico, os curdos e outros grupos menores. Neste Natal de 2024 uma árvore natalina de uma comunidade cristã foi incendiada por extremistas islâmicos. O HTS prometeu que uma outra árvore será providenciada e que o culto cristão no Natal será respeitado, assim como disse que os culpados pelo abuso serão punidos. É só um pequeno exemplo da complexidade da situação reinante na Síria. Há recentes notícias de que grupos armados apoiados pela Turquia estão em conflito com os curdos. Que possa haver brevemente um acordo entre grupos étnicos e religiosos e que a Síria possa começar a reconstruir suas cidades em 2025 e se inicie um processo de conciliação e de pacificação do país e que se busque construir um regime que respeite as liberdades individuais e culturais.

Sugestão de vídeo:

Guerra na Síria: A ofensiva que levou à queda de Bashar al-Assad e à tomada de Damasco por rebeldes

https://www.youtube.com/watch?v=y-esXw0Un2w

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de Historia.

 Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+do

 

 

 

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