sexta-feira, 7 de março de 2025

O compositor Vivaldi

 






No dia 4 de março de 1678 nasceu em Veneza, que era uma república italiana , o compositor e músico Antônio Lucio Vivaldi, mais conhecido só como Vivaldi. Ele seguia o estilo barroco tardio. Foi chamado de il Prete Rosso ("o padre ruivo"), pois era padre e tinha os cabelos ruivos. Ele compôs muitas obras (770), entre as quais 477 concertos e 46 óperas. É muito conhecido do público pelos seus quatro concertos para violino e orquestra denominados Le quattro stagioni ("As Quatro Estações").

Era o mais velho de sete irmãos. Seu pai era o barbeiro e violinista Giovanni Battista Vivaldi e sua mãe era Camilla Calicchio. O pai de Antônio Vivaldi deu as primeiras lições de música para ele e depois o matriculou na na Capela Ducal de São Marcos, para aprender mais sobre música. Também o pai conseguiu a admissão do filho Antônio naorquestra da Basílica de São Marcos, na qual veio a se destacar como violinista.

Vivaldi foi ordenado padre em 1703. Tinha problemas de saúde, talvez tivesse asma e passou a se dedicar ao ensino do violino em Ospedale della Pietà, um orfanato para moças que ficava em Veneza. Foi para as meninas dessa instituição que Vivaldi compôs a maioria dos seus concertos, cantatas e músicas sagradas. A primeira coletânea de Vivaldi- as Doze sonatas (Opus 1), foram dedicadas ao nobre de Veneza de nome Annibale Gambara, com influência musical de Arcangelo Corelli. A segunda coletânea com 12 sonatas para violino e baixo contínuo (Opus 2) é publicada em 1708. Em 1711 ele consegue fama internacional com a publicação, em Amsterdam no ano de 1711, de uma coletânea de 12 concertos - L" estro armonico" (Opus 3), devido novas técnicas de impressão do editor Estienne Roger. Essas técnicas eram bem mais avançadas do que as dos editores venezianos. O compositor Bach transcreveu seis desses concertos para vários instrumentos.

Vivaldi tornou-se responsável pelas atividades musicais do Ospedale della Pietà em 1713. Em 1716 passou a ser maestro de' concerti. É possível que ele tenha tido casos amorosos diversos, um deles talvez com a sua aluna Anna Girò, que era contratalto, que teria tido algumas regalias com ele como a modificação de velhas óperas venezianas a fim de adequá-las aos recursos vocais dela. O músico Benedetto Marcello teria feito um protesto por escrito contra Vivaldi por causa dessa questão.

A coletânea La stravaganza (Opus 4), com  concertos para violino solo, cordas e baixo contínuo é composta em 1714. Nesse ano inicia sua carreira como empresário teatral e diretor musical do Teatro Sant'Angelo. Nesse teatro apresentou sua primeira ópera encenada em Veneza, Orlando finto pazzo (RV 727).

Vivaldi em 1723 publicou a coletânea Opus 8, Il cimento dell'armonia e dell'inventione, que consistia de doze concertos e que inclui "As Quatro Estações. Desses 12 concertos, sete são descritivos: os quatro primeiros ("La primavera", "L'estate", "L'autunno", "L'inverno") e mais "La tempesta di mare", "Il piacere" e "La caccia".A tradição da música descritiva foi transformada por Vivaldi em um estilo tipicamente italiano, com seu timbre inconfundível, no qual as cordas têm um papel central. Vivaldi teve muito sucesso com esses concertos, em especial na França. Houve autores que fizeram ótimas adaptações na segunda metade do século XVIII da La primavera, como Michel Correte e até mesmo o filósofo Jean Jacques Rousseau escreveu uma delicada transcrição da peça para flauta solo. O rei Luís XIV da França gostava muito de "La primavera". A corte real francesa encomendou outras composições de Vivaldi .

A obra Il cimento dell'armonia e dell'inventione foi publicada em 1725 em Amsterdam, sendo bastante apreciada. Foi nessa cidade que Vivaldi estava em 1738 para dirigir a abertura do concerto comemorativo dos 100 anos do primeiro teatro da cidade, o Schouwburg de Van Campen. Nessa época Vivaldi retorna à Veneza, que passava por maus momentos econômicos. Em 1740 ele deixa seu trabalho no Ospedale e quis mudar-se para Viena, onde morava seu admirador, o imperador Carlos VI, para quem Vivaldi dedicou sua obra La Cetra (uma coletânea de doze concertos para violino)em 1727.

Com o tempo, as composições de Vivaldi não estavam mais tão no gosto do povo de Veneza. Ele, como outros compositores desse tempo, morreu na pobreza. Estava fazendo sucesso na época a ópera napolitana e teve de vender muitos de seus manuscritos a preço baixo para que tivesse condições de ir para Viena, a convite de Carlos VI. Talvez Vivaldi fosse assumir a posição de compositor oficial na Corte Imperial. Antes disso o compositor teve momentos ruins, pois foi proibido de entrar em Ferrara pelo arcebispo da cidade, onde ia participar da temporada de ópera com esperança de ganhar um dinheiro. Foi criticado por não exercer seu papel de padre oficiando missas, de andar acompanhado de mulheres e de participar de espetáculos, o que o arcebispo condenava moralmente.

Em Viena, Vivaldi não pôde ficar muito tempo porque seu protetor Carlos VI faleceu em outubro de 1740, deixando o compositor sem amparo financeiro. Nessa situação, ele viria a morrer em 28 de julho de 1741 em Viena por causa provável de um agravamento de bronquite asmática. Sua música só viria a ter sucesso de novo a partir do século XX. O compositor Johann Sebastian Bach foi muito influenciado pelo concerto e Ária de Vivaldi (revivido nas suas Paixões e cantate) e transcreveu concertos dele como o Concerto para Quatro Violinos e Violoncelo, Cordas e Baixo Contínuo (RV580).

Segundo a autora Dilva Frazão:

“(...) Vivaldi transformou o concerto grosso em concerto para solista e orquestra e modificou os movimentos, dando maior vivacidade ao concerto, quebrando a monotonia de seus antecessores.

Em 1705 ele publicou a primeira coletânea de sua obra: as Sonatas de Câmara a Três – Dois Violinos e Violoncelo ou Cravo.

Em 1707, Vivaldi foi para a Itália a serviço de Landgrave Philipp de Hesse-Darmstadt. Nessa época, tratou de divulgar através dos editores italianos as sonatas pertencentes ao Opus 1 e Opus 2, que se aproximavam do estilo consagrado na época, buscando a simpatia da aristocracia dominante.

A Fama de Vivaldi

Em 1713, em Veneza, retomou a direção dos concertos da Scuola dela Pietà quando os comentários maliciosos circulavam por andar no meio de tantas moças.

Além dos encargos na direção musical da Pietà e de criar peças instrumentais, Vivaldi encontrava tempo para compor óperas, dirigir sua encenação, fazer a coreografia e reger a orquestra.

Nessa época, Veneza possuía dez teatros e a ópera estava em momento de glória. Encenavam-se anualmente sessenta espetáculos. Vivaldi supervisionava a organização de outros espetáculos e desfrutava de um prestígio extraordinário.

Impedido de celebrar missa em decorrência de uma doença crônica, provavelmente asma, Vivaldi compôs também para os grupos musicais da instituição.

A partir de 1713, o diretor do coro do Ospedale deixou seu posto e a Vivaldi foi encomendada música vocal sacra. O compositor criou mais de trinta cantatas, oito motetes e um Stabat Mater.

No mesmo ano, sua primeira ópera, Ottone in Villa, foi produzida em Veneza. A fama de Vivaldi espalhou-se não só pela Itália, mas também pela França, Países-Baixos, Estados Alemães e Inglaterra.

Nos centros musicais mais atualizados figuravam as últimas edições de suas mais recentes obras, executadas com êxito nos teatros e nos salões.

A música instrumental do barroco tardio deve a Vivaldi muitos de seus elementos característicos. 

As Quatro Estações

Em fevereiro de 1728, Vivaldi estreou As Quatro Estações em Paris.

As Quatro Estações é uma série de quatro concertos para violino e orquestra. Cada estação é formada por três momentos que duram cerca de dez minutos e retratam a paisagem sonora das quatro estações do ano: primavera, verão, outono e inverno.

Explorando ao máximo as possibilidades dos instrumentos, sobretudo o violino, ele consegue, nessa obra, imitar perfeitamente o canto dos pássaros, a tempestade e o trote dos cavalos.

A partir de 1729, Vivaldi parou de publicar suas obras por perceber que era mais lucrativo vender os manuscritos a compradores particulares. Novamente em Veneza, forneceu obras instrumentais para toda a Europa. 

Última apresentação

No dia 21 de março 1740 fez sua última apresentação na Pietà por ocasião de uma homenagem a Frederico Cristiano, príncipe da Polônia, quando apresentou três concertos e uma sinfonia, que alguns críticos consideraram uma arrojada antecipação do futuro, um salto para a sinfonia clássica – que Haydn faria evoluir vinte anos mais tarde.

Em 20 de agosto, Vivaldi partiu para Viena certo de que teria o apoio da corte austríaca, mas com a morte de Carlos VI, suas esperanças desvaneceram. Maria Teresa, a jovem princesa de 26 anos, não tinha planos para gastar com música.

Morte

Vivaldi passou seus últimos dias na obscuridade e, vitimado por uma infecção, esteve internado no Hospital Municipal, instituição próxima à rua onde ele supostamente passou seus últimos dias. O que se sabe é que morreu na casa de um cidadão chamado Satler que residia perto da Porta Carinzia, na paróquia de Santo Estevão.

Antonio Vivaldi faleceu em Viena, Áustria, no dia 28 de julho de 1741 e foi sepultado sem honrarias no cemitério do hospital.

A música instrumental do barroco tardio deve a Vivaldi muitos de seus elementos característicos. Sua obra é composta de 461 concertos, mais de trinta óperas, 21 cantatas, três serenatas, um Kyrie, um Glória, dois oratórios e algumas peças sacras.

Seus concertos foram tomados como modelos formais por vários compositores do barroco tardio, inclusive Bach, que transcreveu dez deles para teclados.

Ao lado de outros compositores, Antonio Vivaldi passou a fazer parte da galeria dos mestres da música universal.

Curiosidade

O padre Antonio Vivaldi foi ordenado padre e usava batina, mas não rezava missa e vivia ocupado com música. Por seu comportamento, foi denunciado à Inquisição, mas esta o julgou como músico, e o proibiu de celebrar missa.

Entre as obras de Vivaldi destacam-se

  • NeroneFattoCesare (1715)
  • L'Arsilda Regina di Ponto (1716)
  • La ConstanzaTrionfantedell'Amore (1716)
  • As Quatro Estações (1728)
  • Orlando Finto Pazzo e Montezuma (1733)
  • Griselda (1735)
  • Sabat Master
  • Mandolin Concerto
  • Magnificat
  • La Stravaganza
  • Il Giustino
  • JudithaTriumphans
  • Nisi Dominus”

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Segundo o maestro Roberto Minczuk em Grandes compositores da música clássica da Abril Coleções:Antônio Vivaldi foi um gênio italiano que teve o enorme privilégio de viver cercado das mais belas, fascinantes e inteligentes demonstrações da criatividade humana. A arquitetura, a literatura, as artes visuais e todas as manifestações artísticas de seu tempo seriam suficientes para inspirar e inebriar qualquer pessoa, ainda mais um talento e uma mente criativa como a de Vivaldi.

O caráter de sua música poderia muito bem ser extraído da raiz de seu nome. Vivaldi: viva, vida, vivacidade, vivace. Ela é enérgica, contundente, dramática, alegre e, de certa forma, minimalista. Vivaldi foi um dos primeiros a fazer uso de contínuas repetições de um mesmo tema, ou fragmento de tema, como técnica de composição, uma escola que ganhou enorme força somente a partir da segunda metade do século 20, como compositores como Philip Glass, Steve Reich e John Adams.

Sua música é deliciosamente prática, clara e objetiva, fácil de ser assimilada tanto pelo intérprete como pelo ouvinte. Vivaldi também foi um dos primeiros a compor para praticamente todos os instrumentos existentes em sua época(...)”.

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A Enciclopédia Salvat dos Grandes Compositores diz sobre Vivaldi: “A vida de Antônio Vivaldi desenrola-se em dois séculos: XVII e XVIII: Johann Sebastian Bach, Domenico Scarlatti, Georg Friedrich Händel, Georg Philippe Rameau são alguns dos seus ilustres contemporâneos. Segundo a divisão da época barroca em vários períodos, apresentada por Suzane Clercs no famoso estudo estético Le Baroque et la musique (Bruxelas, 1948), Vivaldi é, tal como todos eles, filho do barroco tardio. E também como a de todos eles, a sua música inscreve-se de maneira ativa no período histórico presidido pela cultura do iluminismo(...)”

Sugestão de vídeos:

Vivaldi - Four Seasons (Winter)

https://www.youtube.com/watch?v=ZPdk5GaIDjo

 

Joshua Bell - The Four Seasons "Summer" III. Presto (Video)

https://www.youtube.com/watch?v=laGT9IB2bFo

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagens+de+vivaldi


quarta-feira, 5 de março de 2025

O escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna

 




No dia 4 de março de 2025 faleceu na cidade do Rio de Janeiro, o escritor e poeta brasileiro Affonso Romano de Sant'Anna . Além de se destacar pelas suas obras e ensinamentos em diversos lugares, destacou-se também pelo seu empenho em popularizar a leitura no Brasil e por seu trabalho de modernização da Biblioteca Nacional.  Nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais em 27 de março de 1937. Aos 16 anos de idade, ele publicou seus primeiros textos —críticas de cinema e teatro —, na imprensa de Juiz de Fora, cidade onde vivia. Na sua adolescência ele trabalhou como carregador de marmitas e de trouxas de roupas para lavadeiras. Seus pais queriam que ele fosse pastor evangélico.

Afonso Romano participou nas décadas de 1950 e 1960 de movimento de vanguarda poética. Formou-se em 1961 em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UMG, que atualmente é a Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1962 publicou o ensaio O Desemprego da Poesia e em 1965 lançou seu primeiro livro de poesias, Canto e Palavra. Lecionou em 1965 na Universidade da Califórnia em Los Angeles, Estados Unidos, tendo participado do Programa Internacional de Escritores da Universidade de Iowa, envolvendo 40 escritores de vários países.

Afonso concluiu seu doutorado na UFMG em 1969 e em 1970 organizou um curso de pós-graduação em literatura brasileira na PUC do Rio de Janeiro. De 1973 a 1976 foi diretor do Departamento de Letras e Artes da PUC-Rio, destacando-se por ter realizado a “Expoesia”, que era uma série de série de encontros nacionais de literatura. Ministrou cursos na Europa (Universidade de Colônia, Alemanha; Universidade de Aarhus, na Dinamarca; Universidade de Aix-em-Provence, na França; Universidade Nova, em Portugal) e nos Estados Unidos (Universidade do Texas e UCLA). De 1990 a 1996 foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional e promoveu campanhas de incentivo à leitura, como por exemplos, o Sistema Nacional de Bibliotecas e o Programa de Promoção da Leitura (PROLER), de incentivo à leitura que mobilizou milhares de voluntários em todo o Brasil

A tese de doutorado de Afonso foi sobre a poética de Carlos Drummond de Andrade. O título da tese foi Drummond, um gauche no tempo. Ele foi cronista, tendo trabalhado nos jornais Jornal do Brasil de 1984 a 1988 e O Globo, até o ano de 2005. Escreveu também para os jornais Estado de Minas e Correio Braziliense. Foi casado desde 1971 com a escritora e poeta Marina Colasanti, falecida em janeiro de 2025. Ele estava há alguns anos com o Mal de Alzheimer e faleceu aos 87 anos de idade. Ganhou os seguintes prêmios: Prêmio Pen-Club; Prêmio União Brasileira de Escritores; Prêmio Estado da Guanabara; Prêmio Mário de Andrade do Instituto Nacional do Livro; Prêmio do Governo do Distrito Federal; Prêmio Jabuti. Presidiu o Conselho do Centro Regional para o Fomento do Livro na América-Latina e no Caribe (CERLALC). Ele publicou mais de 60 livros.

Algumas Obras de Affonso Romano de Sant'anna:

“Canto e Palavra” (1965); "Que país é este?" (1980), "O canibalismo amoroso" (1984), "A mulher madura" (1986, primeiro livro de crônicas), "O imaginário a dois" (1987, em parceria com Marina Colasanti), "Mistérios gozosos" (1994); "Vestígios" (2006) e "Sísifo desce a montanha" (2012).

Segundo o jornalista Afonso Borges sobre Affonso Romano de Sant'anna:

"Fez tudo na vida para tornar a poesia popular e social. Era uma determinação na vida dele. Todos os livros tinham uma força ligada à sociedade brasileira; era um poeta da realidade brasileira”.

Também disse Afonso Borges:

"Foi uma das pessoas nessa geração que mais conseguiu popularizar a poesia, escrevendo em jornais por mais de trinta anos, assim como [Carlos] Drummond [de Andrade]. Fizeram o poema popular por ser popular, já que também eram sociais".

Em 2012 Affonso Romano de Sant'anna fez o seguinte comentário ao jornal "Tribuna de Minas" : "Aconteceu um fato muito curioso comigo no Facebook. Publiquei um poema pequeno, e os internautas começaram a ter várias reações positivas e bonitas sobre ele. Muitos dizendo que vão reproduzi-lo, e, de repente, é como se a moeda entrasse em circulação. As pessoas se apoderaram dele. Sou totalmente a favor da poesia na web, e, se Homero e Shakespeare fossem vivos, teriam a mesma opinião."

Sobre o seu poema "A implosão da mentira”, que Affonso Romano publicou nas redes da Internet, ele comentou sobre a popularização do mesmo de tal forma que não se dizia mais quem era o autor:  "Quando ninguém sabe qual é o autor e começa a reproduzir o texto é sinal de que a obra atingiu o seu objetivo, misturou-se com a cultura popular. Alguns poemas como este já foram usados por várias pessoas, vários partidos e, volta e meia, aparecem na internet. Um outro poema meu chamado "Que país é este" já foi utilizado em música, teatro e várias outras situações. Há algum tempo, ele apareceu na rede como autor desconhecido. De uma certa maneira, isso me deixa feliz, porque o autor quer é ser lido, quer passar o recado. Eu não vou ganhar dinheiro com poesia."

A Câmara Brasileira do Livro (CBL) lamentou o falecimento do escritor, poeta, cronista e ensaísta: "Affonso Romano destacou-se pela sensibilidade e profundidade com que abordava temas sociais, culturais e políticos. Como presidente da Fundação Biblioteca Nacional (1990-1996), foi um grande incentivador da leitura e da valorização do livro, contribuindo significativamente para o fortalecimento do setor editorial no Brasil."

 

Alguns poemas de Affonso Romano de Sant’Anna :

 

 O Amor e o Outro

Não amo
melhor
nem pior
do que ninguém.

Do meu jeito amo.
Ora esquisito, ora fogoso,
às vezes aflito
ou ensandecido de gozo.
Já amei
até com nojo.

Coisas fabulosas
acontecem-me no leito. Nem sempre
de mim dependem, confesso.
O corpo do outro
é que é sempre surpreendente.

Sou um dos 999.999 Poetas do País

Fragmento 1

INTRODUÇÃO SÓCIO-INDIVIDUAL DO TEMA

Sou um dos 999.999 poetas do país
que escrevem enquanto caminhões descem pesados de cereais
e celulose
ministros acertam o frete dos pinheiros
carreados em navios alimentados com o óleo
que o mais pobre pagará.

(- Estes são dados sociais
de que não quero falar, embora
tenha aprendido em manuais
que o escritor deve tomar o seu lugar na História
e o seu cotidiano alterar.)

Sou um dos 999.999 poetas do país
com mãe de olhos verdes e pai amulatado
ela – a força de áries na azáfama da casa
a decisão do imigrante que veio se plantar
ele – capitão de milícias tocando flauta em meio
às balas
lendo salmos em Esperanto sobre a mesa
domingueira.

(- Estes são sinais particulares
que não quero remarcar, embora
tenha aprendido em manuais
que o que distingüe a escrita do homem
são seus traços pessoais que ninguém pode
imitar.)

Fragmento 2

DESENVOLVIMENTO HÁBIL E CONTÁBIL DO (P)R(O)BL(EMA)

Sendo um dos 999.999 poetas do país
desses sou um dos 888.888
que tiveram Mário, Bandeira, Drummond,
Murilo, Cecília, Jorge e Vinícius como mestres
e pelas noites interioranas abriam suas obras
lendo e reescrevendo os versos deles nos meus versos
com deslumbrada afeição.

Desses sou um dos 777.777 poetas
que se ampliaram ao descobrir Neruda, Pessoa,
Petrarca, Eliot, Rilke, Whitman, Ronsard e Villon
em tradução ou não
e sem qualquer orientação iam curtindo
um bando de poetas menores/piores
que para mim foram maiores
pois me alimentavam com a in-possível poesia
e a derramada emoção.

Desses sou um dos 666.666 poetas
que fundando revistinhas e grupelhos aspiravam
(miudamente)
à glória erótica & literária
e misturando madrugadas, festas, citações, sonhos
de escritor maldito e o mito das gerações
depois da espreita aos suplementos
batem à porta do poeta nacional para entregar
poemas
(com a alma na mão)
esperando louvor e afeição.

Desses sou um dos 555.555
que um dia foram o melhor poeta de sua cidade
o melhor poeta de seu estado
dos melhores poetas jovens do país
e quando já se iam laureando aqui e ali em plena arcádia surpreenderam-se nauseados
e cobrindo-se de cinza retiraram-se para o deserto
a refazer a letra do silêncio
e o som da solidão.

Desses sou um dos 444.444 poetas
que depois da torrente de versos adolescentes e noturnos
se estuporaram per/vertidos nas vanguardas
e por mais de 20 anos não falamos de outra coisa
senão da morte do verso e da palavra e da vida do sinal
acreditando que a poesia tendia para o visual
e que no séc. XXI etc. e etc. e tal.

Desses sou um dos 333.333 poetas
que depois de tanto rigor, ardor, odor, horror
partiram para a impureza (consciente) das formas
podendo ou não rimar em ar e ão
procurando o avesso do aprendido
o contrário do ensinado
interessado não apenas em calar, mas em falar
não apenas em pensar, mas em sentir
não apenas em ver, mas contemplar
fugindo do falso novo como o diabo da cruz
porque nada há de mais pobre que o novo ovo de ouro
gerado por falsas galinhas prata.

Desses sou um dos 222.222 poetas
que penosamente descobriram que uma coisa
é fazer um verso, um poema ou mais
e receber os elogios médio-medianos dos amigos
e outra, bem outra, é ser poeta
e construir o projeto de uma obra
em que vida & texto se articulem
letra & sangue se misturem
espaço & tempo se revelem
e que nesta matéria revém o dito bíblico
– muitos os chamados, poucos os escolhidos.

Desses sou um dos 111.111 professores
universitários ou não
que antes de tudo eram poetas-patetas-estetas-profetas
e que depois de ver e viver da obra alheia
estupefatos
descobrem que só poderiam/deveriam
sobreviver com a própria
que escondem e renegam
por pudor
recalque
e medo.

Sou um dos 999 poetas do país
que
sub/traídos dos 999.999
serão sempre 999 (anônimos) poetas
expulsos sistematicamente da República por Platão
que um dia pensaram em mudar a História com
dois versos pena & espada
(o que deu certo ao tempo de Camões)
e que escrevendo páginas e páginas não mudaram nada
senão de tinta e de endereço.
Mas foi dessa inspeção ao nada que aprenderam
que na poesia o nada se perde
o nada se cria
e o nada se transforma.

Assombros

Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.

Entre a aorta e a omoplata rolam
alquebrados sentimentos.

Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.

Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro.

Catando os Cacos do Caos

Catar os cacos do caos
como quem cata no deserto
o cacto
como se fosse flor.

Catar os restos e ossos
da utopia
como de porta em porta
o lixeiro apanha
detritos da festa fria
e pobre no crepúsculo
se aquece na fogueira erguida
com os destroços do dia.

Catar a verdade contida
em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas
no pêlo
do dia cão.

Recortar o sentido
como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso
com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionisio
e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido
beber o vinho
ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido
pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer
o fígado
– como era antes.

Catar palavras cortantes
no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras
o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça?
Então
de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada
deixar gravada a emoção

Cacos de mim
Cacos do não
Cacos do sim
Cacos do antes
Cacos do fim

Não é dentro
nem fora
embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora
que violento
o sentido nos deflora.

Catar os cacos
do presente e outrora
e enfrentar a noite
com o vitral da aurora


Silêncio Amoroso – 2

Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.
O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
– de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.

 

Despedidas

Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.
Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!
Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm os que amando tudo o que perderam
já não mentem
.

 

Limites do Amor

Condenado estou a te amar
nos meus limites
até que exausta e mais querendo
um amor total, livre das cercas,
te despeças de mim, sofrida,
na direção de outro amor
que pensas ser total e total será
nos seus limites da vida.

O amor não se mede
pela liberdade de se expor nas praças
e bares, sem empecilho.
É claro que isto é bom e, às vezes,
sublime.
Mas se ama também de outra forma, incerta,
e este o mistério:

– ilimitado o amor às vezes se limita,
proibido é que o amor às vezes se liberta
.

Reflexivo

O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeus-se.

Amor e Medo

Estou te amando e não percebo,
porque, certo, tenho medo.
Estou te amando, sim, concedo,
mas te amando tanto
que nem a mim mesmo
revelo este segredo.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura:

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+afonso+romano