José Bonifácio, Patriarca da Independência.

Considerando o mês de setembro que é o mês relacionado à data de proclamação de independência do Brasil, resolvi escrever um segundo artigo (o primeiro foi sobre Dom Pedro I) tratando de mais uma figura ilustre do movimento pela independência: José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido pelo epíteto de “patriarca da independência”.

José Bonifácio de Andrada e Silva, membro da aristocracia portuguesa, nasceu em 13 de junho de 1763 na cidade de Santos. Seu pai era Bonifácio José Ribeiro de Andrada e a mãe era Maria Barbara da Silva. José Ribeiro de Andrada, o avô,pertencia a antiga família portuguesa do Minho e Trás-os-Montes. A mãe de José Bonifácio teve dez filhos, quatro mulheres e seis homens.

Ao terminar seus primeiros estudos, em 1777, com14 anos de idade, foi levado para São Paulo, onde estudou francês, lógica, retórica e metafísica, com o Bispo Manuel da Ressurreição, dono de boa biblioteca. Depois foi para o Rio de Janeiro, de onde seguiu para Portugal. Em outubro de 1783 matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra. Em Portugal estudou também Filosofia, História, Química e Matemática. Concluiu, em 16 de junho de 1787, seu curso de Filosofia Natural e, a 5 de julho de 1788, o de Leis.

Num tempo em que havia o contexto da Revolução Industrial, começada na Inglaterra, iniciou pesquisas científicas voltadas aos minerais.

Fez parte da Academia de Ciências, convidado pelo Duque de Lafões, primo da rainha D. Maria I. A coroa portuguesa escolhe José Bonifácio para percorrer alguns países europeus com o objetivo de ter mais conhecimentos em mineralogia, filosofia e história natural.

Foi na Suécia que sua carreira de mineralogista brilhou, ao descobrir e descrever doze novos minerais. Tornou-se membro de academias científicas em diversos países.Leu autores como Rousseau, Voltaire,Montesquieu, Locke, Pope, Virgílio, Horácio e Camões. Escreveu versos e se indignava quando jovem com o despotismo e tinha influências de ideias iluministas e do exemplo da independência dos Estados Unidos. Ficava a refletir como estudante sobre questões como as sociedades indígenas e a abolição da escravatura.

Nos anos de 1790 José Bonifácio esteve em Paris, na fase inicial da Revolução Francesa. Há relatos de que conheceu estudiosos famosos como Lavoisier, Chaptal e Jussieu.

Tendo estudado em avançados centros europeus da época, na Europa, percebeu que Coimbra estava atrasada em relação a esses centros. Ficou com ótima impressão da escola de Freiberg onde teve amigos como Alexander von Humboldt, Leopold von Buch e Del Río. Teve aulas com Alessandro Volta em Pádua. 

Esteve em 1796 na Universidade de Uppsala, na Suécia, quando conheceu as coleções de Torbern Bergman, criador da classificação química dos minerais.Classificou quatro espécies minerais novas. Aos 37 anos tinha já reconhecimento internacional como cientista.

De volta à Portugal, foi nomeado intendente-geral das Minas e Metais do Reino e membro do Tribunal de Minas, por meio da Carta Régia de 18 de maio de 1801. Foi encarregado pelo decreto de 8 de julho de 1801 de administrar as minas de carvão de Buarcos e de fazer voltar a funcionar as fundições de ferro de Figueiró dos Vinhos e Avelar. Em 12 de novembro de 1801 tornou-se diretor do real Laboratório da Casa da Moeda de Lisboa. Em julho de 1802 foi incumbido de superintender e ativar as sementeiras de pinhais nos areais das costas marítimas e em 13 de julho por meio de alvará, foi nomeado superintendente do rio Mondego e das Obras Públicas de Coimbra.

Quando Portugal foi invadido pelos franceses, durante as guerras napoleônicas, José Bonifácio foi um dos comandantes de tropas do Batalhão Acadêmico que defendiam Coimbra, chegando ao posto de tenente-coronel e a comandante.

Por seus esforços, conseguiu que o barão e mineralogista Guilherme von Eschwege visitasse Portugal e depois o Brasil. Foi o primeiro a usar em língua portuguesa em dois artigos a palavra tecnologia. A família real conhecedora de  sua capacidade, temia que ele próprio proclamasse a independência brasileira. Assim, eram pagos seus estudos e era mantido longe.

Com 56 anos retornou ao Brasil, em 1819, quando o país era Reino Unido e sede da monarquia. Percebeu que aspectos que questionava continuavam, como a escravidão. Destacou logo que havia necessidade de abolir o tráfico de escravos e a escravidão e defendia a incorporação dos índios à sociedade, a miscigenação e a divisão de terras para substituir os latifúndios, com preservação, renovação das florestas, aproveitamento e distribuição das águas e exploração das minas.

José Bonifácio rumou para Santos. Lá seu irmão Martim Francisco era diretor de minas e matas da Capitania de São Paulo. Com esse irmão fez pesquisas em 1820 na área da mineração. Ainda nesse ano, o rio Dom João VI deu a José Bonifácio o título de conselheiro.

Em 1821 Dom João embarcava para Portugal pressionado pelas Cortes liberais. Alguns brasileiros embarcaram para Lisboa como deputados, porém perceberam as intenções portuguesas de impor o domínio político e econômico sobre o Brasil como nos tempos de antiga metrópole. Em 23 de junho José Bonifácio iniciou seu papel político no Brasil, quando foi indicado para vice-presidente do governo provisório na província de São Paulo.

São Paulo, ao contrário de outras juntas governativas das províncias que se aproximavam de Lisboa, reconheceu a autoridade do príncipe Dom Pedro.

Os seis deputados paulistas na Constituinte portuguesa defenderam em Lisboa ideias de Bonifácio, entre elas a instrução pública (com aumento do número de escolas e a criação de pelo menos  uma universidade); o desenvolvimento do povoamento do interior; a catequese em relação aos índios; a emancipação gradual dos escravos; a alteração da estrutura fundiária e a sugestão de uma cidade central no interior do Brasil, para estabelecimento do governo nacional. Mas as Cortes portuguesas não tiveram interesse em tais ideias. O que queriam era a desarticulação entre as províncias brasileiras e proceder a uma recolonização.

Bonifácio percebeu que havia o perigo de perder-se a unidade brasileira. Na Bahia, os interesse de comerciantes portugueses eram muito fortes e havia tropas leais a Portugal, sem aceitar a autoridade de Dom Pedro e em Pernambuco existiam desejos internos de se formar uma república. No Rio de Janeiro havia nacionalistas que queriam a separação em relação a Portugal e nomear Dom Pedro como imperador. Mas esse continuava mantendo sua fidelidade à coroa portuguesa.

Diante da insistência das Cortes em recolonizar o Brasil e que Dom Pedro voltasse a Portugal, foi feito por lideranças políticas brasileiras o pedido ao príncipe para que ficasse. José Bonifácio via que era preciso tomar atitudes para manter a unidade do Brasil. Minas Gerais e São Paulo eram províncias que junto com o Rio de Janeiro eram contra a recolonização.

Em janeiro de 1822, aos 60 anos, José Bonifácio, representante paulista, foi nomeado Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino por Dom Pedro.

José Bonifácio conclamou aos governos das províncias brasileiras que fossem leais ao príncipe Dom Pedro. Ele, Bonifácio, teve grande influência sobre Dom Pedro para que esse decidisse pela adesão ao movimento pela independência. Percebia que nas províncias do Pará, Maranhão e Bahia havia ainda interesses em manter a ligação de dependência com as Cortes.

Quando da viagem de Dom Pedro a Minas Gerais, para conseguir apoios políticos, a conselho de Bonifácio, esse ficou na chefia do governo. O bom relacionamento entre Dom Pedro e Bonifácio acabou por gerar despeitos entre alguns líderes políticos brasileiros do movimento de emancipação. Para bajular Dom Pedro,  deram a ele o título de “protetor e defensor perpétuo do Brasil”. Dom Pedro aceitou o título de “defensor”, mas disse que o Brasil não precisava de sua proteção, que poderia proteger a si mesmo.

Diante da questão de formação de uma Assembleia Constituinte, Bonifácio temia que não fosse o momento adequado porque considerava prioridade assegurar a unidade nacional e incentivar a solidariedade entre as províncias. Nessa época existiam grupos no Rio de Janeiro que eram a favor da coroa portuguesa como comerciantes e traficantes de escravos e também os de ideias republicanas, os quais não combinavam com os pensamentos mais conservadores de Bonifácio. 

Em julho de 1822 Bonifácio já procurava um entendimento com outras lideranças brasileiras a favor da independência, até mesmo com o liberal Gonçalves Ledo, diante das ameaças cada vez maiores, das Cortes , inclusive com notícias de que essas enviariam numerosas tropas para o Brasil. A ruptura com Portugal se aproximava. Foi então comunicado a diplomatas estrangeiros o desejo do Brasil de não se submeter às tentativas de recolonização por Portugal.

Dom Pedro em agosto de 1822 viajou para São Paulo com o objetivo de buscar fortalecimento político e em sua ausência ficaram no Rio de Janeiro José Bonifácio e a princesa Leopoldina. Essa estava como regente. Com as notícias chegadas de Portugal de que o príncipe seria obrigado a retornar e que colaboradores brasileiros de Dom Pedro seriam punidos, José Bonifácio escreveu a Dom Pedro: "O dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha V.A. quanto antes e decida-se, porque irresoluções e medidas d'água morna, à vista desse contrário que não nos poupa, para nada servem e um momento perdido é uma desgraça". Também Leopoldina destacou em cartas a gravidade do momento e instigando-o a agir.

Ao tomar conhecimento das notícias, mostrando indignação, Dom Pedro então proclamou a independência quando estava retornando de Santos.

No novo governo José Bonifácio foi nomeado ministro do Interior e dos Negócios Estrangeiros.  Dom Pedro começou a ficar dividido entre as opiniões de José Bonifácio de um lado e por outro lado, as do grupo de Gonçalves Ledo. Bonifácio queria um governo forte capaz de manter a união entre as províncias.

Em outubro de 1822, os Andrada já tinham tido atritos com o imperador e ele nomeou então novo gabinete de ministros, no qual José Bonifácio foi substituído. Após os esforços de José Joaquim da Rocha em prol dos Andrada, José Bonifácio foi reintegrado em seu posto e entre as medidas rigorosas que tomou exilou inimigos políticos. Também Bonifácio foi o responsável pela criação de uma Marinha de Guerra e com apoio dessa, o governo imperial conseguiu que as províncias que ainda resistiam aderissem à independência do Brasil.

Em 1823 continuaram os trabalhos da Assembleia Constituinte. Nela se formou uma oposição firme aos abusos do imperador. Esse começou a gostar de quem o elogiava e a se achar o grande heroi da independência. Por uma questão regional paulista José Bonifácio acabou demitido de seu cargo.

Começaram a haver interferências de militares lusitanos no exército brasileiro e o imperador foi se deixando influenciar. E por outro lado existiam os brasileiros radicais nacionalistas contra os portugueses. Gente do exército pediu restrições à liberdade de imprensa e a expulsão dos Andrada da Assembleia.  Em 12 de novembro de 1832 a Assembleia foi dissolvida por ordem do imperador. José Bonifácio foi preso em casa e levado para a Fortaleza da Laje. Partiu então para a Europa e foi residir em Talence, perto de Bordéus. No exílio passou a estudar, a escrever poemas, a traduzir  autores como Virgílio. Tomou conhecimento de que no Brasil o partido português ganhava força.

Em 1829, Bonifácio foi autorizado a voltar para o Brasil. Em  23 de julho, chegou ao Brasil, trazendo o cadáver da esposa, morta na viagem. O imperador estava em conflito com deputados do Poder Legislativo. Havia instabilidade política e social.

Dom Pedro o recebeu alegremente. Mas Bonifácio tinha inimigos e o acusaram em março de 1830 de conspirar com os republicanos.

Dom Pedro I ao abdicar escolheu Bonifácio como tutor de seu filho de cinco anos, que seria mais tarde o imperador Dom Pedro II e também dos seus outros filhos.

O ministro da regência, Diogo Feijó, considerava Bonifácio implicado em um levante armado no Rio de Janeiro e o acusou formalmente. Bonifácio perdeu o cargo de tutor dos príncipes devido a ações de inimigos. Como se negasse a aceitar a decisão de tirá-lo do cargo, foi preso e levado para a ilha de Paquetá, onde tinha uma casa.

Bonifácio passou os anos restantes de vida em sua casa em Paquetá e morreu em Niteroi, aos 75 anos, no dia 6 de abril de 1838. Foi levado seu corpo para o Rio de Janeiro e depois sua filha o levou para Santos, onde foi sepultado na capela-mor da Igreja Nossa Senhora do Carmo. 

Na atualidade, os restos mortais de José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos estão em um monumento em Santos, com o nome de Panteão dos Andradas.

A seguir trechos do livro 1822, de Laurentino Gomes: 

" O que José Bonifácio não imaginava é que seu grande papel na história estava por acontecer. Caberia a ele ser o principal conselheiro do príncipe regente e futuro imperador D. Pedro I num momento crucial para a construção do Brasil. Bonifácio esteve à frente do ministério de D. Pedro por escassos 18 meses, de janeiro de 1822 a julho de 1823, mas nenhum outro homem público brasileiro realizou tanto em tão pouco tempo. Sem ele, o Brasil de hoje provavelmente não existiria..."

E ainda o mesmo autor: " Apesar da diferença no saber, na experiência e na idade, Bonifácio e D.Pedro se complementavam na forma inquieta de viver. O patriarca passou para a história como homem sisudo e austero. É uma imagem equivocada. Boêmio e bom de copo, costumava terminar as madrugadas dançando lundu- dança típica do Brasil colonial-em cima de uma mesa. Prendia o cabelo em forma de rabo de cavalo na nuca. Nas cerimônias e ocasiões importantes escondia o rabicho sob a gola da jaqueta. Era poeta e bom contador de histórias. Como D. Pedro, amava as mulheres e teve inúmeras amantes que deram dois filhos bastardos..."

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: Google