Sendo novembro o mês da data da proclamação da
República e Ruy Barbosa uma figura importante da república no Brasil como
também um aniversariante de novembro, resolvi escrever sobre este notável
intelectual brasileiro neste mês de novembro de 2020.
Ruy Barbosa de
Oliveira nasceu em 5 de novembro 1849, em Salvador, na Bahia. Ele
foi um erudito, uma pessoa que dominava vários assuntos, tendo sido
jurista, advogado, diplomata, escritor, filólogo, tradutor, orador e participou
da vida política nacional como ministro, deputado e senador. Participou do
início do governo republicano quando Deodoro da Fonseca foi presidente e também
foi coautor da Constituição da Primeira República. Foi abolicionista e defendia
o federalismo, como também os direitos e garantias individuais.. Como ministro
da Fazenda teve responsabilidade na crise chamada de Encilhamento.
Inspirando-se na bandeira dos Estados Unidos, criou o primeiro modelo da bandeira
republicana brasileira, que depois de quatro dias foi substituída pelo modelo
atual. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a
presidência de 1908 a 1919. Na II Conferência da Paz em Haia, na Holanda, ficou
conhecido por defender o princípio da igualdade dos Estados. O Barão do Rio
Branco, elogiando a atuação de Ruy o chamou de "O Águia de
Haia”.
Os seus pais foram João José Barbosa de
Oliveira, que participou da política baiana e de Maria Adélia Barbosa de
Oliveira. Mesmo sendo envolvido na política local, o pai de Ruy passou em certa
época por dificuldades financeiras, precisando do apoio de Maria Adélia, que
vendia doces caseiros para conseguir um sustento para a família. O seu pai
tinha um aliado político forte, Manuel de Sousa Dantas, que foi o padrinho
político de Ruy Barbosa. Ruy iniciou sua carreira como advogado em 1872, em
Salvador. Já com cinco anos Ruy começou a se destacar. O seu professor Antônio
Gentil Ibirapitanga comentou: "Este menino de cinco anos de idade é o maior
talento que eu já vi. […] Em quinze dias aprendeu análise gramatical, a
distinguir orações e a conjugar todos os verbos regulares". Quando
estudava no Ginásio Baiano de Abílio César Borges, recebeu uma medalha de ouro
do Arcebispo da Bahia. Em 1864 iniciou estudos de alemão.
Em 1866, Ruy entrou na Faculdade de
Direito do Recife. Em 1868, juntamente com seu colega de faculdade Castro
Alves, transferiu-se para São Paulo para concluir o curso lá. Em 1868, após a
queda do gabinete do primeiro ministro Zacarias de Gois, Ruy homenageou o
professor de Direito, abolicionista liberal e deputado José Bonifácio, o Moço.
Ruy discursou em 1869 para homenagear os soldados que voltavam da Guerra do
Paraguai e na ocasião conclamou o Exército para se unir à causa da abolição da
escravatura. Ainda nesse ano realizou uma conferência que se chamou "O
Elemento Servil", dizendo que a escravidão era ilegal, baseando-se na Lei
Feijó, de 1831. Fez publicar no jornal Radical Paulistano, fundado
juntamente com Luís Gama, o seu primeiro manifesto abolicionista. Obteve a
graduação em Direito em São Paulo em 1870 e então retornou à
Bahia. Começou seus trabalhos na tribuna popular defendendo um
escravo contra seu senhor, sendo que ainda era um estudante, em 1869.
Ruy teve momentos de tensão
psicológica pouco antes de se formar em São Paulo. Ficou em repouso
por um ano em Salvador e foi trabalhar no escritório de advocacia de Souza
Dantas, em 1872. Foi nesse ano que ele começou a colaborar para o jornal Diário
da Bahia . Em 1873 passou a ser diretor do jornal e a conferência dele
no Teatro São João sobre “eleição direta” foi muito aplaudida.
Casou-se em 1876 com Maria
Augusta Viana Bandeira, com quem teve cinco filhos, tornou-se
deputado na Assembleia da Bahia em 1877 e foi eleito deputado em 1878 à
Assembleia da Corte. Promoveu a Reforma Geral do Ensino em 1881. Não aceitou em
junho de 1889 o convite para integrar o Gabinete Ouro Preto. O artigo de
Ruy, Plano contra a Pátria, foi muito elogiado pelo líder
republicano Benjamim Constant. Em 15 de novembro de 1889 Ruy Barbosa elaborou o
primeiro decreto do governo provisório e foi nomeado ministro da Fazenda no
governo de Deodoro da Fonseca.
Em 1890 foi elogiado pelo monarca
deposto, Dom Pedro II que disse: "Nas trevas que caíram sobre o
Brasil, a única luz que alumia, no fundo da nave, é o talento de Ruy Barbosa”.
E nesse ano Ruy fez os decretos de reforma bancária. O seu ato de mandar os livros de
matrícula de escravos existentes nos cartórios das comarcas e registros de
posse e movimentação patrimonial envolvendo todos os escravos foi justificado
por ele que disse que quis apagar a apagar "a mancha" da escravidão
do passado nacional. Porém, segundo alguns críticos, o que Ruy pretendeu
foi tornar inviável o cálculo de eventuais indenizações que vinham
sendo pleiteadas pelos antigos proprietários de escravos. A crise chamada
“encilhamento”, ocorreu durante o período em que Ruy foi Ministro da Fazenda,
entre 1889 e 1891. A emissão descontrolada de moeda pelo governo, assim como as
ações de empresas criadas que logo perderam o valor causaram uma inflação alta.
Foi nomeado primeiro vice-chefe do Governo Provisório. Ideias de Ruy tiveram
influência na Constituição de 1891.
Quando se encontrou com Dom Pedro II em
Paris lamentou os rumos que a República havia tomado no Brasil, mostrando
decepção. Em 1892 abandonou a bancada do Senado e dias depois disse em forma de
manifesto à nação: "Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque
fora da lei não há salvação. Eu ouso dizer que este é o programa da República”. Fez
oposição à Floriano Peixoto, tendo defendido cidadãos oposicionistas ao governo
desse presidente e por meio da imprensa fez campanha contra o governo
florianista, sendo que em 1893 foi obrigado a se exilar.
Ficou em quarto lugar para presidente
na eleição de 1894. Esteve em Buenos Aires e depois em Londres e lá
escreveu Cartas da Inglaterra para o Jornal do
Comércio em 1895. Em 1895 disse em um texto para a imprensa: :
"E jornalista é que nasci, jornalista é que eu sou, de jornalista não me
hão de demitir enquanto houver imprensa, a imprensa for livre…"
Criticou a intervenção militar em
Canudos e foi citado por Joaquim Nabuco em seu livro Minha Formação: "Ruy
Barbosa, hoje a mais poderosa máquina cerebral do nosso país”. Ruy, em 3
de abril de 1902, publicou um parecer crítico ao projeto do Código Civil.
Desistiu de se candidatar à presidência
em 1905 e resolveu apoiar Afonso Pena. Foi muito elogiada sua participação na
Conferência de Haia, na Holanda em 1907. Segundo o jornalista Willian Thomas
Stead: "As duas maiores forças pessoais da Conferência foram o Barão
Marschall da Alemanha e o Dr. Barbosa, do Brasil... Todavia ao acabar da
conferência, Dr. Barbosa pesava mais do que o Barão de Marschall”. Ruy defendia
que todas as nações são iguais e soberanas considerando-se a ordem jurídica
internacional.
Em 1909 e 1910 foi responsável pela
campanha civilista, mais uma tentativa de ser eleito presidente. Como Ruy era
civil e seu adversário, Hermes da Fonseca, era militar, a campanha ficou
conhecida como civilista. Ruy era candidato por São Paulo. A campanha ficou
conhecida pela realização de comícios e discursos de Rui em cidades pelo país.
Havia um programa de governo destacando a necessidade de modernização da
economia do Brasil. Ele tentava uma aproximação com vários setores da
sociedade, incluindo a classe média e os trabalhadores. Ruy foi um inovador
nesse tipo de campanha, utilizando cartazes e “santinhos”. Ele venceu em
grandes centros urbanos (Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro), mas o Brasil da
época ainda era muito rural e Hermes da Fonseca acabou sendo vitorioso com o
apoio de muitos dos chamados coronéis, que dominavam a política no interior do
Brasil e utilizavam o voto de cabresto.
Ruy defendeu os interesses do Paraná na
Guerra do Contestado e foi advogado da Lumber, empresa de Percival Farquhar,
que estava envolvida na colonização e exploração de madeira, aspectos ligados à
construção da ferrovia São Paulo- Rio Grande, atividades que causaram diversos
problemas sociais na região do Contestado, contribuindo fortemente para
conflitos sangrentos na referida região. Muitas vezes Ruy foi um defensor de
causas humanistas. Por que então apoiou os interesses de um empresário
norte-americano expansionista? Não devemos esquecer que Ruy se identificava com
um liberalismo capitalista que pregava um modernismo industrializante. Ele
acreditava que o Brasil deveria tomar modelos capitalistas ocidentais como
exemplos e assim podemos perceber que, quando foi ministro da Fazenda e sua
política econômica levou ao Encilhamento, ele buscava uma rápida
industrialização do Brasil que o aproximasse mais de grandes nações
industriais.
Em dezembro de 1913 Ruy lançou o
“Manifesto à Nação”, renunciando à candidatura à presidente pelo Partido
Republicano Liberal. Em 1914 Ruy foi eleito presidente do Instituto dos
Advogados Brasileiros, em 1917 recebeu o título de professor honoris
causa da Faculdade de Direito e Ciências Sociais de Buenos Aires. Fez
um discurso chamado O Dever dos Neutros, no qual dizia
que a neutralidade não devia ser confundida com indiferença e impassibilidade,
demonstrando apoio aos países aliados contra a Alemanha, citando como exemplo o
caso da neutra Bélgica que tinha sido invadida pelos exércitos alemães em 1914.
As ideias dele, em relação a essa questão da postura de países diante da guerra
influenciaram a política externa brasileira na época e ele participou de protestos
contra o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães. Após esses
fatos, o presidente do Brasil, Venceslau Brás, revogou a neutralidade
brasileira em relação à guerra em junho de 1917, colocando o Brasil em posição
a favor dos aliados. Em 1918, o ministro francês Paul Claudel,
entrega a Ruy as insígnias da Ordem Nacional da Legião de Honra.
Ruy concorreu em abril de 1919 pela
quarta e última vez à Presidência da República, sendo derrotado pelo paraibano
Epitácio Pessoa. Diante da intervenção do governo federal na Bahia, Ruy recusa
o convite de representar o Brasil na Liga das Nações, durante a Conferência de
Versalhes. Desapontado com acontecimentos da vida política brasileira, como por
exemplo a intervenção na Bahia, Ruy renuncia ao cargo de senador. Mas decide
voltar e em junho de 1921 é reeleito pela Bahia como senador, iniciando de novo
sua luta por uma revisão constitucional.
Ruy faleceu em Petrópolis, aos 73 anos
de idade, em primeiro de março de 1923, tendo tido graves problemas de saúde desde julho
de 1922 quando sofreu um edema pulmonar. Suas últimas palavras foram:
"Deus, tende compaixão de meus padecimentos". Foi sepultado em um
mausoléu no Cemitério de São João Batista, na cidade do Rio de Janeiro, mas no
centenário de seu nascimento em 1949 seus restos mortais foram levados para a
cidade de Salvador. Deixou pronta para seu epitáfio a seguinte
frase: "Estremeceu a Justiça; viveu no Trabalho; e não perdeu o
Ideal".
Foi homenageado por seu discípulo João
Mangabeira, em 5 de novembro de 1924 com o seguinte discurso:
“Na data de hoje, sr.
Presidente, na capital da Bahia,(…) nasceu Ruy Barbosa. (…) Recordando a figura
do grande evangelista que com a pena e com a tribuna, irradiando e bramindo,
nas vanguardas, a peito aberto, no alto jornalismo de combate, nos comícios populares,
nas casas do Parlamento, nos pretórios; nas assembleias internacionais, em toda
a parte primus inter pares a eloquência, de mãos dadas com a
bravura, robustecida pela abnegação e animada pela fé, não precisou de outras
armas, para servir, por mais de meio século construindo, deslumbrando, (…)
dominando as opiniões que dirigia, às Letras, ao Direito, à Liberdade.
Enriqueceu a língua portuguesa, pela
palavra falada e pela escrita, com as mais belas obras de arte. Em Haia e em
Buenos Aires, para um auditório que era a humanidade, falou, por idiomas
estrangeiros, em alocuções imortais que comoveram o Universo, a linguagem das
mais lídimas aspirações humanas. Nunca fraqueou ante a injustiça, ante a
ingratidão, ante os revezes. Nunca se acobardou ante o perigo. (aplausos)
(…) Construtor, por excelência, da
República, foi principalmente na República, franzino e débil no corpo, quão
rijo, e forte, e valoroso no espírito, a ponta de platina, impávido a receber e
a desviar(…) a eletricidade das tormentas.
(…) Feliz do povo que estremecer a
justiça! Feliz do povo que viver no trabalho! Sobretudo, sr. Presidente, feliz
do povo que não perder o ideal.
(…) Volvamos o nosso espírito para a
tranquilidade onde repousa o magno sacerdote da nossa democracia, o grande semeador
a quem devemos os frutos mais excelentes do nosso liberalismo constitucional.
Para que seu fulgor nos ilumine! Para que o seu exemplo nos ampare!
(…) Para que desçam, portanto, sobre o
coração e a consciência dos que se digladiam no Brasil, ao sol das lutas
políticas, a misericórdia, a clemência, as inspirações do Senhor!”
Sobre Ruy Barbosa escreveu o
cientista político Bolívar Lamounier, na Revista Época em seu artigo “Um
liberal entre autoritários”:
“Ruy Barbosa foi um protagonista intelectual e político de primeiro plano na
transição do Império para a República. Apaixonado pela causa abolicionista e
pelo federalismo, converteu-se à ideia republicana quando sentiu que a
monarquia centralizadora acabaria por levar o Brasil a conflitos regionais cada
vez mais graves e eventualmente à desagregação. Proclamada a República, foi o
principal redator da Constituição, mas não hesitou em se tornar o mais veemente
defensor da revisão constitucional, ao perceber os excessos federalistas do
texto de 1891. Atento à ameaça que o militarismo e o mandonismo oligárquico
representavam para a nascente república, deu-lhes incansável combate. Valeu-se
para tanto de sua tríplice condição de advogado, jornalista e senador.
Concorreu quatro vezes (sem êxito) à Presidência da República, em 1905, 1910,
1913 e 1919...
Principais obras:
- Visita
à Terra Natal
- 'Figuras
Brasileiras
- Contra
o Militarismo
- Correspondência
de Ruy
- Mocidade
e Exílio
- Castro
Alves: Elogio do Poeta pelos Escravos
- O Papa e o Concílio
- O
Anno Político de 1887
- Relatório do Ministro da Fazenda
- Finanças e Políticas da República: Discursos e Escritos
- Os
Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo ante a Justiça Federal
- Cartas
de Inglaterra
- Anistia
Inversa: Caso de Teratologia Jurídica
- Posse
dos Direitos Pessoais
- O
Código Civil Brasileiro
- Discurso
- O
Acre Septentrional
- Actes
et discours. La Haye: W.P. van Stockum et Fils
- O
Brasil e as Nações Latino Americanas na Haia
- O
Direito do Amazonas ao Acre Septentrional
- Excursão
Eleitoral aos Estados da Bahia e Minas Gerais: Manifestos à Nação
- Plataforma
- Ruy
Barbosa na Bahia
- O
Dever do Advogado
- O
Sr. Ruy Barbosa, no Senado, responde às insinuações do Sr Pinheiro Machado
- Problemas
de Direito Internacional. Londres: Jas.Trucott&Son.
- Conferência. Londres: Eyre and
Spottiswoode Ltda.
- Oswaldo Cruz
- Oração
aos Moços
- O
Processo do Capitão Dreyfus
Algumas frases de Ruy Barbosa:
“A liberdade não é um luxo dos tempos
de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade das instituições.”
“Maior que a tristeza de não haver
vencido é a vergonha de não ter lutado!”
“De tanto ver triunfar as nulidades; de
tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver
agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da
virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”
“A força do direito deve superar o
direito da força.”
“A justiça atrasada não é justiça;
senão injustiça qualificada e manifesta.”
“Não é a terra que constitui a riqueza
das nações, e ninguém se convence de que a educação não tem preço.”
“A injustiça, por ínfima que seja a
criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a
tranquilidade e a estima pela vida.”
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura:
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