Este artigo é sobre a ferrovia São Paulo-Rio
Grande, ligando o Estado de São Paulo ao Estado do Rio Grande do Sul,
procurando debater sobre as consequências sociais e ambientais da instalação
dessa ferrovia.
Em 1887, o governo imperial havia
solicitado um projeto de estrada de ferro para ligar a cidade de Itararé em São
Paulo até Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Com essa ligação ficariam assim
interligadas as províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul. Também seria facilitada a ligação de todas estas províncias com a capital
do país, Rio de Janeiro.
Foi em abril de 1904, já na República,
que a ferrovia chegou às margens do Rio Iguaçu, na divisa entre Paraná e Santa
Catarina. A parte que envolvia o Paraná e a parte gaúcha entre o rio
Uruguai e Santa Maria estavam em operação, mas faltava um trecho catarinense.
Nessa ocasião a Companhia EFSPRG estava com muitos custos e não se começou
as obras em Santa Catarina no prazo estipulado.
É quando entre em cena o empresário
norte-americano, Percival Farqhar, que em 1908 passou a controlar a concessão da
Companhia Estrada de Ferro São Paulo- Rio Grande (EFSPRG), integrada à
holding Brazil Railway Company, criada em 1906 em Miami, nos
Estados Unidos para controlar as aquisições ferroviárias de Farqhar. Um decreto
do governo brasileiro tinha dado em 1907 um prazo à EFSPRG para concluir o trecho catarinense em três anos. E o povoamento de terras
próximas à ferrovia tinha de ser feito por empresas.
No ano de 1907 Farqhar estava se
empenhando em construir o Porto de Belém do Pará por meio de sua
empresa Port of Pará; procurando fazer a integração
ferroviária no sul do país com a Brazil Railway; dando início à
colonização da região do Contestado com a sua empresa Southern Brazil Lumber
& Colonization Company; fazendo obras no porto de Rio Grande; dando
os primeiros passos para construir a Madeira-Mamoré na Amazônia e
ele era proprietário da Light Salvador e a Ligth Rio de Janeiro.
No Sul, em suas obras ferroviárias, Farqhar recruta mais de 8 mil trabalhadores braçais oriundos de vários lugares como São Paulo, Rio de Janeiro e do Nordeste. Mas também vieram outros de outros países. Entre os trabalhadores havia estivadores e mesmo até ex-detentos. Os empreiteiros é que deveriam proceder ao pagamento dos trabalhadores.
O que se pretendia com esta integração
ferroviária? Existiam objetivos ligados à economia e aos aspectos militar,
territorial e demográfico. No tocante ao fator econômico havia o interesse na
exportação da madeira e na exploração da erva-mate, produtos de Paraná e Santa
Catarina. A ferrovia serviria para escoar a produção aos portos. Também existia
o interesse de venda de terras a colonos estrangeiros. Na parte militar, dar
mais segurança à região Sul que tinha limites com Paraguai e Argentina, países
com os quais o Brasil já estivera envolvido em conflitos no tempo do Império.
Na questão demográfica, pretendia-se ter mão de obra para novas atividades
econômicas. Todos estes aspectos estavam inseridos na questão maior que era a
mudança para uma economia mais mercantil.
A ferrovia ajudava o capitalismo a se
expandir e assim foi afetada a economia de subsistência de populações locais em áreas como
o Campo de Palmas. Essa expansão levou a uma drástica redução da economia de subsistência e o
extermínio de populações indígenas.
Farquhar foi ampliando seu domínio
sobre outras ferrovias formando uma ampla rede ferroviária no Paraná e Santa
Catarina. As ferrovias paranaenses e catarinenses deste empresário formam em
1910 a Rede de Viação Férrea Paraná-Santa Catarina. O empresário pretendia por
meio da EFSPRG explorar a madeira e erva-mate ao longo da ferrovia e
ter terras disponíveis para colonização. Assim, visando estes objetivos ele
tinha fundado a Southern Brazil Lumber & Colonization Company,
mais conhecida como Lumber. Foram montadas duas serrarias, uma em
Calmon e outra em Três Barras (a maior da América Latina). Para a efetivação da
colonização foi criada pelo empresário a Brazil Development &
Colonization Company, que recebeu 569.057 hectares de terra e que também
transferia concessões para outras empresas. Em outubro de 1910, dentro do prazo
que o governo federal tinha imposto, foi concluído todo o trecho que faltava.
Farquhar tinha planos de construir uma
malha ferroviária que interligasse os principais países da América do Sul. E em
relação à colonização na região do Contestado, ele queria povoar as terras ao
longo da ferrovia para ter a garantia de que em alguns anos houvesse um
movimento de pessoas e mercadorias que tornasse viável a operação ferroviária.
Em região catarinense atingida pela
ferrovia, havia uma questão de terras entre os Estados de Santa Catarina e
Paraná. Havia a reivindicação pelo governo paranaense de todo o território
oeste catarinense, alegando que essas terras faziam parte de seu território.
Somente em 1916 Santa Catarina ganhou a causa.
No meio de disputas envolvendo a
expansão capitalista nos limites entre Paraná e Santa Catarina existiu a Guerra
do Contestado (1912-1916), na qual forças militares e grupos armados de
fazendeiros locais combateram a população empobrecida da região. Muitos membros
dessa população tinham sido expulsos de suas terras para o projeto de
colonização capitalista. Também a eles se juntaram milhares de trabalhadores
desempregados da ferrovia. Surgiu na época um líder religioso que era um
símbolo para este povo, o chamado monge José Maria e quando ele morreu, no
início dos conflitos, outras lideranças surgiram e a influência religiosa
persistiu. Depois de 4 anos a guerra causou a morte de aproximadamente 10
mil pessoas entre civis e militares, a estação de Calmon da Brazil
Railway foi queimada e saqueada, ficando a companhia com muitas
dificuldades para continuar com as viagens em operação na ferrovia.
Em julho de 1917 o truste (empresas) de
Farquhar entrou em concordata. O que não acabou com as ferrovias no sul do
Brasil, que passaram a ter outros controles. A Lumber e a Brazil
Development continuaram por mais um tempo sendo controladas por
Farquhar. Mas no governo Vargas foram estatizadas em 1938.
No projeto do governo republicano
percebe-se todo uma intenção de expansão do capitalismo no Sul do Brasil, o que
acabou envolvendo um grande empresário estrangeiro que tinha sonhos de Cecil
Rhodes (um poderoso explorador capitalista britânico na África, na segunda
metade do século XIX, que anexou vastas áreas territoriais, explorou
intensamente recursos minerais, mesmo com o sofrimento de muitas populações
locais). Esse projeto, se por um lado promoveu o desenvolvimento de atividades
empresariais e o incentivo a uma economia de mercado no sul do Brasil, por
outro lado revelou-se perverso com as populações locais, relegadas à uma
situação de marginalização, assim como um desprezo pelos trabalhadores
desempregados após a conclusão de obras na ferrovia. Também iniciou-se uma
ampla exploração madeireira que durou por décadas, causando uma grande
destruição da mata de araucária, hoje restando apenas uma pequena percentagem
da mata original, um resquício que ainda se encontra em perigo, como por
exemplo no caso de um projeto de linha de energia que levaria à morte milhares
de árvores (projeto por enquanto suspenso por decisão judiciária).
A revolta dessa massa empobrecida e
desamparada, animada por desejos místicos em busca de condições melhores de
vida, foi tragicamente esmagada após o uso de tropas estaduais e federais, como
também de jagunços de fazendeiros locais, proprietários rurais poderosos que se
inseriam no sistema econômico da região. Vê-se na forma que a República agiu
com sua população mais pobre, constituída em grande parte por índios, mestiços
e negros uma semelhança com a ação militar em Canudos, quando também milhares
de camponeses humildes e com crenças místicas foram massacrados. Essa era a
República dos fazendeiros, a República Oligárquica, na qual o voto de cabresto
e o coronelismo dominavam. Mas observando bem nosso presente, não vemos ainda
alguma herança desses tempos?
Sugestão de vídeo: A Guerra dos Pelados https://www.youtube.com/watch?v=KnSvUJP0tr4
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura: https://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&tbm=isch&sxsrf=ALeKk01DH0hDFS7sYaMhApm1jZJZk1hMFQ%3A1605418284379&source=hp&biw=1034&bih=620&ei=LL2wX8ObFfjW5OUPz9uP-AM&q=guerra+do+contestado+fig
Parabéns professor!!Grandes ensinamentos!!!
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