O Cazaquistão está passando por momentos difíceis. Houve no
dia 2 de janeiro de 2022 protestos depois de aumento no preço do GLP, sendo o
país um significativo produtor de petróleo. Manifestações de tamanho
considerável ocorreram na região oeste de Mangistau e em Almaty. Analistas
internacionais tem mostrado insatisfação com problemas econômicos e com
determinadas medidas do governo do presidente Kassym-JomartTokayev, acusado de
atos autoritários e de repressão aos oposicionistas. É de se destacar que desde
1991 até hoje o mesmo partido governa o país.
O governo cazaque reagiu aos protestos com medidas
repressivas, tendo inclusive solicitado apoio militar ao seu aliado, o governo
russo de Vladimir Putin. Este líder russo disse que os protestos foram "um
levante terrorista apoiado por estrangeiros”. Colocou-se à disposição dos
aliados de alguns países que no passado foram repúblicas soviéticas e afirmou
em videoconferência da OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletiva) no
dia 10 de janeiro: “Não vamos deixar ninguém perturbar a situação em nossos lares
e não vamos permitir que se desenvolvam os cenários das chamadas revoluções
coloridas. […] Claramente, entendemos que os eventos no Cazaquistão não são os
primeiros e estão longe de ser a última tentativa de intervir nos assuntos
internos de nossos Estados”.
O Cazaquistão tem cerca de 19 milhões de habitantes
e o território do país é amplo (com três fusos horários), tendo grandes reservas de
petróleo, gás natural e de urânio, inclusive é o maior fornecedor de urânio do
mundo. É o maior país sem saída para o mar do mundo – tem o tamanho de
toda a Europa Ocidental junta. Sua fronteira com a Rússia é grande, com mais de
7.000 km e possui fronteira com a China também, sendo um país em uma posição
geográfica estratégica naquela região asiática. O Cazaquistão surgiu como uma
nação independente após a fragmentação da União Soviética (URSS) em 1991, tendo
sido junto com a Rússia e Ucrânia, uma das ex-repúblicas que mais se
desenvolveu depois do colapso da URSS.
No Cazaquistão, apesar de ter riquezas naturais, não há uma
boa distribuição da riqueza entre os membros da população do país, que tem um
salário médio de 500 euros e há um considerável nível de corrupção. Mesmo com
esta situação, manifestações de grande porte começaram a acontecer no início
deste ano, com o descontentamento em especial com o preço do gás (GLP), que
move entre 70 a 90% dos veículos motorizados do país e que dobrou de preço no
primeiro dia do ano. A pandemia de COVID-19 veio piorar a situação nos últimos
tempos, com o governo tendo retirado o subsídio à energia. O aumento do gás
influencia em produtos como os alimentos, que já vinham tendo aumentos de
preços.
Devido aos protestos, o governo do Cazaquistão decretou
estado de emergência. O governo da Rússia, que de início estava apenas
observando a situação, decidiu enviar tropas para apoiar o governo do país
aliado que estava demonstrando dificuldades ao se confrontar cada vez mais com
os opositores e que pediu apoio russo. O presidente cazaque anunciou a renúncia
de seu gabinete, desagradando forças internas, como o clã do ex-presidente
Nursultan Nazarbayev. E o governo passou a suspeitar de influências externas nas
manifestações, que continuaram após o recuo do governo no aumento do preço dos
combustíveis e dizer que haveria transformações políticas.
Foi o agravamento da situação política que levou uma
preocupação maior do presidente cazaque, que decidiu pedir em 6 de janeiro o
apoio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a aliança criada
em 2003, cujo principal componente é a Rússia. Foi citado o Artigo
4, a cláusula que diz que um ataque armado a um dos membros da OTSC será
considerado um ataque a todos (muito parecido com o Artigo 5 da OTAN). A
solicitação de ajuda externa possivelmente se dá por desconfiança por parte de
Tokayev, que não tem plena confiança nas forças de segurança cazaques, pois o grupo
ligado à Nazarbayev ainda tinha influência no sistema de segurança até 6 de
janeiro. Houve inclusive imagens de alguns policiais e soldados mostrando
simpatias pelos manifestantes. O governo começou a suspeitar do apoio de
membros do alto escalão governamental aos manifestantes, tendo existido acusações
de alta traição.
O governo russo em atendimento ao pedido do presidente
cazaque enviou rapidamente milhares de paraquedistas. Além deles, também foram
enviadas forças especiais russas e bielorussas para a capital econômica do
país, Almaty. Também o Quirquistão, a Armênia e o Tadjiquistão que também são
componentes da OTSC, enviaram tropas, mas em menor número. A continuação das
tensões ocasionou dezenas de civis e policiais mortos e milhares de feridos,
como também milhares de manifestantes detidos. As medidas tomadas pelo
presidente Tokayev não agradaram à maioria dos manifestantes que passaram a
querer determinadas mudanças políticas, como a retirada de certas autoridades.
O presidente Tokayev acusou interferência externa
influenciando nas manifestações, chamando os manifestantes de criminosos
terroristas, com treinamento fora do país, tendo dado ordens de “atirar para
matar”. A censura endureceu e a internet foi cortada. Mas o corte da
internet causou problemas com a moeda chamada bitcoin, sendo o Cazaquistão um
grande “produtor”. A questão política tem se mostrado complexa no país. Não tem
sido frequente a ocorrência de manifestações no país, tendo a última
manifestação em outros tempos ocorrido há mais de 10 anos. É de se ressaltar que
esses movimentos aconteceram alguns dias antes do encontro entre representantes
dos Estados Unidos e Rússia, na Suiça, para se discutir um plano sobre a crise ucraniana.
O governo russo fez acusações a países que integram a OTAN
de instigar as manifestações e querer enfraquecer Putin, que mandou forças
consideráveis para a fronteira com a Ucrânia. Ele mencionou uma possível
insuflação de ânimos por meio da internet. Este líder russo não quer
interferência dos Estados Unidos e seus aliados nas ex-repúblicas soviéticas,
querendo manter uma forte influência política e econômica na região. Mas em
relação ao Cazaquistão, o que interessa ao governo russo? Entre estes interesses,
há o uso da base de Baikonur, que é a primeira e a maior base de
lançamentos de foguetes do mundo. Rússia e Cazaquistão possuem um acordo de
empréstimo da mesma por um valor de 115 milhões de dólares anuais.
Também interessam à Rússia as reservas de gás e de urânio neste país. Outro
fator importante é a presença de russos étnicos no Cazaquistão. E
estrategicamente a Rússia quer manter sua forte posição política na região.
Um outro país que tem ligações com o Cazaquistão é a China,
que compra deste país 5% do total de gás que é consumido pelos chineses. O governo
chinês não deseja instabilidade no país vizinho e pelo menos aparentemente
concorda com a intervenção russa. Tanto o governo chinês como o russo criticam
o que chamam de “revoluções coloridas”, que ao afastarem governantes
autoritários levaram ao poder lideranças próximas ao Ocidente. É importante
ressaltar que a China vem desenvolvendo um projeto estratégico considerado a
Nova Rota da Seda. Esta nova rota já está operando no Cazaquistão. Há uma ligação
ferroviária entre o porto seco de Khorgos, na fronteira entre Cazaquistão e
China, ao porto de Aktau, na costa do Mar Cáspio. Também há um ramal nessa
conexão ligando a China ao Irã, um país que interessa muito à
China. Outra questão é que o Cazaquistão faz parte da rota do gás do
Turcomenistão e do Uzbequistão em direção à China.
Na atualidade a juventude cazaque não tem relação com a
realidade política antes da independência em 1991. Também tem havido um
fortalecimento do islamismo no país, o que pode influenciar muitos destes
jovens. A vitória do Talibã no Afeganistão também pode exercer alguma
influência em direção a uma aproximação maior deles com o islamismo.
Apesar das acusações do governo russo, o governo dos Estados
Unidos não possui meios fortes de interferência no Cazaquistão e não tem um
embaixador neste país. Mesmo que haja recomendações para o restabelecimento da
internet, o fim da repressão e a realização de eleições, é muito improvável a
realização de sanções econômicas porque há empresas norte-americanas no
Cazaquistão. Se houvesse sanções estas empresas poderiam ser afetadas. Duas
fortes empresas americanas são a Exxon Mobil e a Chevron, que possuem bilhões de
dólares investidos em energia no oeste do país.
A permanência do governo de Tokayev poderá significar uma
maior dependência em relação a Moscou, pois ficará devendo este favor a Putin.
Por outro lado o presidente cazaque poderá se livrar de inimigos internos, como
o ex-presidente Nazarbayev. Em relação aos Estados Unidos, não tem havido interesse por parte de governos cazaques em se afastar muito deste país, já que há
envolvimentos econômicos entre o Cazaquistão e os Estados Unidos, em especial
quanto à investimentos na área energética.
O que se vê é um jogo geopolítico na região onde era a
antiga União Soviética. Putin quer manter seu poder não só sobre a Rússia, como
também conservar a influência russa em ex-repúblicas soviéticas. Vê-se que o
jogo das poderosas potências militares mundiais continua, mesmo com o fim da
antiga União Soviética. China, Rússia e Estados Unidos jogam o grande jogo da
política mundial. Mas e as populações das outras nações envolvidas nestas
disputas pelo poder no planeta? O que será delas? A História é dinâmica e não
se pode dar certezas de como ficará exatamente a realidade política mundial nas
próximas décadas. O que se vê enquanto acontece esta competição entre estas
grandes forças por seus próprios interesses é um mundo onde a Humanidade está
cada vez mais próxima da extinção, com alterações graves no clima, considerável
poluição de rios e oceanos e certos recursos naturais progressivamente
caminhando para um esgotamento. Esta luta pelo poder no mundo certamente não contribuirá para a salvação da espécie humana.
____________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.
Figura:
https://www.google.com/search?sxsrf=AOaemvJblzFPYS6SpdeOuzjMoyKYBSG5GA:1642127865959&source=univ&tbm=isch&q=imagem+de+cazaquist%C3%A3o&fir=
Nenhum comentário:
Postar um comentário