quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

A situação política do Cazaquistão

 






 

O Cazaquistão está passando por momentos difíceis. Houve no dia 2 de janeiro de 2022 protestos depois de aumento no preço do GLP, sendo o país um significativo produtor de petróleo. Manifestações de tamanho considerável ocorreram na região oeste de Mangistau e em Almaty. Analistas internacionais tem mostrado insatisfação com problemas econômicos e com determinadas medidas do governo do presidente Kassym-JomartTokayev, acusado de atos autoritários e de repressão aos oposicionistas. É de se destacar que desde 1991 até hoje o mesmo partido governa o país.

O governo cazaque reagiu aos protestos com medidas repressivas, tendo inclusive solicitado apoio militar ao seu aliado, o governo russo de Vladimir Putin. Este líder russo disse que os protestos foram "um levante terrorista apoiado por estrangeiros”. Colocou-se à disposição dos aliados de alguns países que no passado foram repúblicas soviéticas e afirmou em videoconferência da OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletiva) no dia 10 de janeiro: “Não vamos deixar ninguém perturbar a situação em nossos lares e não vamos permitir que se desenvolvam os cenários das chamadas revoluções coloridas. […] Claramente, entendemos que os eventos no Cazaquistão não são os primeiros e estão longe de ser a última tentativa de intervir nos assuntos internos de nossos Estados”.

O Cazaquistão tem cerca de 19 milhões de habitantes e o território do país é amplo (com três fusos horários), tendo grandes reservas de petróleo, gás natural e de urânio, inclusive é o maior fornecedor de urânio do mundo. É o maior país sem saída para o mar do mundo – tem o tamanho de toda a Europa Ocidental junta. Sua fronteira com a Rússia é grande, com mais de 7.000 km e possui fronteira com a China também, sendo um país em uma posição geográfica estratégica naquela região asiática. O Cazaquistão surgiu como uma nação independente após a fragmentação da União Soviética (URSS) em 1991, tendo sido junto com a Rússia e Ucrânia, uma das ex-repúblicas que mais se desenvolveu depois do colapso da URSS.

No Cazaquistão, apesar de ter riquezas naturais, não há uma boa distribuição da riqueza entre os membros da população do país, que tem um salário médio de 500 euros e há um considerável nível de corrupção. Mesmo com esta situação, manifestações de grande porte começaram a acontecer no início deste ano, com o descontentamento em especial com o preço do gás (GLP), que move entre 70 a 90% dos veículos motorizados do país e que dobrou de preço no primeiro dia do ano. A pandemia de COVID-19 veio piorar a situação nos últimos tempos, com o governo tendo retirado o subsídio à energia. O aumento do gás influencia em produtos como os alimentos, que já vinham tendo aumentos de preços.

Devido aos protestos, o governo do Cazaquistão decretou estado de emergência. O governo da Rússia, que de início estava apenas observando a situação, decidiu enviar tropas para apoiar o governo do país aliado que estava demonstrando dificuldades ao se confrontar cada vez mais com os opositores e que pediu apoio russo. O presidente cazaque anunciou a renúncia de seu gabinete, desagradando forças internas, como o clã do ex-presidente Nursultan Nazarbayev. E o governo passou a suspeitar de influências externas nas manifestações, que continuaram após o recuo do governo no aumento do preço dos combustíveis e dizer que haveria transformações políticas.

Foi o agravamento da situação política que levou uma preocupação maior do presidente cazaque, que decidiu pedir em 6 de janeiro o apoio da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), a aliança criada em 2003, cujo principal componente é a  Rússia. Foi citado o Artigo 4, a cláusula que diz que um ataque armado a um dos membros da OTSC será considerado um ataque a todos (muito parecido com o Artigo 5 da OTAN). A solicitação de ajuda externa possivelmente se dá por desconfiança por parte de Tokayev, que não tem plena confiança nas forças de segurança cazaques, pois o grupo ligado à Nazarbayev ainda tinha influência no sistema de segurança até 6 de janeiro. Houve inclusive imagens de alguns policiais e soldados mostrando simpatias pelos manifestantes. O governo começou a suspeitar do apoio de membros do alto escalão governamental aos manifestantes, tendo existido acusações de alta traição.

O governo russo em atendimento ao pedido do presidente cazaque enviou rapidamente milhares de paraquedistas. Além deles, também foram enviadas forças especiais russas e bielorussas para a capital econômica do país, Almaty. Também o Quirquistão, a Armênia e o Tadjiquistão que também são componentes da OTSC, enviaram tropas, mas em menor número. A continuação das tensões ocasionou dezenas de civis e policiais mortos e milhares de feridos, como também milhares de manifestantes detidos. As medidas tomadas pelo presidente Tokayev não agradaram à maioria dos manifestantes que passaram a querer determinadas mudanças políticas, como a retirada de certas autoridades.

O presidente Tokayev acusou interferência externa influenciando nas manifestações, chamando os manifestantes de criminosos terroristas, com treinamento fora do país, tendo dado ordens de “atirar para matar”. A censura endureceu e a internet foi cortada. Mas o corte da internet causou problemas com a moeda chamada bitcoin, sendo o Cazaquistão um grande “produtor”. A questão política tem se mostrado complexa no país. Não tem sido frequente a ocorrência de manifestações no país, tendo a última manifestação em outros tempos ocorrido há mais de 10 anos. É de se ressaltar que esses movimentos aconteceram alguns dias antes do encontro entre representantes dos Estados Unidos e Rússia, na Suiça, para se discutir um plano sobre a crise ucraniana.

O governo russo fez acusações a países que integram a OTAN de instigar as manifestações e querer enfraquecer Putin, que mandou forças consideráveis para a fronteira com a Ucrânia. Ele mencionou uma possível insuflação de ânimos por meio da internet. Este líder russo não quer interferência dos Estados Unidos e seus aliados nas ex-repúblicas soviéticas, querendo manter uma forte influência política e econômica na região. Mas em relação ao Cazaquistão, o que interessa ao governo russo? Entre estes interesses, há o uso da base de Baikonur, que é a primeira e a maior  base de lançamentos de foguetes do mundo. Rússia e Cazaquistão possuem um acordo de empréstimo da mesma por um valor de 115 milhões de dólares anuais. Também interessam à Rússia as reservas de gás e de urânio neste país. Outro fator importante é a presença de russos étnicos no Cazaquistão. E estrategicamente a Rússia quer manter sua forte posição política na região.

Um outro país que tem ligações com o Cazaquistão é a China, que compra deste país 5% do total de gás que é consumido pelos chineses. O governo chinês não deseja instabilidade no país vizinho e pelo menos aparentemente concorda com a intervenção russa. Tanto o governo chinês como o russo criticam o que chamam de “revoluções coloridas”, que ao afastarem governantes autoritários levaram ao poder lideranças próximas ao Ocidente. É importante ressaltar que a China vem desenvolvendo um projeto estratégico considerado a Nova Rota da Seda. Esta nova rota já está operando no Cazaquistão. Há uma ligação ferroviária entre o porto seco de Khorgos, na fronteira entre Cazaquistão e China, ao porto de Aktau, na costa do Mar Cáspio. Também há um ramal nessa conexão ligando a China ao Irã, um país que interessa muito à China.  Outra questão é que o Cazaquistão faz parte da rota do gás do Turcomenistão e do Uzbequistão em direção à China.

Na atualidade a juventude cazaque não tem relação com a realidade política antes da independência em 1991. Também tem havido um fortalecimento do islamismo no país, o que pode influenciar muitos destes jovens. A vitória do Talibã no Afeganistão também pode exercer alguma influência em direção a uma aproximação maior deles com o islamismo.

Apesar das acusações do governo russo, o governo dos Estados Unidos não possui meios fortes de interferência no Cazaquistão e não tem um embaixador neste país. Mesmo que haja recomendações para o restabelecimento da internet, o fim da repressão e a realização de eleições, é muito improvável a realização de sanções econômicas porque há empresas norte-americanas no Cazaquistão. Se houvesse sanções estas empresas poderiam ser afetadas. Duas fortes empresas americanas são a Exxon Mobil e a Chevron, que possuem bilhões de dólares investidos em energia no oeste do país.

A permanência do governo de Tokayev poderá significar uma maior dependência em relação a Moscou, pois ficará devendo este favor a Putin. Por outro lado o presidente cazaque poderá se livrar de inimigos internos, como o ex-presidente Nazarbayev. Em relação aos Estados Unidos, não tem havido interesse por parte de governos cazaques em se afastar muito deste país, já que há envolvimentos econômicos entre o Cazaquistão e os Estados Unidos, em especial quanto à investimentos na área energética.

O que se vê é um jogo geopolítico na região onde era a antiga União Soviética. Putin quer manter seu poder não só sobre a Rússia, como também conservar a influência russa em ex-repúblicas soviéticas. Vê-se que o jogo das poderosas potências militares mundiais continua, mesmo com o fim da antiga União Soviética. China, Rússia e Estados Unidos jogam o grande jogo da política mundial. Mas e as populações das outras nações envolvidas nestas disputas pelo poder no planeta? O que será delas? A História é dinâmica e não se pode dar certezas de como ficará exatamente a realidade política mundial nas próximas décadas. O que se vê enquanto acontece esta competição entre estas grandes forças por seus próprios interesses é um mundo onde a Humanidade está cada vez mais próxima da extinção, com alterações graves no clima, considerável poluição de rios e oceanos e certos recursos naturais progressivamente caminhando para um esgotamento. Esta luta pelo poder no mundo certamente não contribuirá para a salvação da espécie humana. 

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.


Figura:

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