Em 7 de janeiro de 2022, aos 94 anos,
em Los Angeles, morreu o ator Sidney Poitier, o primeiro ator negro a
ganhar um Oscar. Era um ator conhecido por ter um porte elegante, teve um
passado ligado à pobreza nas Bahamas e conseguiu se destacar em tempos que os
atores negros não eram valorizados e dificilmente conseguiam bons papeis. Em
1964 ele ganhou o Oscar por sua atuação em “Uma Voz na Sombras”. Nesse
filme ele interpretava um trabalhador itinerante que ajudava freiras brancas a
construir uma capela. Ele também ganhou o Globo de Ouro.
Ele foi o caçula de sete filhos e
nasceu prematuro, em um veleiro a caminho de Miami, em 20 de fevereiro de 1927.
Foi criado em Cat Island, nas Bahamas, que na época era uma colônia britânica.
Os pais eram agricultores e produziam tomates. Eles viajavam frequentemente. A mãe
pensou que ele não fosse sobreviver. Uma quiromante dsse para ela: "Não se
preocupe com seu filho. Ele vai sobreviver". E disse ainda: “Ele andará
com reis”. Aos 15 anos Poitier foi morar com seu irmão mais velho em Miami,
Flórida. O pai dele o levou ao porto e deu a ele três dólares, dizendo:
“cuide-se, filho.”
Poitier foi morar aos 16 anos no
Harlem, em Nova York, onde lavava pratos e dormia em bancos de praça. Mentiu
que era maior de idade para entrar no Exército, onde ficou um ano servindo.
Anos depois foi trabalhar no American Negro Theatre, tendo sido
recusado na primeira tentativa de ingresso porque não conseguia ler os
roteiros. Na segunda tentativa, ele já sabendo ler, conseguiu entrar. Lá teve
aulas de atuação, aprendeu a suavizar seu sotaque das Bahamas. Antes de entrar
nesse grupo, ele não sabia ler e um garçom judeu idoso o ajudou a aprender a
ler. Substituiu Harry Belafonte no palco, depois foi para a Broadway, sendo
observado por pessoas ligadas à Hollywood. No seu primeiro filme, “O Ódio é
Cego”, ele era um médico jovem que tratava de um paciente racista.
Parte dos filmes em que ele trabalhou
foi sobre tensões sociais numa época marcada pelas lutas de movimentos civis
por mudanças sociais nos Estados Unidos. Em 1967, no filme “No Calor da Noite”,
ele fez o papel de um detetive da Filadélfia que lutava contra o preconceito em
uma pequena cidade do Mississipi e no filme “Adivinhe Quem Vem para Jantar” ele
era um médico que se empenhava para conquistar os pais de sua noiva. Teve
papeis de importância como um reverendo em “Os Deserdados”, que era relacionado
ao racismo. Foi um estudante com problemas em “Sementes de Violência” e em
“Acorrentados” foi um prisioneiro fugitivo. A questão racial o impedia de
desempenhar a maioria dos papeis românticos. Porém ele contribuiu para mostrar
uma imagem diferenciada sobre os negros ao se destacar em papeis como médico,
detetive, professor nas décadas de 1950 e 1960.
Poitier foi rotulado por brancos que o
consideravam um “símbolo nobre de sua raça”. E criticado por alguns negros que
achavam que ele aceitava papeis higienizados e servindo aos brancos. Ele
comentou em 2000 em uma entrevista sobre essa época: “É uma responsabilidade
enorme”(...) “E eu aceitei, e vivi de uma forma que mostrava como eu respeitava
essa responsabilidade. Eu tinha que fazer. Para que outros viessem atrás de
mim, havia certas coisas que eu tinha que fazer”. (...)“(Os negros) eram tão
novos em Hollywood. Quase não havia referências para nós, exceto como
personagens estereotipados e unidimensionais (...)”. “(...) Eu tinha em mente o
que era esperado de mim – não apenas o que os outros negros esperavam, mas o
que minha mãe e meu pai esperavam. E o que eu esperava de mim mesmo.” Ele tinha
decidido a não aceitar certos tipos de papeis que iam contra seus valores ou
contra a dignidade dos negros. Também na entrevista afirmou: “O racismo era
horrível, mas havia outros aspectos da vida. Existem aqueles que permitem que
suas vidas sejam definidas apenas pela raça. Eu corrijo qualquer um que venha até
mim apenas em termos de raça.”
O talento de Poitier foi reconhecido e
no fim dos anos de 1950 ele conseguia uma quantidade regular de trabalhos como
ator como a peça “A Raisin in the Sun” ,em 1959, no teatro e na versão para o
cinema dois anos depois. A seguir atuou em: “Uma Voz na Sombras”, “A Maior
História de Todos os Tempos” e “Quando Só o Coração Vê”. Em 1963 e 1964 ele
participou de movimentos pelos direitos civis.
O ano de 1967 foi muito bom para
Poitier. Ele estrelou três bons filmes :“Ao Mestre com Carinho”(onde era um
professor idealista em meio a adolescentes rebeldes em Londres). O filme rendeu
a ele um significativo valor. O segundo filme foi “No Calor da Noite”, no qual
era um detetive que teve de enfrentar um chefe de polícia branco racista e que
reagia firmemente a um ato de violência de um fazendeiro racista. E o terceiro
filme foi “Adivinhe Quem Vem para Jantar”, no qual seu personagem médico se
empenha para convencer os pais de uma moça branca a aceitar o casamento dele
com sua filha. Alguns críticos negros diziam que Poitier representava certos
personagens não sexualizados e afastados da complexidade da vida do negro dos
Estados Unidos. O dramaturgo negro Clifford Mason disse em uma coluna de jornal
sobre o trabalho de Poitier em filmes: “um cara bom em um mundo totalmente
branco, sem esposa, sem namorada, sem mulher para amar ou beijar, ajudando o
homem branco a resolver seu problema de homem branco”. Poitier não gostou da
crítica e foi para as Bahamas onde ficou alguns meses. Sobre isso ele comentou
depois: “Eu vivi com pessoas se virando contra mim. Foi doloroso por alguns
anos […] Eu fui o ator negro de maior sucesso na história do país”(...) ...“As
críticas que recebi foram principalmente porque eu geralmente era o único negro
no cinema. Pessoalmente, eu achava que era um passo [para frente].”
Poitier na década de 1970 direcionou
suas atividades mais para a direção. Ele se uniu em trabalhos com seu amigo
Belafonte. Ele dirigiu “Um por Deus, Outro pelo Diabo”. Dirigiu e co-estrelou
com Bill Cosby na comédia “Aconteceu num Sábado”. Outros filmes dessa época
foram: “Aconteceu Outra Vez” e “A Piece of the Action”. Filmes com elencos
constituídos por grande parte de atores negros. Um grande sucesso veio com
“Loucos de Dar Nó”, no qual Poitier foi diretor e teve como principais atores
Richard Pryor e Gene Wilder. Em 1988 Poitier apareceu com Tom Berenger em
“Atirando para Matar”. Em 1992 atuou em “Quebra de Sigilo”, com Robert Redford.
E o seu último filme no cinema foi “O Chacal”, de 1997, no qual trabalharam
também Bruce Willis e Richard Gere. Fez trabalhos também na televisão, tendo
interpretado Nelson Mandela em duas minisséries. Em 1982, recebeu o Prêmio
Cecil B. De Mille.
Em 2000 deixou o trabalho de ator e
passou a escrever um livro de memórias: “A Medida de um Homem: Uma
Autobiografia Espiritual”. Recebeu em 2001 um Oscar por sua contribuição ao
cinema. Em 2001 o ator Denzel Washington ao receber o Oscar de melhor ator
disse: “Há quarenta anos estou perseguindo Sidney. […] Sempre estarei
perseguindo você, Sidney. Sempre estarei seguindo seus passos.” Em 2009 Poitier
recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade das mãos do
presidente Obama que disse: “Dizem que Sidney Poitier não faz filmes, ele faz
marcos […] marcos de excelência artística, marcos do progresso da América.” Em
2001 a Film Society of Lincoln Center premiou Poitier. Na
ocasião Quentin Tarantino falou: “Na história do cinema, houve apenas alguns
atores que, uma vez que ganharam reconhecimento, sua influência mudou para
sempre a forma de arte.“Há um tempo antes de sua chegada, e há um tempo depois
de sua chegada. E depois de sua chegada, nada mais será o mesmo. No que diz
respeito aos filmes, existia o pré-Poitier, e existe a Hollywood pós-Poitier.”
Poitier tinha dupla cidadania —
norte-americano e bahamense. Foi casado duas vezes e teve seis filhas. Atuou em
mais de 50 filmes, dirigiu nove e escreveu sete livros. De 1997 a 2007 foi
embaixador das Bahamas no Japão. Recebeu o título de Sir em
1974.
Sugestão de vídeo:
Ao mestre com carinho (To
sir with love)
https://www.youtube.com/watch?v=2U-nM8Tp78Q
_____________________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura:
https://www.google.com/search?q=images+sidney+poitier&sxsrf=AOaemvL2odjePGQW2eqMPqceoZi1hFc98Q:1641951204073&tbm=isch&source=
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