Eu estava lendo uma
revista de História neste último fim de semana e me deparei com uma
interessante história. Um caso de confraternização de Natal em plena Segunda
Guerra Mundial, em 1944. Não foi tão extensivo como no Natal de 1914 quando
milhares de oponentes na guerra fizeram uma trégua para comemorarem o Natal.
Foi algo bem mais reduzido, porém muito significativo. Bem, vamos lá com esta
micro- história dentro da História!
Era dezembro de
1944. Os alemães estavam em situação dificílima na guerra. Os soviéticos já
estavam empurrando as tropas nazistas para a Alemanha e em poucos meses
estariam dentro da Alemanha. Na frente ocidental os alemães tinham sido sofrido
várias derrotas, com os Aliados avançando em direção à Alemanha e na Itália
somente o norte estava nas mãos dos nazi-fascistas. A aviação dos Aliados tinha
já causado danos consideráveis à estrutura de produção do Terceiro Reich e a
muitas cidades alemães. Foi então que Hitler ordenou uma grande contra-ofensiva
que começou em 16 de dezembro de 1944, aproveitando o tempo ruim, impedindo o
uso maciço da força aérea dos Aliados e também esses estavam com problemas de
logística, o que atrasava a continuação do avanço. A intenção era causar um
impacto profundo nas tropas inimigas e atingir Antuérpia, um importante porto
por onde parte significativa do abastecimento dos Aliados estava chegando.
O ataque alemão
deu-se então no inverno, pelas Ardenas, uma região florestal, que foi por onde
os alemães fizeram uma forte penetração nas linhas franco-britânicas durante a
grande ofensiva de 1940, que levou a França à rendição e à retirada britânica
pelo canal da Mancha. Com o ataque em dezembro de 1944 começava a Batalha das
Ardenas ou Batalha do Bulge.
Os alemães usaram
um poderoso ataque blindado e causaram problemas sérios nas linhas Aliadas.
Porém, os alemães careciam de combustível e de mais aviões, tendo que correr
contra o tempo, pois se houvesse condições climáticas favoráveis para a aviação
dos Estados Unidos e Grã-Bretanha, esta seria muito superior à alemã e se o
combustível acabasse, os tanques não poderiam continuar atacando. Assim, de
início, com a situação das forças aliadas muito espalhadas e sem esperar um
ataque dessa magnitude, os alemães de início foram avançando. Mas já no fim de
dezembro os Aliados foram se recuperando, conseguiram dar uma forte resposta
aos atacantes e os alemães não atingiram seus objetivos principais. Foi nesse
contexto da Batalha das Ardenas que se passa essa pequena história.
Uma mulher alemã,
Elisabeth Vincken com seu filho Fritz, de 12 anos procuravam sobreviver em uma
casa na floresta. Eles tinham vindo de Aachen, uma cidade alemã. O marido de
Elisabeth tinha uma padaria. Em abril de 1944 aviões ingleses atacaram a
cidade, causando muita destruição. A casa e a padaria da família Vincken foram
bastante danificadas, porém a família não teve ferimentos e foi evacuada para
fora da cidade. O pai foi chamado para trabalhar como cozinheiro em uma unidade
do exército alemão. Para proteger sua família, ele levou sua esposa e filho
para o interior da floresta das Ardenas, na área de fronteira entre a Alemanha
e a Bélgica. Lá existia uma cabana de caça entre as árvores. Na véspera do Natal
de 1944, Elisabeth e o filho estavam lá.
No dia 24 de
dezembro, o dia amanheceu claro, sem nuvens, e a aviação dos Aliados aproveitou
para fazer ataques devastadores sobre as tropas alemães. À noite a mãe e seu
filho olhavam o céu e conversavam sobre o futuro, desejando o fim da guerra.
Depois entraram na cabana para a ceia do Natal. Passado pouco tempo disso, os
dois ouviram batidas na porta. Assustada, a mãe apagou as velas. Mãe e filho
abriram a porta e viram dois soldados do exército dos Estados Unidos. Um deles
apontou para um terceiro deitado no chão cheio de neve e ferido. O que fazer?
Elisabeth e seu filho ao perceberam que eram soldados de um exército inimigo
ficaram inicialmente em silêncio. Mas viram que os soldados não forçaram a
porta e, tomando coragem, Elisabeth deixou-os entrar, mesmo sabendo que a lei alemã não
permitia e punia com a morte quem escondesse soldados considerados inimigos
pelo governo. Todos os três soldados eram muito novos.
Ao entrarem os
soldados, um deles falava francês e Elisabeth também, o que possibilitou uma
comunicação. Segundo contou o soldado, eles tinham se perdido na floresta e
estavam andando por três dias, procurando se esconder até poderem se juntar à
unidade de seu próprio exército. Elisabeth disse ao filho para colocar mais
batatas no fogo que foram misturadas a “Hermann”, um galo que foi preparado
para ser servido naquela ceia de Natal. Os soldados disseram seus nomes, depois
foram para um quarto onde o ferido descansava e a mesa foi sendo arrumada pelo
menino para a ceia. Foi então que mãe e filho ouviram fortes batidas na porta
da cabana. Seriam outros norte-americanos perdidos? O menino Fritz abriu a
porta e aí o espanto. Eram quatro soldados alemães! O que fazer agora, já que
do lado de fora estavam os alemães e dentro os americanos?
Elisabeth atendeu
os soldados alemães e os cumprimentou com um “Feliz Natal”. Os soldados
retribuíram o cumprimento. Um deles, um cabo, disse que estavam perdidos e
pediu abrigo para eles até o dia amanhecer. Calmamente, embora interiormente
preocupada, Elisabeth concordou, disse que eles poderiam jantar e descansar. E
os avisou que já tinha convidados e disse que eram soldados do outro exército.
Porém, com voz firme e séria disse: “É véspera de Natal e não haverá
nenhum tiro aqui”. E destacou: “Nesta noite de Natal todos devem
esquecer a matança”.
O cabo ficou
olhando para ela espantado e em silêncio. E ela disse então: “Chega de falar”,
batendo palmas. E continuou: “Por favor, coloquem suas armas aqui na pilha de
lenha, e se apressem para comer o jantar!” Talvez lembrando de suas mães nas
noites de Natal, os soldados alemães colocaram suas armas sobre a pilha de
lenha ao lado da porta. Em francês ela falou com Jim, o soldado do exército dos
Estados Unidos que falava esta língua. Disse que eles tinham de entregar também
suas armas. E eles obedeceram. Feito isso, ela foi terminar o jantar. Um dos
alemães, que tinha estudado medicina comentou sobre a ferida do soldado ferido
e disse que o frio ajudava a não infeccionar o ferimento. Os soldados alemães
eram também muito jovens. Dois deles tinham 16 anos. O cabo era o mais velho,
com 23 anos. Foi ele que tirou de seu saco de comida uma garrafa de vinho.
Elisabeth agradeceu
a Deus pela ceia e lacrimejando disse: “Vamos agradecer ao Senhor por essa noite.
Vamos aproveitar o jantar, as pequenas coisas que temos. Vamos também rezar
pelo fim desta terrível guerra, para que todos possamos ir para casa o mais
rápido possível. Feliz Natal”. O menino que contou toda essa história quando
adulto viu lágrimas nos olhos dos soldados de ambos os exércitos. O soldado
ferido pegou sua Bíblia e leu uma passagem e comentou que ao menos naquela
noite haveria paz na guerra. Todos se mostraram de acordo e compartilharam
aquele jantar. Depois de comer todos foram dormir. De manhã o cabo alemão deu
uma dica para os soldados americanos para poderem voltar para suas linhas e para evitarem as tropas alemães em uma vila próxima. Elisabeth devolveu as armas a todos quando saíram. Os soldados dos
dois lados se cumprimentaram e foram embora.
A família Vincken
sobreviveu à guerra. O marido faleceu em 1963. Elisabeth em 1966. Fritz foi
para o Canadá em 1958 e depois foi para os Estados Unidos, indo morar no Havaí.
Ele passou anos tentando achar os soldados daquela véspera de Natal. Um dia ele
contou o que aconteceu para a revista Reader’s Digest e depois
para um emissora de TV em 1995, em um programa chamado Mistérios não
resolvidos. Depois disso, familiares de Ralph Henry Blank, um veterano da
Segunda Guerra Mundial, ligaram para a emissora. Ralph tinha contado essa
mesma história para várias pessoas. Em janeiro de 1996 Fritz e Ralph se
encontraram em Maryland, nos Estados Unidos. Ralph disse a Frtiz que Elisabeth
tinha sido um anjo que abençoara o Natal de todos naquela noite. Depois Fritz
se encontrou com mais um outro soldado norte-americano sobrevivente e que
participou daquele jantar. Não conseguiu contato com nenhum dos alemães, mesmo
a história tendo sido conhecida em vários países.
O soldado Ralph
Henry Blank faleceu aos 79 anos em 1999. Fritz Vincken faleceu no dia 10
de janeiro de 2002, aos 69 anos, na cidade de Salem, Oregon
Esta história foi contada também no filme “Uma
Noite Silenciosa” (https://filmow.com/uma-noite-silenciosa-t91232/).
___________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura:
https://www.google.com/search?sxsrf=AJOqlzWYUuecQnrytfSTvfrKWAWm_DmSPQ:1674438773303&q=imagem+de+ardenas+na+segunda+guerra+mundial&tbm
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