domingo, 21 de novembro de 2021

História da Batata

 




                                       Pintura de Van Gogh: Os comedores de batatas



Retorno com este artigo a história sobre alimentos. O alimento da vez é a batata!

A batata é uma dicotiledônea. Pertence à família Solanaceae, do gênero Solanum, que contém mais de 2000 espécies.  É rica em carboidratos, sais minerais, vitamina C e  quantidades pequenas de vitaminas do complexo B.

A origem da batata (Solanumtuberosum L.) está nos Andes, na América do Sul. A batata é um tubérculo cultivado há milhares de anos. Os vestígios mais conhecidos estão relacionados a aproximadamente 8000 a . C, na região hoje correspondente ao Peru.  Há possibilidade de que o primeiro cultivo ter sido antes disso, podendo ter sido há mais de 10 mil anos. Na Antiguidade o cultivo da batata pode ter englobado territórios dos atuais países Venezuela, Chile e Argentina.  Os achados arqueológicos mais antigos de batata, assim como de batata doce cultivadas foram descobertos nas cavernas de Três Ventanas, no atual Peru, a 2800 metros de altitude, a 65 Km a sudeste de Lima. Também na cerâmica, geralmente na forma de vasos, pôde ser detectada a influência da batata, como por exemplo na Civilização de Nasca, no período entre 300 a . C e 800 d. C .

Uma espécie selvagem de batata, que não foi cultivada, foi consumida em parte do sul do Chile, em aproximadamente 13.000 a .C . Essa espécie, é a mais antiga conhecida que foi consumida por seres humanos. Pode ter sido aí o berço da batata. Nos Andes atuais há as maiores variações genéticas de espécies de batatas, com centenas de espécies selvagens e mais de 400 variedades de batatas cultivadas por indígenas. Os povos antes dos incas tiveram na batata a sua principal fonte de energia. Essa importância da batata também foi para o Império Inca e para os conquistadores espanhois. Os povos indígenas dos Andes consumiam as batatas de vários modos, como batatas amassadas, assadas, ou cozidas. Um dos pratos envolvia batatas que eram fervidas, descascadas, cortadas em pedaços, depois fermentadas, moídas em uma polpa, embebidas e filtradas em um amido chamado almidón de papa. O que dava mais sustento ao povo andino era ochuño: as batatas congelavam à noite e descongeladas pela manhã e assim amoleciam, quando então se tirava a água da batata. Com esse novo produto eram preparados guisados e também era adicionado a ensopados. O chuño pode ser guardado durante anos sem precisar de refrigeração, o que facilita a alimentação em períodos difíceis, como por exemplo quando as colheitas são fracas. Outra vantagem do chuño também possui a vantagem de ser mais facilmente transportado, fatorque era aproveitado por exércitos do Império Inca. Os espanhois o utilizaram como alimento para os trabalhadores das minas de prata. Mas no início do século XVI os europeus na América do Sul não queriam consumir as batatas. Os espanhois consideravam a batata como alimento para os nativos, especialmente os que desenvolviam atividades mais pesadas.

Com a chegada dos espanhóis à América do Sul, a batata foi para a Europa na segunda metade do século XVI. Pode ter começado essa entrada em terras europeias em dois países: a Espanha e depois nas Ilhas Britânicas. Foi encontrada em 28 de novembro de 1567 a primeira menção escrita à batata, em um recibo de entrega, entre Las Palmas e Antuérpia. A batata foi introduzida nas Ilhas Canárias por volta de 1562.

O cronista espanhol Juan de Castellanos relatou nas suas Elegias (1601) relatou como as batatas passaram a ser conhecidas pelos europeus em 1537. Ele disse que elas eram chamadas como turmas (trufas) e cultivadas pelos índios Moscas na região de Neiva (na Colombia). Tal fato se deu durante a expedição de Gonzalo Jimenez de Quesada que começou em 1535. Foi por meio dessa expedição que foi fundada a cidade de Bogotá, em 1538. Na Espanha a batata foi chamada de patata, diferente da batata-doce, que ficou lá conhecida como batata.

Em 1573 é que aconteceu o primeiro registro das batatas em território continental espanhol. O Hospital das Cinco Chagas de Sevilha relatou um uso de batatas como curativo. Podem ter começado a ser cultivadas pero de Sevilha aproximadamente em 1570. Mas eram rejeitadas para consumo humano e consideradas como adequadas só para engordar porcos. Batatas eram nesse tempo rotuladas como “flatulentas, indigestas, debilitantes, doentias...”

Foi em um hospital em Sevilha, em 1573, que a batata foi comida pela primeira vez na Europa. No final do século XVI já havia batatas na França, passando a ser cultivada no Franco-Condado, nos Vosgues da Lorena e na Alsácia.  Nesse século, pescadores bascos da Espanha usavam batatas como reserva alimentar em viagens e levaram o tubérculo para a Irlanda. O botânico CarolusClusius relatou que batatas já eram bastante utilizadas no norte da Itália para alimentar animais e também como alimento para as pessoas. O rei da Espanha Felipe II enviou batatas que tinham vindo do Peru para o papa e esse enviou para o embaixador papal na Holanda e Clusius recebeu batatas do embaixador, plantando-as em Viena,Frankfurt e Leyden.

Os exércitos espanhóis na Europa passaram a ser abastecidos com batatas e depois camponeses foram também se habituando a cultivá-las. No norte da Europa o cultivo de batatas de início era em pequenos lotes de hortas e as batatas não eram cultivadas em larga escala devido às regras de que apenas grãos fossem cultivados em campos abertos. E houve também preconceito por pessoas que achavam que a batata fosse venenosa.

A batata foi cada vez mais assumindo um lugar de importância como cultura básica no norte da Europa. Mas foi mesmo a partir dos anos 1770, com a fome que atingiu territórios europeus; a mudança de políticas de governo europeus; e a alteração do clima que afetou outros tipos de cultivo, que a batata passou a ser mais aceita. A batata só passou a ser mais cultivada em Portugal no século XVIII, em especial em Trás-os-Montes, depois indo para outras regiões como o Minho e o vale do Sado. O cultivo e o consumo da batata se generalizam na população na metade do século XIX, primeiramente entre os camponeses e só bem depois para camadas mais altas.

Houve um estudo detalhado sobre a batata pelo médico francês Antoine Parmentier e no seu "Exame químico das batatas”( Paris, 1774), mostrou que a batata tem muito valor nutricional. O rei Luís XVI da França mandou cultivar um batatal em Neuilly-sur-Seine e sua esposa Maria Antonieta chegou até a usar um ornamento feito com flores de batata em um baile.  Mesmo com os estudos de Parmentier e incentivos governamentais franceses para se cultivar batatas, havia preconceitos contra as batatas.

Diderot não se entusiasmou pela batata e na Enciclopédia explica erroneamente que a batata tinha vindo da Virgínia, na América do Norte (como tinha dito o inglês John Gerard), ainda que naturalistas desse século soubessem que a batata tinha vindo dos Andes. A batata não era ainda um alimento básico. Há o uso de batatas entre soldados franceses de Napoleão I e até na mesa do imperador, mas não há um uso generalizado no exército francês, tendo sido dito que "Um exército de comedores de batata nunca será capaz de vencer um exército de comedores de trigo". Mas em 1815 a safra anual de batata da França subiu para 21 milhões de hectolitros e para 117 milhões em 1840, o que permitiu um crescimento considerável da população francesa.

Produtos agrícolas como o nabo e a rutabaga foram em grande parte substituídos pela batata no século XIX, o século que viu a batata ser elevada como alimento mais importante que em relação a outros alimentos se destacava por ter uma menor taxa de deterioração, por ter um volume que facilmente causava a saciação da fome e preço mais baixo. O cultivo da batata foi sendo disseminado pela Europa, sendo na época um alimento de importância até a metade do século XIX, como por exemplo na Irlanda.

No Império Russo as batatas passaram a ser conhecidas por volta de 1800, mas no começo de seu cultivo ficaram restritas a hortas. No entanto, problemas sérios aconteceram com a produção de cereais em 1838-1839 e os camponeses e grandes proprietários do centro e do norte da Rússia se convenceram a plantar mais batatas em seus campos. As batatas forneciam muito mais calorias que os grãos e na Europa Oriental as batatas passaram a ser mais consumidas, sendo as batatas cozidas ou assadas mais baratas que o pão de centeio, sem precisar de moinho e com grande valor nutritivo. Mas os grãos não deixaram de ser produzidos, pois eram mais fáceis de transportar, armazenar e vender.

Na Prússia, uma nação germânica, o rei Frederico, o Grande, foi um grande incentivador do uso de batatas como alimento, mas de início houve resistência dos agricultores.  Ele emitiu em 24 de março de 1756 proclamação oficial obrigando ao cultivo de batata. Foi chamado de “rei da batata”. Durante a Guerra dos Sete Anos(1756-1763), soldados austríacos que lutaram na Prússia ao verem a importância da batata para o povo desse país começaram a defender seu cultivo quando voltaram da guerra.

A Guerra da Sucessão Bávara (1778-1779),entre austríacos e uma liga alemã, ficou conhecida como Guerra da Batata. Houve uma lenda dizendo que os exércitos que batalhavam usavam batatas no lugar das balas de canhão. Uma outra explicação, que deve ter sido  a origem real do nome popular dessa guerra, é que os combates se deram em época de colheita de batatas.

Com a batata puderam os trabalhadores das indústrias ter um alimento econômico e diário, sendo assim um fator fundamental para a Revolução Industrial. Era uma fonte barata de calorias e fácil para trabalhadores cultivarem batatas em quintais. As batatas se popularizaram no norte da Inglaterra, proporcionando um aumento da população e, consequentemente, mais operários. O estudioso Friedrich Engels disse certa vez que a batata, por ter um "papel historicamente revolucionário" era igual ao ferro.

Na Irlanda do século XIX, inclusa no Império Britânico, houve um grande aumento do cultivo da batata. As batatas eram cultivadas em pequenas parcelas de terras alugadas de ricos proprietários por camponeses pobres. Os proprietários donos das terras tinham interesse em produzir cerais ou gado e os camponeses pobres precisavam das batatas para sobreviver. Várias vezes as batatas, quando produzidas em boa quantidade, eram utilizadas também para alimentar porcos que poderiam ser vendidos por esses camponeses no mercado. Porém houve um sério problema, o tipo de cultura de batatas dos irlandeses era muito sensível a doenças. Foi assim que ainda no início do século uma praga conhecida como HERB-1começou a se expandir em cultivos nas Américas. Quando a doença chegou na Europa nos anos de   1840 , ela foi mais prejudicial às plantações porque a diversidade genética era muito menor. Países europeus que cultivavam batatas foram prejudicados e na Irlanda os danos foram terríveis porque os camponeses pobres dependiam muito das batatas. A desgraça foi maior no lado ocidental da Irlanda quando a praga chegou em 1845 e a cultura predominante entre os mais pobres era de batatas. Foi a época da Grande Fome. Grande parte da população irlandesa morreu ou emigrou, em especial para os Estados Unidos.

Na China a batata foi introduzida no final da dinastia Ming no século XVII. De início era um produto fino para consumo da família imperial. Depois houve um aumento nas plantações no século XVIII na dinastia Qing e foi difundido seu consumo para a população.

Na Índia, na costa, a batata foi introduzida por portugueses no século XVII e os britânicos mais tarde  as cultivaram em Bengala. No século XIX as batatas chegaram ao Tibete.

Nos Estados Unidos o cultivo de batatas se desenvolve graças a imigrantes escoceses e irlandeses no início do século XVIII e a partir de então começou a se expandir o cultivo pelo país.

Nos dias atuais o cultivo da batata já acontece em muitos países do mundo, sendo alimento diário de uma parte significativa da população mundial. Em 2017 a produção da batata no mundo chegou a mais de 388 milhões de toneladas, com a China e a Índia respondendo por cerca de um terço de toda essa produção.  Em 2007 a China destacou-se pela produção de 72 milhões de batatas e hoje em dia constitui-se no país que mais produz batatas. Considerando-se a produção por cabeça, o país que mais produz é a Bielorússia, com 835,6 kg por habitante por ano e os bielorussos são os líderes mundiais no consumo de batatas. Em 2007 cada pessoa na Bielorússia consumiu quase um quilo de batatas por dia.

No Peru se comemora o Dia da batata em 30 de maio.

Sugestão de vídeo: 

https://g1.globo.com/pr/parana/caminhos-do-campo/noticia/2021/02/07/da-cordilheira-dos-andes-a-inglaterra-conheca-a-historia-da-batata.ghtml

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.


Figuras:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+batatas&sxsrf=AOaemvI4bd9m9B43gR0x3SYpGX-Cx-dvkQ:1637537057738&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=QAS6lrlZfeM_

https://www.google.com/search?sxsrf=AOaemvJcLtyEwBblEuz_Xk4BkNMy9Xvqog:1637536965651&source=univ&tbm=isch&q=imagem+da+pintura+de+van+gogh+os+comedores+de+batatas&fir=aL7Iayl19q

 


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