sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O Poeta satírico Gregório de Matos Guerra

 

                                                                       

                                                                                                                                                          


Em 23 de dezembro de 1636 nascia em Salvador, Bahia, um dos grandes poetas do período barroco de Portugal e do Brasil, Gregório de Matos Guerra, na época do Brasil colônia. Foi chamado de Boca do Inferno ou Boca de Brasa, devido a críticas à Igreja Católica e à sociedade de Salvador. Foi também advogado. É considerado o mais importante poeta satírico da literatura em língua portuguesa do período colonial. Teve influências dos autores espanhóis Góngora, Gracián, Calderón e Quevedo.

Gregório nasceu em uma rica família de empresários de obras e pessoas ligadas ao serviços administrativo. Tinha nacionalidade portuguesa, por ser o Brasil colônia de Portugal. Era então luso-brasileiro. Seu pai nasceu em Guimarães, cidade portuguesa.

Na infância estudou em Senador Canedo, no Colégio dos Jesuítas, na Bahia. Depois foi para Portugal estudar em Lisboa em 1650 e na Universidade de Coimbra, em 1652, formando-se em 1661. Trabalhou como juiz de fora na cidade de Alcácer do Sal. Foi representante da Bahia nas Cortes de Lisboa em 27 de janeiro de 1668. E recebeu o cargo de procurador em 1672 pelo Senado da Câmara da Bahia. Em 1674 voltou a representar a Bahia nas cortes portuguesas. 

Só em 1679 Gregório voltou ao Brasil e foi nomeado desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia pelo arcebispo Gaspar Barata de Mendonça. O rei de Portugal Dom Pedro II nomeou, em 1682, Gregório como tesoureiro-mor da Sé. Já tinha nesse tempo a fama em Portugal de ser poeta satírico e improvisador.

Por se recusar a usar batina e não aceitar imposição das chamadas ordens maiores, Gregório de Matos foi destituído dos cargos que ocupava pelo novo arcebispo, João da Madre de Deus. Passou então a fazer sátiras sobre os costumes do povo de todas as classes sociais da Bahia e também satirizando os nobres baianos. Sua poesia é  corrosiva e erótica, embora tenha tido características por vezes líricas e sagradas. E devido à forma livre de se comportar, Gregório foi denunciado ao tribunal da Inquisição, com acusações de que não tirava o barrete da cabeça ao passar pelas procissões e de que tinha difamado Jesus Cristo. Mas não foram adiante as acusações.

Teve boa relação com o governador Antônio Felix Machado da Silva, que o hospedou. Mas os poemas de Gregório irritaram algumas pessoas poderosas. Em 1694 o então governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho faz acusações contra ele e o poeta fica com sua segurança em risco,  sendo deportado para Angola por influência de uma autoridade da época, que era amigo de Gregório, Dom João de Lencastre, evitando um possível assassinato. Lá em Angola colaborou com o governo representante de Portugal contra uma conspiração militar e como recompensa foi permitido ao poeta voltar ao Brasil, porém não para Bahia. Ele foi viver em Recife e nessa cidade faleceu depois em 26 de novembro de 1696 por causa de uma doença que pegou em Angola. Demonstrou arrependimento sobre atitudes que teve em relação à Igreja Católica.

Características das obrasFusionismo: harmonia entre os opostos; Culto ao contraste: Antropocentrismo versus teocentrismo, Sagrado versus profano, Luz versus sombra, Paganismo versus cristianismo, Racional versus irracional; Oposição e contradição: uso de antíteses e paradoxos; Pessimismo; Feísmo; Rebuscamento da linguagem; Imagens hiperbólicas; Cultismo ou gongorismo: jogo de palavras; Conceptismo ou quevedismo: jogo de idéias; Morbidez; Sentimento de culpa; Consciência da fugacidade do tempo; Concepção trágica da vida; Carpe diem: aproveite o momento; Uso de hipérbatos e sinestesia; Emprego da medida nova: decassílabos.

  

Obras:

O historiador Francisco Adolfo de Varnhagen publicou em 1813 a coletânea Florilégio da Poesia Brasileira, com 39 dos poemas de Gregório de Matos.A mesma obra foi publicada em 1850 em LisboaDe 1923 a 1933 Afrânio Peixoto publicou outros poemas de Gregório em seis volumes, pela Academia Brasileira de Letras. A parte dos poemas considerada pornográfica foi publicada em 1968 por James Amado.

Destaca-se entre seus poemas o "A cada canto um grande conselheiro", no qual são criticadas autoridades da “cidade da Bahia" (Salvador). Os "grandes conselheiros" são os indivíduos que “nos querem governar cabana e vinha, não sabem governar sua cozinha, mas podem governar o mundo inteiro". É uma crítica que pode ser generalizada, indo além dos governantes da Bahia colonial, sendo uma crítica para os maus governantes no geral. Para o poeta o "grande conselheiro” age hipocritamente, sabendo acusar os outros, mas não vendo seus próprios pecados. Sobre o poema "Buscando a Cristo"  houve estudiosos que questionaram se o referido poema  seria mesmo de Gregório.

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Sobre Gregório de Matos diz a autora Daniela Diana:

 

Filho de Maria da Guerra e Gregório de Matos, pertencia a uma família abastada cujo pai era um nobre português.

Gregório estudou no Colégio dos Jesuítas, na Bahia e, em 1691, formou-se em Direito em Coimbra, Portugal.

Trabalhou como juiz, no entanto, sua grande paixão era a literatura. Retornou ao Brasil, exercendo os cargos de vigário-geral e tesoureiro-mor, entretanto, foi afastado por se recusar a usar batina.

Faleceu com 59 anos dia 26 de novembro de 1696, na cidade de Recife. O motivo de sua morte está associado a uma febre que contraiu quando foi condenado ao degredo em Angola.

Obras e Características

A obra de Gregório de Matos reúne mais de 700 textos de poemas líricos, satíricos, eróticos e religiosos.

Inseridas no movimento do barroco, reúnem pitorescos jogos de palavras, variedade de rimas, além de uma linguagem popular e termos da língua tupi e outras línguas africanas.

No entanto, Gregório não publicou seus poemas em vida, tendo muita controvérsia sobre a autoria de alguns escritos.

Inicialmente, alguns de seus poemas foram publicados pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, visconde de Porto-Seguro, no livro "Florilégio da Poesia Brasileira" (1850) editado em Lisboa (...)

 

Segundo a autora Dilva Frazão:

“Ao terminar o curso de Humanidades em 1652, Gregório de Matos seguiu para Portugal. Em 1653 ingressou na Universidade de Coimbra, onde cursou Direito Canônico.

Depois de formado em Direito, Gregório exerceu o cargo de curador de órfãos e em 1661 habilitou-se a um cargo na magistratura portuguesa. Em 1663 foi nomeado Juiz de Alcácer de Sal, no Alentejo. Nessa época escreveu seus primeiros poemas satíricos.

Graças ao casamento com Micaela de Andrade, de família ilustre, em 1671 foi nomeado juiz do cível em Lisboa. Em 1678 ficou viúvo e recorreu ao arcebispo da Bahia para voltar ao Brasil.

Apelido "Boca do Inferno"

Em 1681, Gregório de Matos estava de volta a Salvador como procurador da cidade, junto à Corte portuguesa. Levava uma vida boêmia e escrevia versos e sátiras gozando de todos, sem poupar as autoridades civis e eclesiásticas da Bahia, recebendo o apelido de “Boca do inferno”.

Embora Gregório não fosse padre, o arcebispo D. Gaspar Barata fez dele vigário-geral da Bahia a fim de ocupar o cargo de tesoureiro-mor da Sé, uma forma de dar maior compostura ao bacharel Gregório, já que sua língua virulenta criava terríveis inimigos.

Depois da morte de D. Gaspar, em 1686, Gregório se negou a receber ordens sacras e a vestir o hábito religioso, acabou perdendo o cargo de tesoureiro-mor e voltou a exercer a advocacia.

Casou-se então com Maria dos Povos, com quem teve um filho. Em 1694, por suas críticas às autoridades da Bahia, foi deportado para Angola na África.

Em Angola, Gregório de Matos tornou-se conselheiro do governo e, como recompensa por serviços prestados, obteve autorização para voltar ao Brasil, não mais para a Bahia.

Em 1694 estava de volta ao Brasil indo viver no Recife, Pernambuco, longe das perseguições que lhe moviam na Bahia, embora proibido judicialmente de fazer suas sátiras.

Gregório de Matos faleceu na cidade do Recife, no dia 26 de novembro de 1695. (...)”

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Alguns Poemas de Gregório de Matos:

À Dona  Ângela


Anjo no nome, Angélica na cara,

Isso é ser flor, e Anjo juntamente,

Ser Angélica flor, e Anjo florente,

Em quem, senão em vós se uniformara?

 

Quem veria uma flor, que a não cortara

De verde pé, de rama florescente?

E quem um Anjo vira tão luzente,

Que por seu Deus, o não idolatrara?

 

Se como Anjo sois dos meus altares,

Fôreis o meu custódio, e minha guarda,

Livrara eu de diabólicos azares.

 

Mas vejo, que tão bela, e tão galharda,

Posto que os Anjos nunca dão pesares,

Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.

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Inconstância das coisas do mundo!

Nasce o Sol e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas e alegria.
Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?
Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza,
Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza.
A firmeza somente na inconstância.

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SONETO VII

Ardor em firme coração nascido!
Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!

Tu, que em um peito abrasas escondido, (*?) Tu, que em ímpeto abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente?
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.

Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

 Figura: https://www.google.com/search?q=imagens+de+greg%C3%B3rio+de+matos&sxsrf=ALiCzsZGuSYNfzvelZNtrYawue5RWu144Q%3A1671853017864&source

 

 


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

A escritora brasileira Nélida Piñón


 

No dia 17 de dezembro de 2022 faleceu em Lisboa, Portugal, aos 85 anos, a escritora brasileira Nélida Cuínas Piñón, que foi integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL), na qual tomou posse em 3 de maio de 1990. Ela foi a primeira mulher a presidir a ABL (1996-1997).

Nélida Piñón nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 3 de maio de 1937. Era filha de Lino Piñón Muíños e Olivia Carmen Cuíñas Morgado. Seus pais eram de origem galega. Nélida teve mais de 20 livros publicados (romances, contos, ensaios, discursos e memórias). Ela formou-se em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tendo sido editora e participado do conselho editorial de revistas no Brasil e exterior. No Rio de Janeiro ocupou cargos no conselho consultivo de diversas entidades culturais. Em 1961 foi publicado seu primeiro livro, o romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, cujos temas são o pecado, o perdão e a relação dos mortais com Deus.

Em outro romance, A república dos sonhos, a base é  uma família de imigrantes galegos no Brasil, despertando reflexões a respeito da Galícia, da Espanha e do Brasil. Em 1970 ganhou o Prêmio Walmap de Literatura.

Em 1972 foi publicado o romance “A Casa da Paixão”, que permitiu à autora ganhar o Prêmio Mário de Andrade. Esta obra é considerada um dos melhores e mais conhecidos romances da escritora.

Nélida Piñon ganhou o Prêmio Ficção Pen Club  em 1985 por seu romance “A República dos Sonhos”. Era académica correspondente da Academia das Ciências de Lisboa , tendo entrado em outubro de 2014 na Real Academia Galega e ocupou a cadeira de número 51 da Academia Brasileira de Filosofia. Ela ganhou o Prêmio Internacional Juan Rulfo de Literatura Latino-Americana e do Caribe em 1995, que foi dado pela primeira vez a uma mulher e para uma autora de língua portuguesa e também ganhou o Bienal Nestlé, categoria romance, pelo conjunto da obra, em 1991. Ela ganhou vários outros prêmios. O último prêmio dela foi o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras, em 2005. Ela teve obras traduzidas em muitos países.

O presidente atual da ABL, Merval Pereira disse sobre Nélida: "É uma perda para a literatura brasileira. Era, provavelmente, a maior escritora viva do país."

Segundo a autora Dilva Frazão:

“...Nélida Cuinãs Piñon nasceu no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro no dia 3 de maio de 1937. Seus pais, o comerciante Lino Piñon Muíños e Olívia Carmem Cuíñas Piñon são originários da Galícia, do conselho de Cotobade, na Espanha.

Seu nome é um anagrama do nome do avô Daniel. Ainda criança era estimulada para a leitura e já escrevia pequenas histórias. Com 4 anos mudou-se para o bairro de Copacabana. Em seguida morou no Botafogo, quando estudou no Colégio Santo Amaro.

Com nove anos, Nélida já frequentava o Teatro Municipal. Com 10 anos fez sua primeira viagem à terra de seus pais, onde ficou durante quase dois anos.

Na adolescência, morou no Leblon. Estudou Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Com 20 anos perdeu o pai, grande responsável por sua formação como escritora (...)”

E ainda diz Dilva Frazão:

“...Entre 1966 e 1967, Nélida trabalhou como editora assistente da revista Cadernos Brasileiros.

Em 1970 inaugurou e foi a primeira professora da cadeira de Criação Literária da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Entre 1976 e 1993 foi membro do Conselho Consultivo da revista Tempo Brasileiro.

Em 1990 foi eleita para a cadeira n.º 30 da Academia Brasileira de Letras. Em 1996 foi a primeira mulher eleita para presidir a ABL por ocasião do seu primeiro centenário.

Entre 1990 e 2003, foi titular da Cátedra Henry Kin Stanford em Humanidades, da Universidade de Miami, onde realizou cursos, debates, encontros e conferência.

Nélida foi escritora-visitante da Universidade de Harvard, da Columbia, de Georgetown, de Johns Hopkins, entre outras.

Ao longo de sua carreira, Nélida colaborou com diversas publicações nacionais e estrangeiras.  Seus contos foram publicados em diversas revistas e fazem parte de antologias brasileiras e estrangeiras.

A obra de Nélida Piñon foi traduzida para diversos países, entre eles, Alemanha, Espanha, Itália, Estados Unidos, Cuba, União Soviética e Nicarágua.

No dia 9 de novembro de 2011, em sua homenagem foi inaugurada em Salvador, Bahia, a Biblioteca Nélida Piñon, a primeira biblioteca do Instituto Cervantes que recebeu o nome de um escritor de língua não hispânica.

Em outubro de 2014 por iniciativa do Concello de Cotobade, com a colaboração da Conselleria de Cultura, Educación e Ordenación Universitaria da Xunta de Galícia, foi lançado o “Prêmio Nélida Piñon”.

Em outubro de 2015 foi inaugurada em Cotobade, Galícia, terra de sua família. A Casa de Cultura Nélida Piñon.

Nélida Piñon faleceu em Lisboa, Portugal, onde estava morando, no dia 17 de dezembro de 2022

Prêmios Literários 

·         Prêmio Walmap com o romance “Fundador” (1970)

·         Prêmio Mário de Andrade com o romance “A Casa da Paixão” (1973)

·         Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte

·         Prêmio Ficção Pen Clube com o romance “A República dos Sonhos” (1985) Prêmio Golfinho de Ouro pelo conjunto da Obra (1990)

·         Prêmio Jabuti – Melhor Romance de 2005 e Melhor Livro do Ano na Categoria Geral (2005) por “Vozes do Deserto”Prêmio Juan Rulfo, no México

·         Prêmio Jorge Isaacs, na Colômbia

·         Prêmio Rosalia de Castro, na Espanha

·         Prêmio Gabriela Mistral, no Chile

·         Prêmio Puterbaugh, nos Estados Unidos

·         Prêmio Menéndez Pelayo da Espanha

·         Prêmio Príncipe de Astúrias pelo Conjunto da Obra (2005)

Doutor Honoris Causa

·         Doutor Honoris Causa da Universidade de Poitiers, França

·         Doutor Honoris Causa da Universidade de Santiago de Compostela,   

         Espanha

·         Doutor Honoris Causa da Florida Atlantic University, EUA

·         Doutor Honoris Causa da Universidade de Montreal, Canadá

·         Doutor Honoris Causa da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre

Obras de Nélida Piñon

·         Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo (1961)

·         Madeira Feita Cruz (1963)

·         Tempos das Frutas: contos (1966)

·         Fundador (1969)

·         A Casa da Paixão (1972)

·         Tebas do Meu Coração (1974)

·         A Força do Destino (1977)

·         O Calor das Coisas (1980)

·         Sala das Armas (1983)

·         A República dos Sonhos (1984)

·         Canção de Caetana (1987)

·         O Pão de Cada Dia (1994)

·         Até Amanhã, Outra Vez (1999)

·         A Roda do Vento (1998)

·         Vozes do Deserto (2004)

·         Aprendiz de Homero; ensaio (2008)

·         Coração andarilho: memória (2009)

·         Livro das Horas: memória (2012)

·         A Camisa do Marido (2014)

·         Filhos da América (2016)

·         Uma Furtiva Lágrima (2019)

·         Um Dia Chegarei a Sagres (2020)”

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Frases de Nélida Piñon

“Se a imaginação edifica enredos de amor, o corpo fatalmente sofre seus efeitos.”

“Se a memória simula esquecer os mortos, o amor, albergado no coração e sempre à espreita, a qualquer sinal açoita quem sobrevive às lembranças.”

“O escritor não deve apenas criar, mas deve também emprestar a sua consciência à consciência dos seus leitores, sobretudo num país como o Brasil.”

 “Se vive e se escreve sem rede de segurança.”

“O ser humano é um peregrino. É só na aparência que ele tem uma geografia.”

“Eu não confio no Estado. Eu confio na vigilância da sociedade.”

 “O afeto é uma espada no peito.”

 “Aprendo a amar. Uma arte difícil, nenhuma norma me orienta.”

 “Anseio por liberar-me das obrigações, da falsa polidez, do peso dos objetos. A solidão, que a noite acentua, é a minha salvaguarda.”

 “Não tenho filhos, mas leitores, capazes por si sós de defenderem a civilização contra os avanços da barbárie. A eles nomeio sucessores de uma linguagem irrenunciável. E, embora duvide às vezes se vale defender alguns princípios hoje contestados, persisto em inscrever certas normas no código dos direitos humanos.”

 “Eu não quero ser inútil. Eu quero que a palavra do escritor tenha algum sentido, utilidade.”

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

 

Figura: https://www.google.com/search?sxsrf=ALiCzsaIxewmDHPIkkWGwsO7ghSHzjQvxw:1671682397366&source=univ&tbm=isch&q=imagens+de+n%C3%A9lida+pi%C3%B1on&fir=Sr7vYozVCZkhkM%

 


terça-feira, 13 de dezembro de 2022

O poeta alemão Heine

 



Christian Johann Heinrich Heine, foi um jornalista, crítico literário, ensaísta e poeta romântico alemão nascido em 13 de dezembro de 1797 em Dusseldorf, na Renânia do Norte, Vestfália, na época, Sacro Império Romano-Germânico. Suas principais obras foram: Deutschland. Ein WintermärcheAtta TrollDie HarzreiseBook of SongsFoi chamado de “o último dos românticos”. Teve parte de sua poesia lírica musicada por compositores como Franz Schubert, Felix Mendelssohn, Robert Schumann, Brahms e no século XX porJosé Maria Rocha Ferreira, Hans Werner Henze e Lord Berners. 

A família de Heinrich Heine era de judeus assimilados e ele tinha o nome de Heinrich Henry. Durante a ocupação francesa napoleônica, o pai dele, que era comerciante, teve benefícios devido aos novos ideais de igualdade cívica para todos os cidadãos, incluindo os judeus, que eram discriminados em lugares que hoje pertencem à Alemanha. Mas por causa de problemas financeiros do pai Heine foi mandado para a casa de seu tio pelo lado paterno de nome Salomon, que morava em Hamburgo e que era próspero banqueiro. Esse tio bancou os estudos de Heine e o incentivou a procurar uma ocupação no mundo dos negócios. Mas Heine não tinha interesse em seguir carreira nos negócios. Ele preferiu estudar Direito. De início esteve na Universidade de Bonn, depois na Universidade de Gottinguer e por fim foi para a Universidade de Berlin.

Apesar de ter ido estudar Direito, Heine, já licenciado nessa área, preferiu a Literatura. Ele deixou a religião judaica e passou a ser cristão luterano com o nome de Christian Johann Heinrich, chamando a si mesmo de Heinrich Heine. As razões de sua conversão ao cristianismo estavam ligadas às diversas limitações impostas aos judeus que existiam em grande parte dos Estados Alemães. Os judeus não podiam exercer muitas profissões e nem vários cargos em diversas instituições e havia Universidades que não aceitavam o ingresso de judeus. Como Heine tinha interesse no magistério, ele como judeu não poderia ser professor.

Heine considerou sua conversão ao cristianismo como o "bilhete de admissão na cultura europeia”. Mas houve judeus que não se converteram para ter algumas vantagens e que tiveram sucesso em certas áreas de destaque na sociedade, como o caso do primo de Heine, o compositor Giacomo Meyerbeer. Esta questão entre o judaísmo e o cristianismo na personalidade de Heine fará parte dele em sua vida. Heine também queria ter acesso ao universo de escritores românticos qe era mais acessível aos luteranos e católicos.

A primeira obra de Heine foi em 1821 com "Gedichte" (Poemas), que depois foi unido ao volume Sofrimentos juvenis, com características de infelicidade e lamentações amorosas. Em 1823 escreveu Tragédias. No ciclo O Mar do Norte, Heine escreveu poemas para o mar, em versos livres.  A inspiração para escrever algumas obras líricas importantes veio de paíxões não correspondidas por suas primas Amalie e Therese. A primeira grande coletânea de versos dele foi Buch der Lieder ("Livro das canções", em 1827).Nessa obra encontram-se baladas, canções amorosas, quadros satíricos e as grandiosas evocações marítimas. Esteve em Paris em 1831 e lá teve influência de teóricos do socialismo utópico seguidores de Saint-Simon, que defendiam uma sociedade igualitária com base no mérito. Em Paris Heine pretendia encontrar maior liberdade de expressão e aceitação de suas ideias e nisso ele estava certo.

Heine incomodou com seus escritos as autoridades em territórios alemães e obras suas foram submetidas à censura, tendo muitas delas sido proibidas. O movimento da Jovem Alemanha, de 1835, ao qual Heine pertencia e era um importante líder, também teve obras banidas. Não foi permitido que ele voltasse e ele ficou na França. Ainda que exilado, o poeta continuava com forte ligação com a Alemanha, cuja situação política era alvo de críticas dele. Sob influência de ideias francesas Heine dedicou-se a uma renovação da literatura alemã. Ele trabalhou na França como correspondente do jornal liberal alemão Allgemeine Zeitung, cuja sede era em Augsburgo. Divulgou a cultura alemã na França.  Fundou a corrente do feuilleton, que na atualidade é chamado de Jornalismo Cultural e contribuiu como mdediador cuntural entre França e Alemanha. Acreditava que a filosofia alemã junto ao espírito revolucionário francês levaria à emancipação política e cultural da Europa. Criticava a religião e disse certa vez:

Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança.

Sobre a censura sobre suas obras ele falou:

“Aqueles que queimam livros, acabam cedo ou tarde por queimar homens.”

Muitos anos após sua morte, em Berlim na Alemanha nazista, obras de Heine foram queimadas.

A influência de Heine foi maior fora da Alemanha do que dentro dela. Foi muito admirado na França como escritor e recebeu uma pensão do governo francês. Na Europa oriental foi considerado um grande influenciador para uma literatura nacional, junto com Goethe e obras dele foram lidas com admiração na China e Japão.

Foi um autor envolvido na política e com preocupações sociais. Em seus poemas e textos foi sarcástico, irônico, fazendo críticas à sociedade alemã. Ele foi influenciado pelos ideais da Revolução francesa e criticava o conservadorismo na arte e na política. Queria que as pessoas fossem esclarecidas e era contra a exploração do ser humano, considerando-se principalmente o aumento dessa durante a revolução industrial. Conheceu Karl Marx em Paris. O pensamento desse autor e revolucionário influenciou Heine como autor envolvido em política e crítico social, como se pode ver no poema Os tecelões de Silésia, de 1844, traduzido e publicado por Friedrich Engels no jornal inglês “The new moral World”. Também a obra de Heine Alemanha, um conto de inverno, (Deutschland, ein Wintermärchen, no original) de 1844, foi marcada por suas características políticas. É uma obra com críticas à sociedade alemã.

Embora apoiador de movimentos sociais e políticos, Heine não se filiou a partidos. Considerava-se um artista que escrevia para o mundo e a Humanidade.  Foi um inimigo do nacionalismo germânico, parecendo até profetizar sobre a tragédia do nazismo que aconteceria na Alemanha muitos anos depois, tendo dito: “um drama há de ser encenado na Alemanha que fará a Revolução Francesa parecer um idílio inofensivo”.

Heine escreveu o poema O Navio Negreiro, do original alemão Das Sklavenschiff, de 1853/54. No poema o autor descreve a condições de um navio negreiro ancorado no porto do Rio de Janeiro. O poeta brasileiro Castro Alves inspirou-se nesse poema para escrever também um poema com o mesmo título O Navio Negreiro. Machado de Assis, Gonçalves Dias, Raul Pompeia, Alphonsuns de Guimaraens, Fagundes Varela, Manuel Bandeira e André Valias foram admiradores brasileiros de Heine.

Heine foi um jornalista muito inteligente, que colaborou entre 1831 e 1848 como correspondente em Paris, no Jornal Geral de Augsburgo, no qual descrevia aspectos da vida francesa, escrevendo sobre o parlamento, a imprensa, o mundo artístico, o teatro e a música. Muito dessa produção foi publicada em diversos volumes, destacando-se Lutécia. Ele era um mordaz crítico do absolutismo alemão e do liberalismo burguês francês.

Faleceu em 17 de fevereiro de 1856, estando com sérios problemas de visão, tendo tido sérias dificuldades financeiras, uma infelicidade amorosa com uma mulher com bem menos instrução e estado doente desde 1848, com paralisia, por causa da sífilis que contraiu.

 

Frases de Heine:

 

 “ Muitas vezes digo à vida: não me dês tanto, para que não me possas levar tanto.”

 “Onde quer que livros sejam queimados, os homens serão também, eventualmente, queimados.”

 “O historiador é o profeta que olha para trás.”

 “Onde as palavras acabam, a música começa.”

 “A morte é a frescura da noite e a vida o dia sufocante.”

“Poucas vezes compreendi os outros e poucas vezes eles me compreenderam a mim. Porém, quando nos encontramos na lama, compreendemo-nos logo.”

 

Poemas:

 

“Sonhei de novo o sonho antigo:

Maio, juras de amor eterno,

Ambos sentados sob a tília

E tendo a noite como abrigo.

E juras a cada momento,

Risinhos, carícias, beijos:

Sem mais, porém, mordeu-me a mão,

Pra me lembrar do juramento.

Ó namorada de olhos claros,

Com seus caninos entre os ais:

Estou de acordo quanto às juras,

Mas a mordida foi demais.”

*

Mir träumte wieder der alte Traum:

Es war eine Nacht im Maie,

Wir saßen unter dem Lindenbaum,

Und schwuren uns ewige Treue.

Das war ein Schwören und Schwören aufs neu,

Ein Kichern, ein Kosen, ein Küssen;

Daß ich gedenk des Schwures sei,

Hast du in die Hand mich gebissen.

O Liebchen mit den Äuglein klar!

O Liebchen schön und bissig!

Das Schwören in der Ordnung war,

Das Beißen war überflüssig.

 

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“Quando eu te desposar...”

Quando eu te desposar, teus dias

Serão dignos de invejas;

Desfrutarás mil alegrias

E ociosidade régia.

Hei de perdoar-te mau humor,

E queixas mas – é claro –

Se não cobrires de louvor

Meu verso, eu me separo.

*

“Und bist du erst mein ehlich Weib…”

Und bist du erst mein ehlich Weib,

Dann bist du zu beneiden,

Dann lebst du in lauter Zeitvertreib,

In lauter Pläsier und Freuden.

Und wenn du schiltst und wenn du tobst,

Ich werd` es geduldig leiden;

Doch wenn du meine Verse nicht lobst,

Laß ich mich von dir scheiden.

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Morfina

É grande a semelhança desses dois

jovens e belos vultos, muito embora

um pareça mais pálido e severo

ou, posso até dizer, bem mais distinto

do que o outro, o que, terno, me abraçava.

Havia em seu sorriso tanto afeto,

carinho e, nos seus olhos,tanta paz!

Ornada de papoulas, sua fronte

tocava a minha, às vezes – e seu raro

odor me dissipava a dor do espírito.

Tal alívio, porém , não dura. Eu só

hei de curar-me inteiramente quando

o irmão severo e pálido abaixar

a sua tocha. – O sono é bom; o sono 

eterno, ainda melhor; mas certamente

o ideal seria nunca ter nascido.

 

*

Morphine

Groß ist die Ähnlichkeit der beiden schönen

Jünglingsgestalten, ob der eine gleich

Viel blässer als der andre, auch viel strenger,

Fast möcht ich sagen: viel vornehmer aussieht

Als jener andre, welcher mich vertraulich

In seine Arme schloß – Wie lieblich sanft

War dann sein Lächeln und sein Blick wie selig!

Dann mocht es wohl geschehn, daß seines Hauptes

Mohnblumenkranz auch meine Stirn berührte

Und seltsam duftend allen Schmerz verscheuchte

Aus meiner Seel` – Doch solche Linderung,

Sie dauert kurze Zeit; genesen gänzlich

Kann ich nur dann, wenn seine Fackel senkt

Der andre Bruder, der so ernst und bleich. –

Gut ist der Schlaf, der Tod ist besser – freilich

Das beste wäre, nie geboren sein.

 

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Esperem só

“Só porque arraso quando arrojo

Raios, acham que não sei troar.

Ora, meus senhores, ao contrário:

Na arte do trovão não sou pior!

No devido dia, eu ponho à prova,

Quem duvida agora é só esperar;

O meu peito então vai trovejar,

E trincar os céus, a minha voz!

No fragor daquele furacão,

Os carvalhos secos vão rachar,

Os castelos vão desmoronar,

Velhas catedrais, ruir ao chão!”

*

Wartet nur

Weil ich so ganz vorzüglich blitze,

Glaubt ihr, daß ich nicht donnern könnt!

Ihr irrt euch sehr, denn ich besitze

Gleichfalls fürs Donnern ein Talent.

Es wird sich grausenhaft bewähren,

Wenn einst erscheint der rechte Tag;

Dann sollt ihr meine Stimme hören,

Das Donnerwort, den Wetterschlag.

Gar manche Eiche wird zersplittern

An jenem Tag der wilde Sturm,

Gar mancher Palast wird erzittern

Und stürzen mancher Kirchenturm!

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Não entro nessa dança, não incenso

Os ídolos de ouro e pés de barro;

Tampouco aperto a mão desse masmarro

Que me difama e distribui dissenso.

 

Não galanteio a linda rapariga

Que ostenta sem pudor suas vergonhas;

Nem acompanho as multidões medonhas

Que adoram seus heróis de meia-figa.

 

Eu sei: carvalhos têm que desabar,

Enquanto o junco se abaixando espera

Passar o vento forte da intempérie.

 

Mas do que pode um junco se orgulhar?

Tirar poeira de capacho ao sol,

Curvar-se para a linha de um anzol.

*

Ich tanz nicht mit, ich räuchre nicht den Klötzen,

Die außen goldig sind, inwendig Sand;

Ich schlag nicht ein, reicht mir ein Bub die Hand,

Der heimlich will den Namen mir zerfetzen.

 

Ich beug mich nicht vor jenen hübschen Metzen,

Die schamlos prunken mit der eignen Schand;

Ich zieh nicht mit, wenn sich der Pöbel spannt

Vor Siegeswagen seiner eiteln Götzen.

 

Ich weiß es wohl, die Eiche muß erliegen,

Derweil das Rohr am Bach, durch schwankes Biegen,

In Wind und Wetter stehn bleibt, nach wie vor.

 

Doch sprich, wie weit bringt’s wohl am End’ solch Rohr?

Welch Glück! als ein Spazierstock dient’s dem Stutzer,

Als Kleiderklopfer dient’s dem Stiefelputzer.

 

 

Os anjos

Eu, incrédulo Tomé,

Já não creio na doutrina

Que o rabi e o padre ensinam:

Nesse “céu” não levo fé!

 

Mas nos anjos acredito,

Dou aqui meu testemunho:

Perambulam pelo mundo,

Impolutos e bonitos.

 

Só refuto essa bobagem

De anjo aparecer de asinha;

Sei de muitos, Senhorinha,

Desprovidos de penagem.

 

Com carinho e claridade,

De olho atento nos humanos,

Nos protegem, afastando

O infortúnio e a tempestade.

 

Amizade tão discreta

Reconforta toda gente,

Tanto mais o duplamente

Judiado, que é o poeta.

*

Die engel

Freylich ein ungläub’ger Thomas

Glaub’ ich an den Himmel nicht,

Den die Kirchenlehre Romas

Und Jerusalems verspricht.

 

Doch die Existenz der Engel,

Die bezweifelte ich nie;

Lichtgeschöpfe sonder Mängel,

Hier auf Erden wandeln sie.

 

Nur, genäd’ge Frau, die Flügel

Sprech’ ich jenen Wesen ab;

Engel giebt es ohne Flügel,

Wie ich selbst gesehen hab’.

 

Lieblich mit den weißen Händen,

Lieblich mit dem schönen Blick

Schützen sie den Menschen, wenden

Von ihm ab das Mißgeschick.

 

Ihre Huld und ihre Gnaden

Trösten jeden, doch zumeist

Ihn, der doppelt qualbeladen,

Ihn, den man den Dichter heißt.

 

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Esses olhos-primavera,

Me fitando azuis na relva

São amáveis violetas

Que escolhi para um buquê.

 

Vou colhendo enquanto penso:

O que vem ao pensamento

E no coração me dói,

Cantam alto os rouxinóis.

 

O que eu penso eles cantam

Estridentes – num instante

Minha sina mais secreta

Espalhou-se na floresta.

*

Die blauen Frühlingsaugen

Schau'n aus dem Gras hervor;

Das sind die lieben Veilchen,

Die ich zum Strauß erkor. 

 

Ich pflücke sie und denke,

Und die Gedanken all,

Die mir im Herzen seufzen,

Singe laut die Nachtigall.

 

Ja, was ich denke, singt sie

Lautschmetternd, daß es schallt;

Mein zärtliches Geheimnis

Weiß schon der ganze Wald. 

.

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Acreditava antigamente

Que todo beijo que me tiram,

Ou que recebo de presente,

Fosse por obra do destino.

 

Deram-me beijos e beijei,

Antes com tanta seriedade,

Como se obedecesse às leis

Que regem a necessidade.

 

Agora sei como é supérfluo

E não me faço de rogado,

Vou dando beijos em excesso,

Incrédulo e despreocupado.

*

Ehmals glaubt ich, alle Küsse, 

Die ein Weib uns gibt und nimmt,

Seien uns, durch Schicksalsschlüsse,

Schon urzeitlich vorbestimmt.

 

Küsse nahm ich, und ich küßte

So mit Ernst in jener Zeit,

Als ob ich erfüllen müßte

Thaten der Notwendigkeit.

 

Jetzo weiß ich, überflüssig,

Wie so manches, ist der Kuß,

Und mit leichtern Sinnen küß ich,

Glaubenlos im Überfluß.

 

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Como rasteja devagar

O tempo, caracol horrendo!

E eu, sem poder mover os membros,

Não saio mais deste lugar.

 

Na minha cela sempre escura

Não entra sol nem a esperança;

Daqui, em derradeira instância,

Só me liberta a sepultura.

 

Quem sabe já virei defunto

E esses semblantes em cortejo,

Que à noite desfilando eu vejo,

Não são visitas do outro mundo.

 

Fantasmas a vagar sem corpo

Ou deuses do templo pagão,

Que adoram fazer confusão

No crânio de um poeta morto. –

 

A doce festa dos espíritos,

Orgia saturnal e tétrica,

Busca a mão óssea do poeta

Deitar às vezes por escrito.

*

Wie langsam kriechet sie dahin,

Die Zeit, die schauderhafte Schnecke!

Ich aber, ganz bewegungslos

Blieb ich hier auf demselben Flecke.

 

In meine dunkle Zelle dringt

Kein Sonnenstral, kein Hoffnungsschimmer;

Ich weiß, nur mit der Kirchhofsgruft

Vertausch ich dies fatale Zimmer.

 

Vielleicht bin ich gestorben längst;

Es sind vielleicht nur Spukgestalten

Die Phantasieen, die des Nachts

Im Hirn den bunten Umzug halten.

 

Es mögen wohl Gespenster seyn,

Altheidnisch göttlichen Gelichters;

Sie wählen gern zum Tummelplatz

Den Schädel eines todten Dichters. –

 

Die schaurig süssen Orgia,

Das nächtlich tolle Geistertreiben,

Sucht des Poeten Leichenhand

Manchmal am Morgen aufzuschreiben.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+do+poeta+heine#imgrc=YqNB_Kvq055aKM