A poeta (ou poetisa) Elisabeth Bishop, nasceu no dia 8 de fevereiro de 1911, em Worcester,
Massachusetts. Era filha de William Thomas Bishop, que morreu antes dela
completar um ano e de Gertrude Bulmer Bishop, que foi internada em um hospital
psiquiátrico quando ela tinha cinco anos. Na infância, Elisabeth foi internada
devido a transtornos mentais (a mãe de Elisabeth morreu em 1934, depois de
muitos anos internada em instituição psiquiátrica) e foi morar com os avós
maternos na Nova Escócia, Canadá. Na época sofreu com comportamentos abusivos
de um tio. Posteriormente, os avós paternos, com uma vida financeira boa,
ganharam a guarda dela e ela foi então viver com eles em Worcester. Não foi
feliz nesse período e teve problemas de asma e de eczema. Fez o curso
secundário em um colégio interno feminino, em Natick, Massachusetts. Lá ela
revelou talento para a música, mas devido a sua timidez não seguiu como
concertista.. Na década de 1920 esteve na França com sua companheira Louise
Crane, herdeira de uma família rica..
Em 1929, antes da quebra da bolsa de
valores, ela ingressou no Vassar College, uma instituição de prestígio, onde
ela estudou por quatro anos inglês e literatura, tendo fundado, junto com
quatro colegas, no último ano de estudos, a revista literária Com Spirito.
Foi graças ao dinheiro que tinha sido aplicado anos antes pelo pai que
Elisabeth pôde ter uma ótima educação.
Os primeiros poemas de Bishop tiveram
forte influência de Moore, como também de George Herbert e Gerard Manley
Hopkins. Foi nessa época que Elisabeth conheceu a poeta Marianne Moore, 24 anos
mais velha, que se tornou sua mentora e amiga, que a influenciou a fazer parte
do mundo da poesia, tendo Elisabeth desistido da aspiração de ser médica. A
amizade entre elas durou até o ano da morte de Moore, em 1972.
Em 1934, já formada, Elisabeth foi
morar na cidade de Nova Iorque. Entre os poemas dessa época há The Map e The
Man-Moth. Morou depois na Flórida e viajou para outros países, como a
França, em 1937, onde passou seis meses e o México, onde ficou nove meses, em
1943. Como escritora de poesias e contos publicou em 1946 North
& South, seu primeiro livro de poesias e contos, que não teve muitos
exemplares publicados, mas que foi bem avaliado pelo poeta e crítico Robert
Lowell, que se tornou amigo dela. Elisabeth ganhou o prêmio de poesia Houghton
Mifflin Prize, em 1946. O crítico conceituado Randall Jarrell
disse sobre os poemas de Bishop após a publicação de North and South:
“todos seus poemas, como percebi, têm uma segunda escrita.”
Elisabeth Bishop tinha dificuldades
financeiras para se manter como escritora e passou a depender de doações,
empréstimos, prêmios etc.Em 1951 recebeu 2. 500 dólares do Bryn Mawr
College. Nesse ano ela embarcou em um navio que ia para a Terra do Fogo,
na Argentina. A intenção dela era navegar ao refor da América do Sul. O navio
aportou em Santos. Ela desembarcou para ficar algum tempo no Brasil. Foi para o
Rio de Janeiro visitar a cidade e também pessoas que ela conhecia que tinham
morado em Nova Iorque. Mas ela teve problemas de saúde (intoxicação alimentar)
e não teve condições de voltar a seguir viagem com o navio. A brasileira Maria
Carlota de Macedo Soares, conhecida como Lota, que Elisabeth tinha
conhecido em Nova Iorque, procurou ajudar a norte-americana. Lota era arquiteta
e paisagista autodidata, que tinha feito muitas viagens e contando com
consideráveis recursos financeiros, sendo uma das herdeiras do jornal “Diário
Carioca”. Um dos amigos famosos de Lota era o jornalista Carlos Lacerda, que
chegou a ser governador do Estado da Guanabara.
Lota e Elisabeth Bishop se envolveram
afetivamente e Bishop foi morar perto de Lota no sítio de Alcobacinha, em
Petrópolis. Elisabeth tinha um estúdio, onde escrevia e pintava. O Brasil teve
importância na vida dela como autora, influenciando na temática de poemas,
contos e cartas. No tempo que esteve no Brasil, aconteceram fatos históricos
importantes como o suicídio de Getúlio Vargas, a construção de Brasília, a
queda de Jânio Quadros e o golpe militar de 31 de março de 1964.
Elisabeth viajou pelo Brasil, em
especial quando juntava material para seu livro documentário Brazil.
Ela também retratou a cultura brasileira na sua poesia, como quando
escreveu O Ladrão da Babilônia, uma balada inspirada na visão dela
de um homem fugindo da polícia no Rio de Janeiro, que ela chamou de Babilônia.
Segundo Girough, que escreveu a biografia da escritora, Bishop dedicou-se à
pintura e à poesia e não buscou fazer parte do alto círculo de amizades de
Lota, que tinha ideias ligadas ao partido brasileiro UDN. O biógrafo também
mencionou que a escritora manteve-se ligada ao que acontecia na cultura dos
Estados Unidos. Ela costumava enviar para esse país seus poemas e contos para
publicação. Era simpática ao Partido Democrata nos Estados Unidos e
crítica do sistema de segregação racial norte-americano. Embora não detivesse
em se concentrar em política, não deixava de ser uma crítica, possuindo uma
sutil e perspicaz percepção das contradições brasileiras. Fez poemas sobre a
paisagem de Santarém e sobre os pobres urbanos do Rio de Janeiro, com a sátira
social do poema Pink Dog.
Elisabeth e Lota moravam em Petrópolis
e iam com frequência para a cidade do Rio de Janeiro. Também passavam algum
tempo em Ouro Preto. Em 1961 houve o início do enfraquecimento da relação entre
as duas, quando Lota passou a ficar mais no Rio de Janeiro que em Petrópolis,
pois estava envolvida em um projeto paisagístico de Roberto Burle Marx. Nesses
períodos em que estava só, Bishop ia algumas vezes a Ouro Preto, tendo comprado
uma casa, dando o nome a ela de “Casa Mariana”, para homenagear a poeta
Marianne Moore. Esses tempos sozinha influenciavam em um estado depressivo de
Elisabeth e ela foi se habituando a consumir bebida alcoólica. Lota, por sua
vez, também tinha seus problemas de saúde mental.
Em 1966 houve um convite para Elisabeth
para lecionar na Universidade de Washington, em Seattle. E em 1967 passou um
tempo em Nova Iorque. Lota ia para um encontro com Elisabeth, mas na
noite que chegou na cidade tomou uma dose forte de tranquilizantes e entrou em
coma por cinco dias, vindo a falecer. Após a morte de Lota, Elisabeth foi
passar um tempo em São Francisco e cerca de um ano depois foi para Ouro Preto.
Ela voltaria a essa cidades outras vezes até 1974. Mas, Elisabeth nessas vindas
ao Brasil vinha já com uma nova companheira (tinha começado uma relação
com Alice Methfessel, que durou até a morte da escritora)
e passou a sofrer hostilidades ligadas a preconceitos, inveja e
acusações. Devido a essa situação, Bishop resolveu não vir mais ao Brasil,
ensinou na Universidade de Washington e foi convidada a ser professora na
Universidade de Harvard, passando a morar em Boston. Também foi professora
na New York University. O seu apartamento continha diversos
artefatos brasileiros. Ela muitas vezes escreveu para a revista The New
Yorker e fez várias conferências. No fim da vida era professora no
Massachusetts Institute of Technology. Para que um poema tivesse um sentido de
espontaneidade, ela chegava a gastar meses ou anos. Seus poemas muitas vezes
refletem questões pessoais, com suas angústias e dificuldades. O
filme de Bruno Barreto, Flores Raras, de 2013, foi baseado no romance de
Elisabeth e Lota, em Petrópolis, que durou de 1951 a 1965. Até hoje há críticas
ao posicionamento político de Bishop em 1964, pois ela demonstrou apoio ao
golpe militar daquele ano.
Em seis de outubro de 1979, por causa
de um aneurisma cerebral, Elisabeth Bishop faleceu. Ela ganhou os seguintes
prêmios em vida:
Prémio Pulitzer de Poesia (1956)
National Book Award (1970)
Prêmio Literário Internacional Neustadt (1976)
National Book Critics Circle Award (1976)
Segundo a obra “Brasiliana da
Biblioteca Nacional”: “Representante ilustre da poesia moderna
norte-americana, Bishop residiu no Brasil como estrangeira voluntariamente
exilada de seu país, mas profundamente conectada com o movimento cultural
norte-americano», principalmente com o poeta Robert Loewe e com
sua mentora Marianne Moore. (....) «Traduziu poemas dos principais expoentes
do modernismo brasileiro e manteve relações cordiais com vários desses
artistas.»
Segundo a biógrafa Megan Marshall:
"Bishop mostra que a perda é uma
experiência universal, e, ao escrever tão bem sobre esse tema, consegue criar,
paradoxalmente, algo que perdura".
A seguir alguns poemas de
Elisabeth Bishop:
O mapa
Terra entre águas, sombreada de verde.
Sombras, talvez rasos, lhe traçam o contorno,
uma linha de recifes, algas como adorno,
riscando o azul singelo com seu verde.
Ou a terra avança sobre o mar e o levanta
e abarca, sem bulir suas águas lentas?
Ao longo das praias pardacentas
será que a terra puxa o mar e o levanta?
A sombra da Terra Nova jaz imóvel.
O Labrador é amarelo, onde o esquimó sonhador
o untou de óleo. Afagamos essas belas baías,
em vitrines, como se fossem florir, ou como se
para servir de aquário a peixes invisíveis.
Os nomes dos portos se espraiam pelo mar,
os nomes das cidades sobem as serras vizinhas
— aqui o impressor experimentou um sentimento semelhante
ao da emoção ultrapassando demais a sua causa.
As penínsulas pegam a água entre polegar e indicador
como mulheres apalpando pano antes de comprar.
As águas mapeadas são mais tranquilas que a terra,
e lhe emprestam sua forma ondulada:
a lebre da Noruega corre para o sul, afobada,
perfis investigam o mar, onde há terra.
É compulsório, ou os países escolhem as suas cores?
— As mais condizentes com a nação ou as águas nacionais.
Topografia é imparcial; norte e oeste são iguais.
Mais sutis que as do historiador são do cartógrafo as cores.
O iceberg imaginário
O iceberg nos atrai mais que o navio,
mesmo acabando com a viagem.
Mesmo pairando imóvel, nuvem pétrea,
e o mar um mármore revolto.
O iceberg nos atrai mais que o navio:
queremos esse chão vivo de neve,
mesmo com as velas do navio tombadas
qual neve indissoluta sobre a água.
Ó calmo campo flutuante,
sabes que um iceberg dorme em ti, e em breve
vai despertar e talvez pastar na tua neve?
Esta cena um marujo daria os olhos
pra ver. Esquece-se o navio. O iceberg
sobe e desce; seus píncaros de vidro
corrigem elípticas no céu.
Este cenário empresta a quem o pisa
uma retórica fácil. O pano leve
é levantado por cordas finíssimas
de aéreas espirais de neve.
Duelo de argúcia entre as alvas agulhas
e o sol. O seu peso o iceberg enfrenta
no palco instável e incerto onde se assenta.
É por dentro que o iceberg se faceta.
Tal como joias numa tumba
ele se salva para sempre, e adorna
só a si, talvez também as neves
que nos assombram tanto sobre o mar.
Adeus, adeus, dizemos, e o navio
segue viagem, e as ondas se sucedem,
e as nuvens buscam um céu mais quente.
O iceberg seduz a alma
(pois os dois se inventam do quase invisível)
a vê-lo assim: concreto, ereto, indivisível.
.
Chemin de fer
Sozinha nos trilhos eu ia,
coração aos saltos no peito.
O espaço entre os dormentes
era excessivo, ou muito estreito.
Paisagem empobrecida:
carvalhos, pinheiros franzinos;
e além da folhagem cinzenta
vi luzir ao longe o laguinho
onde vive o eremita sujo,
como uma lágrima translúcida
a conter seus sofrimentos
ao longo dos anos, lúcida.
O eremita deu um tiro
e uma árvore balançou.
O laguinho estremeceu.
Sua galinha cocoricou.
Bradou o velho eremita:
“Amor tem que ser posto em prática!”
Ao longe, um eco esboçou
sua adesão, não muito enfática.
O cavalheiro de Shalott
Qual olho é o dele?
Qual membro é real
e qual está no espelho?
A cor é igual
à esquerda e à direita,
e ninguém suspeita
que esta ou aquela
perna, ou braço, seja
verdade ou impostura
nessa estranha estrutura.
A seu ver,
isso é prova garantida
de uma imagem refletida
ao longo desta linha
que chamamos de espinha.
Modesto, sentia
que sua pessoa
era metade espelho:
pois duplicar-se seria
um total destrambelho.
O vidro se prolonga
por sua mediana,
ou melhor, sua borda.
Mas ele não sabe direito
o que está dentro ou fora
da imagem refletida.
Não há muita margem de erro,
mas provar é impossível.
E se meio cérebro é reflexo
seu pensamento terá nexo?
Mas ele aceita sem problema
a parcimônia do esquema.
Se o espelho escorregar
vai ser de amargar —
só uma perna etc. Mas por ora
está apoiado na escora,
e ele anda e corre e pega a mão
com a outra. A sensação
de incerteza o deixa feliz,
ele diz.
Afirma também que gosta
de estar sempre a se reajustar.
No momento, eis o que tem a declarar:
“Metade basta.”
.
Cirque d´Hiver
É um brinquedo de corda digno de um rei
de uma outra era: cavalo e bailarina.
Um cavalo de circo, de olhos negros,
branco no pelo e na crina
Sobre ele vai montada a bailarina.
Na ponta dos pés, ela rodopia.
Tem um ramo de flores artificiais
na saia e no corpete de ouropel.
Sobre a cabeça, traz
um outro ramo de flores artificiais
A cauda do cavalo é puro Chirico.
É formal e melancólica sua alma.
Ele sente em seu dorso a perna leve
da bailarina calma
em torno da haste que a perfura, corpo e alma,
e lhe atravessa o corpo, saindo por fim
sob seu ventre como uma chave de lata.
Ele dá três passos, faz uma mesura,
anda mais um pouco, dobra uma das patas,
anda, estala, para e olha para mim.
A dançarina, a essa altura, está de costas.
O cavalo é o mais arguto dos dois.
Entreolhamo-nos, com certo desespero,
e dizemos depois:
“É, até aqui chegamos nós dois”.
Noturno
Da manga escura de um mágico
os cantores de rádio espalham
canções de amor
pela grama, sobre o orvalho noturno
E preveem para o futuro,
qual cartomantes, o que se quiser
supor.
Mas na antena do estaleiro distingo
observadores mais dignos
de apreciar o amor. Do alto de seu
galho
cinco luzes vermelhas, remotas,
se aninham; fênix silenciosas,
ardendo aonde nunca chega o orvalho.
Insônia
A lua no espelho da cômoda
está a mil milhas, ou mais
(e se olha, talvez com orgulho,
porém não sorri jamais)
muito além do sono, eu diria,
ou então só dorme de dia.
Se o Mundo a abandonasse,
ela o mandava pro inferno,
e num lago ou num espelho
faria seu lar eterno.
— Envolve em gaze e joga
tudo que te faz sofrer no
poço desse mundo inverso
onde o esquerdo é que é o direito,
onde as sombras são os corpos,
e à noite ninguém se deita,
e o céu é raso como o oceano
é profundo, e tu me amas.
O banho de xampu
Os liquens – silenciosas explosões
nas pedras – crescem e engordam,
concêntricas, cinzentas concussões.
Têm um encontro marcado
com os halos ao redor da lua, embora
até o momento nada tenha mudado.
E como o céu há de nos dar guarida
enquanto isso não se der,
você há de convir, amiga,
que se precipitou;
e eis no que dá. Porque o Tempo é,
mais que tudo, contemporizador.
No teu cabelo negro brilham estrelas
cadentes, arredias.
Para onde irão elas
tão cedo, resolutas?
– Vem, deixa eu lavá-lo, aqui nesta
bacia
amassada e brilhante como a lua.
Chegada em Santos
Eis uma costa; eis um porto;
após uma dieta frugal de horizonte, uma
paisagem:
morros de formas tão práticas, cheios -
quem sabe? de autocomiseração,
tristes e agrestes sob a frívola
folhagem,
uma igrejinha no alto de um deles. E
armazéns,
alguns em tons débeis de rosa, ou de
azul,
e umas palmeiras, altas e inseguras.
Ah, turistas,
então é isso que este país tão longe ao
sul
tem a oferecer a quem procura nada
menos
que um mundo diferente, uma vida
melhor, e o imediato
e definitivo entendimento de ambos
após dezoito dias de hiato?
Termine o desjejum. Lá vem o
navio-tênder,
uma estranha e antiga embarcação,
com um trapo estranho e colorido ao
vento.
A bandeira. Primeira vez que a vejo. Eu
tinha a impressão
de que não havia bandeira, mas tinha
que haver,
tal como cédulas e moedas - claro que
sim.
E agora, cautelosas, descemos de costas
a escada,
eu e uma outra passageira, Miss Breen,
num cais onde vinte e seis cargueiros
aguardam
um carregamento de café que não tem
mais fim.
Cuidado, moço, com esse gancho! Ah!
não é que ele fisgou a saia de Miss
Breen,
coitada! Miss Breen tem uns setenta
anos,
um metro e oitenta, lindos olhos azuis,
bem
simpática. É tenente de polícia aposentada.
Quando não está viajando, mora em
Glens Falls, estado de Nova York. Bom. Conseguimos.
Na alfândega deve haver quem fale inglês e não
implique com nosso estoque de bourbon e cigarros.
Os portos são necessários, como os selos e o sabão,
e nem ligam para a impressão que
causam.
Daí as cores mortas dos sabonetes e
selos -
aqueles desmancham aos poucos, e estes
desgrudam
de nossos cartões-postais antes que
possam lê-los
nossos destinatários, ou porque a cola
daqui
é muito ordinária, ou então por causa
do calor.
Partimos de Santos imediatamente;
vamos de carro para o interior.
O Tatu
para Robert Lowell
Estamos no período junino,
e à noite balões de papel
surgem – frágeis, ígneos, clandestinos.
Vão subindo ao céu,
rumo a um santo que aqui
ainda inspira devoção,
e se enchem de uma luz avermelhada
que pulsa, como um coração.
Lá no céu, se transformam
em pontos de luz mais ou menos
iguais às estrelas – isto é, aos planetas
coloridos, Marte ou Vênus.
Se venta, eles piscam, estrebucham;
sem vento, sobem ligeiros
rumo às varetas cruzadas
da pipa estrelar do Cruzeiro
do Sul, e deixam este mundo
para trás, solenes, altivos,
ou una correnteza os puxa
pra baixo, e se tornam um perigo.
Ontem caiu um grande aqui perto
na encosta de pedra nua.
Quebrou como um ovo de fogo.
A chama desceram. Vimos duas
corujas fugindo do ninho,
os dorsos das asas ariscas
tingidas de um rosa vivo,
guinchando até sumirem de vista.
O velho ninho se incendiara.
Sozinho, em polvorosa,
um tatu reluzente fugiu,
cabisbaixo, salpicado de rosa,
depois de um ser de orelhas curtas,
por estranho que pareça, um coelho.
Tão macio! – pura cinza intangível
com olhos fixos, dois pontos vermelhos.
Ah, mimetismo frágil, onírico!
Fogo caindo, um escarcéu
e um punho cerrado, ignorante
e débil, voltado contra o céu!
Uma arte
A arte de perder não é nenhum
mistério;
Tantas coisas contêm em si o
acidente
De perdê-las, que perder não é nada
sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite,
austero,
A chave perdida, a hora gasta
bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais
critério:
Lugares, nomes, a escala
subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é
sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem
quero
Lembrar a perda de três casas
excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um
império
Que era meu, dois rios, e mais um
continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada
sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso
etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é
evidente
que a arte de perder não chega a ser
mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito
sério.
.
Cadela Rosada
[Rio de Janeiro]
Sol forte, céu azul. O Rio sua.
Praia apinhada de barracas. Nua,
passo apressado, você cruza a rua.
Nunca vi um cão tão nu, tão sem nada,
sem pelo, pele tão avermelhada...
Quem a vê até troca de calçada.
Têm medo da raiva. Mas isso não
é hidrofobia — é sarna. O olhar é são
e esperto. E os seus filhotes, onde
estão?
(Tetas cheias de leite.) Em que favela
você os escondeu, em que ruela,
pra viver sua vida de cadela?
Você não sabia? Deu no jornal:
pra resolver o problema social,
estão jogando os mendigos num canal.
E não são só pedintes os lançados
no rio da Guarda: idiotas, aleijados,
vagabundos, alcoólatras, drogados.
Se fazem isso com gente, os estúpidos,
com pernetas ou bípedes, sem
escrúpulos,
o que não fariam com um quadrúpede?
A piada mais contada hoje em dia
é que os mendigos, em vez de comida,
andam comprando boias salva-vidas.
Você, no estado em que está, com esses
peitos,
jogada no rio, afundava feito
parafuso. Falando sério, o jeito
mesmo é vestir alguma fantasia.
Não dá pra você ficar por aí à
toa com essa cara. Você devia
pôr uma máscara qualquer. Que tal?
Até a quarta-feira, é Carnaval!
Dance um samba! Abaixo o baixo-astral!
Dizem que o Carnaval está acabando,
culpa do rádio, dos americanos...
Dizem a mesma bobagem todo ano.
O Carnaval está cada vez melhor!
Agora, um cão pelado é mesmo um
horror...
Vamos, se fantasie! A-lá-lá-ô...!
Acalanto
Nana nana.
Nana, dorme o adulto
E a criança dorme.
Ao largo, ferido de morte, naufraga
O navio enorme.
Nana nana.
Batalhem os povos
E morram: não faz diferença.
A sombra do berço desenha uma imensa
Gaiola no muro.
Nana nana.
Breve a guerra acaba.
Solta esse brinquedo
Bobo, e apanha a lua,
Que é melhor brinquedo.
Nana nana.
Se acaso disserem
Que não tens juízo,
Não dês importância:
Sorri o teu sorriso.
Nana nana.
Nana, dorme o adulto
E a criança dorme.
Ao largo, ferido de morte, naufraga
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura:https://www.google.com/search?q=imagem+de+elizabeth+bishop.&sxsrf=APq-WBvHLjCeIfn3ldT8duhDnUBIQI6FUQ:1644628870497&tbm=isch&source=
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