terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

A Síndrome de Estocolmo

 






Neste artigo irei tratar de um aspecto psicológico, um estado psicológico particular, que pode acontecer em determinadas ocorrências de grande pressão psicológica como se vê em sequestros ou outras situações abusivas. Este estado está relacionado a casos de abusos e de sequestros. Não sendo uma doença mental reconhecida e aceita pelos psiquiatras. Estou me referindo à chamada Síndrome de Estocolmo. Este nome vem de um caso que ocorreu em um sequestro de seis dias na capital da Suécia, Estocolmo, em 1973. O criminologista Nils Berejot, diagnosticou o estado psicológico das vítimas como um síndrome que levou o nome da cidade onde aconteceu o sequestro. Essas pessoas afetadas pelo sequestro se viram envolvidas afetivamente com o sequestrador e seu comparsa. A situação chegou a um ponto de uma refém xingar a polícia em defesa dos assaltantes e depois deles presos ela manteve ainda contato regular com os mesmos. Essa situação causou espanto na época porque as vítimas tinham sido submetidas a um estado de violência psicológica grave. Essas pessoas passaram a demonstrar uma identificação, uma lealdade e solidariedade com o principal agressor. Em casos relacionados a esta síndrome há pequenos gestos gentis dos raptores que são amplificados com frequência devido à falta de uma consciência do refém sobre a realidade e o perigo existente. As tentativas de libertação podem ser encaradas como uma ameaça pelos reféns. É o grande estresse físico causado pela situação que causa sintomas. Há um duplo comportamento de afetividade e ódio ao mesmo tempo por parte das vítimas em relação ao raptor. Para especialistas, isto representa uma estratégia de sobrevivência das vítimas. É uma estratégia da mente para se proteger. Parte da mente consegue ficar alerta ao perigo e isso pode levar parte das vítimas a tentar fugir do sequestrador. A vítima não tem consciência do processo da síndrome. Esta síndrome também é conhecida como Vinculação Afetiva de Terror ou Traumática

O caso do assalto a banco em Estocolmo, iniciouem 23 de agosto de 1973 quando Jan-Erik “Janne” Olsson, armado com uma submetralhadora e explosivos invadiu o banco Kredit banken, no centro de Estocolmo. Ele começou a ação atirando para o alto, fazendo três funcionárias como reféns e depois também um funcionário que estava escondido em um depósito. As exigências dele eram: a soltura de outro criminoso, Clark Olofsson; um carro; que lhe fossem entregues 3 milhões de coroas suecas; e que fosse providenciado um caminho que ele pudesse usar para sair para outro país. As negociações foram demoradas. A soltura de Olofsson foi realizada e ele foi levado ao banco. Durante os seis dias que durou o sequestro, os reféns e o sequestrador jogavam cartas e conversavam. A refém Kristin Enmark, de 23 anos, na ocasião que estava no banco disse ao primeiro ministro da Suécia por telefone:

“Confio plenamente nele, viajaria por todo o mundo com eles [os reféns e o assaltante que chegou posteriormente”.

Ela concordava com a proposta (rejeitada pela polícia) do sequestrador de que ele sairia de carro levando dois reféns. Também ela defendia verbalmente o sequestrador e chegou a ofender a polícia em uma declaração a uma rádio. Ela, mesmo 40 anos após o sequestro, ainda permanecia se correspondendo com um dos sequestradores, Olofsson.

No fim de toda a situação, a polícia conseguiu entrar por um buraco no teto para salvar os sequestrados, que se postaram em frente ao sequestrador para impedir que fosse agredido pela polícia. Quando a polícia finalmente já tinha prendido o criminoso, os quatro sequestrados abraçaram o assaltante e seu companheiro criminoso que tinha chegado posteriormente ao banco. Jannie Olson, o autor do sequestro, recebeu a visita de dois reféns na prisão. Sven, o único homem entre os reféns, que foi ameaçado durante o sequestro, ainda assim ficou confuso, tendo que fazer um esforço mental para se convencer de que os sequestradores não eram seus amigos e que tinham cometido um crime. Olofsson foi condenado na época do crime a 6 anos de prisão e o líder, Olsson, a 10 anos. Olsson afirmou em entrevistas que não foi capaz de matar os reféns por ter ficado próximo deles.

Esta síndrome também se faz presente em relacionamentos abusivos, familiares ou amorosos. Além de sua presença em sequestros pode ser detectada em abuso infantil, roubo, estupro e violência doméstica, tráfico humano, terror e opressão política e religiosa, cenários de guerra, sobreviventes de campos de concentração, relações de trabalho extremas etc. A mente cria uma defesa que a mantem acreditando que, mesmo com toda a situação de tensão e perigo, o agressor está fazendo algo de bom. A vítima interpreta algumas atitudes do agressor como benéficas. Em caso de extrema intimidação a vítima acha que não pode escapar e se sente muito vulnerável. A mente humana tenta formas de aliviar a tensão e neste estado de confusão mental a vítima pode ver o agressor como quem está dando satisfação, criando assim uma relação afetiva entre vítima e agressor.

A vítima procura evitar comportamentos que causem um desagrado ao agressor e pode fazer interpretações equivocadas em relação ao agressor, por exemplo se ele realiza atos de gentileza e educação a vítima pode achar que o agressor está sendo simpático e iniciar um processo de identificação que cria uma separação da realidade de violência que de fato está acontecendo. A vítima pode acabar criando um relação até mesmo de amizade com o agressor, podendo vê-lo como um protetor, que às vezes é a única companhia da vítima.

Não há um registro dessa síndrome como patologia específica. Análises do ponto de vista psicanalítico fazem referência a questões de experiências na infância com familiares e cuidadores. Há pessoas que sob determinadas condições de abuso desenvolvem sentimentos de afeto e apego a agressores ou sequestradores devido a essas questões anteriores. Há também a hipótese de formação de um mecanismo irracional de defesa em algumas pessoas que projetam sentimentos afetivos na figura do sequestrador ou abusador que possam causar alguma forma de tentar “amenizar” ou “negociar” para diminuir a tensão entre abusador ou sequestrador e vítima.

Há fatores que podem influenciar o desenvolvimento da síndrome como o tipo de personalidade e história pessoal da vítima; a necessidade de aprovação por pessoas que tem poder; o tempo da vítima com o agressor; a identificação com o agressor; grande necessidade de segurança e esperança da vítima que a faz menosprezar aspectos negativos da situação e do agressor.

 

Outros casos famosos:

Um caso relacionado à síndrome de Estocolmo que ficou muito famoso é o de Patty Hearst, em 1974. Ela foi sequestrada em um assalto a banco pelo grupo de extrema-esquerda Exército Simbionês de Libertação. Após sua captura, ela foi libertada e juntou-se ao grupo, fazendo parte de assaltos a bancos. Ela chegou a ser presa pela polícia e depois tornou-se atriz. 

A austríaca Natascha Kampusch, foi sequestrada em Viena aos dez anos de idade em março de 1998. Ela foi sequestrada e ficou em cativeiro por 8 anos, em condições horríveis. Ela sofreu muitas agressões físicas e psicológicas. Ela citou no livro que escreveu:

“Eu ainda era apenas uma criança, e precisava do consolo do toque (humano). Então, após alguns meses presa, eu pedi a meu sequestrador que me abraçasse”.

Também é citado por alguns especialistas o caso de Patrícia Abravanel, filha de um empresário brasileiro famoso. Em 2001 ela foi sequestrada e ficou sete dias em cativeiro. Após sua libertação falou sorridente em uma entrevista e disse que perdoava os sequestradores. No seu relato mencionou que ao estar com uma Bíblia um dos sequestradores escreveu: "Você é a melhor pessoa do mundo". Disse ela: "Eles falaram que Deus era poderoso, que eles não estavam entendendo como não conseguiam colocar a mão em mim". Ela negou que tivesse sido afetada pela síndrome.

As pessoas que passaram por situações como as citadas nos casos mencionados tiveram momentos muito difíceis. Quem passou por essas experiências traumáticas precisa de apoio emocional de familiares, amigos. Também é recomendável o tratamento psicoterápico. O terapeuta poderá identificar o que levou ao desenvolvimento da síndrome e procurar junto ao paciente a superação do trauma.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e Psicólogo.

 

Figura:

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