Alguns casos de mau uso do
poder no Brasil tem chamado minha atenção. Isso tem a ver com uma cultura
política que infelizmente persiste. São casos ligados à costumes arraigados
como aquele velho hábito dos poderosos que costumam dizer: "Você sabe com
quem está falando?" Os direitos e deveres deveriam ser iguais para todos,
porém não é o que realmente acontece. Há quem se valha de seu prestígio para
não ser tratado como deveria e procura privilégios devido à posição que ocupa, às
amizades influentes que tem ou o poder econômico que possui.
Roberto da Matta, renomado
antropólogo, fez os seguintes comentários em 2011: "A reflexão sobre
limites, sobre o que é suficiente ou bastante para cada um de nós (e
consequentemente para os outros) é o resultado de mais igualdade, liberdade,
oportunidade, poder de consumo e daquilo que se chama "modernidade"
de mercado e competição eleitoral e de democracia. Da operação consistente de
um sistema que tem no centro o indivíduo cidadão livre e igual perante a lei.
Todas as sociedades que passaram por aguda transformação no sentido de maior
igualdade, acoplada a uma consciência mais aguda de liberdade, vivem um
aparente paradoxo. Como usufruir a liberdade e a igualdade sem ofender os
outros e, mais que isso, sem levar o sistema a uma anarquia e a um caos no qual
alguns podem fazer tudo, o outro não existe e_como consequência_quem ocupa
cargos importantes sobretudo no governo e do Estado acaba virando um mandão (ou
mandona) de modo que em vez de igualdade
e limite temos o justo oposto: uma hierarquia e o enriquecimento de poderosos
por meio daquilo que é o teste mais claro do limite da igualdade: o sistema
eleitoral que o elegeu".
E diz ainda: "Não nos
parece uma tarefa fácil conciliar desejos (que geralmente são ilimitados e odeiam
controles) e a questão fundamental de cumprir regras, leis e construir espaços
públicos seguros e igualitários, válidos para todos, numa sociedade que também
tem o seu lado claramente aristocrático e hierárquico. Um sistema que ama a
democracia, mas também gosta de usar o "Você sabe com quem está
falando?"
Que é justamente a prova
conforme disse em "Carnavais, malandros e herois, um livro publicado em
1979".
Faço também uma menção ao
Coronelismo, por achar que há ainda certos elementos culturais do tempo em que
este predominava, que era uma época agrária do Brasil, na República Velha. Os
"coronéis" eram principalmente grandes fazendeiros de considerável
poder regional e que tinham conexão com o poder nacional. Diz o professor de
História Rainer Souza: "Em uma sociedade em que o espaço rural era o
grande palco das decisões políticas, o controle das polícias fazia do coronel
uma autoridade quase inquestionável. Durante as eleições, os favores e ameaças
tornavam-se instrumentos de retaliação da democracia no país.
Qualquer pessoa que se
negasse a votar no candidato indicado pelo coronel era vítima de violência
física ou perseguição pessoal. Essa medida garantia que os mesmos grupos
políticos se consolidassem no poder. Com isso, os processos eleitorais do início
da era republicana eram sinônimos de corrupção e conflito. O controle do
processo eleitoral por meio de tais práticas ficou conhecido como "voto de
cabresto"..."Apesar do
desaparecimento dos coronéis podemos constatar que algumas de suas práticas se fazem
presentes na cultura política do nosso país. A troca de favores entre chefes de
partido é um claro exemplo de como o poder econômico e político ainda impede a
consolidação de princípios morais definidos nos processos eleitorais e na ação
dos nossos representantes políticos".
Por fim cito uma frase
presente nas eleições de 1840 para a Câmara nas chamadas "Eleições do
Cacete", disputadas entre o Partido Conservador e o Liberal, durante o II
Império no Brasil, quando os chefes políticos já se valiam de violência e
fraudes diversas: "Para os amigos o pão (os agrados), para os inimigos o
pau"(a violência). Há uma outra forma costumeira de se dizer a mesma
coisa: "Aos amigos os favores e aos
inimigos os rigores da lei" e ainda uma frase com alguma semelhança de
significado, atribuída a Magalhães Barata, um líder político paraense dos anos
30, 40 e 50 do século XX: "Lei é Potoca". Entendo que ele quis dizer
que para os que tem poder a obediência às leis não seria levada a sério.
Isso revela a vontade de burlar
as leis pelos poderosos e os interesses pessoais dos mesmos buscando se colocar acima delas. Aspectos que ainda
acontecem no Brasil de hoje e que provocam um atraso no desenvolvimento da
nação.
Márcio José Matos
Rodrigues - psicólogo e professor de História.
Imagem: Google
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