Neste artigo pretendo abordar a
temática do Natal falando sobre o que aconteceu no período natalino de 1914
durante a I Guerra Mundial, quando houve momentos de confraternização entre os soldados
aliados (franceses, ingleses, belgas e russos) e os dos exércitos alemão e austríaco.Apesar de serem inimigos, pararam
por alguns intervalos de tempo suas hostilidades militares, para confraternizar
devido ao espírito do Natal, mesmo não tendo sido autorizados para isso pelos
seus altos superiores.
A I Guerra Mundial começou
em fins de julho de 1914, quando a Sérvia rejeitou o ultimato do Império
Austríaco, que exigia uma solução para o caso do assassinato do arquiduque
Francisco Ferdinando, morto por um estudante de etnia sérvia na
Bósnia-Herzegovina. No início de agosto, a Alemanha já atacava a Bélgica para
atingir a França e provocava assim a entrada desse país e também da Inglaterra
no conflito, que envolveu várias nações no período de 1914-1918.
Em dezembro de 1914, depois
de alguns meses de guerra, já havia centenas de milhares de baixas, entre
mortos e feridos. A esperança que existia no princípio do terrível conflito
internacional, por parte de grandes chefes militares e civis das potências
beligerantes, assim como muitos cidadãos das populações dessas nações de que
seria uma guerra breve, foi por água abaixo. Percebeu-se que existia um impasse
militar, com franceses e ingleses de um lado em suas trincheiras e de outro
lado os alemães, na frente ocidental. Já na frente oriental os exércitos alemão
e austríaco enfrentavam o exército russo, sem que houvesse chance de uma
vitória rápida e decisiva de qualquer uma das partes.
Foi nesse contexto que houve
a chamada “Paz nas trincheiras”. O historiador Max Hastings comentou na sua obra “Catástrofe,
1914: A Europa vai à Guerra”, no capítulo 18, “Noite Feliz, noite feliz”: “A
aproximação do Natal de 1914 provocou profundas reflexões entre os povos da
Europa, tanto em casa como em campos estrangeiros. Se algum dia houve dúvidas
sobre a gravidade da trajetória para a qual seus governos os tinham arrastado,
não havia mais”. E ainda: “ As realidades dominantes no fim do ano eram o
fracasso de ambos os lados em conseguir um ganho estratégico no leste ou no
oeste, e seu empenho em renovar ofensivas logo que as condições de tempo e os
suprimentos de munição permitissem”.
Sobre os momentos de
confraternização Hastings escreveu: “Com a aproximação do Natal, o Papa Bento
XV fez um apelo pela suspensão das hostilidades durante o sagrado feriado
cristão. A ideia foi rejeitada de imediato por governos e comandantes, mas os
soldados se mostraram mais receptivos. As tréguas espontâneas de 1914_pois
houve muitas em todo o front, exceto no sérvio_capturaram a imaginação da
posteridade, como símbolo da futilidade de um conflito no qual não havia
nenhuma verdadeira animosidade ou propósito. A conclusão é injustificada,
porque elas nada representaram de inusitado. Interlúdios de confraternização
ocorreram em muitas guerras ao longo dos séculos, sem que impedissem os
soldados de continuar a matar uns aos outros. Os espasmos de sentimentalismo e
autopiedade exibidos em dezembro de 1914, quase todos de iniciativa alemã,
refletiam apenas o fato de que no Natal quase todos os aderentes de uma cultura
cristã ansiavam por estar em casa com seus entes queridos, ao que passo que
agora, em vez disso, milhões amontoavam-se tremendo na neve e na imundície de
campos de matança em terras alheias. O emocionalismo gerado por essas circunstâncias
levou muitos homens a fazerem fugazes gestos de humanidade, antes de voltarem
às rotinas de barbárie determinadas por seus líderes nacionais.”
O autor então cita alguns
casos, como o de um soldado bávaro (alemão) que bancou o Papai Noel, convidando
o comandante da companhia para acender três velas e desejar a paz e depois da
meia-noite soldados franceses e alemães confraternizaram na chamada “terra de
ninguém” (território não ocupado por nenhum dos lados). Outros casos envolveram
soldados belgas e alemães, austríacos e russos, alemães e ingleses.
Um fato muito interessante citado
por estudiosos da I Guerra Mundial foi a realização de uma partida de futebol
na “terra de ninguém”, numa área localizada entre as trincheiras inimigas.
Após essas experiências do
Natal de 1914, os comandantes dos exércitos procuram tomar medidas que
evitassem novas confraternizações nos demais natais da guerra (1915, 1916 e
1917), embora tenham continuado a haver alguns episódios isolados entre
soldados inimigos.
A I Guerra Mundial resultou
em milhões de mortos e outros milhões de feridos. Foi horrível e muito
destrutiva. Um alto número de combatentes que sobreviveu teve traumas
psicológicos.A guerra abalou nações e causou mudanças mundiais, inclusive houve
efeitos que tiveram forte influência para que ocorresse a II Grande Guerra.
As experiências de
confraternização nos mostram, mesmo que por curtos intervalos, um aspecto
humano e religioso de combatentes que sabiam que estavam ali para lutar, matar
e até mesmo morrer, tendo superado naqueles momentos possíveis sentimentos de ódio
ou vingança contra membros de uma força militar inimiga,
que dias antes podiam ter atacado e provocado muitas mortes e que em momentos
posteriores poderiam estar em situações de combate.
Alemães e aliados juntos durante a Trégua do Natal
de 1914
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Márcio
José Matos Rodrigues-professor de História
Imagem: Google
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