quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Natal nas trincheiras de 1914


Neste artigo pretendo abordar a temática do Natal falando sobre o que aconteceu no período natalino de 1914 durante a I Guerra Mundial, quando houve momentos de confraternização entre os soldados aliados (franceses, ingleses, belgas e russos) e os  dos exércitos alemão  e austríaco.Apesar de serem inimigos, pararam por alguns intervalos de tempo suas hostilidades militares, para confraternizar devido ao espírito do Natal, mesmo não tendo sido autorizados para isso pelos seus altos superiores.

A I Guerra Mundial começou em fins de julho de 1914, quando a Sérvia rejeitou o ultimato do Império Austríaco, que exigia uma solução para o caso do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, morto por um estudante de etnia sérvia na Bósnia-Herzegovina. No início de agosto, a Alemanha já atacava a Bélgica para atingir a França e provocava assim a entrada desse país e também da Inglaterra no conflito, que envolveu várias nações no período de 1914-1918.

Em dezembro de 1914, depois de alguns meses de guerra, já havia centenas de milhares de baixas, entre mortos e feridos. A esperança que existia no princípio do terrível conflito internacional, por parte de grandes chefes militares e civis das potências beligerantes, assim como muitos cidadãos das populações dessas nações de que seria uma guerra breve, foi por água abaixo. Percebeu-se que existia um impasse militar, com franceses e ingleses de um lado em suas trincheiras e de outro lado os alemães, na frente ocidental. Já na frente oriental os exércitos alemão e austríaco enfrentavam o exército russo, sem que houvesse chance de uma vitória rápida e decisiva de qualquer uma das partes.

Foi nesse contexto que houve a chamada “Paz nas trincheiras”. O historiador Max Hastings comentou na sua obra “Catástrofe, 1914: A Europa vai à Guerra”, no capítulo 18, “Noite Feliz, noite feliz”: “A aproximação do Natal de 1914 provocou profundas reflexões entre os povos da Europa, tanto em casa como em campos estrangeiros. Se algum dia houve dúvidas sobre a gravidade da trajetória para a qual seus governos os tinham arrastado, não havia mais”. E ainda: “ As realidades dominantes no fim do ano eram o fracasso de ambos os lados em conseguir um ganho estratégico no leste ou no oeste, e seu empenho em renovar ofensivas logo que as condições de tempo e os suprimentos de munição permitissem”.

Sobre os momentos de confraternização Hastings escreveu: “Com a aproximação do Natal, o Papa Bento XV fez um apelo pela suspensão das hostilidades durante o sagrado feriado cristão. A ideia foi rejeitada de imediato por governos e comandantes, mas os soldados se mostraram mais receptivos. As tréguas espontâneas de 1914_pois houve muitas em todo o front, exceto no sérvio_capturaram a imaginação da posteridade, como símbolo da futilidade de um conflito no qual não havia nenhuma verdadeira animosidade ou propósito. A conclusão é injustificada, porque elas nada representaram de inusitado. Interlúdios de confraternização ocorreram em muitas guerras ao longo dos séculos, sem que impedissem os soldados de continuar a matar uns aos outros. Os espasmos de sentimentalismo e autopiedade exibidos em dezembro de 1914, quase todos de iniciativa alemã, refletiam apenas o fato de que no Natal quase todos os aderentes de uma cultura cristã ansiavam por estar em casa com seus entes queridos, ao que passo que agora, em vez disso, milhões amontoavam-se tremendo na neve e na imundície de campos de matança em terras alheias. O emocionalismo gerado por essas circunstâncias levou muitos homens a fazerem fugazes gestos de humanidade, antes de voltarem às rotinas de barbárie determinadas por seus líderes nacionais.”

O autor então cita alguns casos, como o de um soldado bávaro (alemão) que bancou o Papai Noel, convidando o comandante da companhia para acender três velas e desejar a paz e depois da meia-noite soldados franceses e alemães confraternizaram na chamada “terra de ninguém” (território não ocupado por nenhum dos lados). Outros casos envolveram soldados belgas e alemães, austríacos e russos, alemães e ingleses. 

Um fato muito interessante citado por estudiosos da I Guerra Mundial foi a realização de uma partida de futebol na “terra de ninguém”, numa área localizada entre as trincheiras inimigas.

Após essas experiências do Natal de 1914, os comandantes dos exércitos procuram tomar medidas que evitassem novas confraternizações nos demais natais da guerra (1915, 1916 e 1917), embora tenham continuado a haver alguns episódios isolados entre soldados inimigos.

A I Guerra Mundial resultou em milhões de mortos e outros milhões de feridos. Foi horrível e muito destrutiva. Um alto número de combatentes que sobreviveu teve traumas psicológicos.A guerra abalou nações e causou mudanças mundiais, inclusive houve efeitos que tiveram forte influência para que ocorresse a II Grande Guerra.

As experiências de confraternização nos mostram, mesmo que por curtos intervalos, um aspecto humano e religioso de combatentes que sabiam que estavam ali para lutar, matar e até mesmo morrer, tendo superado naqueles momentos possíveis sentimentos de ódio ou vingança contra membros de uma força militar inimiga, que dias antes podiam ter atacado e provocado muitas mortes e que em momentos posteriores poderiam estar em situações de combate.

Alemães e aliados juntos durante a Trégua do Natal de 1914

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Márcio José Matos Rodrigues-professor de História


Imagem: Google





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