Robespierre foi figura proeminente do
grupo dos jacobinos durante a Revolução Francesa e com a ascensão desses ele
passou por algum tempo a ser o líder principal do governo revolucionário. A
participação de Robespierre na Revolução mostrou um cidadão preocupado com
direitos básicos dos franceses. Por outro lado, foi mandante de muitos
assassinatos em nome da Revolução, agindo como um déspota. Em nome de ideais
contribuiu muito para a instalação de uma máquina estatal terrivelmente
repressora e reprimiu rigorosamente a oposição aos jacobinos.
A seguir um resumo da história deste personagem
histórico e uma breve análise de sua personalidade.
Maximilien François Maria Isidore de Robespierre
nasceu em Arras, em 06 de maio de 1758. Foi advogado e chegou a ser chamado
pelos amigos de "O Incorruptível". Os seus inimigos durante o Terror (fase de rígida repressão
estatal) o chamavam de "Candeia de Arras", "Tirano" e
"Ditador Sanguinário".
Ele nasceu em uma família da pequena burguesia e
perdeu sua mãe ainda criança e foi depois abandonado com seus três irmãos pelo pai, advogado, que entrou em
depressão após a morte de sua esposa e passou a beber. O avô materno, um rico
negociante, ficou com Robespierre e os irmãos.
A morte da mãe, o abandono pelo pai e a
responsabilidade que Robespierre assumiu pelos irmãos podem ter deixado marcas
em sua personalidade, pois tornou-se um jovem sério e solitário,
características que conservou até o fim de sua vida.
Em Paris, estudou com uma bolsa de estudos dada
pelo bispo de Arras. Como melhor aluno, foi premiado e teve a honra de ser
cumprimentado pelo rei e a rainha da França (que tempos depois seriam
executados pelos revolucionários jacobinos). Em 1781, formou-se em Direito,
tendo na ocasião de seus estudos na capital francesa entrado em contato com o
pensamento iluminista. Um dos seus professores foi D' Alembert, um dos
organizadores da Enciclopédia, uma
obra importante no período. Mas foram as ideias de Rousseau que provavelmente
mais influenciaram Robespierre, que convenceu-se que a sociedade tinha
degradado e escravizado as pessoas e concordou com Rousseau de que o Estado e o
povo são os verdadeiros senhores de todos os bens.
Começou como advogado em 1783. Foi, de início, bem
sucedido na sua profissão em sua cidade natal. Porém, desiludiu-se, pensando em
abandonar Arras, quando o rei Luís XVI anuncia a sua intenção de convocar os
Estados Gerai Teve trabalhos premiados e, em um deles mostrava sua
discordância sobre a atitude da
sociedade para com os criminosos e doentes mentais. Os novos conceitos do
século XVIII - a democracia, a igualdade e a liberdade - eram partes
importantes do seu pensamento.
Destacou-se com mais de 260 discursos. O Clube dos
Jacobinos já era uma das alas mais radicais dos revolucionários, tornando-se
Robespierre num dos principais articuladores da Revolução Francesa. Passou a
ser mais notado quando fez um discurso em 25 de Janeiro de 1790, no qual defendia que todos os franceses deveriam
poder ser admitidos nos empregos públicos, sem outra distinção que não fosse a
dos seus talentos e virtudes Em maio de 1791 ele consegue o seu maior sucesso
parlamentar, ao fazer decretar que nenhum membro daquela Assembleia poderia ser
eleito na legislatura seguinte.
Ele exigiu a execução do rei Luís XVI, guilhotinado
em janeiro de 1793 e criou o Comitê de Salvação Pública contra os inimigos da
Revolução, sendo na época instalado o "Grande Terror". Com a traição
de Dumouriez, Robespierre passa a crer que a conivência dos girondinos com o
general rebelde não oferecia dúvida, abrindo-se o processo que vai culminar na
proscrição dos seus líderes, em 2 de Junho de 1793.
Em 1794 outro líder revolucionário, Danton, foi
executado na guilhotina a mando de Robespierre e no mesmo ano tornou-se
Presidente da Convenção Nacional. Robespierre manda decretar que o povo francês
reconhece a existência do Ser Supremo e a imortalidade da alma.
A Planície (grupo político da Convenção
Nacional), organizou um golpe contra
Robespierre, que é preso em julho de 1794, tendo sido guilhotinado um dia
depois, em Paris, em 28 de julho. Com ele foram guilhotinados outros jacobinos
importantes, como o seu irmão Augustin de Robespierre (também membro da Junta
de Salvação Pública) e outros de seus colaboradores, dentre eles, seus dois
grandes amigos, companheiros desde o início de sua jornada, Saint-Just e
Couthon.
Apesar de ter mandado tantos para a guilhotina,
defendia princípios humanistas como o sufrágio universal, a igualdade de
direitos e a abolição da escravidão. Combateu a Igreja, mas acreditava em um
Ser Supremo, chegando a dizer: "Se a existência de Deus, se a
imortalidade da alma não fossem senão sonhos, ainda assim seriam a mais bela de
todas as concepções do espírito humano".
O historiador F. A. Mignet escreveu sobre sua
percepção dos ideais de Robespierre e de Saint-Just:
"(...) Robespierre e Saint-Just haviam
traçado o plano desta democracia, cujos princípios eles defendiam em todos os
seus discursos. Eles queriam mudar os costumes, o espírito e os hábitos da
França. Eles queriam transformá-la em uma república à moda dos antigos".
"O domínio exercido pelo povo, magistrados
desprovidos de orgulho, cidadãos sem vícios, a fraternidade nos
relacionamentos, o culto da virtude, a simplicidade dos modos, a austeridade do
caráter, eis o que pretendiam estabelecer".
"Liberdade e igualdade para o governo da
república; indivisibilidade em sua forma; virtude como seu princípio; Ser
Supremo como o seu culto. Quanto aos cidadãos, fraternidade em seus
relacionamentos, probidade em sua conduta, bom senso como espírito, modéstia em
suas ações públicas, que eles deveriam nortear para o bem do estado, e não para
eles mesmos. Tal era o símbolo de sua democracia."
Ele queria criar uma República da Virtude, sem reis
ou nobres, sem extremos de riqueza ou pobreza. Para conseguir seus objetivos
ele perseguiu severamente os inimigos da República: girondinos que criticavam o
governo jacobino, federalistas contrários a um governo central forte; padres,
nobres e camponeses contrarrevolucionários e especuladores que escondiam
alimentos. Em um discurso dele que ficou famoso ele afirmou: "As funções públicas não podem ser
consideradas como sinais de superioridade nem como recompensa, mas como deveres
públicos.
Ninguém possui o direito de ser mais "inviolável" do que outros
cidadãos. O povo tem o direito de conhecer todos os atos dos seus
mandatários".
Robespierre conseguiu algumas realizações
significativas. Como exemplo, na área militar: o exército francês conseguiu
impedir a invasão da França por forças estrangeiras. E durante o governo dele
vigorou a nova Constituição da República (1793), que garantia ao
povo: Direito ao voto; Direito de rebelião; Direito ao
trabalho e à subsistência. Nessa Constituição havia uma declaração de que o
objetivo do governo era o bem comum e a felicidade de todos. Foi uma das figuras
mais polêmicas da Revolução Francesa. No desejo de promover a democracia, pôs
em prática o chamado Reinado do Terror, durante o qual foram guilhotinadas
milhares de pessoas.
Ele tinha muito medo de ser assassinado e
preocupava-se excessivamente com os trajes que usaria ao assinar atos capitais.
Era vaidoso, usava
paletós bem cortados e coletes ricamente bordados. Sempre que precisava falar
em público, sofria com contorções compulsivas nas mãos e na face e exibia um
manuseio descontrolado dos óculos.
A seguir alguns comentários do psicanalista Jean
Bergeret sobre Robespierre em sua obra "A Personalidade Normal e
Patológica" (destaquei algumas palavras):
"Seu narcisismo
de esfolado vivo suporta mal o face a face individual acusador; ele pretendia terrivelmente ser amado mas,
em público, a tensão torna-se forte demais, tudo parece acusá-lo de suas
próprias origens infelizes, de sua própria ascensão compensatória, de sua
própria angústia e de sua própria agressividade interna;tudo então torna-se
persecutório e, em um movimento defensivo impulsional direto, terrivelmente
custoso e que se esgotará rapidamente, apesar dos encorajamentos excitadores de
um ideal de ego sem medidas, ele não conseguirá resistir ao ritmo esgotante de
uma "corrida terrivelmente endiabrada."
"Quando só diante de seus próprios problemas,
como no 8 ou 9 Termidor, vemo-lo
oscilar, tergiversar, perder a altivez, angustiar-se, não escolher, em contrapartida,
desde que se sinta em oposição diante de um grupo adverso, sua violência
renasce prontamente: Hebert e seus partidários, Danton, Desmoulins e seus
amigos tornam-se o centro dessa angústia, desde que ela ultrapasse o limiar do
suportável pelo consciente, do organizável pelo ego,da manutenção em
representações não demasiadamente clivadas da realidade."
"... Por outro lado, em um movimento
complementar e simultâneo, cria em si um vínculo igualmente subdelirante com a
representação interna positiva de um Ser Supremo dotado de todos os poderes,
todas as bondades e virtudes, mas que permaneceria o Ser Supremo de
Robespierre, o seu, não o dos irmãos padres (o Deus da igreja), nem o dos
irmãos revolucionários (a deusa da razão)..."
"Se
houvesse podido dispor de uma suficiente maturidade afetiva que lhe permitisse
"amar", Robespierre teria conseguido utilizar sua excepcional
inteligência e incontestável incorruptablidade não para atiçar, mediante
excessos suplementares, processos primários já bastante liberados, mas para
devolver alguma audiência ao princípio da realidade através de uma
secundarização e elaboração, que talvez tivesse evitado a posterior e
inelutável perversificação bonapartista da situação".
"Não pretendemos julgar Robespierre, mas
tentar compreender o nível de funcionamento de tais processos mentais, ao mesmo tempo mórbidos e assintomáticos que entram
incontestavelmente na patologia caracterial sob uma forma que parece ser
nitidamente psicótica, dada a importância da clivagem dos imagos e
consecutiva amputação da realidade, bem como o empobrecimento progressivo do
ego (...)"
"...Robespierre via a si mesmo, nesses anos,
como alguém que tinha uma missão em que um mundo convulsionado, onde arriscava
jogar fora aos poucos conquistas alcançadas até então pela Revolução. Ele
queria combater a corrupção sob todas as formas..."
"Ele via na virtude o eixo da vida política
republicana e na corrupção, a força destrutiva que devia ser combatida a todo
custo. A linguagem na qual ele se exprimia-assim como muitos homens políticos
de seu tempo- devia muito a Rousseau. Mas seus discursos portavam a marca
dramática de um ator que acreditava que a revolução corria perigo. Até o fim de
sua vida, ele se guiará pela ideia de que a França e a Revolução corriam grande
perigo e só o emprego de terror seria capaz de deter o processo de corrupção
que se instalava na nação..."
Eis a análise de um psicanalista. É a forma como ele analisa esse personagem histórico. Se formos verificar a infância e a adolescência de Robespierre, provavelmente não foram felizes,
principalmente pela ausência de seus pais ( a mãe morreu cedo e o pai entregou-se à bebida alcoólica, abandonando os filhos), o que pode ter realmente causado a ele
problemas significativos na esfera afetiva, problemas esses que podem ter influenciado nas
suas ações extremistas como líder revolucionário. O que, ao meu ver, não invalida certas ideias suas que eram realmente revolucionárias e em prol de melhorias sociais. Mas seus métodos foram diversas vezes cruéis. Ele com certeza devia achar que "os fins justificam os meios". Outros líderes políticos na História também pensaram assim e milhões pereceram e outros milhões sofreram na busca de realização de utopias. É possível que suas histórias de vida quando crianças e
adolescentes expliquem também determinados atos seus. Porém isto seria
motivo para outros artigos e não cabe neste momento em referência à
temática.
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Márcio José Matos Rodrigues-Psicólogo e Professor
de História
Figura: Google
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