Em comemoração ao 14 de
julho, o dia da Queda da Bastilha, fato histórico tido como um marco na chamada
Revolução Francesa, resolvi escrever este artigo. Creio que pensar a Revolução Francesa hoje em dia nos
remete a vários pensamentos como a situação de injustiça social, as amplas
desigualdades sociais, os privilégios de poucos em relação à grande maioria da
população, o parasitismo político, as práticas revolucionárias que acabam
resultando em uma violência extrema, a adoção de medidas sociais visando os
mais desfavorecidos, a desorganização administrativa em virtude de políticas
ultrapassadas clientelistas e tradicionalistas.
Houve casos revolucionários
pelo mundo que seguiram os passos dados pelo extremismo do jacobinismo francês
do século XVIII, chegando ao poder, com a manipulação das massas; perseguição sistemática de
opositores, inclusive com o extermínio generalizado de inimigos ou pretensos
inimigos e de quem se recusasse a seguir sua política; e o fim do direito de discordar. Mas deve-se reconhecer que em determinadas sociedades, após um processo revolucionário, houve a
adoção de políticas sociais que, em certo grau, procuraram reduzir
desigualdades, tentando resolver a questão agrária (mas não sem experimentar insucessos) e procurando dar um maior amparo ao povo em
relação à saúde, à Educação e ao emprego, embora instituindo um Estado totalitário, o que nos deve levar à reflexão de é preciso ter novas alternativas, porque caminhos rumo a ditaduras (mesmo as ditas do proletariado) é melhor que sejam evitados.
Certos autores, como Le Bon,
mencionaram atitudes radicais tomadas durante a Revolução Francesa que se
assemelhavam a atos místicos que visavam uma imposição de ideias e de modelos
considerados ideais que se pretendia exportar para fora da França. Tocqueville,
um famoso pensador de tendência liberal-conservadora também fez suas críticas: "Como
parecia aspirar mais ainda à regeneração do gênero humano que à reforma da
França, acendeu uma paixão que as revoluções políticas as mais violentas jamais
conseguiram produzir até então. Inspirou o proselitismo e gerou a propaganda. Foi
assim que pegou este ar de revolução religiosa que tanto apavorou os
contemporâneos, ou melhor, tornou-se ela própria uma espécie de nova religião,
uma religião imperfeita, é verdade, sem Deus, sem culto, sem Além, mas que,
todavia, como o islamismo, inundou toda a terra com seus soldados, apóstolos e mártires."
Creio que podemos pensar (claro
que estabelecendo as devidas diferenças), ao lembrar da situação que levou à Revolução
Francesa, na questão que abrange países com contradições sociais profundas,
como o nosso país, com categorias políticas tendo privilégios exagerados, uma
distribuição de renda ainda muita injusta, com considerável violência urbana e
rural provocada por um sistema que não tem sido suficientemente capaz de realizar reformas
sociais voltadas verdadeiramente para os mais pobres e sem valorizar como deveria os que
se empenham no trabalho, existindo corrupção disseminada, havendo práticas populistas atrasadas e
com uma política rural que ainda favorece muito os grandes proprietários.
A Revolução Francesa, apesar
dos graves excessos de violências, do autoritarismo e intolerância do período jacobino (que apesar de suas falhas, implantou medidas em prol dos mais pobres), deu contribuições para as sociedades, como a difusão de ideias liberais pela Europa
e América, a contestação ao Absolutismo e às práticas feudais, a adoção de um novo
sistema de pesos e medidas etc.
Vou relatar a seguir o que
levou a essa revolução e como ela aconteceu.
A França era ainda um país
agrário no final do século XVIII. Novas técnicas de cultivo e novos produtos
melhoraram a alimentação e a população aumentou, ficando em torno de 25 a 28
milhões e desses cerca de 20 milhões viviam no campo. A sociedade estava
baseada em estamentos, mas já se percebia uma divisão de classes.
O Clero tinha cerca de 120.000
religiosos, dividido em alto clero (arcebispos, bispos e abades com nível de
nobreza) e baixo clero (padres e vigários de baixa condição econômica) e era o
Primeiro Estado.
A nobreza constituía o
Segundo Estado, com 350.000 membros, sendo que uma aristocracia palaciana vivia
de pensões reais e exerciam cargos públicos, enquanto os provinciais viviam no
campo. A nobreza de toga era constituída de gente oriunda da burguesia e
comprava seus títulos.
Mais de 90% da população
formava o Terceiro Estado: alta burguesia (banqueiros, financistas e grandes
empresários); média burguesia, formada por profissionais liberais; a pequena
burguesia formada por artesãos e lojistas; e a maioria do povo, constituída por
uma camada heterogênea de trabalhadores e camponeses. Entre esses havia ainda
aproximadamente 4 milhões de servos.
O Terceiro Estado tinha de
pagar impostos e contribuições para o rei, o clero e a nobreza. Os
privilegiados tinham isenção tributária. A principal reivindicação desse Estado
era a abolição dos privilégios e que fosse instalada a igualdade civil.
O rei monopolizava a
administração; concedia privilégios; tinha desperdícios com luxo; controlava
tribunais etc. O seu poder era um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo.O Estado francês tinha
sérias dificuldades em captar com eficácia os impostos, cobrados por
arrecadadores particulares. O orçamento tinha frequentes déficits. Quando
estourou a revolução, a dívida externa chegava a 5 bilhões de libras, mas o
meio circulante não passava da metade. Havia denúncias dessa situação pelos
iluministas. A realidade era propícia a uma revolução, porém faltava uma
conjuntura favorável para precipitar a revolução.
Em 1786, um tratado com a
Inglaterra foi muito desfavorável à indústria francesa e beneficiava a
indústria inglesa. Também houve em 1788 uma grave seca que provocou uma redução
da produção de alimentos. Os preços desses subiram causando fome entre os mais
pobres no campo e nas cidades. Para piorar a situação, as finanças do reino
estavam prejudicadas pelo apoio aos colonos americanos que lutaram contra a
Inglaterra numa guerra entre 1775 e 1783 e formaram os Estados Unidos. Esse
apoio custou à França 2 bilhões de libras.
Diante de seríssima situação
financeira, o rei Luís XVI chamou o ministro Turgot para achar uma solução. Ele
tentou fazer uma reforma tributária na qual o Primeiro e o Terceiro Estado
teriam de pagar impostos, mas os nobres reagiram e ele se demitiu. O outro
ministro, Calonne, convocou a Assembleia dos Notáveis, composta por nobres e
clérigos em 1787. O ministro fez a proposta de que os dois Estados pagassem
impostos. Mas os representantes do Clero e da Nobreza recusaram. Então, o novo
ministro, Necker, sugeriu ao rei a convocação da Assembleia dos Estados Gerais
para se achar uma solução. As eleições para a Assembleia, em abril de 1789,
coincidiu com revoltas geradas pela colheita péssima desse ano. Houve agitação
no grupo dos sans-cullotes (pessoas pobres das cidades) que foi instigado por panfletos.
Em maio de 1789, os Estados
Gerais se reuniram no Palácio de Versalhes. O Terceiro Estado foi avisado de
que os projetos seriam votados em separado, por Estado, o que daria a vitória
ao Clero e à Nobreza por 2 a 1. O Terceiro Estado se recusou a aceitar e propôs
votação por cabeça, porque tinha 578 deputados contra 270 da Nobreza e 291 do
Clero. E ainda tinha o apoio de 90 deputados da nobreza esclarecida e 200 do
baixo clero.
Em 17 de junho, o Terceiro
Estado reuniu-se e se considerou Assembleia Nacional. O rei dissolveu a
reunião. Os deputados do Terceiro Estado foram para a sala de Jogo da Péla,
onde tiveram adesão de deputados do Clero e de nobres com ideias iluministas. O
rei então aceitou a Assembleia Nacional.
Em 9 de julho a Assembleia
proclamou-se Assembleia Nacional Constituinte e em 13 de julho é formada por
ela a milícia de Paris, uma organização militar-popular. E então, em 14 de
Julho membros da população de Paris tomam a fortaleza da Bastilha que era uma
prisão. A explosão revolucionária espalha-se por outras partes do país, com
grande violência no campo. É o Grande
Medo.
Os deputados da Assembleia
em reunião decidem em 4 de agosto a aprovação da abolição dos direitos feudais;
são suprimidas as obrigações devidas pelos camponeses e ao rei e as devidas aos
nobres deverão ser pagas em dinheiro. E em 26 de agosto os deputados aprovam a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de inspiração iluminista, que
defende o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à inviolabilidade da
propriedade e o direito de resistir à opressão. Na sessão que discutiu o poder
de veto pelo rei, os aristocratas à favor do rei sentaram-se à direita e os
democratas à esquerda.
Houve a recusa real em
assinar a Declaração de Direitos e a massa parisiense revoltou-se devido
principalmente ao alto preço de alimentos. Diversas mulheres de Paris
participaram na Marcha das Mulheres sobre Versalhes. Foram as jornadas de outubro. O Palácio de
Versalhes foi invadido e o rei passou a morar no Palácio das Tulherias, em
Paris.
Com a aprovação da
Constituição Civil do Clero, em 1790, ficou estabelecido que os bens
eclesiásticos seriam confiscados para servir de lastro à emissão dos assignats (bônus do Estado) e os padres
seriam funcionários do Estado. Muitos juraram fidelidade à Revolução, não
obedecendo a orientação papal e outros se recusaram, os refratários. Alguns desses passaram a insuflar rebeliões contra a
Revolução em certas províncias.
Na Constituição de 1791 o
poder Executivo ficaria com o rei e o Legislativo à Assembleia, que passou a
ser chamada Assembleia Legislativa. O trono continuaria hereditário e os
deputados teriam mandato de dois anos. Os juízes teriam de ser escolhidos entre
advogados. Os eleitores teriam de ter um mínimo de riqueza. O feudalismo foi
abolido e suprimidos os privilégios e as antigas ordens sociais, sendo
proclamada a igualdade civil. Foi mantida a escravidão nas colônias. Foi
instaurada a liberdade de produção e de comércio, afastando a interferência do
Estado e proibindo as greves dos trabalhadores. Foram criados três poderes:
Legislativo, Executivo e Judiciário. Satisfeita com realizações que envolviam a
igualdade perante a lei, a ideia das carreiras abertas ao talento, Constituição
escrita, governo parlamentar- a burguesia não queria que a Revolução avançasse
mais.
Luís XVI, estando em contato
com outros soberanos, tentou fugir e foi descoberto, em julho de 1791, sendo
mandado de volta ao palácio e mantido sob vigilância. Com receio de que os
ideais revolucionários se espalhassem pela Europa, as potências estrangeiras
uniram-se contra a França revolucionária.
Surgiram grupos dentro da Assembleia.
Os girondinos representavam a alta burguesia, defendiam as posições
conquistadas e procuravam evitar a ascensão dos sans-cullotes. Os jacobinos,
representavam a pequena e média burguesia, sendo o partido mais radical, sob a
liderança de Robespierre, que se apoiava nos sans-cullotes. Havia ainda os cordeliers, mais ao centro e os
feuillants, à direita.
Exércitos de austríacos e
prussianos com apoio secreto de Luís XVI, invadiram a França. Nobres foram
considerados traidores. A massa parisiense atacou aristocratas nas prisões no massacre de setembro.
Em 20 de setembro de 1792
austríacos e prussianos foram vencidos pelos franceses em Valmy e à noite foi
proclamada a República, sendo que o rei foi considerado suspeito de traição.
Foi dissolvida a Assembleia Legislativa e formada a Convenção Nacional, que
deveria preparar uma nova Constituição. Os jacobinos acabaram tomando o poder e
afastando os girondinos.
O rei, apesar de defendido
pelos girondinos, foi considerado culpado de traição e guilhotinado em 21 de
janeiro de 1793. Uma nova representação nesse ano tomou posse, eleita por
sufrágio universal masculino. Em março desse ano uma grande coligação formada
por Inglaterra, Império Austríaco, Prússia, Holanda, Espanha, Portugal e Rússia
se formou contra a França. A Convenção convocou milhares de franceses para o
Exército. No entanto, na região que chamavam de Vendeia, houve resistência ao
alistamento obrigatório e padres se aproveitaram da insatisfação popular para
atacar os revolucionários. Tropas do governo devastaram a região, havendo massacres
de milhares de mulheres e crianças.
A Convenção criou
instituições em defesa da República: Comitê de Salvação Pública (controle do
Exército); Comitê de Segurança Nacional (Segurança Interna); Tribunal
Revolucionário (para julgar os contrarrevolucionários). A Convenção e os
principais comitês estavam dominados pelos jacobinos, que começam a perseguir
os adversários. Muitos girondinos são guilhotinados. É o período do Terror, que se estenderia de junho de
1793 a julho de 1794.
Os indulgentes de Danton
protestaram e pediam o fim das perseguições e os adeptos de Hebert, pregavam
mais violência. Diante da pressão popular, Robespierre fez concessões: tabelou
preços, perseguiu especuladores, criou mais impostos sobre os ricos; pobres,
velhos e desamparados ficaram protegidos por leis especiais; manufaturas
públicas foram criadas para produzir armamentos e roupas; a instrução tornou-se
obrigatória e bens de nobres emigrados foram vendidos para cobrir despesas do
Estado. O Tribunal Revolucionário prendeu mais de 300.000 pessoas, condenando à
morte mais de 17.000 (há autores que dizem que pode ter sido por volta de 35.000). Muitos morriam nas prisões esperando julgamento. Foi
criado pelos jacobinos o culto público ao "Ser Supremo".
Robespierre atingiu a
própria Convenção com sua política terrorista. Promulgou a Lei dos Suspeitos,
que colocava sob suspeita qualquer pessoa que, entre outras atitudes, falasse
de modo "desrespeitoso" em relação à República e parecesse favorável
à Monarquia. Condenou Danton à morte e perseguiu os hebertistas. Mas quando o
sucesso militar afastou o perigo de invasão da França, a população passou a
desejar cada vez mais o abrandamento da repressão. Os girondinos começaram a
reagir. Sem apoio maciço dos sans-cullotes,
cujos líderes tinham sido em grande parte executados, Robespierre foi preso e
guilhotinado com outros jacobinos, em julho de 1794. A alta burguesia voltava
ao poder.
A Planície ou Pântano,
movimento constituído por elementos da alta burguesia em sua maioria, oportunistas e de duvidosa moral, que ligou-se aos
girondinos e passou a dominar a Convenção. Os clubes jacobinos foram fechados.
Foi feita uma nova Constituição, mais conservadora, que fortaleceu a
importância da propriedade privada, possibilitando aos proprietários maior
participação política, suprimiu o voto universal masculino, restabeleceu o voto
censitário (por renda) e estabeleceu um poder Executivo com 5 diretores eleitos
pelo Legislativo: o Diretório. Os deputados comporiam duas câmaras: O Conselho
dos 500 e o Conselho dos Anciãos.
Nessa nova assembleia, os
girondinos e seus aliados sentavam-se ao centro, os realistas à direita e os
jacobinos e socialistas utópicos à esquerda. Houve tentativas de golpes à
esquerda e à direita. Um dos golpes, em 1795, foi tentado pelos realistas e
sufocado por um jovem general, Napoleão Bonaparte. A recompensa a ele foi o
comando de um exército que iria combater os austríacos na Itália. Em 1796 houve
a tentativa fracassada de Babeuf de dar continuidade ao movimento radical na
"Conspiração dos Iguais".
Na época, o Exército francês
era uma instituição que estava fortalecida, por causa das vitórias contra revoltas
e contra os exércitos invasores. Os generais foram estimulados a ampliar a área
do território francês em guerras com outros países.
Em 1798 os jacobinos
venceram as eleições, mas a burguesia queria um governo forte que conduzisse a
França a uma estabilidade política. Assim, dois diretores apoiaram um golpe de
Estado que colocou Napoleão como consul, em 09 de novembro de 1799. Napoleão
assim afastava os jacobinos e consolidava o poder da burguesia. Começava o
período napoleônico que terminaria em 1815.
Cito a seguir alguns
comentários do historiador Eric Hobsbawm (1996):
"A Revolução Francesa
foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e
universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente.
(...)
Metade dos sistemas legais do mundo está baseado na codificação legal que a
Revolução implantou (...)"
"Países tão afastados
de 1789, como o Irã islâmico e fundamentalista, são Estados nacionais
territoriais estruturados no modelo trazido ao mundo pela Revolução Francesa,
junto com muito de nosso vocabulário político (...)"
"A Revolução Francesa
deu aos povos a noção de que a história pode ser mudada por sua ação. Deu-lhes
também o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada
para a política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou:
"Liberdade, igualdade, fraternidade".
O saldo de mortos na França durante a Revolução foi terrível e assim descrito por 3 autores franceses, Bluche, Riais e Tulard:
"As terríveis guerras da Revolução e do Império, de fato indissociáveis, resultaram em um saldo territorial praticamente nulo. A sangria praticada na população- cerca de 700.000 mortes resultantes de massacres e guerras entre 1789 e 1799..."
O saldo de mortos na França durante a Revolução foi terrível e assim descrito por 3 autores franceses, Bluche, Riais e Tulard:
"As terríveis guerras da Revolução e do Império, de fato indissociáveis, resultaram em um saldo territorial praticamente nulo. A sangria praticada na população- cerca de 700.000 mortes resultantes de massacres e guerras entre 1789 e 1799..."
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Márcio José Matos
Rodrigues-Professor de História
Figura: Google.
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