quarta-feira, 12 de julho de 2017

A Revolução Francesa






Em comemoração ao 14 de julho, o dia da Queda da Bastilha, fato histórico tido como um marco na chamada Revolução Francesa, resolvi escrever este artigo. Creio que  pensar a Revolução Francesa hoje em dia nos remete a vários pensamentos como a situação de injustiça social, as amplas desigualdades sociais, os privilégios de poucos em relação à grande maioria da população, o parasitismo político, as práticas revolucionárias que acabam resultando em uma violência extrema, a adoção de medidas sociais visando os mais desfavorecidos, a desorganização administrativa em virtude de políticas ultrapassadas clientelistas e tradicionalistas. 

Houve casos revolucionários pelo mundo que seguiram os passos dados pelo extremismo do jacobinismo francês do século XVIII, chegando ao poder, com a manipulação das massas; perseguição sistemática de opositores, inclusive com o extermínio generalizado de inimigos ou pretensos inimigos e de quem se recusasse a seguir sua política; e o fim do direito de discordar. Mas deve-se reconhecer que em determinadas sociedades, após um processo revolucionário, houve a adoção de políticas sociais que, em certo grau, procuraram reduzir desigualdades, tentando resolver a questão agrária (mas não sem experimentar insucessos) e procurando dar um maior amparo ao povo em relação à saúde, à Educação e ao emprego, embora instituindo um Estado totalitário, o que nos deve levar à reflexão de é preciso ter novas alternativas, porque caminhos rumo a ditaduras (mesmo as ditas do proletariado) é melhor que sejam evitados.

Certos autores, como Le Bon, mencionaram atitudes radicais tomadas durante a Revolução Francesa que se assemelhavam a atos místicos que visavam uma imposição de ideias e de modelos considerados ideais que se pretendia exportar para fora da França. Tocqueville, um famoso pensador de tendência liberal-conservadora também fez suas críticas: "Como parecia aspirar mais ainda à regeneração do gênero humano que à reforma da França, acendeu uma paixão que as revoluções políticas as mais violentas jamais conseguiram produzir até então. Inspirou o proselitismo e gerou a propaganda. Foi assim que pegou este ar de revolução religiosa que tanto apavorou os contemporâneos, ou melhor, tornou-se ela própria uma espécie de nova religião, uma religião imperfeita, é verdade, sem Deus, sem culto, sem Além, mas que, todavia, como o islamismo, inundou toda a terra com seus soldados, apóstolos e mártires."

Creio que podemos pensar (claro que estabelecendo as devidas diferenças), ao lembrar da situação que levou à Revolução Francesa, na questão que abrange países com contradições sociais profundas, como o nosso país, com categorias políticas tendo privilégios exagerados, uma distribuição de renda ainda muita injusta, com considerável violência urbana e rural provocada por um sistema que não tem sido suficientemente capaz de realizar reformas sociais voltadas verdadeiramente para os mais pobres e sem valorizar como deveria os que se empenham no trabalho, existindo corrupção disseminada, havendo práticas populistas atrasadas e com uma política rural que ainda favorece muito os grandes proprietários. 

A Revolução Francesa, apesar dos graves excessos de violências, do autoritarismo e intolerância do período jacobino (que apesar de suas falhas, implantou medidas em prol dos mais pobres), deu contribuições para as sociedades, como a difusão de ideias liberais pela Europa e América, a contestação ao Absolutismo e às práticas feudais, a adoção de um novo sistema de pesos e medidas etc. 

Vou relatar a seguir o que levou a essa revolução e como ela aconteceu. 

A França era ainda um país agrário no final do século XVIII. Novas técnicas de cultivo e novos produtos melhoraram a alimentação e a população aumentou, ficando em torno de 25 a 28 milhões e desses cerca de 20 milhões viviam no campo. A sociedade estava baseada em estamentos, mas já se percebia uma divisão de classes. 

O Clero tinha cerca de 120.000 religiosos, dividido em alto clero (arcebispos, bispos e abades com nível de nobreza) e baixo clero (padres e vigários de baixa condição econômica) e era o Primeiro Estado.   

A nobreza constituía o Segundo Estado, com 350.000 membros, sendo que uma aristocracia palaciana vivia de pensões reais e exerciam cargos públicos, enquanto os provinciais viviam no campo. A nobreza de toga era constituída de gente oriunda da burguesia e comprava seus títulos.

Mais de 90% da população formava o Terceiro Estado: alta burguesia (banqueiros, financistas e grandes empresários); média burguesia, formada por profissionais liberais; a pequena burguesia formada por artesãos e lojistas; e a maioria do povo, constituída por uma camada heterogênea de trabalhadores e camponeses. Entre esses havia ainda aproximadamente 4 milhões de servos. 

O Terceiro Estado tinha de pagar impostos e contribuições para o rei, o clero e a nobreza. Os privilegiados tinham isenção tributária. A principal reivindicação desse Estado era a abolição dos privilégios e que fosse instalada a igualdade civil.

O rei monopolizava a administração; concedia privilégios; tinha desperdícios com luxo; controlava tribunais etc. O seu poder era um obstáculo ao desenvolvimento do capitalismo.O Estado francês tinha sérias dificuldades em captar com eficácia os impostos, cobrados por arrecadadores particulares. O orçamento tinha frequentes déficits. Quando estourou a revolução, a dívida externa chegava a 5 bilhões de libras, mas o meio circulante não passava da metade. Havia denúncias dessa situação pelos iluministas. A realidade era propícia a uma revolução, porém faltava uma conjuntura favorável para precipitar a revolução.

Em 1786, um tratado com a Inglaterra foi muito desfavorável à indústria francesa e beneficiava a indústria inglesa. Também houve em 1788 uma grave seca que provocou uma redução da produção de alimentos. Os preços desses subiram causando fome entre os mais pobres no campo e nas cidades. Para piorar a situação, as finanças do reino estavam prejudicadas pelo apoio aos colonos americanos que lutaram contra a Inglaterra numa guerra entre 1775 e 1783 e formaram os Estados Unidos. Esse apoio custou à França 2 bilhões de libras. 

Diante de seríssima situação financeira, o rei Luís XVI chamou o ministro Turgot para achar uma solução. Ele tentou fazer uma reforma tributária na qual o Primeiro e o Terceiro Estado teriam de pagar impostos, mas os nobres reagiram e ele se demitiu. O outro ministro, Calonne, convocou a Assembleia dos Notáveis, composta por nobres e clérigos em 1787. O ministro fez a proposta de que os dois Estados pagassem impostos. Mas os representantes do Clero e da Nobreza recusaram. Então, o novo ministro, Necker, sugeriu ao rei a convocação da Assembleia dos Estados Gerais para se achar uma solução. As eleições para a Assembleia, em abril de 1789, coincidiu com revoltas geradas pela colheita péssima desse ano. Houve agitação no grupo dos sans-cullotes (pessoas pobres das cidades) que  foi instigado por panfletos. 

Em maio de 1789, os Estados Gerais se reuniram no Palácio de Versalhes. O Terceiro Estado foi avisado de que os projetos seriam votados em separado, por Estado, o que daria a vitória ao Clero e à Nobreza por 2 a 1. O Terceiro Estado se recusou a aceitar e propôs votação por cabeça, porque tinha 578 deputados contra 270 da Nobreza e 291 do Clero. E ainda tinha o apoio de 90 deputados da nobreza esclarecida e 200 do baixo clero.

Em 17 de junho, o Terceiro Estado reuniu-se e se considerou Assembleia Nacional. O rei dissolveu a reunião. Os deputados do Terceiro Estado foram para a sala de Jogo da Péla, onde tiveram adesão de deputados do Clero e de nobres com ideias iluministas. O rei então aceitou a Assembleia Nacional.

Em 9 de julho a Assembleia proclamou-se Assembleia Nacional Constituinte e em 13 de julho é formada por ela a milícia de Paris, uma organização militar-popular. E então, em 14 de Julho membros da população de Paris tomam a fortaleza da Bastilha que era uma prisão. A explosão revolucionária espalha-se por outras partes do país, com grande violência no campo. É o Grande Medo.

Os deputados da Assembleia em reunião decidem em 4 de agosto a aprovação da abolição dos direitos feudais; são suprimidas as obrigações devidas pelos camponeses e ao rei e as devidas aos nobres deverão ser pagas em dinheiro. E em 26 de agosto os deputados aprovam a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de inspiração iluminista, que defende o direito à liberdade, à igualdade perante a lei, à inviolabilidade da propriedade e o direito de resistir à opressão. Na sessão que discutiu o poder de veto pelo rei, os aristocratas à favor do rei sentaram-se à direita e os democratas à esquerda. 

Houve a recusa real em assinar a Declaração de Direitos e a massa parisiense revoltou-se devido principalmente ao alto preço de alimentos. Diversas mulheres de Paris participaram na Marcha das Mulheres sobre Versalhes. Foram as jornadas de outubro. O Palácio de Versalhes foi invadido e o rei passou a morar no Palácio das Tulherias, em Paris.

Com a aprovação da Constituição Civil do Clero, em 1790, ficou estabelecido que os bens eclesiásticos seriam confiscados para servir de lastro à emissão dos assignats (bônus do Estado) e os padres seriam funcionários do Estado. Muitos juraram fidelidade à Revolução, não obedecendo a orientação papal e outros se recusaram, os refratários. Alguns desses passaram a insuflar rebeliões contra a Revolução em certas províncias. 

Na Constituição de 1791 o poder Executivo ficaria com o rei e o Legislativo à Assembleia, que passou a ser chamada Assembleia Legislativa. O trono continuaria hereditário e os deputados teriam mandato de dois anos. Os juízes teriam de ser escolhidos entre advogados. Os eleitores teriam de ter um mínimo de riqueza. O feudalismo foi abolido e suprimidos os privilégios e as antigas ordens sociais, sendo proclamada a igualdade civil. Foi mantida a escravidão nas colônias. Foi instaurada a liberdade de produção e de comércio, afastando a interferência do Estado e proibindo as greves dos trabalhadores. Foram criados três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Satisfeita com realizações que envolviam a igualdade perante a lei, a ideia das carreiras abertas ao talento, Constituição escrita, governo parlamentar- a burguesia não queria que a Revolução avançasse mais. 

Luís XVI, estando em contato com outros soberanos, tentou fugir e foi descoberto, em julho de 1791, sendo mandado de volta ao palácio e mantido sob vigilância. Com receio de que os ideais revolucionários se espalhassem pela Europa, as potências estrangeiras uniram-se contra a França revolucionária.

Surgiram grupos dentro da Assembleia. Os girondinos representavam a alta burguesia, defendiam as posições conquistadas e procuravam evitar a ascensão dos sans-cullotes.  Os jacobinos, representavam a pequena e média burguesia, sendo o partido mais radical, sob a liderança de Robespierre, que se apoiava nos sans-cullotes. Havia ainda os cordeliers, mais ao centro e os feuillants, à direita. 

Exércitos de austríacos e prussianos com apoio secreto de Luís XVI, invadiram a França. Nobres foram considerados traidores. A massa parisiense atacou aristocratas nas prisões no massacre de setembro.

Em 20 de setembro de 1792 austríacos e prussianos foram vencidos pelos franceses em Valmy e à noite foi proclamada a República, sendo que o rei foi considerado suspeito de traição. Foi dissolvida a Assembleia Legislativa e formada a Convenção Nacional, que deveria preparar uma nova Constituição. Os jacobinos acabaram tomando o poder e afastando os girondinos.

O rei, apesar de defendido pelos girondinos, foi considerado culpado de traição e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Uma nova representação nesse ano tomou posse, eleita por sufrágio universal masculino. Em março desse ano uma grande coligação formada por Inglaterra, Império Austríaco, Prússia, Holanda, Espanha, Portugal e Rússia se formou contra a França. A Convenção convocou milhares de franceses para o Exército. No entanto, na região que chamavam de Vendeia, houve resistência ao alistamento obrigatório e padres se aproveitaram da insatisfação popular para atacar os revolucionários. Tropas do governo devastaram a região, havendo massacres de milhares de mulheres e crianças. 

A Convenção criou instituições em defesa da República: Comitê de Salvação Pública (controle do Exército); Comitê de Segurança Nacional (Segurança Interna); Tribunal Revolucionário (para julgar os contrarrevolucionários). A Convenção e os principais comitês estavam dominados pelos jacobinos, que começam a perseguir os adversários. Muitos girondinos são guilhotinados. É o período do Terror, que se estenderia de junho de 1793 a julho de 1794. 

Os indulgentes de Danton protestaram e pediam o fim das perseguições e os adeptos de Hebert, pregavam mais violência. Diante da pressão popular, Robespierre fez concessões: tabelou preços, perseguiu especuladores, criou mais impostos sobre os ricos; pobres, velhos e desamparados ficaram protegidos por leis especiais; manufaturas públicas foram criadas para produzir armamentos e roupas; a instrução tornou-se obrigatória e bens de nobres emigrados foram vendidos para cobrir despesas do Estado. O Tribunal Revolucionário prendeu mais de 300.000 pessoas, condenando à morte mais de 17.000 (há autores que dizem que pode ter sido por volta de 35.000). Muitos morriam nas prisões esperando julgamento. Foi criado pelos jacobinos o culto público ao "Ser Supremo". 

Robespierre atingiu a própria Convenção com sua política terrorista. Promulgou a Lei dos Suspeitos, que colocava sob suspeita qualquer pessoa que, entre outras atitudes, falasse de modo "desrespeitoso" em relação à República e parecesse favorável à Monarquia. Condenou Danton à morte e perseguiu os hebertistas. Mas quando o sucesso militar afastou o perigo de invasão da França, a população passou a desejar cada vez mais o abrandamento da repressão. Os girondinos começaram a reagir. Sem apoio maciço dos sans-cullotes, cujos líderes tinham sido em grande parte executados, Robespierre foi preso e guilhotinado com outros jacobinos, em julho de 1794. A alta burguesia voltava ao poder. 

A Planície ou Pântano, movimento constituído por elementos da alta burguesia em sua maioria,  oportunistas e de duvidosa moral, que ligou-se aos girondinos e passou a dominar a Convenção. Os clubes jacobinos foram fechados. Foi feita uma nova Constituição, mais conservadora, que fortaleceu a importância da propriedade privada, possibilitando aos proprietários maior participação política, suprimiu o voto universal masculino, restabeleceu o voto censitário (por renda) e estabeleceu um poder Executivo com 5 diretores eleitos pelo Legislativo: o Diretório. Os deputados comporiam duas câmaras: O Conselho dos 500 e o Conselho dos Anciãos. 

Nessa nova assembleia, os girondinos e seus aliados sentavam-se ao centro, os realistas à direita e os jacobinos e socialistas utópicos à esquerda. Houve tentativas de golpes à esquerda e à direita. Um dos golpes, em 1795, foi tentado pelos realistas e sufocado por um jovem general, Napoleão Bonaparte. A recompensa a ele foi o comando de um exército que iria combater os austríacos na Itália. Em 1796 houve a tentativa fracassada de Babeuf de dar continuidade ao movimento radical na "Conspiração dos Iguais". 

Na época, o Exército francês era uma instituição que estava fortalecida, por causa das vitórias contra revoltas e contra os exércitos invasores. Os generais foram estimulados a ampliar a área do território francês em guerras com outros países. 

Em 1798 os jacobinos venceram as eleições, mas a burguesia queria um governo forte que conduzisse a França a uma estabilidade política. Assim, dois diretores apoiaram um golpe de Estado que colocou Napoleão como consul, em 09 de novembro de 1799. Napoleão assim afastava os jacobinos e consolidava o poder da burguesia. Começava o período napoleônico que terminaria em 1815.

Cito a seguir alguns comentários do historiador Eric Hobsbawm (1996):

"A Revolução Francesa foi, de fato, um conjunto de acontecimentos suficientemente poderoso e universal em seu impacto para ter transformado o mundo permanentemente.
 (...) Metade dos sistemas legais do mundo está baseado na codificação legal que a Revolução implantou (...)"

"Países tão afastados de 1789, como o Irã islâmico e fundamentalista, são Estados nacionais territoriais estruturados no modelo trazido ao mundo pela Revolução Francesa, junto com muito de nosso vocabulário político (...)"

"A Revolução Francesa deu aos povos a noção de que a história pode ser mudada por sua ação. Deu-lhes também o que até hoje permanece como a mais poderosa divisa jamais formulada para a política da democracia e das pessoas comuns que ela inaugurou: "Liberdade, igualdade, fraternidade".

O saldo de mortos na França durante a Revolução foi terrível e assim descrito por 3 autores franceses, Bluche, Riais e Tulard: 

"As terríveis guerras da Revolução e do Império, de fato indissociáveis, resultaram em um saldo territorial praticamente nulo. A sangria praticada na população- cerca de 700.000 mortes resultantes de massacres e guerras entre 1789 e 1799..."
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: Google.

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