sábado, 19 de novembro de 2022

O Catar no contexto da Copa do Mundo de Futebol

  

 

 

 

 

Neste ano, no mês de novembro, teremos a Copa do Mundo de Futebol. Desta vez não será realizada no meio do ano e sim no fim, devido à questão climática do país onde ela será realizada: O Catar. Mas o que é este país chamado Catar ou Qatar? É sobre isto que irei tratar a seguir.

O Catar é um pequeno país do Oriente Médio, localizado na península Arábica, na Ásia Continental, e com uma economia forte graças à exploração de petróleo. O nome Catar vem de Qatara, que pode ter sido a cidade de Zubarah. É um emirado, pois é governado por um emir. A área territorial é de aproximada 11.610 km2  e faz fronteira com a Arábia Saudita, sendo separado do Bahrein por um estreito do Golfo Pérsico. A capital é Doha. A língua oficial é o árabe, havendo destaque para o idioma inglês e existam mais de 230 línguas faladas no país, o governo é uma monarquia absolutista e ao mesmo tempo constitucional. A religião predominante é o Islamismo. O emir atual é Tamim Bin Hamad AL-Thani.  A dinastia no poder está reinando desde 1825, embora o país não fosse independente no século XIX. Os membros da família AL-Thani e grupos a ela ligados controlam as posições mais importantes do Catar. Durante a fase de protetorado da Inglaterra e antes de ser um dos grandes produtores de petróleo, o Catar tinha uma economia que tinha como base a extração de pérolas e o comércio marítimo.

Dos cerca de 2.800.000 habitantes, aproximadamente 75% deles são estrangeiros, com a maior comunidade estrangeira sendo a dos indianos, sendo também bem representativas as comunidades dos filipinos, nepalenses, paquistaneses, vindo outras menores em seguida, inclusive de brasileiros. Há uma estimativa de que perto de 90% da população viva em cidades. E no país há cerca de 3 homens para cada mulher. As políticas públicas para saúde e educação são consideradas muito boas. Os que são cidadãos do país não pagam impostos.

Em 1320 o Reino de Ormuz conquistou parte da Arábia Oriental. Em 1514 o Reino de Portugal passou a controlar territórios na Arábia e Ormuz tornou-se um reino vassalo. Em 1550 os turcos otomanos passaram a exercer influência na região, mas foram expulsos em 1670 por uma das tribos árabes. Em 1871 o governante tribal Al-Thani se submeteu ao Império Turco. Durante a I Guerra Mundial houve revoltas árabes na região contra os turcos otomanos e em 1915 os otomanos deixaram Doha. O Catar tornou-se um protetorado britânico em 1916. Em 1939 foram descobertas as reservas de petróleo, mas devido à Segunda Guerra Mundial, só passaram a ser exploradas intensivamente a partir da década de 1950 e o petróleo passou a substituir as pérolas como principal riqueza do Catar. Em 1968 o Catar se reuniu ao Bahrein e outros Estados em uma federação que reivindicava a separação em relação ao Império Britânico. Mas o Catar depois saiu da coalizão e em 3 de setembro de 1971 conseguiu sua independência.

O Catar apoiou a aliança de países que se uniram contra as forças iraquianas na Guerra do Golfo em 1991, permitindo operações das forças aéreas dos Estados Unidos e França a partir de seu território e tendo apoiado a Guarda Nacional da Arábia Saudita contra o Exército Iraquiano.

Doha, localizada no leste, foi fundada nos anos de 1820 e em 1971 foi declarada a capital do Catar. Hoje em dia tem mais de 1,5 milhão de habitantes, sendo a maioria deles estrangeiros. Há construções monumentais na cidade, formando paisagens fantásticas. Houve um enorme desenvolvimento tecnológico e a Rede de Pesquisa de Globalização e Cidades Mundiais considera Doha uma cidade mundial.  Em 2005 foi realizada nesta cidade a a 3ª Edição dos Jogos da Ásia Ocidental, em 2005; os Jogos Asiáticos de 2006; os Jogos Pan Arábicos, em 2011; o Campeonato Mundial de Squash, em 2012; o Campeonato Mundial de Natação em Piscina Curta, em 2014.

Foi em 1974 que a economia do Catar iniciou sua expansão com a empresa Qatar Petroleum e o país tornou-se um dos mais ricos do mundo, com grande exportação de petróleo e gás natural. Os valores correspondentes às exportações são superiores aos das importações. Além do gás e petróleo bruto, também há exportações de petrolíferos refinados e polímeros de etileno. Os países que mais compram os produtos do Catar são a China, Coreia do Sul, Japão e Índia. O Catar compra principalmente aviões, carros, helicópteros e turbinas a gás de nações como Reino Unido, França, Alemanha e China. Em relação ao PIB per capita, o Catar é o país mais rico do mundo.

A escolha do Catar de sediar a Copa de 2022 foi criticada, com acusações de que o governo deste país estaria envolvido em pagamento para a FIFA para que a copa fosse para lá. Mas nada foi provado. Devido às altas temperaturas que costumam deixar o país bem quente, a Copa do Mundo foi marcada para ser realizada entre os dias 21 de novembro de 18 de dezembro, época em que a temperatura é menos quente.

Sem tradições no futebol, a seleção do Catar no entanto saiu-se bem na Copa da Ásia em 2019 e na ocasião ganhou o título.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a  renda per capita no Catar é de aproximadamente US$ 124 mil e o Produto Interno Bruto foi de 166 bilhões de dólares em 2017. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Catar é muito alto.

A política exterior do Catar tem vários aspectos. Por um lado permite a permanência de uma base militar conjunta entre Estados Unidos e Grã-Bretanha. Por outro lado, também permitiu que o Talibã tenha um cargo político no interior do país e se tem um acordo de coperação de defesa com a Arábia Saudita e tem com ela um grande campo de gás também tem laços com o Irã, possuindo junto com este país um campo de gás. Há pactos de defesa assinados com os Estados Unidos, Reino Unido e França.

Na Constituição do Catar é muito forte a influência da Xaria, legislação islâmica. Há casos em tribunais da família, com base na Xaria, nos quais o testemunho de uma mulher vale metade de um testemunho de um homem ou nem é aceito. Para os homens é permitida a poligamia islâmica. As penas são duras para casos de adultério das mulheres, uso de bebidas alcóolicas e relações homossexuais. O consumo de álcool só é permitido em hoteis de luxo para estrangeiros não muçulmanos. Os estrangeiros também são advertidos a não usar roupas curtas ou apertadas em público. Mesmo não havendo igualdade em muitos aspectos sociais entre homens e mulheres, estas tem se destacado no movimento da literatura moderna com uma importância semelhante à dos homens.

Embora os cristão tenham tido autorização para construir igrejas, a atividade missionária não é permitida. Hindus e budistas não receberam permissão para construir templos. Não há autorização para funcionamento de partidos políticos. As eleições parlamentares prometidas para 2005 foram adiadas e não foram ainda realizadas. O emir pode nomear e destituir o primeiro-ministro e ministros, que, juntos, compõem o Conselho de Ministros.

Em relação aos direitos humanos e trabalhistas dos trabalhadores estrangeiros, o governo do Catar tem sido muito criticado. Já houve casos de espancamentos de empregados, retenção de pagamentos, restrições à liberdade de movimento, detenção arbitrária e agressão sexual. Há também denúncias de que agenciadores que recrutam migrantes para trabalhar no Catar tem exigido taxas altíssimas para os trabalhadores. Embora a pena de morte conste na legislação, desde 2003 não tem havido execução de condenados pela Justiça. A Confederação Sindical Internacional tem acusado o sistema que controla o trabalho no Catar de permitir o trabalho forçado. Também não tem existido padrões salariais para os trabalhadores imigrantes. O governo do Catar tem afirmado estar disposto a tomar algumas providências como a permissão de um sindicato independente.

Os governos de Índia, Bangladesh, Nepal e Sri Lanka denunciaram que de 2011 a 2020 houve cerca de 5.927 mortes de trabalhadores desses países por causa das condições a que foram submetidos no trabalho. Também houve denúncias por parte da embaixada do Paquistão a respeito de 824 trabalhadores paquistaneses entre 2010 e 2020. E há também trabalhadores mortos por causa dessa situação de outros países como Filipinas e Quênia em 2020.  Em 2021 houve repressão a uma equipe de reportagem da Noruega que investigava as condições de trabalhadores imigrantes no Catar. As gravações da equipe foram apagadas pela polícia. Há denúncias também de que há discriminação em relação aos salários conforme a nacionalidade e cor da pele.  

Há questionamentos de habitantes originais do Catar a respeito das mudanças que tem acontecido nas últimas décadas. Em entrevistas para a BBC há alguns depoimentos.

Segundo disse Kaltham Al Ghanim, professor de sociologia da Universidade de Catar: "Nos tornamos (um país) urbano"... "Nossa vida social e econômica mudou - famílias se separaram e a cultura de consumo tomou conta".

Umm Khalaf, uma catari de 60 anos disse: "Éramos auto-suficientes. É doloroso perder aquela intimidade que existia na família”.

O fazendeiro Ali al-Jehani disse: "Antes, você podia ficar rico se trabalhasse e, se não trabalhasse, não ficava. Era muito melhor".... "O governo está tentando ajudar mas as coisas estão acontecendo rápido demais".

E concluindo este artigo, desejando sucesso à seleção brasileira, mas lamentando a situação trabalhista de muitos migrantes estrangeiros e os casos de desrespeitos aos direitos humanos denunciados pela mídia internacional, deixo a citação de trechos do Jornal da USP no AR:

“(...)Violação dos direitos humanos

Os protestos e a possibilidade de boicote são motivados por denúncias da Anistia Internacional, que acusa o Catar de violar os direitos humanos nas obras para a Copa. Além da baixa remuneração, os trabalhadores vivem em alojamentos precários e superlotados, em regimes de trabalho excessivo dentro de um país que registra temperaturas de 50ºC no verão. Esses são apontados como os principais motivos pela morte de cerca de 6,5 mil pessoas desde o início das construções. Justamente pelas temperaturas elevadas, o mundial será disputado durante o inverno no país, em novembro de 2022, e não em junho, como ocorre normalmente.

Tanto a Fifa quanto o Catar contestam o número de mortos e ressaltam as mudanças feitas nas leis trabalhistas. A partir dessas mudanças, foi estabelecido um salário-mínimo com ajuda de custo e melhorias estruturais nos alojamentos e canteiros de obras. Também está estabelecida a possibilidade de os trabalhadores, a maioria estrangeiros indianos e bengalis, se demitirem, o que antes só era possível com a autorização do patrão. A Anistia Internacional ainda questiona o cumprimento das leis adotadas.

Almeida acredita que o número de mortos deve ser relativizado e não analisado de maneira fria. “Meu ponto de vista seria de pensar todo o ataque às instituições que a Fifa promove, como, por exemplo, os locais onde as pessoas são desalojadas, as ações policiais um tanto quanto truculentas e ações em morros e periferias, promovendo uma gentrificação”, afirma. 

“Pegar o número de trabalhadores mortos e fazer uma comparação de nove [no Brasil] e 6,5 mil [no Catar] tem que ser colocado entre aspas, para fazer uma análise mais ampla de como é a Fifa dentro de um Estado nacional.” Para o professor, o processo de urbanização forçado, a não melhoria das condições de vida após o evento e a limpeza étnico-racial promovida pelos países são aspectos que devem ser considerados.

 

 Copa do Mundo: um produto à venda

Almeida afirma que a Copa do Mundo é um produto comercializado pela Fifa. “Para vender esse produto, está a ideia de soft power, isto é, a nação que recebe o evento vai estar no holofote do mundo e vai ter a possibilidade de constituir parceiros políticos e econômicos.” A ênfase da Copa está no consumo do espetáculo esportivo, das marcas patrocinadoras e dos turistas.

O professor utiliza o conceito de soft power, de Joseph Nye Jr., para analisar os interesses dos países em sediar o evento. A partir desse conceito, o país promove valores culturais e políticos para exercer sua influência, sem a necessidade de impor a força militar. “A relação diplomática nesses eventos é muito grande, dada a presença dos chefes de Estado nos jogos de suas seleções”, afirma. Segundo Almeida, os interesses do Catar envolvem a abertura para os países do Ocidente, o fortalecimento da relação com o Oriente Médio e uma ideia de transformação da visão ocidental sobre os povos árabes.

Na análise do professor, há um certo incômodo das nações islâmicas, que enxergam a mercantilização da religião por parte do Catar, o que pode interferir na relação com esses países. Em relação ao Ocidente, o Catar abre as portas para novas parcerias comerciais e diplomáticas e para o investimento econômico. Para Almeida, entretanto, casos como as denúncias de trabalho análogo à escravidão e violação dos direitos humanos podem atrapalhar a imagem e os interesses do país. “Há um incômodo mundial, entre os países desenvolvidos, sobre esse aspecto”, afirma."

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+do+mapa+do+catar&sxsrf=ALiCzsbZ0kd5FVGGt5zyDuwRcnabPzMStA%3A1668902739740&ei=U295Y7vgLIrU1sQPmMad0AE&ved

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