quarta-feira, 29 de março de 2023

O compositor e humorista brasileiro Juca Chaves

 







No dia 26 de março de 2023 faleceu o compositor, músico, crítico e humorista brasileiro Juca Chaves, aos 84 anos, em Salvador, Bahia. Ele estava estava internado no hospital São Rafael, na capital baiana. Sua morte, segundo médicos do hospital, aconteceu devido à complicações de problemas respiratórios"

Jurandyr Czaczkes Chaves (“Juca Chaves) , nasceu em 22 de outubro de 1938, no Rio de Janeiro. Há muitos anos vivia em Salvador, no bairro de Itapuã. Ele era conhecido como "O Menestrel Maldito”, como o chamou o poeta Vinicius de Moraes. Seu pai era o judeu austríaco Josef Czaczkes, que resolveu acrescentar o sobrenome Chaves. A mãe era Clarita Wainstein, filha de um judeu da Lituânia.

Juca Chaves formou-se em música erudita. Nos anos 50 do século XX sua carreira artística teve início tocando modinhas e torvas em estilo suave.

Na década de 60 perto da Lagoa Rodrigo de Freitas ele montou um circo e lá foi apresentado o show Menestrel Maldito. Ele deu o nome de Sdruws ao seu circo. S de "snob", D de "divino Dener”, R de "ralé", U de "uanderful", W de "water-closet", S de "Sdruws”.

Juca criticava o Regime Militar, a grande imprensa e o mercado fonográfico. Teve de sair do Brasil. Foi para Portugal, de onde teve de partir pois criticou com sátiras o regime do país. Foi então para a Itália.

Quando retornou ao Brasil passou a se apresentar em programas de televisão e criou a Sdruws Records, uma gravadora independente. Chamava o público com bordões, um deles, bem conhecido era "Vá ao meu show e ajude o Juquinha a comprar o seu caviar".

Ele compôs músicas como"Caixinha, Obrigado", "A Cúmplice", "Menina", "Que Saudade", "Por Quem Sonha Ana Maria", "Presidente Bossa Nova" e "Take me Back to Piauí".

Juca Chaves era casado com Yara Chaves desde 1975 e tinha duas filhas adotivas. Ele candidatou-se a senador pelo PSDC na Bahia. Não conseguiu ser eleito. Sua campanha era baseada em propagandas por meio de poesias. Ele comentou: "Os políticos brasileiros são todos iguais, falam as mesmas coisas, fazem as mesmas promessas, têm os mesmos defeitos. Então, serei o diferencial, não fazendo discursos. Em todos os programas e debates só vou cantar sátiras políticas". Era um torcedor fanático pelo São Paulo e gravou uma marchinha para seu time.

Segundo Gustavo Zeitel e Henrique Artuni no caderno Você, do “Diário do Pará”: “(...) Unindo humor à música, Chaves se notabilizou por incomodar, nos anos 1960, a ditadura com suas modinhas e trovas...” E ainda: “... Exilado do Brasil na década de 1970, o artista foi morar em Portugal, onde também desagradou o regime político da época (...)”

Segundo notícia publicada em “O Liberal”: “(...) Juca era casado, desde 1975, com Yara Chaves, com quem vivia na capital baiana. Ele deixa duas filhas: Maria Morena e Maria Clara...”

 Frases de Juca Chaves:

“Confesso à vocês que não sou nenhum gênio,
intérprete, cantor ou coisa que o valha; Até como diriam umas antigas namoradinhas eu era um ''razoável comicozinho''!”

“A imprensa é muito séria, se você pagar eles até publicam a verdade”.


Letras de Música


O Brasil Já Vai À Guerra

 

Brasil já vai a guerra, comprou um porta-avioes
Um viva pra Inglaterra de oitenta e dois bilhões
Ahhhh! Mas que ladrões

Comenta o zé povinho,
Governo varonil,
Coitado coitadinho,
Do banco do brasil
Há há, quase faliu...

Emquanto os idiotas
Aplaudem a medida
O povo sem comida
Escutam as tais lorotas
Dos patriotas

A classe proletária
Na certa comeria
Com a verba gasta diaria
Em tal quinquilharia
Sem serventia...


 

Nasal Sensual

 

Nariz, ai meu nariz,
Como falam mal deste nasal que é tão normal,
Ouço diariamente muita gente infeliz,
Dizer que ele é maior do que a miséria do país,
E que ele é maior ainda que o Pelé,
Dizem até que é maior que o busto da Lolô,
Maior ainda que o sorriso do Nonô.

Nariz, ai meu nariz,
Vende-se este apêndice ou então se dá de graça,
Pedùnculo antiestético, grosseira massa,
Que nada tem de belo ou de poético,
E é uma desgraça o dito cujo narigão,
Ao qual só há uma solução, que é drástica,
Preciso urgentemente de uma plástica


Sugestão para assistir:

Juca Chaves - Ninguém Segura Esse Nariz - 1974

 https://www.youtube.com/watch?v=zG7KeKm9wnI

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    Márcio José Matos Rodrigues

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+juca+chaves&sxsrf=APwXEdcfjKhtsZ5_e-1bGD4JnkUxRx1ctQ%3A1680147824636&source=hp&ei





quarta-feira, 22 de março de 2023

O Dia da Água e a contaminação de rios amazônicos por mercúrio

 





Dia 22 de março é comemorado o Dia da Água.  Infelizmente há ainda tanto desperdício e tanta poluição de oceanos, rios, lagos, fontes. Algo que tem me preocupado envolvendo a questão da água é a enorme contaminação por mercúrio de rios amazônicos por causa do garimpo ilegal.

Segundo estudos da organização internacional Greenpeace, entre 2016 e 2021 foram destruídos cerca de 700 quilômetros de rios por garimpo ilegal dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, representando em poucos anos um aumento tremendo na extensão de rios destruídos nestes territórios.

Na década de 80 do século passado, houve a  primeira invasão garimpeira do território Yanomani, com consequências terríveis para esse povo. Devido a ações de garimpeiros, aconteceu destruição do leito de rios e contaminações por mercúrio e óleo diesel, assim como diversas violências.

Conforme recentes informações do Instituto Socioambiental (ISA), o garimpo já impactou mais de 44 mil hectares do interior da Terra Indígena, com impactos muito destrutivos,  afetando mais de 56% da população Yanomami, que tem sofrido com aumento dos casos de malária, a violência e contaminação dos rios.

Segundo Evandro Almeida Júnior em seu artigo "Mercúrio contamina a natureza por tempo indeterminado", de 16 de fevereiro de 2023:

“A atual crise vivida pelos yanomami evidenciou os impactos do garimpo ilegal sobre o povo indígena. Estima-se que mais de 20 mil invasores tenham se acumulado no território yanomamii nos últimos anos, trazendo consigo violência, doenças e mortes.

Os garimpeiros utilizam mercúrio líquido para encontrar ouro no sedimento escavado dos rios da Amazônia. O depósito desse mercúrio no ambiente natural polui as áreas normalmente utilizadas pelos yanomami para caçar, pescar e colher, além de resultar na devastação de amplas regiões de floresta.

A DW ouviu Rodrigo Castro, doutor em ecologia e recursos naturais, sobre o impacto do derramamento de mercúrio no meio ambiente e em populações indígenas. Membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor da Fundação Solidaridad no Brasil, ele explica que o metal fica na natureza por tempo indeterminado.

"Para combater a contaminação, se não for 'direto na fonte' — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar", afirma.

O especialista aponta que o efeito do metal no corpo humano é "devastador". "O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. Em casos extremos, tem levado à morte."

 DW: Quão prejudicial é a poluição de mercúrio nos rios?

Rodrigo Castro: O mercúrio é altamente tóxico e afeta o metabolismo humano de forma severa. Ele ataca o sistema nervoso, afeta o sistema motor e todos os órgãos internos. Nos rins e pulmões, seu impacto é devastador.

No caso dos indígenas yanomami, o garimpo clandestino fez com que a contaminação aumentasse nos últimos anos. O processo para encontrar ouro ocorre nas margens de rios, e o mercúrio usado na extração é despejado nelas. 

Até onde essa contaminação pode chegar?

Esses rios onde garimpeiros despejam mercúrio são afluentes de outros rios maiores, e em algum momento isso também pode chegar ao mar. Esse mercúrio vai para rios maiores, caudalosos, e deixa um rastro de poluição pelo caminho. O resultado é devastador, e o grau de contaminação, gravíssimo.

Ainda segundo Rodrigo Castro: "Tem que proibir e combater de imediato os garimpos ilegais, com toda a força disponível"

Por quanto tempo o mercúrio fica no leito do rio e em sua extensão?

Quando o mercúrio entra na cadeia alimentar do rio, ele fica ali por tempo indeterminado. Ele segue na natureza e vai se acumulando nos organismos dos animais. Por exemplo, peixes menores acabam consumindo o elemento químico, que se acumula em seus organismos. Sucessivamente, peixes maiores, também se contaminam. O mercúrio fica no ambiente até que esses animais estejam lá. Por isso, para combater a contaminação, se não for "direto na fonte" — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar.

Como o mercúrio entra e age no corpo humano?

A partir de ingestão de água ou peixe contaminado já há sintomas leves. A alimentação dos indígenas depende da pesca e da água dos rios. Por isso, essa população é duplamente vulnerável.

O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. O metal causa tremores e, em casos extremos, tem levado à morte.

Quando o mercúrio entra no sangue das crianças, o efeito é avassalador, com a concentração do metal gerando um impacto muito maior do que em adultos. Elas são menores, estão em fase de desenvolvimento. Após a contaminação, seu crescimento ósseo e físico e seus órgãos ficam comprometidos, e elas não se desenvolvem normalmente.

Um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Socioambiental (ISA) realizado na reserva yanomami, em Roraima, confirmou o alto grau de contaminação. O levantamento, feito em 2016, mostrou que em algumas aldeias mais de 92% da população estava contaminada por mercúrio.

A atual crise yanomami evidencia como o povo foi tratado. O apoio de órgãos de saúde foi reduzido ou descontinuado, e o resultado foi o agravamento do envenenamento da população indígena.

Existem ações que podem ser adotadas de imediato para conter a contaminação?

Tem que proibir e combater de imediato os garimpos, com toda a força disponível. A omissão, o apoio e o incentivo à ilegalidade levou a esse quadro que vivemos hoje.

A grilagem de terra não foi combatida fortemente nos últimos quatro anos, e isso contribuiu para que os garimpos crescessem no território amazônico, numa situação descontrolada e desorganizada. Não só a grilagem e o garimpo, mas também o comércio ilegal de madeira cresceu. Esse conjunto de atividades ilegais tem afetado e muito o meio ambiente, e o impacto social ficou muito visível [com a crise yanomami].

É difícil reverter a calamidade causada. Só no caso da Terra Indígena Yanomami, são mais de 90 mil km² de área. É um território gigantesco, com 300 aldeias e 27 mil indígenas, por isso é essencial o acompanhamento remoto por satélite — que já está implantado. O governo federal tem as ferramentas necessárias para o monitoramento.

É um desafio permanente. Tem que acabar com a ocupação ilegal de todas as terras indígenas, principalmente quando ela ocorre devido à mineração.”

Segundo Yara Ramalho, Valéria Oliveira, Marcelo Marques e Luciano Abreu  em g1 RR e Rede Amazônica- Boa Vista em 06/06/2022:

“Um laudo da Polícia Federal sobre contaminação dos rios na Terra Indígena Yanomami, maior reserva do Brasil, revelou que quatros rios da região tem alta contaminação por mercúrio: 8600% superior ao estipulado como máximo para águas de consumo humano.

Foram analisadas amostras das águas correntes dos rios Couto de MagalhãesCatrimaniParima e Uraricoera, próximos a garimpos ilegais onde os invasores usam produtos nocivos à natureza, principalmente o mercúrio, durante a extração de minérios.

Em relação às águas que podem ser destinadas para irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas, forrageiras, a pesca amadora e a navegação, as amostras apresentaram um teor de mercúrio de 860% nas amostras.”

O procurador da República que atua no Ministério Público Federal (MPF) em Roraima, Matheus de Andrade Bueno disse sobre a questão na Terra Yanomami:

"Ela têm sido atingida de forma gravíssima pelo garimpo. E, coincidentemente, nessas áreas estão sendo detectadas presenças superiores de mercúrio, que a gente sabe que tem o potencial destrutivo muito grande e também de causar vários problemas de saúde".

De acordo com estudos o garimpo na Terra Yanomami cresceu 3.350% de 2016 a 2020. Cerca de 110 comunidades desta área foram diretamente afetadas pelo desmatamento, destruição e a contaminação das águas e dos solos causados pelo garimpo ilegal.

Conforme especialistas, o funcionamento do sistema nervoso e do cérebro é afetado quando o metilmercúrio e o vapor do mercúrio entram no corpo, por meio do consumo de peixes contaminados ou respirando o vapor do mercúrio. Este metal é um elemento natural encontrado nos rios, solo, água e até no ar. O uso do mesmo na indústria é permitido — e até nos garimpos de ouro, desde que seja autorizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O problema tem sido as práticas excessivas com o mercúrio, poluindo o meio ambiente. 

 No caso da extração de ouro nos rios da Amazônia, o ouro está no ambiente em forma de pequeníssimas partículas. É usado mercúrio metálico para unir estas partículas e assim formar uma liga metálica com o ouro, possibilitando que ele seja separado de outros componentes. Porém nesse processo há uma alteração química. Aí, quando o o mercúrio atinge os rios, ele se transforma em metilmercúrio, um contaminante altamente tóxico. Em altas quantidades os poluentes se espalham pelos rios. E além dos rios há a contaminação atmosférica, pois para separar o ouro, costuma-se queimar o amálgama (liga) sem que haja um sistema de controle ambiental. A temperatura quente faz o metal virar vapor e se alastrar pelo ar. Seres vivos são contaminados por esta poluição e se consumidos pelos humanos passam as substâncias tóxicas para eles.

Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, doutora em saúde pública e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz disse sobre a questão do mercúrio:

 “Ele é um composto legalizado, regulamentado e monitorado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelos demais órgãos competentes”.

 Disse ainda:

“O que estamos vendo nas terras indígenas Yanomami é ilegal, porque a Constituição Federal diz que não pode ter garimpo de ouro, com mercúrio ou sem mercúrio, em terra indígena e nem em nenhuma unidade de conservação ambiental.”

Um estudo da feito por pesquisadores da Fiocruz, do Instituto Socioambiental (ISA), do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal de Roraima (UFRR) mostrou que peixes coletados em três de quatro pontos na Bacia do Rio Branco revelaram concentrações de mercúrio maiores ou iguais ao limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

Por meio dessa pesquisa, realizada em 2021, foi constatado que para algumas espécies de peixes  como o filhote, a contaminação já é tão alta que praticamente não existe mais nível seguro para o seu consumo, independente da quantidade ingerida. Há recomendações para mulheres que estejam gestantes, da região sujeita à contaminação, para que evitem durante a gravidez o consumo das espécies barba chata, coroataí, filhote, piracatinga, pirandirá.

A questão é mais preocupante ainda, considerando-se que o mercúrio liberado de forma sem controle no meio ambiente pode ficar por até cem anos em diferentes áreas do meio ambiente. Os riscos para a saúde das pessoas é alto. Se houver um elevado nível de contaminação, os recém-nascidos filhos de mães contaminadas podem nascer com paralisia cerebral, deformidades e malformação congênita. Também pode haver nas crianças, à medida que forem crescendo, limitações na fala e na mobilidade. Em muitos casos as lesões são irreversíveis.

Escrevi este artigo aproveitando a data especial do Dia da Água para servir de reflexão e alerta. A questão é séria e infelizmente atingiu uma profundidade muito perigosa. Populações indígenas e não indígenas da Amazônia foram muito afetadas por esta questão da contaminação provocada pelo garimpo ilegal. O governo brasileiro atual está já tomando providências para retirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomani. O governo anterior foi muito passivo em relação à questão e com sua omissão (e segundo diversos críticos, até mesmo apoio) contribuiu para muitas mortes. Já está mais que comprovado que não se deve continuar com os procedimentos de alto risco que a extração de ouro tem utilizado por tantos anos em várias partes do Brasil, com tanto uso de mercúrio. A água é riqueza muito maior para a Humanidade que o ouro. Quando se tem sede quem é que bebe ouro? É possível se irrigar as plantações com ouro? É preciso que haja uma consciência maior de que a questão da água é seríssima e que é preciso se combater a poluição dos oceanos, rios e lagos, assim como a destruição indiscriminada das florestas. A vida humana na Terra está em perigo. Os recursos hídricos estão caminhando rumo à escassez e as mudanças climáticas já se fazem sentir de forma avassaladora.


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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura: https://www.google.com/search?hl=en&sxsrf=AJOqlzUt214eCBgeDsTXhTAfrVyRgl3S8A:1679493595348&q=imagem+de+contamina%C3%A7%C3%A3o+nos+rios+da+terra+yanomami+no+brasil&tbm


segunda-feira, 20 de março de 2023

A astrônoma, astrofísica e física Jocelyn Bell Burnell

 




Em 15 de julho de 1943 nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, a astrônoma, astrofísica e física Jocelyn Bell Burnell, atualmente com 79 anos. Cientista de destaque, ela ganhou a Medalha Albert A. Michelson (1973), o Prêmio Memorial J. Robert Oppenheimer (1978), o Prêmio Beatrice M. Tinsley (1986), a Medalha Herschel (1989), o Prêmio Magalhães (2000), o Prêmio Michael Faraday (2010),a Medalha Real (2015), a Grande médaille de l’Académie dês sciences (2018), Fundamental Physics Prize (2018), Medalha Copley (2021).

Ela era a mais velha de quatro irmãos, filha de Margaret Allison e do arquiteto George Philip Bell, que trabalhou no projeto do Planetário Armagh . Ela veio de uma família com amplos recursos. Recebeu incentivo de seus pais, que eram quacres (grupo religioso), para fazer parte da área de ciências. Quando criança ela visitava o Planetário e lá recebeu estímulos para se interessar por astronomia. Ela também começou a ler livros sobre astronomia que pertenciam ao seu pai.  De 1948 a 1956 Jocelyn esteve realizando seus estudos no Departamento Preparatório do Lurgan College, mas ela e outras meninas não tinham autorização para estudar ciências. Seus pais protestaram contra essas regras da escola. Não passou no exame de 11+ anos, que era para orientar as crianças para os estudos gerais ou profissionais. Ela foi enviada por seus pais para estudar em Mount School (um internato para meninas da Sociedade Religiosa de Amigos), em York, Inglaterra, entre os anos de 1956 e 1961. Foi lá que conheceu o professor Tillott, que, segundo a própria Jocelyn, era um professor muito bom e que mostrou a ela que a física era fácil de aprender. Jocelyn destacou que esse professor contribuiu muito para que ela se interessasse pela física.

Jocelyn formou-se com distinção em licenciatura em Filosofia Natural (Física),na Universidade de Glascow, em 1965.Casou-se em 1968 com Martin Burnell. Eles se divorciaram em 1993. O casal teve um filho. Para poder criar seu filho ela trabalhou por anos em tempo parcial. Entrou após estar formada no programa de pós-graduação da Universidade de Cambridge e trabalhou com o cientista Antony Hewish e outros para que fosse fabricado um radiotelescópio para estudar quasers. Levaram dois anos para o aparelho ficar pronto para funcionar. Começou a ser operado em julho de 1967, mas ainda não estava totalmente pronta sua construção.

Sob a supervisão de Tony Hewish, Jocelyn era a única responsável pela operação do radiotelescópio e pela análise de dados. Ela detectou em seus papeis de registro gráfico em 28 de novembro um sinal. A fonte foi chamado na época de "Little Green Man 1", que se chama atualmente PSRB1919+21 e se descobriu depois de vários anos se tratar de uma estrela de nêutrons em rápida rotação. Ela chamou  outros cientistas. Os astrônomos Scott e Collins olharam para as pulsações com outro telescópio para verificar se era verdade ou alguma falha de aparelho.

Ela entrou em contato com Tony Hewish, que estava ensinando em um laboratório de graduação em Cambridge, e sua primeira reação foi que eles deviam ser artificiais. Ela disse: "Essa foi uma resposta muito sensata nas circunstâncias, mas devido a uma profundidade realmente notável de ignorância, não vi por que não poderia ser uma estrela". Então os astrônomos Scott e Collins olharam para as pulsações com outro telescópio para ter certeza de que não era uma falha de aparelho. Outro cientista, Pilkington, mediu a dispersão do sinal que determinou que a fonte estava fora do sistema solar, mas dentro da galáxia. Até se pensou naquele tempo, que pudesse ser um sinal de uma civilização fora da Terra.

Segundo relato da própria Jocelyn:

“Pouco antes do Natal, fui ver Tony Hewish ... Realmente não achávamos que havíamos captado sinais de outra civilização, mas obviamente a ideia passou por nossas cabeças e não tínhamos nenhuma prova de que era uma emissão de rádio completamente natural. É um problema interessante: se você acha que pode ter detectado vida em outras partes do universo, como você anuncia os resultados com responsabilidade? Para quem você conta primeiro? Não resolvemos o problema naquela tarde e fui para casa naquela noite muito zangada. Eu estava tentando obter um doutorado com uma nova técnica e alguns homenzinhos verdes bobos tiveram que escolher minha antena e minha frequência para se comunicar conosco.”

 

Sobre a publicação da descoberta ela disse:

“No final de janeiro, o documento anunciando o primeiro pulsar foi enviado à Nature. Isso se baseou em um total de 3 horas de observação da fonte, o que foi pouco. Acho que os comentários de que mantivemos a descoberta em segredo por muito tempo estão fora de lugar ... Um dia antes da publicação, Tony Hewish deu um seminário em Cambridge para anunciar os resultados. Todos os astrônomos de Cambridge, ao que parece, compareceram àquele seminário, e seu interesse e entusiasmo me deram uma primeira apreciação da revolução que tínhamos começado ... No artigo para a Nature, mencionamos que em um ponto pensamos que os sinais poderiam vir de outra civilização. Quando o artigo foi publicado, a imprensa desceu e, quando descobriram que era uma mulher, desceu ainda mais rápido. Eles me fotografaram em pé em um banco, sentada em um banco, em pé em um banco examinando registros falsos, sentada em um banco examinando registros falsos: um deles até me fez correr pelo banco agitando os braços no ar: "Olha! Feliz querida, você acabou de fazer uma descoberta! (Arquimedes não sabe o que foi perdido!)" Enquanto isso, os jornalistas me perguntavam questões relevantes, como se eu era mais alta ou mais baixa do que a princesa Margaret (temos unidades de medida curiosas na Grã-Bretanha ) e quantos namorados eu tive ao mesmo tempo. Foi assim que minha parte do processo terminou. Finalmente terminei a análise dos gráficos, medi os diâmetros angulares de várias fontes de rádio e escrevi minha tese. (*Os pulsares estavam em um apêndice).”

Jocelyn Bell não recebeu o Prêmio Nobel de Física pela descoberta do pulsar . Antony Hewish foi quem ganhou o prêmio em 1974 devido a esta descoberta. Mas houve polêmica porque Jocelyn não foi considerada. Ela comentou em 1977:

“Foi sugerido que eu deveria ter participado no Prémio Nobel atribuído a Tony Hewish pela descoberta dos pulsares. Há vários comentários que eu gostaria de fazer sobre isso: Primeiro, as disputas de demarcação entre supervisor e aluno são sempre difíceis, provavelmente impossíveis de resolver. Segundo, é o supervisor que tem a responsabilidade final pelo sucesso ou fracasso do projeto. Ouvimos falar de casos em que um supervisor culpa o seu aluno por um fracasso, mas sabemos que a culpa é em grande parte do supervisor. Parece-me justo que ele também se beneficie dos sucessos. Terceiro, acho que degradaria os prêmios Nobel se fossem concedidos a estudantes de investigação, exceto em casos muito raros, e não acho que este seja um deles. Por último, eu mesmo não me incomodo com isso; Afinal estou em boa companhia, certo?”

Em 1969, Joecelyn obteve seu doutorado. De 1968 a 1973 ela trabalhou na Universidade de Southhampton e de 1974 a 1982 na University College London. No período de 1982 a 1991 ela esteve trabalhando no Royal Observatory, de Edimburgo. Foi tutora, consultora e examinadora da Open University de 1973 a 1987.   Foi diretora do projeto Telescópio James Clerk Maxwell, no Havaí, a partir de 1986. Também lecionou Física na Open University de 1991 a 2001 e foi Professora Visitante na Universidade de Princeton nos Estados Unidos. No período de 2001 a 2004 foi Reitora de Ciências na Universidade de Bath. Foi presidente da Royal Astronomical Society entre 2002 e 2004, presidente do Institute of Physics entre 2008 e 2010, e presidente interina no começo de 2011.

Jocelyn foi premiada com o Fundamental Astronomical Society de 2018, na Categoria Especial. O prêmio de três milhões de dólares ela doou como auxílio para mulheres, minorias étnicas e estudantes refugiados para que se tornassem pesquisadores na área da física. Foi eleita em dezembro de 2014 uma das 100 mulheres mais influentes do mundo pela BBC.

Recentemente Jocelyn Burnell passou a ser professora de Astrofísica na Universidade de Oxford, e Chanceler da Universidade de Dundee, na Grã-Bretanha. Declarou-se ainda apaixonada pela ciência.

 

*Pulsar é uma estrela de nêutrons que, em virtude de seu intenso campo magnético (da ordem de 108 T), transforma a energia rotacional em energia eletromagnética. A medida que o pulsar gira, seu intenso campo magnético induz um enorme campo elétrico na sua superfície. Este campo elétrico é suficiente para arrancar partículas carregadas da superfície, na sua maioria elétrons, que por sua vez fluem para a magnetosfera onde são acelerados. Estes elétrons acelerados emitem radiação síncrotron em um feixe estreito ao longo das linhas do campo magnético. Se ao girar, o eixo do campo magnético ficar na nossa linha de visada, veremos um pulso de radiação eletromagnética (como a luz de um farol girante). Wikipédia

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História



 Figura:

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+jocelyn+Burnell#imgrc=2hI76f8NLDMzxM


sábado, 11 de março de 2023

A Sniper Lyudmila Pavlichenko

 



Continuando meus artigos em homenagem às mulheres que se destacaram na História, vou contar a seguir a história de Lyudmila Pavlichenko.

Lyudmila Pavlichenko foi uma sniper muito eficaz em seu serviço de eliminar nazistas. Era ucraniana e ficou conhecida como "Senhora Morte"Nasceu em 12 de julho de 1916. Matou 309 militares inimigos. Este número está registrado no livro "The Sniper Anthology, Snipers of the Second World War". Mas segundo números não oficiais, talvez ela tenha matado cerca de 500 militares inimigos. Entre os mortos por ela, estavam 36 snipers alemães.

Lyudmila aprendeu a atirar em um clube de tiro aos 14 anos, em Kiev, onde passou a morar com sua família. Tornou-se uma hábil atiradora. Antes de lutar como soldada, ela estudava História, na Universidade de Kiev, quando decidiu se alistar em 1942 no Exército Vermelho. Alguns oficiais soviéticos tentaram mudar sua inscrição para a área de enfermagem militar, o que não foi aceito por ela e insistiu em ir para a linha de frente como integrante da infantaria. Mesmo com essa tentativa dos oficiais, não significava que todo o Exército Soviético quisesse afastar as mulheres do serviço militar, pois houve quase duas mil atiradoras de elite soviéticas na luta contra o exército invasor. E dessas, aproximadamente 500 sobreviveram. 

Ela enfrentou o preconceito por ser mulher, que começou sua carreira no Exército, quando tinha 24 anos. O maior número de alvos efetivados por Lyudmila foi durante o cerco nazista (que com apoio de tropas romenas), a Odessa e Sevastopol (Ucrânia). Foi em Odessa que houve em 1942 o maior número de mortos por ela: 187.  O comando do Exército alemão mandou atiradores snipers acabarem com Lyudmila, mas eles não conseguiram e eles se tornaram alvos dela, tendo matado vários.

A primeira vítima de Lyudmila foi abatida com um rifle de ferrolho Mosin-Nagant. Mas ela passou a usar preferencialmente o rifle semi-automático Tokarev SVT-40. Tinha uma ótima pontaria e contava com rifles de qualidade. Também tinha muita paciência na espera do alvo. Segundo relatos de testemunhas que eram colegas de farda dela, a atiradora em certas ocasiões esperava até 18 horas sem se mexer, aguardando a hora de abater o inimigo.

Foi ferida por um morteiro em 1942 e teve de ficar fora de combate. Relatou seus feitos depois da guerra em uma passagem pelos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, quando foi homenageada. Ela se tornou a primeira componente do exército soviético a ser recebida por um presidente dos EUA. Ganhou de presente nesse país uma pistola Colt semi-automática e no Canadá ganhou um rifle Winchester. Ela foi homenageada também em Moscou pelo governo da União Soviética, sendo condecorada como heroína.  Ela, após ter sido ferida, não retornou ao campo de batalha, tendo sido promovida a major e se tornado instrutora. Treinou vários snipers soviéticos até o fim da Segunda Guerra Mundial. Lyudmila foi importante nos combates da URSS contra o Eixo.  Faleceu devido a um AVC, em 10 de outubro de 1974, aos 58 anos.


Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

Figura: https://br.images.search.yahoo.com/search/images;_ylt=AwrFYhGqVw1kVUkvGRXz6Qt.;_ylu=Y29sbwNiZjEEcG9zAzEEdnRpZAMEc2VjA3Nj?p=imagem+de+lyudmila+pavlichenko&fr=mcafee

segunda-feira, 6 de março de 2023

A astrônoma e astrofísica Cecilia Payne-Gaposchkin

 



Em 10 de maio de 1900 nasceu em Wendover, Buckinghamshire, Inglaterra, a astrônoma, professora universitária e astrofísica Cecilia Payne-Gaposchkin. Era filha de Emma Leonora Helena (nascida Pertz) e Edward John Payne (advogado, historiador e músico). Antes dela se pensava que o o Sol possuísse uma composição semelhante à da Terra. Ela mostrou que é composto primariamente de hidrogênio. Sua mãe tinha vindo de uma família da Prússia (um dos Estados alemães que formaram a Alemanha) e dois dos tios dela eram pessoas de destaque: o historiador Georg Heinrich Pertz e o escritor James John Garth Wilkinson. Ela tinha dois irmãos. Aos quatro anos de idade Cecília perdeu seu pai e sua mãe teve de sustentar a família.

Cecília fez seus primeiros estudos na St.Paul's Girls' School e em 1919 foi estudar no Newnham College, Universidade de Cambridge, onde de início estudou botânica, física e química. Nessa instituição ela se interessou por astronomia após ter assistido uma palestra do cientista Arthur Eddington a respeito do eclipse solar de 29 de maio de 1919 e suas observações com a finalidade de observar e fotografar as estrelas próximas do eclipse para testar a teoria geral da relatividade de Einstein. Embora tenha terminado seu curso universitário, não pôde receber seu diploma por ser mulher. Esse tipo de discriminação por Cambridge foi até 1948. Diante dessa realidade, ela só poderia ser professora. Decidiu ir para os Estados Unidos e se mudou para lá em 1923 após ter conhecido Harlow Shapley, diretor do Harvard College Observatory. Havia um projeto que encorajava mulheres a estudar no observatório. Cecília foi a segunda estudante nesse projeto (tornou-se cidadã dos Estados Unidos em 1931) e Adelaide Ames foi a primeira.

Em 1933, quando Cecília estava viajando pela Europa, ela conheceu o físico russo Sergei I. Gaposchkin, na Alemanha. Por meio de auxílio dela, ele pôde obter um visto para os Estados Unidos. E em 1934 os dois casaram-se, vindo a ter três filhos.

Cecília seguiu carreira acadêmica em Harvard, continuando a ser uma cientista ativa e foi-lhe outorgado o título oficial de "astrônoma” em 1938. Foi a primeira mulher a ser professora associada em Harvard a partir de 1956. Ela se tornou a primeira pessoa a ter o título de doutora em astronomia pela instituição Radcliffe College (que hoje em dia é parte da Universidade de Harvad) em 1925. A tese de Cecília foi: "Atmosferas estelares, uma contribuição para o estudo da observação da temperatura alta nas camadas revertidas de estrelas". Essa tese foi considerada pelos astrônomos Otto Struve e Velta Zebergs como "indubitavelmente a tese de doutoramento mais brilhante jamais escrita em astronomia”.

Cecília aplicou a teoria da ionização desenvolvida pelo físico Meghnad Saha, relacionando a classificação estelar das estrelas às suas temperaturas absolutas. Ela pôde provar que não eram as diferentes quantidades de elementos que causava a grande variação na linha espectral e sim por causa das diferentes diferentes quantidades de ionização a diferentes temperaturas. Segundo sua pesquisa, o silício, o carbono e outros metais comuns vistos no espectro do Sol existem mais ou menos nas mesmas quantidades na Terra, confirmando o que a ciência já dizia, destacando porém que o hélio e, em especial, o hidrogênio, estão em quantidade muito maior. Segundo a sua tese, o hidrogênio é o elemento que existe mais abundantemente no universo e que é o principal componente na formação das estrelas. O astrônomo Henry Norris Russell, a princípio duvidava da afirmação de Cecília por meio da pesquisa dela de que a composição do Sol era  predominantemente de hidrogênio, diferente da composição química de nosso planeta. Mas ele comprovou que Cecília estava certa após ter chegado à mesma conclusão por métodos diferentes e publicou os resultados dessa pesquisa. Embora Cecília tenha sido a primeira a descobrir, percebe-se que várias vezes há referências a Russel como descobridor.

Além das descobertas mencionadas em sua tese de doutorado, Cecília estudou estrelas de alta luminosidade para entender a estrutura da Via Láctea e posteriormente fez estudos sobre estrelas com magnitude superior a dez. Fez aproximadamente 1 250 000 observações com seus assistentes sobre estrelas variáveis e estudou as Nuvens de Magalhães, com mais dois milhões de observações de estrelas variáveis. As observações e análises que ela e seu marido fizeram sobre estrelas variáveis serviu de base para estudos que foram feitos por outros cientistas sobre as mesmas. De 1927 a 1938 ela era só assistente técnica de Shapley, sem ter um cargo oficial. A situação dela só melhorou quando recebeu o título de astrônoma em 1938 e depois foi mudado o título para Astrônoma Phillips, a pedido dela, que se tornou membro em 1943 da American Academy of Arts and Sciences.

Em 1956 Cecília passou a ser a primeira mulher a ser promovida a professora integral na Harvard Faculty of Arts and Sciences. Foi também a a primeira mulher a liderar um departamento em Harvard, no Departamento de Astronomia. Ela teve alunos que se destacaram na astronomia. Em 1966 recebeu o título de professora emérita em Harvard, ano em que se aposentou, continuando a pesquisar como integrante da equipe de astrônomos no Smithsonian Astrophysical Observatory. O trabalho de Cecília Payne em uma comunidade científica com predomínio masculino inspirou outras mulheres no campo da ciência, como no caso da astrofísica Joan Feyman, que foi influenciada pela pesquisa de Cecília publicada em um livro de astronomia.

Cecília morreu de câncer aos 79 anos, no dia 7 de dezembro de 1979.

Segundo artigo da BBC em 16/04/2019:

“Cecilia Payne-Gaposchkin foi uma das grandes astrônomas da história.

Ela tinha apenas 25 anos quando chegou a uma conclusão que mudaria para sempre a forma que observamos o universo. Cecilia Payne-Gaposchkin foi uma das grandes astrônomas da história e a primeira a dizer do que eram feitas as estrelas.

Apesar disso, sua carreira nunca foi fácil. Teve de enfrentar o ambiente machista que dominava a ciência e o ensino na época (...)”.

Amy Davy, curadora do museu de ciências de Londres disse sobre Cecília Payne:

"Sua carreira é uma lembrança de que a razão por que não havia mais mulheres cientistas na história não se devia à falta de talento ou de paixão, mas sim à misogenia sistemática da sociedade".

Disse também Amy:

"O trabalho de Cecilia Payne-Gaposchkin foi inegavelmente importante para nossa compreensão das estrelas e da astronomia. Porém, devido ao seu gênero, teve que trabalhar muito mais para lutar pelo reconhecimento que merecia".

Conselho de Cecília Payne para jovens mulheres quando se tornou chefe do Departamento de Astronomia de Harvard : “Não siga uma carreira científica por fama ou dinheiro… Siga a carreira científica só se nada mais trouxer satisfação, porque ‘nada mais’ é provavelmente o que você vai receber. Sua recompensa é a ampliação do horizonte na medida em que você escala. E, se você conseguir essa recompensa, não vai querer nenhuma outra.”

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 


Figura:

https://www.google.com/search?sxsrf=AJOqlzVTYXdIfcybH8I_nExnxu0ILjp-8Q:1678155457301&q=imagens+de+Cecilia+Payne-Gaposchkin&tbm=





 

 

 

 


sexta-feira, 3 de março de 2023

A poetisa (ou poeta) Bárbara Heliodora


 


 Ela nasceu em 24 de maio de 1759, em São João Del-Rei, Minas Gerais, na época do  Brasil colonial. Era filha de José da Silveira e Sousa e Maria Josefa Bueno da Cunha. Segundo pesquisadores, ela descendia da família paulista tradicional iniciada por Amador Bueno.

Ela se casou em 22 de dezembro de 1781 com Alvarenga Peixoto, inconfidente sobre o qual já escrevi neste blog. Eles já viviam juntos e se casaram quando a filha deles já tinha 3 anos de idade. Ainda tiveram mais três filhos. Por ter sido casada com Alvarenga Peixoto e também por ter participado do movimento, Bárbara Heliodora foi chamada de "Heroína da Inconfidência Mineira".

Quando sua filha Maria Ifigênia tinha 13 anos, essa sofreu uma queda de cavalo e veio a falecer devido aos ferimentos causados por esse acidente. 

O escrito Aureliano Leite escreveu a obra "A Vida Heroica de Barbara Heliodora". Ele disse sobre ela em sua obra: ", "ela foi a estrela do norte que soube guiar a vida do marido, foi ela que lhe acalentou o seu sonho da inconfidência do Brasil; ... quando ele, em certo instante, quis fraquejar, foi Bárbara que o fez reaprumar-se na aventura patriótica. Disso e do mais que ela sofreu com alta dignidade, fez com que a posteridade lhe desse o tratamento de Heroína da Inconfidência.” Alguns estudiosos supõem que ela participou de reuniões de inconfidentes  que aconteceram na casa do casal. Mas não há prova da real participação dela. Os inconfidentes não relataram em interrogatórios que foram submetidos qualquer participação de suas esposas ou companheiras.

Quando Alvarenga foi preso a mando das autoridades que queriam acabar com a Inconfidência, ele foi depois declarado infame e teve os bens confiscados pela Coroa portuguesa. Ele foi deportado para Angola e lá faleceu. Bárbara teve de morar com seus filhos e uma irmã. Pessoas que estudaram sobre a vida dela disseram que a perda da filha e de Alvarenga prejudicaram a saúde mental de Heliodora que passou a viver na vila de Campanha da Princesa, atualmente pertencente ao município de São Gonçalo de Sapucaí.  

O autor de um artigo publicado em 11 de outubro de 1931, no periódico A Opinião de S. Gonçalo do Sapucaí, chamado Alberto Carlos da Rocha, um oficial da Marinha, afirmou que para se livrar da ameaça de sequestro e execução em relação aos bens, ela “vendeu” por escritura de 27 de julho de 1809, as propriedades que ainda tinha ao seu filho José Eleutério de Alvarenga. Como esse ato dela trazia prejuízos a Fazenda Real, Heliodora foi considerada oficialmente demente, com o objetivo de se anular a escritura.

Bárbara tinha uma sociedade em propriedades rurais e em minas com o contratador João Rodrigues de Macedo, seu compadre e amigo de Alvarenga Peixoto. Ela conseguiu ficar com uma parte dos bens de seu marido quando as propriedades dele foram confiscadas e a outra parte o contratador Macedo comprou em leilão e devolveu para Bárbara, que continuou atuando na área agrícola e de mineração até a sua morte.

Ela faleceu de tuberculose em 24 de maio de 1819, em São Gonçalo do Sapucaí.

Segundo a mestre e doutora em Estudos Literários pela Unesp e professora da rede estadual de São Paulo Adrienne Kátia Savazoni Morelato:

“(...) A obra de Bárbara não é extensa, sendo atribuídos a ela os poemas Conselhos a meus filhos e um  soneto dedicado a sua filha Maria Ifigênia. Alguns estudiosos colocaram em dúvida a autoria desses escritos. Considerando que foi ela mesma que escreveu, ela então é a primeira poetisa do Brasil.

Bárbara (até a semântica de seu nome reflete sua simbologia) foi protagonista tanto da vida quanto da escrita – seu corpo teve voz e texto. Contudo, ela foi desterritorializada de si-mesma: enquanto Alvarenga Peixoto sofreu um exílio físico, Bárbara sofreu um exílio simbólico. Não só enquanto ser vivente que se mobilizava dentro de um espaço e tempo real, ao fluir dos acontecimentos – mas também com o apagamento de seu nome dos registros críticos e historiográficos durante o tempo posterior à sua morte.

Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa sentiram necessidade de resgatar a obra e a vida de nossa primeira poeta. Esse resgate demonstra o quanto escritoras e poetas do século 20 sentiam a falta de uma tradição literária feminina – e de se enxergarem em outras mulheres que escreviam no passado. A conclusão da busca não é que essas mulheres não existiram. Embora escassas, o que as tirou da linha da história foi a imposição de um apagamento de seus nomes pelo simples fato de serem mulheres.

Henriqueta Lisboa chegou a escrever um ensaio sobre Heliodora, em que comenta exatamente o esquecimento em que caiu a persona e as poesias da heroína da Inconfidência. Ela faz um apanhado dos poucos registros críticos que existem sobre essa mulher, numa tentativa de reconstrução da historiografia, do corpo e da voz de Heliodora. Henriqueta a desenha como uma deusa grega dos pés à cabeça e termina com um desabafo sobre a condição de ser mulher, a qual, para a poeta mineira, se torna ridícula em relação aos limites impostos pela sociedade daquele período histórico:

Sob o signo da contradição, viveu e passou à posteriedade Bárbara Heliodora Guilhermina da Silveira, musa da história e da tragédia. Como evocá-la? A imagem de Clio, coroada de louros. A mão direita uma trombeta. A esquerda um livro, aos pés o globo terrestre, acompanhada pelo tempo? A semelhança de Meipomene, de atitude grave, ricamente vestida numa das mãos um cetro noutra um punhal, seguida pelas figuras do Terror e da Piedade? […] Se pela estirpe, descendente que era de bandeirantes, Bárbara Heliodora tinha orgulho no sangue e majestade no porte pela sua condição de mulher amantíssima saberia suavizar a situação patética em que transpôs o limiar da história.

A busca pela mãe literária esconde uma preocupação metalinguística das mulheres escritoras de refletir e discutir o cânone. Há também uma busca pela presença do sexo feminino na história literária – uma forma de dizer que houve territórios na escrita construídos por elas. A primeira poeta brasileira parece encarnar essa mãe perdida no espaço e no tempo. Seu apagamento diante da história literária do país esconde o quanto essa crítica literária é machista e seletiva, como se a literatura fosse uma herança dos homens para outros homens, o escritor velho se torna o pai do escritor novo. Nessa geração espontânea, não cabe o sexo oposto.

A perda real da filha e das terras passa a ser um símbolo da perda de territorialidades – tanto física quanto de significações e representações mentais que ela construiu sobre si mesma. E por não ter tido espaços para sua voz, ou por seus poemas todos não terem sobrevivido, é que Bárbara representa tanto desterritorialização da linguagem feminina do mundo público, a perda do corpo textual, quanto existência desta no que Showalter chama de território selvagem, a essência que Cecília e Henriqueta irão buscar:

Talvez pelo fato de a protagonista ter sido mulher e poeta, o Drama de Bárbara Heliodora tenha recebido de Henriqueta Lisboa um tratamento tão soberbo. (…) Henriqueta Lisboa confere ao drama de Bárbara Heliodora a dimensão trágica cerrada que só encontramos na mais alta tragédia grega.

Cecília Meireles também escreveu sobre Bárbara Heliodora em O Romanceiro da Inconfidência. O fascínio da trágica história de Bárbara comove não só pelo fato da sua queda de status social, mas pelos significados que engendram seu esquecimento como poeta. Sua história não era contada pela História Oficial, a não ser como apêndice da história do marido Alvarenga Peixoto – este, sim, visto como revolucionário e poeta. Por essa razão, duas mulheres poetas do século 20 levam a voz de Bárbara ao centro do poema, para contar por si mesma sua participação na História, transfigurando o que antes era considerado apenas um drama pessoal em um drama político e literário.

E não é de espantar que, para Bárbara ganhar voz histórica e voz poética, precisou que mais mulheres adentrassem o mundo público e fizessem jus a essa voz. Para ter voz, é preciso ter corpo. Bárbara passa a ser contornada e seu corpo começa novamente existir como texto. Mulheres contando história de mulheres. Elas representam o discurso da alteridade, e é nessa alteridade que vão afirmar as especificidades desse discurso. O sofrimento sai da esfera privada, para o qual se havia destinado o território do feminino, e entra para o espaço público, através da escrita.”

 

Alvarenga Peixoto fez essa poesia para Bárbara, sua esposa, em seu exílio na África:

Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.
Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!

 

Poesia de Bárbara Heliodora:

 

“Conselhos a Meus Filhos

Meninos, eu vou dictar
As regras do bem viver,
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz sabios é o pensar.

Neste tormentoso mar
D'ondas de contradicções,
Ninguem soletre feições,
Que sempre se há de enganar;
De caras a corações
A muitas legoas que andar.

Applicai ao conversar
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos,
E também podem fallar:
Ha bixinhos escondidos,
Que só vivem de escutar.

Quem quer males evitar
Evite-lhe a occasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguem os procurar;
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudencia ferrar.

Não vos deixeis enganar
Por amigos, nem amigas;
Rapazes e raparigas
Não sabem mais, que asnear;
As conversas, e as intrigas
Servem de precipitar.

Sempre vos deveis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem, que ratos velhos
Não ha modo de os caçar:
Não batam ferros vermelhos,
Deixem um pouco esfriar.

Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto
Pé de banco de um brilhar,
Que seja sabio piloto
Nas regras de calcular.

Se vos mandarem chamar
Pâra ver uma funcção,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar:
Assim se entende o rifão.
Quem está bem, deixa-se estar.

Devei-vos acautelar
Em jogos de paro e tópo,
Promptos em passar o copo
Nas angolinas do azar:
Taes as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.

Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr virgulas nem pontos,
E póde quem conta os contos,
Mil pontos accrescentar;
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.

Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer
Mâs temer por muito amar,
Santo temor de offender
A quem se deve adorar!

Até aqui pode bastar,
Mais havia que dizer;
Mâs eu tenho que fazer,
Não me posso demorar,
E quem sabe discorrer
Póde o resto adivinhar.

2

 

Conselhos a Meus Filhos [2

VII.

Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto,
Pé de banco de um bilhar,
Que seja sábio piloto
Nas regras de calcular.

VIII.

Se vos mandarem chamar
Para ver uma função,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar;
Assim se entende o rifão:
Quem está bem deixa-se estar.

IX.

Deveis-vos acautelar,
Em jogos de paro e topo
Prontos em passar o copo
Nas angolinhas do azar;
Tais as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.

X.

Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr vírgulas nos pontos,
E pode quem conta os contos,
Mil pontos acrescentar:
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.

XI.

Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer,
Mas temer por muito amar,
Santo temor de ofender
A quem se deve adorar!

XII.

Até aqui pode bastar,
Mais havia o que dizer;
Mas eu tenho que fazer,
Não me posso demorar
E quem sabe discorrer,
Pode o resto adivinhar.”



*A grafia original foi mantida .

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 Figura: https://br.images.search.yahoo.com/search/images?p=imagens+de+barbara+heliodora+poetisa&fr=mcafee&type=