Ela nasceu em 24 de maio de 1759,
em São João Del-Rei, Minas Gerais, na época do Brasil colonial. Era filha
de José da Silveira e Sousa e Maria Josefa Bueno da
Cunha. Segundo pesquisadores, ela descendia da família paulista tradicional
iniciada por Amador Bueno.
Ela se casou em 22
de dezembro de 1781 com Alvarenga Peixoto, inconfidente sobre o qual já escrevi
neste blog. Eles já viviam juntos e se casaram quando a filha deles já tinha 3
anos de idade. Ainda tiveram mais três filhos. Por ter sido casada com Alvarenga
Peixoto e também por ter participado do movimento, Bárbara Heliodora foi
chamada de "Heroína da Inconfidência Mineira".
Quando sua filha Maria Ifigênia tinha 13 anos, essa
sofreu uma queda de cavalo e veio a falecer devido aos ferimentos causados por
esse acidente.
O escrito Aureliano Leite escreveu a obra "A
Vida Heroica de Barbara Heliodora". Ele disse sobre ela em sua
obra: ", "ela foi a estrela do norte que soube guiar
a vida do marido, foi ela que lhe acalentou o seu sonho da
inconfidência do Brasil; ... quando ele, em certo instante, quis fraquejar, foi
Bárbara que o fez reaprumar-se na aventura patriótica. Disso e do mais que ela
sofreu com alta dignidade, fez com que a posteridade lhe desse o tratamento de
Heroína da Inconfidência.” Alguns estudiosos supõem que ela participou de
reuniões de inconfidentes que aconteceram na casa do casal. Mas não
há prova da real participação dela. Os inconfidentes não relataram em
interrogatórios que foram submetidos qualquer participação de suas esposas ou
companheiras.
Quando Alvarenga
foi preso a mando das autoridades que queriam acabar com a Inconfidência, ele
foi depois declarado infame e teve os bens confiscados pela Coroa portuguesa.
Ele foi deportado para Angola e lá faleceu. Bárbara teve de morar com seus
filhos e uma irmã. Pessoas que estudaram sobre a vida dela disseram que a perda
da filha e de Alvarenga prejudicaram a saúde mental de Heliodora que passou a
viver na vila de Campanha da Princesa, atualmente pertencente ao município de
São Gonçalo de Sapucaí.
O autor de um artigo publicado em 11
de outubro de 1931, no periódico A Opinião de S. Gonçalo do Sapucaí, chamado Alberto
Carlos da Rocha, um oficial da Marinha, afirmou que para se livrar da ameaça de
sequestro e execução em relação aos bens, ela “vendeu” por escritura de 27
de julho de 1809, as propriedades que ainda tinha ao seu filho José Eleutério
de Alvarenga. Como esse ato dela trazia prejuízos a Fazenda Real, Heliodora foi
considerada oficialmente demente, com o objetivo de se anular a escritura.
Bárbara tinha uma sociedade em
propriedades rurais e em minas com o contratador João Rodrigues de Macedo, seu
compadre e amigo de Alvarenga Peixoto. Ela conseguiu ficar com uma parte dos
bens de seu marido quando as propriedades dele foram confiscadas e a outra
parte o contratador Macedo comprou em leilão e devolveu para Bárbara, que
continuou atuando na área agrícola e de mineração até a sua morte.
Ela faleceu de tuberculose em 24 de maio de 1819, em São Gonçalo do Sapucaí.
Segundo
a mestre e doutora em Estudos Literários pela Unesp e professora da rede
estadual de São Paulo Adrienne Kátia Savazoni Morelato:
“(...) A obra de Bárbara não é extensa, sendo
atribuídos a ela os poemas Conselhos a meus filhos e um
soneto dedicado a sua filha Maria Ifigênia. Alguns estudiosos colocaram em
dúvida a autoria desses escritos. Considerando que foi ela mesma que escreveu,
ela então é a primeira poetisa do Brasil.
Bárbara (até a
semântica de seu nome reflete sua simbologia) foi protagonista tanto da vida quanto
da escrita – seu corpo teve voz e texto. Contudo, ela foi desterritorializada
de si-mesma: enquanto Alvarenga Peixoto sofreu um exílio físico, Bárbara sofreu
um exílio simbólico. Não só enquanto ser vivente que se mobilizava dentro de um
espaço e tempo real, ao fluir dos acontecimentos – mas também com o apagamento
de seu nome dos registros críticos e historiográficos durante o tempo posterior
à sua morte.
Cecília Meireles e
Henriqueta Lisboa sentiram necessidade de resgatar a obra e a vida de nossa primeira
poeta. Esse resgate demonstra o quanto escritoras e poetas do século 20 sentiam
a falta de uma tradição literária feminina – e de se enxergarem em outras
mulheres que escreviam no passado. A conclusão da busca não é que essas
mulheres não existiram. Embora escassas, o que as tirou da linha da história
foi a imposição de um apagamento de seus nomes pelo simples fato de serem
mulheres.
Henriqueta Lisboa
chegou a escrever um ensaio sobre Heliodora, em que comenta exatamente o
esquecimento em que caiu a persona e as poesias da heroína da Inconfidência.
Ela faz um apanhado dos poucos registros críticos que existem sobre essa
mulher, numa tentativa de reconstrução da historiografia, do corpo e da voz de
Heliodora. Henriqueta a desenha como uma deusa grega dos pés à cabeça e termina
com um desabafo sobre a condição de ser mulher, a qual, para a poeta mineira,
se torna ridícula em relação aos limites impostos pela sociedade daquele
período histórico:
Sob o signo da
contradição, viveu e passou à posteriedade Bárbara Heliodora Guilhermina da
Silveira, musa da história e da tragédia. Como evocá-la? A imagem de Clio,
coroada de louros. A mão direita uma trombeta. A esquerda um livro, aos pés o
globo terrestre, acompanhada pelo tempo? A semelhança de Meipomene, de atitude
grave, ricamente vestida numa das mãos um cetro noutra um punhal, seguida pelas
figuras do Terror e da Piedade? […] Se pela estirpe, descendente que era de
bandeirantes, Bárbara Heliodora tinha orgulho no sangue e majestade no porte
pela sua condição de mulher amantíssima saberia suavizar a situação patética em
que transpôs o limiar da história.
A busca pela mãe
literária esconde uma preocupação metalinguística das mulheres escritoras de
refletir e discutir o cânone. Há também uma busca pela presença do sexo
feminino na história literária – uma forma de dizer que houve territórios na
escrita construídos por elas. A primeira poeta brasileira parece encarnar essa
mãe perdida no espaço e no tempo. Seu apagamento diante da história literária
do país esconde o quanto essa crítica literária é machista e seletiva, como se
a literatura fosse uma herança dos homens para outros homens, o escritor velho
se torna o pai do escritor novo. Nessa geração espontânea, não cabe o sexo
oposto.
A perda real da
filha e das terras passa a ser um símbolo da perda de territorialidades – tanto
física quanto de significações e representações mentais que ela construiu sobre
si mesma. E por não ter tido espaços para sua voz, ou por seus poemas todos não
terem sobrevivido, é que Bárbara representa tanto desterritorialização da
linguagem feminina do mundo público, a perda do corpo textual, quanto
existência desta no que Showalter chama de território selvagem, a essência que
Cecília e Henriqueta irão buscar:
Talvez pelo fato de
a protagonista ter sido mulher e poeta, o Drama de Bárbara Heliodora tenha
recebido de Henriqueta Lisboa um tratamento tão soberbo. (…) Henriqueta Lisboa
confere ao drama de Bárbara Heliodora a dimensão trágica cerrada que só
encontramos na mais alta tragédia grega.
Cecília Meireles
também escreveu sobre Bárbara Heliodora em O Romanceiro da
Inconfidência. O fascínio da trágica história de Bárbara comove não só pelo
fato da sua queda de status social, mas pelos significados que engendram seu
esquecimento como poeta. Sua história não era contada pela História Oficial, a
não ser como apêndice da história do marido Alvarenga Peixoto – este, sim,
visto como revolucionário e poeta. Por essa razão, duas mulheres poetas do
século 20 levam a voz de Bárbara ao centro do poema, para contar por si mesma
sua participação na História, transfigurando o que antes era considerado apenas
um drama pessoal em um drama político e literário.
E não é de espantar
que, para Bárbara ganhar voz histórica e voz poética, precisou que mais
mulheres adentrassem o mundo público e fizessem jus a essa voz. Para ter voz, é
preciso ter corpo. Bárbara passa a ser contornada e seu corpo começa novamente
existir como texto. Mulheres contando história de mulheres. Elas representam o
discurso da alteridade, e é nessa alteridade que vão afirmar as especificidades
desse discurso. O sofrimento sai da esfera privada, para o qual se havia
destinado o território do feminino, e entra para o espaço público, através da
escrita.”
Alvarenga Peixoto fez essa poesia para
Bárbara, sua esposa, em seu exílio na África:
Bárbara bela,
Do Norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente
Triste somente
As horas passo
A suspirar.
Por entre as penhas
De incultas brenhas
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo,
Sem esperança
De te encontrar.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa,
Desta fortuna
Me quer privar.
Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dous modos
De me matar!
Poesia de Bárbara Heliodora:
“Conselhos a Meus Filhos
Meninos, eu vou dictar
As regras do bem viver,
Não basta somente ler,
É preciso ponderar,
Que a lição não faz saber,
Quem faz sabios é o pensar.
Neste tormentoso mar
D'ondas de contradicções,
Ninguem soletre feições,
Que sempre se há de enganar;
De caras a corações
A muitas legoas que andar.
Applicai ao conversar
Todos os cinco sentidos,
Que as paredes têm ouvidos,
E também podem fallar:
Ha bixinhos escondidos,
Que só vivem de escutar.
Quem quer males evitar
Evite-lhe a occasião,
Que os males por si virão,
Sem ninguem os procurar;
E antes que ronque o trovão,
Manda a prudencia ferrar.
Não vos deixeis enganar
Por amigos, nem amigas;
Rapazes e raparigas
Não sabem mais, que asnear;
As conversas, e as intrigas
Servem de precipitar.
Sempre vos deveis guiar
Pelos antigos conselhos,
Que dizem, que ratos velhos
Não ha modo de os caçar:
Não batam ferros vermelhos,
Deixem um pouco esfriar.
Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto
Pé de banco de um brilhar,
Que seja sabio piloto
Nas regras de calcular.
Se vos mandarem chamar
Pâra ver uma funcção,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar:
Assim se entende o rifão.
Quem está bem, deixa-se estar.
Devei-vos acautelar
Em jogos de paro e tópo,
Promptos em passar o copo
Nas angolinas do azar:
Taes as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.
Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr virgulas nem pontos,
E póde quem conta os contos,
Mil pontos accrescentar;
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.
Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer
Mâs temer por muito amar,
Santo temor de offender
A quem se deve adorar!
Até aqui pode bastar,
Mais havia que dizer;
Mâs eu tenho que fazer,
Não me posso demorar,
E quem sabe discorrer
Póde o resto adivinhar.
2
Conselhos a Meus Filhos [2
VII.
Se é tempo de professar
De taful o quarto voto,
Procurai capote roto,
Pé de banco de um bilhar,
Que seja sábio piloto
Nas regras de calcular.
VIII.
Se vos mandarem chamar
Para ver uma função,
Respondei sempre que não,
Que tendes em que cuidar;
Assim se entende o rifão:
Quem está bem deixa-se estar.
IX.
Deveis-vos acautelar,
Em jogos de paro e topo
Prontos em passar o copo
Nas angolinhas do azar;
Tais as fábulas de Esopo,
Que vós deveis estudar.
X.
Quem fala, escreve no ar,
Sem pôr vírgulas nos pontos,
E pode quem conta os contos,
Mil pontos acrescentar:
Fica um rebanho de tontos
Sem nenhum adivinhar.
XI.
Com Deus e o rei não brincar,
É servir e obedecer,
Amar por muito temer,
Mas temer por muito amar,
Santo temor de ofender
A quem se deve adorar!
XII.
Até aqui pode bastar,
Mais havia o que dizer;
Mas eu tenho que fazer,
Não me posso demorar
E quem sabe discorrer,
Pode o resto adivinhar.”
*A grafia original foi mantida .
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
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