Dia 22 de março é comemorado o Dia da
Água. Infelizmente há ainda tanto desperdício e tanta poluição de
oceanos, rios, lagos, fontes. Algo que tem me preocupado envolvendo a questão
da água é a enorme contaminação por mercúrio de rios amazônicos por causa do
garimpo ilegal.
Segundo estudos da organização internacional Greenpeace, entre 2016 e 2021 foram destruídos cerca de 700 quilômetros de rios por garimpo ilegal dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, representando em poucos anos um aumento tremendo na extensão de rios destruídos nestes territórios.
Na década de 80 do século passado, houve a primeira invasão garimpeira do território Yanomani, com consequências terríveis para esse povo. Devido a ações de garimpeiros, aconteceu destruição do leito de rios e contaminações por mercúrio e óleo diesel, assim como diversas violências.
Conforme recentes informações do
Instituto Socioambiental (ISA), o garimpo já impactou mais de 44 mil hectares
do interior da Terra Indígena, com impactos muito destrutivos, afetando
mais de 56% da população Yanomami, que tem sofrido com aumento dos casos de
malária, a violência e contaminação dos rios.
Segundo Evandro Almeida Júnior em seu artigo "Mercúrio contamina a natureza por tempo indeterminado", de 16 de fevereiro de 2023:
“A atual crise vivida pelos yanomami evidenciou os impactos do garimpo ilegal sobre o povo indígena. Estima-se que mais de 20 mil invasores tenham se acumulado no território yanomamii nos últimos anos, trazendo consigo violência, doenças e mortes.
Os garimpeiros utilizam mercúrio líquido para encontrar ouro no sedimento escavado dos rios da Amazônia. O depósito desse mercúrio no ambiente natural polui as áreas normalmente utilizadas pelos yanomami para caçar, pescar e colher, além de resultar na devastação de amplas regiões de floresta.
A DW ouviu Rodrigo Castro, doutor em ecologia e recursos naturais, sobre o impacto do derramamento de mercúrio no meio ambiente e em populações indígenas. Membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor da Fundação Solidaridad no Brasil, ele explica que o metal fica na natureza por tempo indeterminado.
"Para combater a contaminação, se não for 'direto na fonte' — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar", afirma.
O especialista aponta que o efeito do metal no corpo humano é "devastador". "O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. Em casos extremos, tem levado à morte."
DW: Quão prejudicial é a poluição de mercúrio nos rios?
Rodrigo Castro: O mercúrio é altamente tóxico e afeta o metabolismo humano de forma severa. Ele ataca o sistema nervoso, afeta o sistema motor e todos os órgãos internos. Nos rins e pulmões, seu impacto é devastador.
No caso dos indígenas yanomami,
o garimpo clandestino fez com que a contaminação aumentasse nos
últimos anos. O processo para encontrar ouro ocorre nas margens de rios, e o
mercúrio usado na extração é despejado nelas.
Até onde essa contaminação pode chegar?
Esses rios onde garimpeiros despejam mercúrio são afluentes de outros
rios maiores, e em algum momento isso também pode chegar ao mar. Esse mercúrio
vai para rios maiores, caudalosos, e deixa um rastro de poluição pelo caminho.
O resultado é devastador, e o grau de contaminação, gravíssimo.
Ainda segundo Rodrigo
Castro: "Tem que proibir e combater de imediato os garimpos
ilegais, com toda a força disponível"
Por quanto tempo o mercúrio fica
no leito do rio e em sua extensão?
Quando o mercúrio entra na cadeia alimentar do rio, ele fica ali por tempo indeterminado. Ele segue na natureza e vai se acumulando nos organismos dos animais. Por exemplo, peixes menores acabam consumindo o elemento químico, que se acumula em seus organismos. Sucessivamente, peixes maiores, também se contaminam. O mercúrio fica no ambiente até que esses animais estejam lá. Por isso, para combater a contaminação, se não for "direto na fonte" — os garimpos ilegais —, não se consegue tirar o mercúrio da cadeia alimentar.
Como o mercúrio entra e age no corpo humano?
A partir de ingestão de água ou peixe contaminado já há sintomas leves. A alimentação dos indígenas depende da pesca e da água dos rios. Por isso, essa população é duplamente vulnerável.
O corpo não consegue lidar com o acúmulo nem expelir o mercúrio. O metal causa tremores e, em casos extremos, tem levado à morte.
Quando o mercúrio entra no sangue das crianças, o efeito é avassalador, com a concentração do metal gerando um impacto muito maior do que em adultos. Elas são menores, estão em fase de desenvolvimento. Após a contaminação, seu crescimento ósseo e físico e seus órgãos ficam comprometidos, e elas não se desenvolvem normalmente.
Um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Socioambiental (ISA) realizado na reserva yanomami, em Roraima, confirmou o alto grau de contaminação. O levantamento, feito em 2016, mostrou que em algumas aldeias mais de 92% da população estava contaminada por mercúrio.
A atual crise yanomami evidencia
como o povo foi tratado. O apoio de órgãos de saúde foi reduzido ou
descontinuado, e o resultado foi o agravamento do envenenamento da população
indígena.
Existem ações que podem ser adotadas de imediato para conter a contaminação?
Tem que proibir e combater de imediato os garimpos, com toda a força disponível. A omissão, o apoio e o incentivo à ilegalidade levou a esse quadro que vivemos hoje.
A grilagem de terra não foi combatida fortemente nos últimos quatro anos, e isso contribuiu para que os garimpos crescessem no território amazônico, numa situação descontrolada e desorganizada. Não só a grilagem e o garimpo, mas também o comércio ilegal de madeira cresceu. Esse conjunto de atividades ilegais tem afetado e muito o meio ambiente, e o impacto social ficou muito visível [com a crise yanomami].
É difícil reverter a calamidade causada. Só no caso da Terra Indígena Yanomami, são mais de 90 mil km² de área. É um território gigantesco, com 300 aldeias e 27 mil indígenas, por isso é essencial o acompanhamento remoto por satélite — que já está implantado. O governo federal tem as ferramentas necessárias para o monitoramento.
É um desafio permanente. Tem que acabar com a ocupação ilegal de todas as terras indígenas, principalmente quando ela ocorre devido à mineração.”
Segundo Yara Ramalho, Valéria Oliveira, Marcelo Marques e Luciano Abreu em g1 RR e Rede Amazônica- Boa Vista em 06/06/2022:
“Um laudo da Polícia Federal sobre contaminação dos rios na Terra Indígena Yanomami, maior reserva do Brasil, revelou que quatros rios da região tem alta contaminação por mercúrio: 8600% superior ao estipulado como máximo para águas de consumo humano.
Foram analisadas amostras das águas correntes dos rios Couto de Magalhães, Catrimani, Parima e Uraricoera, próximos a garimpos ilegais onde os invasores usam produtos nocivos à natureza, principalmente o mercúrio, durante a extração de minérios.
Em relação às águas que podem ser destinadas para irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas, forrageiras, a pesca amadora e a navegação, as amostras apresentaram um teor de mercúrio de 860% nas amostras.”
O procurador da República que atua no Ministério Público Federal (MPF) em Roraima, Matheus de Andrade Bueno disse sobre a questão na Terra Yanomami:
"Ela têm sido atingida de forma gravíssima pelo garimpo. E, coincidentemente, nessas áreas estão sendo detectadas presenças superiores de mercúrio, que a gente sabe que tem o potencial destrutivo muito grande e também de causar vários problemas de saúde".
De acordo com estudos o garimpo na Terra Yanomami cresceu 3.350% de 2016 a 2020. Cerca de 110 comunidades desta área foram diretamente afetadas pelo desmatamento, destruição e a contaminação das águas e dos solos causados pelo garimpo ilegal.
Conforme especialistas, o funcionamento do sistema nervoso e do cérebro é afetado quando o metilmercúrio e o vapor do mercúrio entram no corpo, por meio do consumo de peixes contaminados ou respirando o vapor do mercúrio. Este metal é um elemento natural encontrado nos rios, solo, água e até no ar. O uso do mesmo na indústria é permitido — e até nos garimpos de ouro, desde que seja autorizado pela Agência Nacional de Mineração (ANM). O problema tem sido as práticas excessivas com o mercúrio, poluindo o meio ambiente.
No caso da extração de ouro nos rios da Amazônia, o ouro está no ambiente em forma de pequeníssimas partículas. É usado mercúrio metálico para unir estas partículas e assim formar uma liga metálica com o ouro, possibilitando que ele seja separado de outros componentes. Porém nesse processo há uma alteração química. Aí, quando o o mercúrio atinge os rios, ele se transforma em metilmercúrio, um contaminante altamente tóxico. Em altas quantidades os poluentes se espalham pelos rios. E além dos rios há a contaminação atmosférica, pois para separar o ouro, costuma-se queimar o amálgama (liga) sem que haja um sistema de controle ambiental. A temperatura quente faz o metal virar vapor e se alastrar pelo ar. Seres vivos são contaminados por esta poluição e se consumidos pelos humanos passam as substâncias tóxicas para eles.
Ana Claudia Santiago de Vasconcellos, doutora em saúde pública e pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz disse sobre a questão do mercúrio:
“Ele é um composto legalizado, regulamentado e monitorado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelos demais órgãos competentes”.
Disse ainda:
“O que estamos vendo nas terras indígenas Yanomami é ilegal, porque a Constituição Federal diz que não pode ter garimpo de ouro, com mercúrio ou sem mercúrio, em terra indígena e nem em nenhuma unidade de conservação ambiental.”
Um estudo da feito por pesquisadores da Fiocruz, do Instituto Socioambiental (ISA), do Instituto Evandro Chagas e da Universidade Federal de Roraima (UFRR) mostrou que peixes coletados em três de quatro pontos na Bacia do Rio Branco revelaram concentrações de mercúrio maiores ou iguais ao limite estabelecido pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Por meio dessa pesquisa, realizada em 2021, foi constatado que para algumas espécies de peixes como o filhote, a contaminação já é tão alta que praticamente não existe mais nível seguro para o seu consumo, independente da quantidade ingerida. Há recomendações para mulheres que estejam gestantes, da região sujeita à contaminação, para que evitem durante a gravidez o consumo das espécies barba chata, coroataí, filhote, piracatinga, pirandirá.
A questão é mais preocupante ainda, considerando-se que o mercúrio liberado de forma sem controle no meio ambiente pode ficar por até cem anos em diferentes áreas do meio ambiente. Os riscos para a saúde das pessoas é alto. Se houver um elevado nível de contaminação, os recém-nascidos filhos de mães contaminadas podem nascer com paralisia cerebral, deformidades e malformação congênita. Também pode haver nas crianças, à medida que forem crescendo, limitações na fala e na mobilidade. Em muitos casos as lesões são irreversíveis.
Escrevi este artigo aproveitando a data especial do Dia da Água para servir de reflexão e alerta. A questão é séria e infelizmente atingiu uma profundidade muito perigosa. Populações indígenas e não indígenas da Amazônia foram muito afetadas por esta questão da contaminação provocada pelo garimpo ilegal. O governo brasileiro atual está já tomando providências para retirar os garimpeiros da Terra Indígena Yanomani. O governo anterior foi muito passivo em relação à questão e com sua omissão (e segundo diversos críticos, até mesmo apoio) contribuiu para muitas mortes. Já está mais que comprovado que não se deve continuar com os procedimentos de alto risco que a extração de ouro tem utilizado por tantos anos em várias partes do Brasil, com tanto uso de mercúrio. A água é riqueza muito maior para a Humanidade que o ouro. Quando se tem sede quem é que bebe ouro? É possível se irrigar as plantações com ouro? É preciso que haja uma consciência maior de que a questão da água é seríssima e que é preciso se combater a poluição dos oceanos, rios e lagos, assim como a destruição indiscriminada das florestas. A vida humana na Terra está em perigo. Os recursos hídricos estão caminhando rumo à escassez e as mudanças climáticas já se fazem sentir de forma avassaladora.
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura:
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