Em homenagem ao Dia
Internacional da Mulher, comemorado no dia 08 de março, escrevi este artigo
sobre a mulher na Idade Média. Os papéis das mulheres no Ocidente, a forma como
se posicionavam na sociedade, o relacionamento com os homens e como estes as tratavam
e a ideologia que definia como as mulheres tinham de se comportar na
Antiguidade e na Idade Média eram fortemente influenciados pelos contextos
sociais, políticos, econômicos e religiosos das diferentes épocas e também
variavam de acordo com os lugares, não raramente também com as realidades
regionais distintas ou com o próprio momento histórico de cada sociedade.
Na idade Média havia
uma influência religiosa dominante da Igreja Católica, que havia se tornado
desde o fim do Império Romano do Ocidente numa poderosa instituição política,
social, ideológica e econômica. Essa influência também se fez presente na questão
de como as mulheres deviam sem vistas e tratadas, determinando seus papeis e
sua posição na sociedade medieval da Europa. O parentesco a partir do século X
foi sendo definido verticalmente, no qual as relações familiares passaram
a serem ordenadas por uma linhagem. O primogênito passou a receber a maior
parte da herança, beneficiando os componentes do sexo masculino.
Na Idade Média a
mulher era vista pelos religiosos como inferior, seguindo-se a ideia de que o
homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e a mulher era apenas um reflexo
da imagem masculina, sendo de Deus uma imagem distorcida. O prazer, para essa
visão, aprisionava o espírito ao corpo, impedindo-o de se elevar a Deus e a mulher era ao mesmo
tempo doada e recebida, como um ser passivo.
Em relação às
atividades profissionais não era bom que uma mulher soubesse ler e escrever, a
não ser que entrasse para a vida religiosa. Uma moça deveria, isso sim, saber
fiar e bordar. Se fosse pobre, teria necessidade do trabalho para sobreviver.
Se fosse rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e
supervisionar o serviço de seus domésticos e dependentes. Muitas vezes a
opressão era exercida pelas mulheres poderosas sobre as suas dependentes.
Quanto às camponesas, essas deveriam, quando casadas, acompanhar seus
maridos em todas as atividades desempenhadas no domínio senhorial onde
trabalhavam. Quando viúvas trabalhavam com os filhos ou sozinhas. Já às
aristocratas cabiam a tarefa de serem donas de casa, função difícil na
época, pois a economia doméstica era bastante complicada, exigindo muita
habilidade e senso de organização da dama. O suprimento de alimentos e
vestimentos da vasta família estava sob sua responsabilidade. Tinha de
administrar o trabalho dos domésticos, acompanhar passo a passo à fabricação
dos tecidos, controlar e supervisionar o abastecimento de alimentos.
Nas cidades o trabalho feminino teve muita importância na vida
econômica. O excedente feminino da aristocracia era relegado aos conventos e o
das camadas inferiores era relegado ao mundo do trabalho. A moça quando
solteira ajudava os pais. Casada ajudava o marido, viúva trabalhava sozinha
para sobreviver. Executava tarefas ao lado dos homens nas oficinas artesanais.
A esposa do mestre era responsável pela supervisão das aprendizes, quando
acabava o período de aprendizagem as moças ganhavam um oficio de onde podiam
tirar o seu sustento. Os ofícios de fiação eram essencialmente femininos.
Várias profissões ligadas à indústria do vestuário foram dominadas pelas mulheres.
As senhoras feudais enfrentaram muitas dificuldades na administração de
suas posses, pois tiveram que sustentar pesados processos judiciais contra os
homens para garantirem seus direitos. Em um ambiente em que o uso da força era
a melhor forma para garantirem seus direitos, as mulheres tiveram que se
adaptar às circunstâncias. Precisavam, ainda, demonstrar autoridade suficiente
para evitar a rebeldia dos vassalos e impedir os ataques vizinhos ambiciosos.
Uma questão interessante era a da prostituição. A prostituição, na
verdade, foi sempre ambígua, considerada um “mal necessário”. Em última
instância, a prostituição, imoral, colaborava para a sanidade da sociedade.
Havia um pensamento entre clérigos de que a prostituição resolvia o problema
dos jovens. Segundo esse pensamento, a difusão da prostituição em meio urbano
diminuiria a turbulência característica desse grupo. O recurso aos “casarões
noturnos” diminuiria assim a possibilidade de estupros, arruaças e violências
generalizadas cometidas pelas agremiações juvenis e poderia resolver também o
problema da homossexualidade masculina. Continuando a linha desse
pensamento, a prostituição servia ainda de remédio às fraquezas dos clérigos
diante dos prazeres da carne. Portanto, de pernicioso aos olhos dos
moralistas, pela garantia da moralidade pública, o meretrício, mais que
tolerado, foi estimulado. Entretanto as “marcadoras do prazer” jamais foram bem
vistas. Pelo contrário, era preciso afastá-las das “pessoas de bem”.
A implantação, sedimentação e sobreposição
do cristianismo nas "sociedades bárbaras" teve grande apoio da
devoção e religiosidade de mulheres aristocráticas e não é de se admirar o
elevado número de mulheres santificadas. Os nomes de muitas piedosas foram
associados ao desenvolvimento do culto cristão.
Em relação ao desenvolvimento da lírica
amorosa, esse deve muito ao apoio das mulheres nobres do século XIII. O
envolvimento feminino com a literatura ocorria também no processo de reprodução
dos textos, deixando no fim dos manuscritos o registro de sua participação.
Cristina de Pisan foi a mais famosa poetisa da Idade Média, nascida na Itália,
mas criada na França, na corte de Carlos V, onde teve acesso a biblioteca real
teve acesso ao saber. A Idade Média foi uma época em que a voz e as ações das
mulheres foram extremamente limitadas, mas ainda sim algumas mulheres
conseguiram superar as barreiras impostas pelo sexo e demonstrar aos seus
contemporâneos seus desejos e aflições. Reproduzo a seguir trechos de um texto
da historiadora Christiane Klapisch-Zuber:
"A "mulher medieval”
existe? Ao tentar imaginar as condições de vida, a maneira de pensar, enfim, a
singularidade daquela época, é fácil se contentar com estereótipos – quer
cultivados pelos clérigos de outrora, quer pela divulgação histórica atual.
Entretanto, as pesquisas mais recentes mostram que as condições, no plano
geográfico, social ou mental, eram extremamente diversas. As mulheres que
viveram a Idade Média estão – como hoje – incluídas em contextos que rechaçam
qualquer generalização".
"Na maioria das vezes, são os clérigos que escreveram os relatos que nos
chegaram. Devotados ao celibato, eles davam o tom do pensamento sobre a
diferença dos sexos. Nas entrelinhas, fica patente seu medo desses seres que
deveriam se limitar a procriar".
"Estudos sobre as atividades
profissionais ou financeiras desempenhadas por várias mulheres, na cidade e no
campo, no sul da Europa, registradas pelos tabeliães locais, mostram sua
relativa autonomia e contribuição para a economia doméstica. O direito e os
costumes, no entanto, em parte alguma lhes são favoráveis. Geralmente é
necessário o consentimento de seus esposos para que dispusessem de seus bens,
até mesmo por seus herdeiros, devendo a viúva permanecer sob o mesmo
teto."
"As disparidades regionais
demandam prudência na pesquisa histórica. Mesmo entre cidades vizinhas voltadas
para os negócios, como Veneza, Gênova e Florença, as diferenças são
consideráveis."
"As relações feudais não excluem
as mulheres de um real exercício do poder, na verdade por delegação ou
substituição ao varão legítimo, mas as que tomam o lugar de um esposo ausente
ou impossibilitado são levadas não somente a administrar e julgar, mas, por
vezes, a pegar em armas e guerrear".
"As dinastias concedem-lhes provisoriamente o lugar de regentes quando o
sucessor masculino é jovem demais. Nos casos de vacância de um poder confiado
aos homens, as mulheres que o exercem “virilmente” e revelam as qualidades de
força, moderação e coragem, são elogiadas como exceções que confirmam a regra.
Sua presença na vida cultural e espiritual das sociedades medievais é
rica."
"Ai daquelas que escapam a seus muros para manifestar-se em público:
acabarão, não raro, na fogueira, acusadas de heresia. As que usam saberes
populares para invadir o território dos guardiões profissionais da farmacopeia
e da medicina científica ou dos detentores do poder na aldeia são acusadas de
bruxaria, caindo num modelo de repressão que não atingiu apenas as mulheres,
mas foi usado para eliminar vozes e condutas discordantes".
"Trata-se menos de listar senhoras à frente de seu tempo do que de mostrar
exemplos da complexidade de uma época que viu, entre guerras e pestes e
silêncios, a luta de muitas mulheres".
_______________________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-professor de História
"Na maioria das vezes, são os clérigos que escreveram os relatos que nos chegaram. Devotados ao celibato, eles davam o tom do pensamento sobre a diferença dos sexos. Nas entrelinhas, fica patente seu medo desses seres que deveriam se limitar a procriar".
"As dinastias concedem-lhes provisoriamente o lugar de regentes quando o sucessor masculino é jovem demais. Nos casos de vacância de um poder confiado aos homens, as mulheres que o exercem “virilmente” e revelam as qualidades de força, moderação e coragem, são elogiadas como exceções que confirmam a regra. Sua presença na vida cultural e espiritual das sociedades medievais é rica."
"Ai daquelas que escapam a seus muros para manifestar-se em público: acabarão, não raro, na fogueira, acusadas de heresia. As que usam saberes populares para invadir o território dos guardiões profissionais da farmacopeia e da medicina científica ou dos detentores do poder na aldeia são acusadas de bruxaria, caindo num modelo de repressão que não atingiu apenas as mulheres, mas foi usado para eliminar vozes e condutas discordantes".
"Trata-se menos de listar senhoras à frente de seu tempo do que de mostrar exemplos da complexidade de uma época que viu, entre guerras e pestes e silêncios, a luta de muitas mulheres".
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Márcio José Matos Rodrigues-professor de História
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