terça-feira, 7 de março de 2017

A Mulher na Idade Média


Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 08 de março, escrevi este artigo sobre a mulher na Idade Média. Os papéis das mulheres no Ocidente, a forma como se posicionavam na sociedade, o relacionamento com os homens e como estes as tratavam e a ideologia que definia como as mulheres tinham de se comportar na Antiguidade e na Idade Média eram fortemente influenciados pelos contextos sociais, políticos, econômicos e religiosos das diferentes épocas e também variavam de acordo com os lugares, não raramente também com as realidades regionais distintas ou com o próprio momento histórico de cada sociedade.

Na idade Média havia uma influência religiosa dominante da Igreja Católica, que havia se tornado desde o fim do Império Romano do Ocidente numa poderosa instituição política, social, ideológica e econômica. Essa influência também se fez presente na questão de como as mulheres deviam sem vistas e tratadas, determinando seus papeis e sua posição na sociedade medieval da Europa. O parentesco a partir do século X  foi sendo definido verticalmente, no qual as relações familiares passaram a serem ordenadas por uma linhagem. O primogênito passou a receber a maior parte da herança, beneficiando os componentes do sexo masculino.

Na Idade Média a mulher era vista pelos religiosos como inferior, seguindo-se a ideia de que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e a mulher era apenas um reflexo da imagem masculina, sendo de Deus uma imagem distorcida. O prazer, para essa visão, aprisionava o espírito ao corpo, impedindo-o de se elevar a Deus e a mulher era ao mesmo tempo doada e recebida, como um ser passivo.

Em relação às atividades profissionais não era bom que uma mulher soubesse ler e escrever, a não ser que entrasse para a vida religiosa. Uma moça deveria, isso sim, saber fiar e bordar. Se fosse pobre, teria necessidade do trabalho para sobreviver. Se fosse rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e supervisionar o serviço de seus domésticos e dependentes. Muitas vezes a opressão era exercida pelas mulheres poderosas sobre as suas dependentes.

Quanto às camponesas, essas deveriam, quando casadas, acompanhar seus maridos em todas as atividades desempenhadas no domínio senhorial onde trabalhavam. Quando viúvas trabalhavam com os filhos ou sozinhas. Já às aristocratas cabiam  a tarefa de serem donas de casa, função difícil na época, pois a economia doméstica era bastante complicada, exigindo muita habilidade e senso de organização da dama. O suprimento de alimentos e vestimentos da vasta família estava sob sua responsabilidade. Tinha de administrar o trabalho dos domésticos, acompanhar passo a passo à fabricação dos tecidos, controlar e supervisionar o abastecimento de alimentos.

Nas cidades o trabalho feminino teve muita importância na vida econômica. O excedente feminino da aristocracia era relegado aos conventos e o das camadas inferiores era relegado ao mundo do trabalho. A moça quando solteira ajudava os pais. Casada ajudava o marido, viúva trabalhava sozinha para sobreviver. Executava tarefas ao lado dos homens nas oficinas artesanais. A esposa do mestre era responsável pela supervisão das aprendizes, quando acabava o período de aprendizagem as moças ganhavam um oficio de onde podiam tirar o seu sustento. Os ofícios de fiação eram essencialmente femininos. Várias profissões ligadas à indústria do vestuário foram dominadas pelas mulheres.

As senhoras feudais enfrentaram muitas dificuldades na administração de suas posses, pois tiveram que sustentar pesados processos judiciais contra os homens para garantirem seus direitos. Em um ambiente em que o uso da força era a melhor forma para garantirem seus direitos, as mulheres tiveram que se adaptar às circunstâncias. Precisavam, ainda, demonstrar autoridade suficiente para evitar a rebeldia dos vassalos e impedir os ataques vizinhos ambiciosos.

Uma questão interessante era a da prostituição. A prostituição, na verdade, foi sempre ambígua, considerada um “mal necessário”. Em última instância, a prostituição, imoral, colaborava para a sanidade da sociedade. Havia um pensamento entre clérigos de que a prostituição resolvia o problema dos jovens. Segundo esse pensamento, a difusão da prostituição em meio urbano diminuiria a turbulência característica desse grupo. O recurso aos “casarões noturnos” diminuiria assim a possibilidade de estupros, arruaças e violências generalizadas cometidas pelas agremiações juvenis e poderia resolver também o problema da homossexualidade masculina.  Continuando a linha desse pensamento, a prostituição servia ainda de remédio às fraquezas dos clérigos diante dos prazeres da carne. Portanto,  de pernicioso aos olhos dos moralistas, pela garantia da moralidade pública, o meretrício, mais que tolerado, foi estimulado. Entretanto as “marcadoras do prazer” jamais foram bem vistas. Pelo contrário, era preciso afastá-las das “pessoas de bem”.

A implantação, sedimentação e sobreposição do cristianismo nas "sociedades bárbaras" teve grande apoio da devoção e religiosidade de mulheres aristocráticas e não é de se admirar o elevado número de mulheres santificadas. Os nomes de muitas piedosas foram associados ao desenvolvimento do culto cristão.

Em relação ao desenvolvimento da lírica amorosa, esse deve muito ao apoio das mulheres nobres do século XIII. O envolvimento feminino com a literatura ocorria também no processo de reprodução dos textos, deixando no fim dos manuscritos o registro de sua participação. Cristina de Pisan foi a mais famosa poetisa da Idade Média, nascida na Itália, mas criada na França, na corte de Carlos V, onde teve acesso a biblioteca real teve acesso ao saber. A Idade Média foi uma época em que a voz e as ações das mulheres foram extremamente limitadas, mas ainda sim algumas mulheres conseguiram superar as barreiras impostas pelo sexo e demonstrar aos seus contemporâneos seus desejos e aflições. Reproduzo a seguir trechos de um texto da historiadora Christiane Klapisch-Zuber:

"A "mulher medieval” existe? Ao tentar imaginar as condições de vida, a maneira de pensar, enfim, a singularidade daquela época, é fácil se contentar com estereótipos – quer cultivados pelos clérigos de outrora, quer pela divulgação histórica atual. Entretanto, as pesquisas mais recentes mostram que as condições, no plano geográfico, social ou mental, eram extremamente diversas. As mulheres que viveram a Idade Média estão – como hoje – incluídas em contextos que rechaçam qualquer generalização".

"Na maioria das vezes, são os clérigos que escreveram os relatos que nos chegaram. Devotados ao celibato, eles davam o tom do pensamento sobre a diferença dos sexos. Nas entrelinhas, fica patente seu medo desses seres que deveriam se limitar a procriar".

"Estudos sobre as atividades profissionais ou financeiras desempenhadas por várias mulheres, na cidade e no campo, no sul da Europa, registradas pelos tabeliães locais, mostram sua relativa autonomia e contribuição para a economia doméstica. O direito e os costumes, no entanto, em parte alguma lhes são favoráveis. Geralmente é necessário o consentimento de seus esposos para que dispusessem de seus bens, até mesmo por seus herdeiros, devendo a viúva permanecer sob o mesmo teto."

"As disparidades regionais demandam prudência na pesquisa histórica. Mesmo entre cidades vizinhas voltadas para os negócios, como Veneza, Gênova e Florença, as diferenças são consideráveis."

"As relações feudais não excluem as mulheres de um real exercício do poder, na verdade por delegação ou substituição ao varão legítimo, mas as que tomam o lugar de um esposo ausente ou impossibilitado são levadas não somente a administrar e julgar, mas, por vezes, a pegar em armas e guerrear".

"As dinastias concedem-lhes provisoriamente o lugar de regentes quando o sucessor masculino é jovem demais. Nos casos de vacância de um poder confiado aos homens, as mulheres que o exercem “virilmente” e revelam as qualidades de força, moderação e coragem, são elogiadas como exceções que confirmam a regra. Sua presença na vida cultural e espiritual das sociedades medievais é rica."

"Ai daquelas que escapam a seus muros para manifestar-se em público: acabarão, não raro, na fogueira, acusadas de heresia. As que usam saberes populares para invadir o território dos guardiões profissionais da farmacopeia e da medicina científica ou dos detentores do poder na aldeia são acusadas de bruxaria, caindo num modelo de repressão que não atingiu apenas as mulheres, mas foi usado para eliminar vozes e condutas discordantes".

"Trata-se menos de listar senhoras à frente de seu tempo do que de mostrar exemplos da complexidade de uma época que viu, entre guerras e pestes e silêncios, a luta de muitas mulheres".

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Márcio José Matos Rodrigues-professor de História





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