sábado, 28 de setembro de 2019

Artigo sobre um dos maiores poetas da língua portuguesa: Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage














Para encerrar os artigos de setembro neste blog, vou homenagear um poeta português famoso do século XVIII, o mais importante poeta português desse  século, conhecido mais popularmente como Bocage, que nasceu em Setubal, cidade que tive o prazer de visitar em 2009 e na qual pude ver a estátua que foi feita em lembrança ao poeta.  Mesmo tendo sido famoso como poeta satírico, é um dos maiores poetas líricos da literatura portuguesa.

Bocage além de ter uma sátira agressiva, também tinha um lado de inspiração amorosa, ligada a dramas existenciais, com uma linguagem emotiva, tendo encontrado muita receptividade entre os leitores, não só de sua época, como de outras seguintes. Vários versos seus estão relacionados ao ciúme.  Compôs sonetos satíricos, elegias, odes, fábulas e cantatas.

Manuel Maria de Barbosa l'Hedoisdu Bocage, nasceu no dia 15 de Setembro de 1765, em Setúbal, às margens do rio Sado, em Portugal, sendo um grande representante do arcadismo lusitano. Estava inserido num período de transição do estilo clássico para o romântico. Seu pai era o bacharel José Luís Soares de Barbosa, formado pela Universidade de Coimbra, que foi juiz de fora, ouvidor e advogado. Sua mãe era Mariana Joaquina Xavier L'Hedois Lustoff du Bocage, filha do almirante francês Gil Hedois du Bocage, que foi contratado em 1704  para reorganizar a Marinha de Guerra Portuguesa. Ele teve cinco irmãos.

O pai do poeta foi preso em 1771, acusado de ter desviado verbas enquanto ouvidor, mas é bem provável que tenha sido uma armação contra ele, pois era próximo de pessoas que tinham sido vítimas do Marquês de Pombal e só foi solto em 1777, com a morte do rei Dom José I e a perda de poder de Pombal.

A mãe de Bocage era sobrinha da poetisa francesa madame Anne Marie Le Page du Bocage, que traduziu a obra "Paraíso", de Milton, e autora de "As Amazonas", tendo sido premiada com a coroa de louros de Voltaire e o primeiro prêmio da academia de Rouen por ter escrito o poema épico "A Columbiada".

Embora não se saiba com certeza sobre determinados períodos da infância e juventude do poeta, é muito provável que tenha estudado francês, latim e obras clássicas, como também as mitologias grega e latina.

Teve uma infância difícil, já que seu pai foi preso quando ele tinha seis anos e sua mãe quando ele tinha dez anos. Foi servir como soldado como voluntário em 22 de Setembro de 1781 e de lá saiu em 15 de Setembro de 1783, quando então vai para a Escola da Marinha Real, onde chegou a desertar no final do curso para guarda-marinha, mas mesmo assim a rainha Dona Maria I, o nomeou guarda-marinha. Nessa época em Lisboa já era conhecido como poeta.

Em 1786, como oficial da marinha, embarcou para a Índia, tendo chegado ao Rio de Janeiro no final de Junho. Segundo o "Dicionário de Curiosidades do Rio de Janeiro" ele "gostou tanto da cidade que, pretendendo permanecer definitivamente, dedicou ao vice-rei algumas poesias-canção cheias de bajulações, visando atingir seus objetivos. Sendo porém o vice-rei avesso a elogios,e admoestado com algumas rimas de baixo calão, que originaram a famosa frase: "quem tem c... tem medo, e eu também posso errar", fê-lo prosseguir viagem para as Índias".


Tendo chegado à Índia em 28 de outubro de 1786, fez novos estudos como oficial e mandado para Damão e desertou em 1789, indo para Macau, na China. A Inquisição deu ordem para sua prisão e na cadeia traduziu obras de poetas francesas e latinos.

Aceitou o convite em 1790 de participar da Academia das Belas Letras ou Nova Arcádia, onde escolheu o pseudônimo Elmano Sadino. Lá os autores escreviam poesias que falavam de pastores e ovelhas e da mitologia clássica. Nessa instituição chegou a fazer sátiras contra colegas seus e por isso de lá foi afastado. O nome do movimento se baseava na Arcádia, uma região da Grécia onde, conforme a mitologia, havia uma vida inocente e feliz, com os pastores e pastoras em contato com a natureza.

A primeira edição de sua obra "Rimas" foi publicada em 1791.

Ao divulgar o poema “Carta a Marília”, cujo verso inicial é “Pavorosa Ilusão de Eternidade", Bocage foi acusado de ser “desordenado nos costumes” e de ser contra a monarquia .O intendente de polícia da Lisboa mandou então prendê-lo em 7 de Agosto de 1797. Dessa data até o fim de 1798 ficou preso no Limoeiro, no calabouço da Inquisição, no Real Hospício das Necessidades e no Convento dos Beneditinos. Durante o tempo que esteve preso, começou a trabalhar como redator e tradutor.

Nos anos de 1799 a 1801 , fez trabalhos com o frade brasileiro Frei José Mariano da Conceição Veloso, que tinha boas ligações políticas. Nessa época fez diversos trabalhos de tradução. E de 1801 até sua morte por aneurisma em 1805, aos 40 anos, viveu no Bairro Alto de Lisboa. Morreu no dia 21 de dezembro de 1805 e foi sepultado num jazigo subterrâneo da Igreja Paroquial de Nossa Senhora das Mercês, em Lisboa. Publicou em vida somente “Rimas”, (1791-1804) em III volumes e  “Poesias”, de 1853, é considerada a melhor coletânea de sua obra. Um dizer de Bocage que ficou conhecido foi: "Rasga meus versos. Crê na eternidade!"


A data de 15 de Setembro é considerada feriado municipal em Setúbal.


Algumas de suas obras:


Morte de D. Ignez de Castro
O Triunfo da Religião
A Pavorosa Ilusão
A Virtude Laureada
À Puríssima Conceição de Nossa Senhora
Elegia
Convite à Marília
Improvisos de Bocage
Idílios Marítimos
Mágoas Amorosas de Elmano
Queixumes do Pastor Elmano Contra a Falsidade da Pastora Urselina

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Trechos de obras do poeta:



"Magro, de olhos azuis, carão moreno,

Bem servido de pés, meão na altura,

Triste de facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,

Mais propenso ao furor do que à ternura;

Bebendo em níveas mãos, por taça escura,

De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades

(Digo, de moças mil) num só momento,

E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage, em quem luz algum talento;

Saíram dele mesmo estas verdades,

Num dia em que se achou mais pachorrento."



"Pavorosa Ilusão de Eternidade,

Terror dos vivos, cárcere dos mortos;

D’almas vãs sonhos vão, chamado inferno;

Sistema de política opressora,

     Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos

     Forjou para a boçal credulidade;
    
     Dogma funesto, que o remorso arraigas

Nos termos corações, e a paz lhe arrancas:

Dogma funesto, detestável crença,

Que envenena delícias inocentes! "



"Já se afastou de nós o inverno agreste

Envolto nos seus úmidos vapores;

A fértil Primavera, a mãe das flores,

O prado ameno de boninas vestes:

Varrendo os ares o sutil nordeste

Os toma azuis; as aves de mil cores,

Adejam entre Zéfiros, e Amores,

E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem, ó Marília, em lograr comigo,

Destes alegres campos a beleza,

Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:

Quanto me agrada mais estar contigo

Notando as perfeições da Natureza!"



         "Camões, grande Camões, quão semelhante

          Acho teu fado ao meu quando os cotejo!

          Igual causa nos fez perdendo o Tejo

          Arrostar co sacrílego gigante:

          Como tu, junto ao Ganges sussurrante

          Da penúria cruel no horror me vejo;

          Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,

          Também carpindo estou, saudoso amante:

          Lubíbrio, como tu, da sorte dura,

          Meu fim demando ao Céu, pela certeza

          De que só terei paz na sepultura:

          Modelo meu tu és... Mas, ó tristeza!...

          Se te imito nos transes da ventura,

          Não te imito nos dons da natureza."


Frases

Os Homens não são maus por natureza; atractivo interesse os falsifica, A utilidade ao mal, e ao bem o instinto Guia estes frágeis entes.”


Triste quem ama, cego quem se fia.”


Nas paixões a razão nos desampara.”


Amores vêm e vão, mas o verdadeiro amor nunca sai do coração.”


Morrer é pouco, é fácil; mas ter vida delirando de amor, sem fruto ardendo, é padecer mil mortes, mil infernos.”


De quantas cores se matiza o Fado! Nem sempre o homem ri, nem sempre chora, Mal com bem, bem com mal é temperado"


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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História




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