A Bielorrúsia está passando por momentos de grande tensão e conflitos, com vários protestos populares contra o presidente reeleito Lukashenko, que há 26 anos controla o país. Opositores denunciaram que as eleições de agosto de 2020 foram manipuladas. Fraudes também foram denunciadas em eleições de anos anteriores para a câmara baixa do parlamento. Lukashenko é conhecido como “o último ditador da Europa.” Segundo o analista político Valeriy Karbalech: “Penso que Lukashenko vai ficar no poder até ao fim. Pelo menos é isso que ele quer, ficar até ao fim da vida. Tem medo de confiar em alguém e é por isso, que se quer manter no poder o máximo de tempo possível".
Explicarei um pouco sobre a Bielorússia, que é uma ex-república soviética. O nome "Bielorrússia” vem de Rússia Branca. Há mais de uma versão sobre este nome. Uma delas diz que que era a área da Europa Oriental coberta por neve e povoada por povos eslavos, em oposição a uma outra área chamada Rutênia Negra. Outra versão diz que o nome veio da forma de se vestir com roupas brancas pela população da região. Finalmente outra versão era de que a região teve este nome porque parte dela não foi conquistada pelos mongois e biel tinha o significado de livre. E no século XVII os czares russos chamaram de “Rus Branco” para designar as terras conquistadas do Grão Ducado da Lituânia. O idioma bielorusso durante o império russo era considerado um dialeto vindo da língua russa. E quando surgiu a União Soviética, anos após a Revolução Bolchevique de 1917, a Rússia Branca passou a ser chamada de República Socialista Soviética Bielorrussa. Com o fim da União Soviética o governo bielorusso passou a utilizar o termo Belarus. O nome completo do país é "República da Bielorrússia".
Em março de 1918, a Bielorrússia declarou sua independência pela primeira vez, tendo formado a República Popular Bielorrussa, criada quando a Alemanha ocupou aquela área durante a I Guerra Mundial. Pouco tempo depois houve a guerra entre soviéticos e poloneses e a Bielorússia foi dividida entre poloneses e russos. A parte russa virou uma república soviética.
Com a derrota da Polônia em 1939 e a ocupação da mesma por alemães e soviéticos, a parte da Bielorrússia que estava sob controle polonês ficou sob domínio soviético. Mas com a invasão alemã à União Soviética, a Bielorrússia ficou sob ocupação nazista até 1944, resultando em grandes perdas humanas e materiais, com 209 das 290 cidades bielorrussas destruídas e com 2 ou talvez mesmo 3 milhões de mortos.
Com o fim da guerra, o ditador Stalin intensificou um processo de sovietização da Bielorrússia, procurando um isolamento quanto às “influências ocidentais”. Inclusive russos passaram a fazer parte do governo bielorrusso. Também houve limitações à língua bielorrussa. Esse controle cultural continuou no governo de Khrushchev . Em 27 de julho de 1990 a Bielorrússia se declarou um país soberano com a Declaração de Soberania de Estado da República Socialista Soviética Bielorrussa. Em 15 de agosto de 1991, Stanislau Shushkevich foi eleito o primeiro presidente e a 25 de agosto a Bielorrússia declarou sua independência. Em 26 de dezembro houve o fim da União Soviética.
Em março de 1994 foi adotada uma Constituição e as funções que eram do primeiro-ministro foram transferidas para o presidente. O vencedor das eleições em dois turnos para presidente foi o atual líder da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que pertenceu ao Partido Comunista da União Soviética. Foi soldado no exército soviético e vice-presidente de uma fazenda coletiva.
Foi assinado em 1997 um tratado pela Bielorrússia e Federação Russa que prevê a unificação das políticas externa, econômica e militar. Em 1999, a Belarus e a Federação Russa assinaram um acordo para a criação da União da Rússia e Bielorrússia, uma entidade supranacional. Mas cada Estado ainda continua soberano e independente, embora mais próximos economicamente. E, em 2008 foi assinado um acordo para unificação monetária e tributária com a Rússia.
Esta dependência econômica da Bielorrússia em relação à Rússia é explicada pelo professor e doutor Paulo Gala:
“Antiga potência industrial durante o período soviético, cujos tratores chegaram a ser estampados em cédulas vietnamitas, a fechada Bielorrússia tenta se adaptar aos novos tempos. A transição pós-URSS, bem menos traumática do que a dos vizinhos, pode ter ajudado a preservar o seu conhecimento produtivo. Mas o crescimento econômico perdeu fôlego recentemente, e a enorme dependência da Rússia parece determinar o seu destino.
Entre 1995 e 2018, a indústria bielorrussa foi a 7ª que mais cresceu no mundo per capita A indústria automobilística, particularmente, foi um dos principais legados soviéticos. No final dos anos 2000, estima-se que esse setor ainda representava sozinho 22% da indústria.
Dentro dela, destacam-se os tratores de (enorme) porte. Já foram exportados para 62 países. Eram tão reconhecidos que chegaram a ser desenhados em cédula vietnamita. A fragilidade é a dependência da Rússia. Em 1995, a Rússia nem aparecia mais entre os principais destinos das exportações. Em 2018, representava mais da metade. Em outro setor, as exportações de produtos derivados do petróleo cru subsidiado pela Rússia cresceram significativamente até o início da última década.”
Em conversas entre os governos da Rússia e Bielorrússia, ambos resolveram criar um mercado industrial comum até 2021, com a expectativa de unificação dos mercados de de gás natural e petróleo, como também das indústrias, da agricultura e do transporte.
O presidente Lukashenko conta com grande apoio do presidente russo Putin, seu aliado. Diante das acusações de fraude em eleições, a Rússia tem manifestado que está do lado de Lukashenko. Apesar da forte influência russa ainda aparecem certos pontos de divergências entre os dois países, como a disputa entre 2006 e 2008 sobre o comércio do petróleo.
O próprio Lukashenko reconhece que tem ações muito severas dizendo que tem um "estilo de governo autoritário". Apesar das críticas de vários países europeus que o acusam seu governo de ser uma ditadura, ele tem permanecido no poder. Mas há pressões contra Lukashenko. Por exemplo, o Conselho da Europa proibiu a filiação da Bielorrússia desde 1997, por causa de irregularidades em eleições. Também há acusações sérias de violações de direitos humanos, como também perseguição a jornalistas, minorias nacionais e oposicionistas políticos. A pena de morte também existe. Alterações nas leis eleitorais tem permitido a Lukashenko ter mandatos ampliados e também a ficar concorrendo várias vezes em eleições para presidente. Apesar das pressões internacionais, a Bielorrúsia possui comércio com Estados-membros da União Europeia. Houve um certo enfraquecimento das relações da Bielorrúsia com o governo dos Estados Unidos devido ao apoio desse a organizações contra Lukashenko. Por outro lado, nos últimos anos tem havido uma aproximação maior com a China.
Tem acontecido muitas passeatas contra o governo de Lukashenko a partir de sua vitória considerada fraudulenta nas eleições (Lukashenko venceu as eleições no início de agosto com 80% de votos contra 10% de Sviatlana Tsikhanouskaya, sua principal rival) e em represália a estas manifestações, o presidente tem exercido forte repressão. Como diz a escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitc: “A qualquer momento podem bater na porta e vir me prender. Precisamos da ajuda do mundo civilizado”. Também afirmou: “A situação mudou muito desde este domingo. Mais de 200.000 pessoas foram às ruas, mas nesta segunda-feira de manhã já começaram coisas cruéis. Prenderam dois membros do Conselho de Coordenação da oposição e disseram que vão demitir todos os professores que não compartilham a visão do Estado, ou seja, de Lukashenko”. Mas apesar de tantos protestos a escritora mostra pouca fé quanto à queda do presidente: “Não sei o que vai acontecer no próximo domingo, se as pessoas vão poder sair assim, porque está em curso uma repressão total. Demitem os trabalhadores, demitem metade da força de trabalho. O país se dividiu e não importa que centenas de milhares de pessoas tenham se manifestado em Minsk. Também saíram às ruas em outras cidades, mas nelas são camicases, porque não são tantos. Nossa sociedade civil ainda não tem as forças necessárias para alcançar a democracia”.
Confiando em tropas do exército bielorrusso, Lukashenko também espera contar com ajuda russa se for preciso para se manter no poder. Segundo o presidente da Rússia: “[Lukashenko] Me pediu para formar uma certa reserva de policiais, e eu fiz isso”.
Diante do envolvimento russo, não deverá haver qualquer tentativa de apoio bélico de forças européias da OTAN para pressionar a saída de Lukashenko. Provavelmente ele ainda conseguirá se manter por mais tempo no poder. Entretanto, sem dúvida as manifestações provaram que grande parte do povo bielorrusso está muito descontente e quer mudanças. E, embora muito pouco provável, não é impossível que as pressões internas (principalmente) e as externas vindas de países ocidentais possam forçar a uma mudança política (mesmo que reduzida), havendo algum tipo de diálogo do governo com a oposição e com a possibilidade (mesmo que mínima) da saída de Lukashenko em um momento posterior. Consultado por representantes de governos europeus, o próprio Putin não se mostrou contrário a uma aproximação para início de conversas entre o governo bielorruso e a oposição política. Pode ser mesmo que ele tenha concordado com esta aproximação, como também pode ser mais uma manobra de Putin, que está acostumado ao jogo de poder entre as nações. Porém é preciso ter bem claro que, seja qual for o governante da Bielorrússia, terá de saber negociar com a Rússia, que com certeza não vai querer abrir mão de sua considerável influência política, militar e econômica em relação à Bielorrússia. Qualquer tentativa de mudança de orientação de um governo bielorrusso em direção mais à União Europeia que a Moscou será muito mal vista pelo governo russo que tem forças suficientes (militares e econômicas) para impor sua posição.
A Revista Isto é diz em sua edição de 26 de agosto de 2020 : "Putin age porque a Bielorrússia serve como anteparo entre a União Europeia- leia-se a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN)- e a Rússia. Além disso, mais de 60% das exportações da Bielorrússia vão para Moscou, e 40% das importações vêm de lá. O principal item comercializado é o petróleo que russos vendem na forma bruta, subsidiada, e compram os produtos refinados da Bielorrússia. Há um importante sistema de oleoduto e gasoduto ligando as duas nações". E em relação a Lukashenko: "...Ele se sente protegido pelo presidente russo, que pretende não apenas manter um aliado na base da força, mas também mandar um recado interno à oposição em seu país."
Sugestão de vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=LkOJjvRt8dk
Um mar de gente em protesto na capital da Bielorrússia
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+passeatas+na+bielorr%C3%BAssia&client=firefox.
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