Atualmente estamos vendo a terrível realidade no Brasil com florestas destruídas pelo fogo devido principalmente a ações criminosas. E os meios de comunicação noticiam que investidores internacionais estão se recusando a fazer negócios com o Brasil devido à intensa destruição que está havendo na Amazônia.
Com base nestes fatos resolvi escrever este artigo, fazendo uma comparação com uma outra questão que aconteceu no século XIX: a pressão inglesa sobre o governo brasileiro para a extinção da escravidão. Creio haver algumas semelhanças entre as questões, respeitando, é claro as diferenças históricas.
Começando pela questão da escravidão, surgiu no Brasil oitocentista (século dezenove) a expressão "Lei para inglês ver". Esta expressão tem relação com leis ou regras apenas para constar e sem serem realmente cumpridas, em especial ao que aconteceu referente ao tráfico de escravos.
O governo britânico, que durante mais de dois séculos se destacou no comércio escravagista, passou,a partir de 1807,a proibir tal prática no Reino Unido. Anos depois também começou a exercer influência para que outros países abolissem a escravidão. Estudiosos apontam que houve em parte motivos humanistas, mas a principal razão apontada por muitos historiadores é a questão econômica, embora não neguem que possa ter havido uma combinação do humanismo com os aspectos econômicos. Por que razões econômicas? Porque a Inglaterra nessa época defendia a mão de obra assalariada e consumidora de seus produtos e era contrária a uma mão de obra escrava que não consumia. Mas apesar de abolido o tráfico pela Inglaterra em 1807 para suas colônias, o trabalho escravo nas mesmas colônias só foi definitivamente abolido em 1833.
Com a total proibição da escravidão no Império Britânico, iniciou-se uma forte campanha contra a escravidão em outros países. Em relação ao Brasil, em 1826, quando tal país estava em seu primeiro reinado, esse foi forçado a concordar com um tratado de abolição do tráfico em três anos, o que o governo brasileiro não efetivou. Destaca-se que além de existir interesses da Inglaterra em criar um mercado consumidor maior para suas mercadorias, a produção de açúcar no Brasil escravocrata ficava mais barata que a produção inglesas nas Antilhas, criando uma vantagem para o açúcar brasileiro que não interessava à Inglaterra.
Como a Inglaterra era a principal potência naval e industrial e estando o Brasil muito ligado a ela por meio de empréstimos de banqueiros ingleses, pela exportação de produtos agrícolas brasileiros e pela compra de produtos industrializados ingleses, não era possível enfrentar com vigor a pressão britânica. Sendo assim, em 1831, foi promulgada a Lei Feijó, proibindo o tráfico de escravos vindos da África e declarando livres os africanos que tinham chegado no Brasil como escravos a partir daquele ano. Porém a lei não era cumprida e foi chamada de lei "para inglês ver". Os ricos latifundiários e proprietários escravagistas não queriam que ela valesse e o governo brasileiro não os obrigou a obedecer a lei. Essa era apenas para dizer aos ingleses que existia uma proibição legal contra o tráfico.
Apesar de oficialmente o governo inglês ser contra a escravidão e pressionar o Brasil por sua abolição, houve ricos súditos ingleses que se valiam dela para enriquecer ainda mais em negócios no Brasil. Segundo o pesquisador Joe Mulhern, banqueiros ingleses se envolveram com a escravidão no Brasil, ainda que ela já estivesse extinta em todos os territórios coloniais britânicos desde 1833. Disse ele: "Apesar de o Império Britânico na era vitoriana pensar em si mesmo como um modelo moral quanto à escravidão e fazer pressão para que outros países, inclusive o Brasil, abolissem a prática, os legisladores tiveram dificuldade para cortar os laços econômicos com a escravidão em países estrangeiros". Houve, por exemplo, o empréstimo e compra de títulos do Tesouro envolvendo bancos ingleses e participantes locais da economia escravagista do Brasil. Fazendeiros escravistas tinham financiamentos de bancos ingleses.
O segundo ponto deste artigo é em relação à destruição das florestas brasileiras no período de 2019 a 2020. Esta destruição tem muito a ver com interesses ligados à criação de gado, ao comércio ilegal de madeira e à produção de soja. Uma parte dos produtos foi para a Europa. Este comércio internacional tem durado anos, tendo recebido muitas críticas de ambientalistas e agora altos investidores estrangeiros passam a fazer pressões contra a terrível devastação brasileira na Amazônia, afirmando que não farão negócios com o Brasil se a destruição continuar.
O fogo e os tratores tem sido usados por fazendeiros para descartarem as árvores e deixarem o terreno para plantio de capim para o gado ou para outras plantações. Além dos grandes produtores rurais citados, há outros destruidores como os exploradores de madeira ilegal (que podem ser também fazendeiros) e em alguns casos grupos ligados à mineração.
Em 2000 existiam 47 milhões de bovinos na Amazônia e no ano de 2019 já eram 85 milhões, sendo que a pecuária ocupa cerca de 80% da área desmatada da região. É a exploração econômica da Amazônia que está por trás de 40 mil focos de incêndio que afetaram a floresta de janeiro a agosto de 2019.
O aumento dos focos de incêndio segundo especialistas tem relação com redução de fiscalização ambiental , cortes no Ministério do Meio Ambiente, negação de dados sobre desmatamento e a extinção do Fundo Amazônia.
Segundo a Revista Veja em reportagem de 5 de agosto de 2020: "Enquanto os números retumbantes de destruição da Amazônia produzem um justo alarde no Brasil e no exterior, o nome dos responsáveis por essa catástrofe raramente vem à luz. Para identificá-los a reportagem de VEJA realizou um trabalho exclusivo criando um ranking dos dez maiores desmatadores com base nas multas aplicadas por uma única infração do tipo entre agosto de 2019 e julho de 2020..." . E ainda: "As multas homologadas pelo IBAMA podem abranger infrações ambientais de anos anteriores. O caso da Cristo Rei foi flagrado pelos agentes em 2018. Ela está situada numa área reivindicada na Justiça pela etnia Ikpeng, que foi deslocada de lá pelos irmãos Villas Boas, na época da criação do Parque do Xingu. A fazenda pertence à Agropecuária Rio de Areia, de propriedade de Nogueira, e que em seu site diz atender alguns dos maiores frigoríficos do país, como a JBS, a Marfrig e a Minerva- todas empresas que possuem selos de sustentabilidade e de respeito à preservação da Amazônia. É esse tipo de confusão que vem estragando a imagem do país lá fora e pode provocar fuga de capitais e suspensão de novos investimentos". Questionadas pela revista, as empresas citadas negaram ter negócios com fazendeiros desmatadores.
A revista Veja destaca que : "A defesa do meio ambiente virou um caso de suprema importância para o capitalismo mundial. Fundos de investimento, especialmente europeus e norte-americanos, vem sinalizando preocupação com o nível de queimadas e desmatamento na Amazônia e, de uns tempos para cá, condicionam a aplicação de recursos em países e empresas que adotam padrões de preservação cada vez mais altos".
É de se destacar também que além do desmatamento, também devem ser considerados outros fatores na expansão descontrolada como a poluição de rios, trabalho análogo à escravidão, a invasão de terras indígenas e a grilagem de terras por fazendeiros.
Segundo a publicação Repórter Brasil, embora a criação de gado seja a atividade que mais esteve relacionada às queimadas na Amazônia, no norte do Mato Grosso, com áreas de floresta amazônica, a plantação de soja foi a que mais tem afetado a natureza. Diz a reportagem que em São José do Rio Claro, um fazendeiro foi denunciado e multado por trabalho escravo e desmatamento ilegal. Ele exportava proteína de soja para a Noruega para ser usada como ração de salmão. Em 2018 as fazendas de soja ocupavam ilegalmente 47,3 mil hectares de floresta desmatada na Amazônia. Segundo o referido meio de comunicação, muitos líderes políticos nacionais tiveram campanhas financiadas por grandes fazendeiros relacionados a crimes ambientais e também ressalta a publicação que para ecologistas o Brasil poderia utilizar milhões de hectares de antigas pastagens ou áreas abandonadas para transformá-las em áreas produtivas e aumentar sua superfície agrícola.
A destruição da floresta na Amazônia tem relação com o aumento da secura no Centro-Oeste, colaborando assim para as imensas queimadas que estão acontecendo na região do Pantanal. Com a redução da floresta amazônica, há uma diminuição dos chamados "rios voadores" (que levam essa umidade a outras regiões do país) interferindo no regime de chuvas no Pantanal que está sofrendo uma destruição ambiental gigantesca, com enormes prejuízos para a flora e a fauna, assim como para a própria economia regional.
O governo Bolsonaro, diante de tais pressões estrangeiras (e não por uma sensibilização humanista diante da realidade ambiental da Amazônia), diz agora que vai agir duramente contra a devastação da floresta amazônica.
Finalizando, a questão que levantei no início do artigo mostra a força dos grandes proprietários rurais daquela época para postergar o fim da escravidão e para procurar ludibriar a maior potência industrial da época que forçava o fim da escravidão que o Brasil conseguiu manter até sua abolição em 13 de maio de 1888. Dessa forma, a pressão externa exigia que findasse a escravidão e internamente o governo, influenciado pelos latifundiários, tentava manter o tráfico e a escravidão pelo maior tempo que fosse possível. Mas a Inglaterra, já sem acreditar mais em boas intenções do governo brasileiro, por meio da lei Bill Aberdeen de 1845, dava autorização para sua Marinha Real para agir severamente contra navios que transportavam africanos para serem escravizados. Essa lei de fato causou uma pressão maior sobre o Império do Brasil. E só assim, em 1850 foi criada uma lei mais efetiva contra o tráfico de escravos, que foi então verdadeiramente combatido pelas autoridades brasileiras.
Em relação à destruição das florestas brasileiras, de novo temos uma pressão externa contrária e uma resistência de poderosos fazendeiros brasileiros para continuar devastando em nome de um progresso a qualquer custo. Mais uma vez o capital internacional e capitalistas nacionais. Os investidores estrangeiros pressionam, mas há capitalistas de outros países que compram produtos de devastadores. A questão é complexa. Lembram-se de que existiram bancos ingleses no século XIX que financiavam fazendeiros escravistas? O governo Bolsonaro vê-se diante de uma força poderosa representada pelos investidores de fora como o governo brasileiro do século XIX viu-se diante de uma Inglaterra que adotava uma postura contra a escravidão. Tanto naquele tempo como agora o investidor externo tem um peso grande que influencia na economia brasileira. No século XIX a Inglaterra adotou até mesmo a força de sua marinha, o que não é o caso atual, pois não há uma ameaça pelas armas.
A questão é, o governo da atualidade tentará uma política ambiental no estilo "Para inglês ver?". É de se ressaltar que mesmo com a tentativa de se querer enganar a Inglaterra, esta percebeu o engodo e reagiu. Hoje em dia há mais tecnologia, existem satélites que podem observar claramente se o governo brasileiro está tomando as medidas adequadas para barrar a imensa destruição que, mesmo não tendo começado neste governo, com certeza aumentou muito com ele, considerando-se sua grande e próxima ligação com os poderosos ruralistas, sendo que parte deles é de grandes devastadores ambientais. O governo atuará como deve contra os destruidores, mesmo eles tendo sua força financeira, política e econômica? Alguém será punido? Continuará a pressão internacional? Veremos. Se o governo quiser enganar seu povo e os investidores estará não só se arriscando a perder investimentos, como também colaborando para a continuação deste enorme crime contra o meio ambiente e para as terríveis consequências que já estão acontecendo em relação ao clima e aos recursos naturais.
Algumas frases da ativista ambiental Greta Thunberg:
"Os adultos ficam dizendo: 'devemos dar esperança aos jovens'. Mas eu não quero a sua esperança. Eu não quero que vocês estejam esperançosos. Eu quero que vocês estejam em pânico. Quero que vocês sintam o medo que eu sinto todos os dias. E eu quero que vocês ajam. Quero que ajam como agiriam em uma crise. Quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo, porque está" – Greta Thunberg, em Davos
"Vocês roubaram meus sonhos e minha infância com suas palavras vazias (...) Estamos no início de uma extinção em massa e tudo o que vocês falam gira em torno de dinheiro e um conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como ousam?" – Greta Thunberg, na Cúpula do Clima na ONU
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura:
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