No dia primeiro de fevereiro de 2021 o
governo eleito de Mianmar (localizado no sudeste da Ásia, com população de
cerca de 50 milhões de habitantes, de maioria budista e que já foi chamado até
1989 de Birmânia) foi deposto pelo exército. Nesse dia deveria ter
acontecido a sessão do Parlamento que consagraria o resultado das eleições
de novembro de 2020. Líderes políticos foram presos, os voos domésticos e
internacionais foram suspensos, estradas foram bloqueadas ao redor da capital,
o sinal para a telefonia móvel e o acesso à internet foram bloqueados nas
cidades principais. Mercados de ações e bancos foram fechados. Horas depois do
início do golpe houve um restabelecimento parcial da internet.
Em 2011 chegou ao poder um governo
eleito de forma democrática depois de quase 50 anos de regime militar. Nesse
período democrático houve eleições para o Parlamento e reformas políticas e
econômicas. A Liga Nacional pela Democracia (em inglês a sigla é
NDL), o partido civil, venceu para 83% dos cargos que estavam sendo disputados
na eleição de 8 de novembro de 2020. O partido dos militares foi derrotado.
Após o golpe em primeiro de fevereiro,
diversas figuras civis importantes de Mianmar como Daw Aung San Suu Kyi
(presidente do partido que estava no poder) e o presidente nacional, U Win
Myint, foram detidos, assim como membros do NDL,ministros, governadores
regionais, políticos da oposição, escritores, artistas e ativistas. Segundo o
apresentador de uma estação de TV controlada pelos militares, o estado de
emergência será por um ano. Foi mencionada a Constituição de 2008, com a
justificativa de que os militares poderiam legalmente declarar uma emergência
nacional. Outras estações de Tv foram proibidas de operar. Os militares
justificaram que deram o golpe porque, segundo eles, as eleições de 2020 teriam
sido fraudadas e que a Comissão Eleitoral foi "incapaz de resolver o
problema". O vice-diretor da Human Rights Watch (HRW) na Ásia, Phil
Robertson, não concorda com a versão desses militares, tendo afirmado:
"Obviamente, Aung San Suu Kyi obteve uma retumbante vitória eleitoral. Tem
havido alegações de fraude eleitoral sem evidências."
A líder política Daw Aung San Suu Kyi
fez um pedido à população de Mianmar para que não aceite o golpe. Ela é filha
do general Aung As, considerado um herói da independência do país, que fez
parte do império britânico. Ela esteve presa por 15 anos durante o regime
militar. Foi vencedora do prêmio Nobel da Paz em 1991 (na ocasião estava em
prisão domiciliar). Em 2010 saiu da prisão e tornou-se uma líder no país, tendo
liderado a oposição civil para obter uma grande vitória na eleição de 2015, a
primeira disputada abertamente em 25 anos. Mas sobre ela existem acusações por
organizações internacionais de que a mesma foi conivente com os militares na
cruel perseguição à minoria religiosa muçulmana, os rohingyas
(considerados estrangeiros em Mianmar e que tem sofrido vários tipos de
discriminação). Um movimento de monges budistas nacionalistas incentivava a
perseguição contra os rohingyas. Aung San representou Mianmar em 2019
em uma Corte Internacional de Justiça, pois houve a acusação de limpeza étnica
no país.
Com a derrubada do governo eleito,
interinamente assumiu a presidência o vice-presidente Myint Swe. Porém o
general Min Aung Hlaing, chefe das forças armadas do país, é quem está
realmente dirigindo Mianmar a partir do golpe. Ele deveria ir para a reserva em
2021 por motivo de idade. O exército sob o comando dele realizou ações contra
minorias como os rohingyas, os shan e os kokang. O General Min foi dirigente de
dois grupos empresariais e era ele quem nomeava os chefes de polícia, tendo
forte influência no órgão que controla as fronteiras.
Governos de países como Estados Unidos,
Grã-Bretanha e Austrália condenaram o golpe em Mianmar. Segundo o secretário de
Estado dos EUA, Antony Blinken: "Os EUA estão com o povo da Birmânia em suas
aspirações por democracia, liberdade, paz e desenvolvimento. Os militares devem
reverter essas ações imediatamente."
Para o analista Jonathan Head da BBC:
“As rusgas que têm causado tensão entre os militares e o governo são bem
conhecidas. O partido apoiado pelos militares, o USDP, teve um mau desempenho
nas eleições gerais de novembro passado, enquanto o NLD se saiu ainda melhor do
que em 2015.
O timing do golpe
também é fácil de explicar. Nesta semana, aconteceria a primeira sessão do
Parlamento desde a eleição, o que teria consagrado o resultado do pleito ao
aprovar o próximo governo. Isso não vai mais acontecer.
Mas a estratégia mais ampla dos
militares é difícil de entender. O que planejam fazer no ano em que se
propuseram a governar o país? Haverá indignação pública contra um golpe
realizado logo após uma eleição em que 70% dos eleitores desafiaram a pandemia
de covid-19 para votar de forma esmagadora em Suu Kyi.
Conhecida pela obstinação,é improvável
que ela coopere com uma arma apontada para sua cabeça. Seu aliado, o presidente
Win Myint, é a única pessoa autorizada pela Constituição a decretar estado de
emergência. E ele foi detido como ela.”
Para o especialista Michal Lubina sobre
o golpe dos militares:
"Na verdade, bastaria eles
esperarem a NLD perder sua popularidade, em decorrência da covid-19 e da
economia em crise. Seu sistema lhes garante todas as possibilidades econômicas
e políticas, sem terem que assumir responsabilidade".
O golpe politicamente pode fortalecer a
influência de Aung San Suu Kyi perante a população de Mianmar. E externamente
diversos países europeus e os Estados Unidos tem se colocado contra o golpe.
Mas a imagem dos militares já estava desgastada junto a estes países desde a
expulsão violenta dos rohingya. O desgaste desta imagem parece não ter abalado
significativamente os militares, que possuem uma política próxima à China. O
governo chinês não tem feito graves críticas aos líderes militares de Mianmar e
a agência estatal de notícias chinesa Xinhua tem descrito inicialmente o golpe
como "grande reestruturação de gabinete”. A opinião do analista Michal
Lubina sobre a posição da China diante do golpe é: "Tudo o que a China
precisa fazer agora é esperar, enquanto a situação em Mianmar piora devido à pressão internacional crescente. Quanto maior a
pressão, mais Mianmar terá que se curvar diante da potência protetora."
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura:
https://www.google.com/search?q=mapa+de+mianmar&sxsrf=ALeKk008GGGTTVBR-RzFO6n5XlK5mrvh0w:1612384710059&tbm=isch&source
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