O primeiro país sobre o qual vou tratar neste meu conjunto de artigos que denominei de “Nações Esfaceladas” será o Haiti, cujo povo tem sofrido muito com as catástrofes naturais e com problemas sociais, políticos e econômicos diversos, causando uma desestruturação na sociedade haitiana
O Haiti (“terra de altas montanhas” na língua do
povo indígena taíno que ocupava a ilha antes da chegada dos europeus ) se chama
oficialmente República do Haiti. É um país do Caribe e se localiza numa parte
ocidental da Ilha de Hispaniola (na outra parte da ilha está a República
Dominicana), que é integrante do arquipélago das Grandes Antilhas. Os franceses
chamam o país de La Perle des Antilles, que quer dizer “A Pérola
das Antilhas”, por sua beleza natural. É o terceiro país do Caribe em extensão
e em população (mais de 10 milhões de habitantes). As línguas oficiais são o
francês e o crioulo haitiano. O Haiti em 1804 passou a ser a primeira nação
independente da América Latina e do Caribe, graças a uma revolta de escravos e
libertos que teve sucesso. Historicamente é a segunda república da América. É o
país mais pobre da América. Cerca de 95% dos haitianos são negros, descendentes
de escravos africanos.
Os primeiros habitantes de toda a ilha de
Hispaniola foram os índios aruaques (ou taínos) e os caraíbas. Foi Cristóvão
Colombo, que desembarcou na ilha em 5 de dezembro de 1492, que deu o nome de
Hispaniola à ilha. Os franceses depois a chamaram de São Domingos. No fim do
século XVI os colonizadores espanhóis já tinham causado a morte de quase todos
os antigos nativos e entre eles muitos foram escravizados. A área da
ilha que veio a se tornar o Haiti foi cedida à França pela Espanha em 1697. Já
tinha sido um local muito frequentado por piratas.
No século XVIII o Haiti era uma colônia que
fornecia à França especialmente açúcar, cacau e café. A França procurava
instigar o preconceito e a divisão entre os escravos, classificando-os em
categorias raciais. A forma de trabalho para a agricultura era o trabalho
escravo, de forma brutal. No fim do século XVIII havia cerca de 85% da
população constituída por pessoas escravizadas, mais de 530 mil.
Durante a segunda metade do século XVIII houve revoltas contra o domínio francês. A ocorrência da Revolução Francesa teve influência no Haiti. Ocorreram então mais revoltas sociais e interferências militares da Espanha e da Inglaterra que foram mal sucedidas. Nesse contexto, em 1794 a escravidão foi abolida oficialmente no Haiti pelo governo da Convenção na França, sendo o primeiro país da América onde escravidão era abolida. Toussaint Louverture, um ex-escravo, tomou a liderança de um movimento popular haitiano, foi hábil em formar um exército rebelde, era um bom negociador político, sabendo como se aproveitar das rivalidades entre as potências coloniais e tornou-se governador-geral em 1801, porém se iludiu em relação às intenções da antiga metrópole, sendo deposto e enviado por militares franceses do exército de Napoleão Bonaparte para a prisão na França, onde morreu.
As
tropas napoleônicas sofreram uma grande derrota em outubro de 1803, sendo
vencidas pelas forças de Jacques Dessalines, um líder haitiano. Um fator que
colaborou muito para a derrota francesa foi uma epidemia de malária que atingiu
grandemente o exército invasor. A independência foi então declarada em 1804, com
Dessalines primeiro como presidente vitalício republicano e depois como um
imperador que procurou criar um império exclusivamente negro, excluindo os
brancos. Nesse mesmo ano europeus e estadunidenses ligados ao escravismo
impuseram um bloqueio comercial ao Haiti. Com o assassinato de Dessalines em
1806 foi instalada de novo a república. Houve então uma guerra civil entre
negros e mestiços que durou até 1810.
Foi no Haiti que Simon Bolívar encontrou refúgio em
1815, depois de ter fracassado em sua primeira tentativa de libertar
territórios na América do Sul do controle espanhol. O governo haitiano deu
dinheiro, armas e militares para ajuda-lo, com a condição de que ele libertaria
os escravos nos locais que ficassem independentes, mas Bolívar não cumpriu o
trato. Para que a França não invadisse o Haiti, o presidente Jean Pierre Boyer
assinou um tratado pelo qual o Haiti teria de pagar 150 milhões de francos como
indenização. Ainda que a dívida tivesse uma redução e ficasse em 90 milhões, o
Haiti levou muitos anos para acabar de pagar e tal pagamento foi bastante
prejudicial à economia haitiana. A Espanha tornou a ocupar a parte oriental da
ilha que tinha sido ligada ao Haiti pelos franceses no fim do século XVIII, no
entanto, de 1822 a 1844 essa parte esteve de novo unida ao Haiti. Quando se
separou do Haiti, a parte oriental tornou-se a República Dominicana.
A República do Haiti passou por um período de
instabilidade política desde a segunda metade do século XIX até o início do
século XX. No período entre 1915 e 1934 os Estados Unidos mandaram tropas para
ocupar o país, que ficou subordinado à nação norte-americana. A administração
civil e militar, as alfândegas, o banco do Estado e as finanças do Haiti
ficaram controladas pelos Estados Unidos. Foram feitos importantes
investimentos na infraestrutura do Haiti pela nação ocupante, que também
interferiu no sistema educacional haitiano, substituindo o modelo francês. Os
motivos da ocupação foram: 1- temores de que empresários alemães (era tempo da
Primeira Guerra Mundial), com fortes influências, pudessem implantar um governo
haitiano contra os Estados Unidos; 2-grupos armados locais que ameaçavam
interesses desse país;3-o Haiti tinha muitas dívidas com os Estados Unidos;
4-por causa de interesses de uma grande empresa deste país instalada no Haiti e
ligada a produtos agrícolas.
Após um período de pouca estabilidade política, em
1957 foi eleito para presidente o médico François Duvalier, conhecido
como Papa Doc, que tinha apoio dos Estados Unidos e que se tornou ditador.
Ele se tornou vitalício, perseguiu a Igreja Católica e usava uma milícia cruel
para atemorizar o povo. Quando morreu em 1971, seu filho Jean Claude Duvalier o
substituiu, sendo chamado de Baby Doc. Em 1986 houve protestos populares
fortes e Baby Doc fugiu para a França, sendo substituído
provisoriamente no poder pelo general Henry Namphy. Houve eleições e foi eleito
Leslie Manigat, que governou pouco tempo, de fevereiro a junho de 1988. O
general Namphy de novo assumiu o poder, mas o chefe da guarda presidencial,
general Prosper Avril, deu um golpe e ficou como presidente.
Em dezembro de 1990 o padre Jean Bertarnd
Aristide ganhou a eleição presidencial e governou até setembro de 1991, deposto
pelo general Raul Cedras. Houve então pressões da Organização das Nações Unidos
(ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que Aristide voltasse
a ser presidente. Em julho de 1993 Aristide e o general Cedras assinaram um
acordo em Nova York. Houve um bloqueio total instituído pelo Conselho de Segurança
da ONU em maio de 1994 e a junta militar colocou no poder, de forma provisória
até novas eleições, o civil Émile Jonassaint. Em julho de 1994 foi autorizada
pela ONU uma intervenção militar e em setembro de 1994 uma força multinacional
entrou no Haiti em apoio a Aristide. Em outubro, Aristide voltou ao poder,
tendo encontrado uma economia muito abalada por anos de instabilidade política
e pelo bloqueio internacional.
Em 2003, a oposição exigia a renúncia de Aristide.
Houve então uma crise política no país e em fevereiro de 2004 ex-membros do
exército haitiano começaram uma revolta militar que se espalhou por várias
cidades. Em 29 de fevereiro Aristide saiu do Haiti com a proteção de militares
dos Estados Unidos. O presidente do Supremo Tribunal assumiu interinamente a
presidência do país e pediu assistência da ONU e o Conselho de Segurança enviou
uma Força Multinacional Interina (MIF), com a liderança do Brasil. Tempos
depois foi criada pelo Conselho de Segurança a Missão das Nações Unidas para a
Estabilização no Haiti (MINUSTAH), substituindo a MIF em junho de 2004. A força
militar enviada era composta por soldados do Brasil, Argentina, Benim, Bolívia,
Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru,
Portugal, Turquia e Uruguai.
A situação social e econômica, que
já era precária, tornou-se pior quando o Haiti foi sacudido por um violento
terremoto em 12 de janeiro de 2010, que atingiu o país a cerca de 22
quilômetros da capital. Outros terremotos menores foram sentidos depois. Muitos
prédios públicos desabaram e aproximadamente 80% das construções da capital
Porto Príncipe foram seriamente afetadas, grande parte delas destruídas. O
número de mortos ficou entre 220 mil e 300 mil. Mais de um milhão de pessoas
ficaram desabrigadas.
Após essa grande tragédia humana, a questão
política no Haiti ainda apresentava problemas sérios e em 7 de julho de 2021
foi assassinado o presidente Moise e ficou governando provisoriamente o Haiti o
primeiro-ministro interino Claude Joseph. O país é assolado por outro problema
político e social, representado por muitas gangues cujos membros assaltam,
extorquem e matam. Estas gangues procuram interferir na política do país,
causando terror, envolvendo-se com grupos partidários e nas eleições.
Entre os problemas que atingem o Haiti há também a
erosão do solo e as inundações periódicas e graves como as acontecidas em 2004,
devido principalmente ao desmatamento.
Para piorar a situação, houve recentemente em
agosto de 2021 a ocorrência de um terremoto no Caribe que atingiu partes do
Haiti. Esse terremoto, embora não tenha alcançado a magnitude da destruição de
2010, deixou mais de 1000 mortos e houve danos a propriedades na região
atingida. Também há a questão da pandemia de Covid que também atingiu o país. O
governo dos Estados Unidos disse que iria providenciar ajuda humanitária.
Também as fortes tempestades tropicais e furacões frequentemente causam
prejuízos e mortes entre os haitianos.
O Haiti é um país que deve ser lembrado além de
suas catástrofes e tragédias humanas, pois foi o primeiro país da América
Latina a declarar sua independência, a libertar os escravos, proclamar uma
república e também pela derrota que infringiu às tropas enviadas por Napoleão,
que tinha mandado instalar um regime autoritário no Haiti, com intuito de restabelecer
o sistema colonial. Aliás, Napoleão tinha planos imperialistas que envolviam o
Haiti como exportador de produtos agrícolas e que teria uma ligação
complementar com a Louisiana, na América do Norte. O fracasso de suas tropas na
ilha atrapalhou o plano napoleônico na América e contribuiu assim para a
decisão do governante francês em vender a Louisiana para os Estados Unidos, que
acabaram se beneficiando com a aquisição de uma vasta área que contribuiu para
proporcionar uma grande expansão econômica a essa nação. Segundo o historiador
Henry Adams:
"Sem a ilha, o sistema tinha mãos, pés e até
cabeça, mas não corpo. De que adiantava a Louisiana quando a França havia
perdido a principal colônia que a Louisiana deveria alimentar e
fortalecer?"
É de se destacar que o Haiti após sua independência
era uma nação considerada inimiga por países escravistas e vista como um mau
exemplo para as populações escravizadas em países da América. Isso causou um
isolamento do país e o que agravou a situação foi a alta indenização que o
Haiti teve de pagar por vários anos para a França para que esta não invadisse o
país caribenho para tentar impor novamente a colonização.
Que este país possa encontrar uma estabilidade
política, social e econômica, deixando de ser, como eu mencionei, uma nação
esfacelada, para que seus habitantes possam ter melhores condições de vida.
Nações como os Estados Unidos e a França, que estão ligadas à história do
Haiti, deveriam contribuir mais para o processo de desenvolvimento desta nação
caribenha, mas não na forma de intervenção. Como diz Rosy Auguste Ducena em “Os
Sobreviventes”, Revista Piauí, de agosto de 2021:
“Pedimos à comunidade internacional que não
intervenha no país após o assassinato de Moise. Já sofremos um número suficiente
de intervenções internacionais, militares e humanitárias. Estamos fartos dessas
missões da ONU que, no fim das contas, nos deixam ainda mais machucados.
Que agora seja a primeira vez que os haitianos
possam encontrar por si mesmos o caminho de seu futuro. Levaremos o tempo que
for necessário para curar as feridas, desmantelar as gangues armadas por Moise,
reorganizar a vida, fortalecer as instituições-chave do Estado, organizar as
eleições...É assim que voltaremos a ser uma nação propriamente dita.
O Haiti continua sendo a grande vítima de todas as
nossas calamidades. Antiga pérola das Antilhas para os colonizadores,
transformado em pérola dos bandidos e dos líderes incompetentes e corruptos, o
país está afundando. É imenso o sofrimento de seu povo. Os estragos feitos são
numerosos demais para ser consertados sem a participação dos cidadãos engajados
e o respeito da comunidade internacional pela capacidade já demonstrada dos
filhos deste país”.
________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura:
https://www.google.com/search?q=mapa+do+haiti&sxsrf=ALeKk02ZODLACPgJY2Dw7xf8wG2c-psUdg:1629325662926&tbm=isch&source=iu&ictx=1
Nenhum comentário:
Postar um comentário