quarta-feira, 13 de outubro de 2021

A Crise da empresa chinesa Evergrande

 





 

A empresa gigante Evergrande Group ou Evergrande Real Estate Group (que já foi antes o Hengda Group), segundo informação do Financial Times, em agosto de 2021, passou a enfrentar um alto número de processos movidos por empreiteiros nos tribunais chineses, considerando um aumento da pressão que veio a  acontecer  sobre a a administração da empresa para que seja diminuído o valor de cerca de 300 bilhões de dólares em passivos, inclusive um total aproximado de 100 bilhões em dívidas. Houve a informação, em meados de setembro deste ano, de que a empresa poderia não conseguir pagar os juros de empréstimos vencidos em 20 de setembro. Houve um cálculo de que um número estimado em 1.500.000 de clientes poderiam, no caso de falência da empresa, perder depósitos em casas que deveriam ser construídas pela mesma. Assim, houve a queda de ações da Evergrande em 19% na Bolsa de Hong Kong, com uma parcial recuperação no final do pregão. A dívida da Evergrande de mais de US$ 300 bilhões envolve bancos nos Estados Unidos, Europa e outros mercados. Mas a maior parte dos empréstimos tomados foi com bancos e instituições financeiras chinesas. Se estes bancos e instituições não receberem o que lhes é devido, isto poderá afetar gravemente todo o sistema chinês de financiamento, o que prejudicaria empresas chinesas que dependem deste financiamento e afetaria parceiros comerciais da China em outros países.

Mas o que é a Evergrande? Trata-se da segunda maior imobiliária da China em vendas e o 122º maior grupo do mundo em receita (fonte: Fortune Global 500, ano 2021). A empresa está localizada no sul da China, na província de Guangdong. Ela vende apartamentos para uma clientela de renda alta e média. Nas ilhas Cayman é que está constuída a holding do grupo. A sede é no Excellent Houhai Financial Center, distrito de Nanshan.

O grupo Evergrande foi fundado na cidade de Guangzhou, por Xu Jiayin, um ex-trabalhador em uma siderúrgica, que foi tendo ascensão na empresa na qual trabalhava e se relacionando cada vez mais com integrantes do partido comunista e que em 1996 deixou o emprego para fundar sua própria empresa, que incialmente vendia apartamentos populares. Ele em 2016 tornou-se a oitava pessoa mais rica da China e com um patrimônio líquido deUS$ 30,4 bilhões em junho de 2019, passando a ser o terceiro homem mais rico da China. Em 2010 foi comprado pelo grupo o Guangzhou Evergrande, um clube de futebol que em 2013 conquistou a Liga dos Campeões da AFC. Também há uma escola de futebol e o grupo possui uma marca de água mineral e se expandiu para outros negócios (paineis solares, suinocultura, agronegócio, e fórmulas infantis). Outras áreas de atuação da empresa são no ramo de saúde, indústria fonográfica, desenvolvendo projetos no setor de alimentos e bebidas. O preço das ações e também lucros e receitas subiram mais de três vezes, causando a elevação do fundador à posição de um dos homens mais ricos da China e também um dos mais ricos da Ásia. Mais de mil projetos foram desenvolvidos e até o momento da crise possuía cerca de 200 mil funcionários.

Avaliações posteriores indicaram que a possibilidade de o fato ocorrido com a Evergrande não teria o mesmo impacto da crise financeira global de 2008, a partir da situação com o grupo Lehman Brothers. Essa análise é baseada em explicações de que o mercado chinês tem certas diferenças, é muito mais fechado, reduzindo riscos de se estender a crise a um nível mundial. Também analistas contam com a forte possibilidade de intervenção do governo da China para evitar consequências mais danosas. Apesar desta sinalização dos analistas, houve consequências que assustaram, como a queda em Bolsas de Valores de todo o mundo por causa do alto endividamento com riscos de não pagamentos por parte do grupo Evergrande.  Um dos motivos da crise no grupo foi a pandemia do novo coronavírus, que causou prejuízos no fluxo de caixa de 2020. Especialistas consideram que a direção da Evergrande errou ao esperar que a procura por imóveis iria continuar crescendo na atualidade. Porém o que se percebe é que passou a haver uma estabilização desse mercado na China, influenciando nos ganhos da empresa, que tinha obtido empréstimos estrangeiros para financiar obras e investimentos. Houve na China crédito facilitado e a economia chinesa vinha se expandindo ultimamente, com preços de terrenos subindo a mais de 10% ao ano, surgindo especulação. As incorporadoras chinesas foram comprando terrenos a um preço cada vez maior e as empresas adquiririam crédito barato, só que depois a conta iria ter que ser paga.

Embora os riscos de contaminação no sistema financeiro possam não ser tão grandes, não quer dizer que não haja efeitos econômicos em alguns países. No caso do Brasil, os produtos agrícolas e minerais estavam tendo seus valores ligados ao crescimento acelerado da China. Um desaceleramento da economia chinesa poderá influenciar na compra destas mercadorias que são exportadas para a China e o preço delas poderá cair, o que poderá afetar bastante a economia brasileira. 

Quanto aos efeitos da crise com a Evergrande diz a economista Catharina Sacerdote, consultora especialista em investimentos: “A possibilidade de colapso acontece porque o mercado de construção civil, em geral, envolve bancos, material de construção e mão de obra. Dadas as devidas proporções, é bastante parecido com a crise do mercado imobiliário que tivemos no Brasil, mas em uma escala muito maior, tanto porque se trata da China, como por se tratar de uma empresa imensa dentro do país asiático”. E ainda a mesma economista: “A chance de a empresa quebrar é grande, e estamos falando de empréstimos que podem comprometer até mesmo as instituições financeiras do país, impacto entre os vendedores de commodities e nas relações com parceiros comerciais do mundo todo”. Em relação ao Brasil disse ela: “Um dos principais parceiros comerciais é a China, principalmente na área de commodities. Além de a economia estar enfraquecida, o que faz os investidores externos buscarem países mais sólidos para seus recursos". Para ela: “(...) A China é um dos países com maior poupança do mundo. O governo chinês tem muito poder, mas não se sabe ao certo o tamanho do problema. Espera-se que uma parte muito grande dessa crise seja contida, mas pelo lado financeiro. De qualquer maneira, é bem provável que reduza o comércio da China com outros países e isso tem um impacto imenso para o Brasil”.

Roberto Dumas, economista do Insper, fez comentário sobrea crise do grupo Evergrande: “A conta capital da China é praticamente fechada e os chineses não podem tirar o dinheiro do país. Então, se ele não quiser comprar mais título, ele não pode levar para outro país, ele vai ter que acabar no colo de algum banco chinês”. Sobre a relação com o agronegócio brasileiro ele disse: . “A primeira coisa que as empresas do agronegócio têm que verificar é de que forma o que está acontecendo com a Evergrande vai impactar a população chinesa. Isso é importante, a renda do trabalhador chinês”. E ainda: “O governo está fazendo de tudo para que continue o business as usual e minimizando ao máximo possível a perda de dinheiro da população local – até porque isso é uma maneira de evitar tensão social”.

Para o economista Alex Araújo sobre a Evergrande: “(...) O receio é que, se ela ficar inadimplente, isso poderá ter um impacto no mercado financeiro na totalidade por causa desse montante, que é enorme. São 300 bilhões de dólares". Alex considera diferenças com a crise de 2008: "O mecanismo que aconteceu é muito parecido com 2008, que é o efeito em cadeia que uma empresa com grandes volumes no mercado pode gerar se ficar inadimplente. É parecido, mas naquela época tivemos uma fraude e isso gerou muita especulação do mercado financeiro e a crise". E ainda disse: “O erro, dessa vez, foi calcular que a demanda continuaria aumentando, mas hoje há vários prédios que estão parados sem vender na China, mas esse componente é o mesmo. Muda a origem, mas o mecanismo é o mesmo e isso preocupa, sim", completou.” E sobre a relação da crise da empresa com a questão do dólar e seus efeitos no Brasil, Alex disse: "O natural é que os investidores procurem proteção no que é mais seguro então há aumento do dólar e do ouro. Eles saem das posições mais arriscadas e levam para fora, e é natural que o dólar aumente, e isso pode gerar uma pressão inflacionária no Brasil, mas é de curto prazo".

Segundo analistas, uma das ações do governo chinês poderá ser a compra de parte do capital da Evergrande, com a estatização de uma parte da empresa, ou mesmo uma intermediação das dívidas da empresa com bancos e fornecedores, para amenizar o impacto no mercado financeiro. A imprensa chinesa informou que foram enviados assessores financeiros por agências reguladoras da China para avaliar a empresa.

Bruce Richards, da Marathon Asset Management comentou: "A primeira obrigação será assegurar que as pessoas que compraram casas recebam o que adquiriram", E completou: "No fim da lista de prioridades estão os proprietários de títulos offshore". A estimativa é que há mais de 1,4 milhão de imóveis em construção pela Evergrande que correm risco de não serem entregues.

Segundo Claudio Gradilone e Paula Cristina na Revista Isto é Dinheiro de 29 de setembro de 2021 sobre a questão envolvendo a Evergrande:

“(...) É um grupo gigantesco. Emprega 200 mil pessoas e gera 3,8 milhões de empregos indiretos. Vende produtos de poupança e investimentos vinculados à aquisição de residências para milhões de pessoas, e tem 1,5 milhão deles atualmente em aberto. Os recursos captados destinam-se, no momento, á construção simultânea de 1,3 mil condomínios residenciais, horizontais e verticais, em 280 cidades chinesas. Os interesses do grupo vão muito além da construção civil. Ele possui engarrafadoras de água mineral, produz veículos elétricos, opera parques temáticos e é proprietário de um time de futebol, o Guangzhou Evergrande. Para abrigar seus jogos, a Evergrande está construindo um estádio em forma de flor de lótus orçado em US$ 1,7  bilhão. E gastou cerca de US$ 185 milhões para desenvolver o que deve ser a escola de futebol mais cara do mundo. Tudo isso sustentado por uma dívida de US$ 305 bilhões que corria sérios riscos de não ser honrada.

Um pagamento de juros de US$ 83,5 milhões de um título emitido por uma de suas controladoras, a Hengda Real Estate Group, estava previsto para a quinta-feira (23). Na véspera a companhia informou, sem dar mais detalhes, que a situação havia sido “resolvida em negociações privadas”. Para garantir que não haverá terremoto nas finanças, na mesma quarta-feira o Banco do Povo, o banco central chinês, injetou US$ 13,5 bilhões no sistema financeiro, em uma espécie de recado de que tudo estava bem

No entanto, há vários outros compromissos da Evergrande, que vencerão nas próximas semanas, e cada um deles trará uma dose de incerteza. Por enquanto, a crise já fez suas vítimas, tendo provocado protestos de investidores que haviam comprado imóveis e levado à paralisação de obras por toda a China. “

E ainda: “(...) Ao forçar a empresa a reestruturar suas dívidas de modo a defender os pequenos investidores e ferir os tubarões do mercado, o presidente chinês Xi Jinping poderá obter dois trunfos com uma só tacada. Vai se cacifar para tentar um terceiro mandato presidencial para 2022 e aumentará o controle do governo sobre a economia, algo sempre precioso em um país comunista de partido único e imprensa sob rígida vigilância. Os analistas avaliam que a demora deliberada do governo de lançar um pacote de ajuda para a Evergrande é um sinal para os demais empresários do setor, para evitar as tentações capitalistas da especulação e a não desafinarem da linha do partido (...)”

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

 

Figura: 

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