A empresa gigante Evergrande Group
ou Evergrande Real Estate Group (que já foi antes o
Hengda Group), segundo informação do Financial Times, em agosto de
2021, passou a enfrentar um alto número de processos movidos por empreiteiros
nos tribunais chineses, considerando um aumento da pressão que veio a
acontecer sobre a a administração da empresa para que seja diminuído
o valor de cerca de 300 bilhões de dólares em passivos, inclusive um total
aproximado de 100 bilhões em dívidas. Houve a informação, em meados de setembro
deste ano, de que a empresa poderia não conseguir pagar os juros de empréstimos
vencidos em 20 de setembro. Houve um cálculo de que um número estimado em
1.500.000 de clientes poderiam, no caso de falência da empresa, perder
depósitos em casas que deveriam ser construídas pela mesma. Assim, houve a
queda de ações da Evergrande em 19% na Bolsa de Hong Kong, com uma parcial
recuperação no final do pregão. A dívida da Evergrande de mais de US$ 300
bilhões envolve bancos nos Estados Unidos, Europa e outros mercados. Mas a
maior parte dos empréstimos tomados foi com bancos e instituições
financeiras chinesas. Se estes bancos e instituições não receberem o que lhes é
devido, isto poderá afetar gravemente todo o sistema chinês de financiamento, o
que prejudicaria empresas chinesas que dependem deste financiamento e afetaria
parceiros comerciais da China em outros países.
Mas o que é a
Evergrande? Trata-se da segunda maior imobiliária da China em vendas e o 122º
maior grupo do mundo em receita (fonte: Fortune Global 500, ano
2021). A empresa está localizada no sul da China, na província de Guangdong.
Ela vende apartamentos para uma clientela de renda alta e média. Nas ilhas
Cayman é que está constuída a holding do grupo. A sede é no Excellent Houhai
Financial Center, distrito de Nanshan.
O grupo Evergrande
foi fundado na cidade de Guangzhou, por Xu Jiayin, um ex-trabalhador em uma
siderúrgica, que foi tendo ascensão na empresa na qual trabalhava e se
relacionando cada vez mais com integrantes do partido comunista e que em 1996
deixou o emprego para fundar sua própria empresa, que incialmente vendia
apartamentos populares. Ele em 2016 tornou-se a oitava pessoa mais rica da
China e com um patrimônio líquido deUS$ 30,4 bilhões em junho de 2019, passando
a ser o terceiro homem mais rico da China. Em 2010 foi comprado pelo grupo o
Guangzhou Evergrande, um clube de futebol que em 2013 conquistou a Liga dos
Campeões da AFC. Também há uma escola de futebol e o grupo possui uma marca de
água mineral e se expandiu para outros negócios (paineis solares, suinocultura,
agronegócio, e fórmulas infantis). Outras áreas de atuação da empresa são no
ramo de saúde, indústria fonográfica, desenvolvendo projetos no setor de
alimentos e bebidas. O preço das ações e também lucros e receitas subiram mais
de três vezes, causando a elevação do fundador à posição de um dos homens mais
ricos da China e também um dos mais ricos da Ásia. Mais de mil projetos foram
desenvolvidos e até o momento da crise possuía cerca de 200 mil funcionários.
Avaliações posteriores indicaram que a
possibilidade de o fato ocorrido com a Evergrande não teria o mesmo impacto da
crise financeira global de 2008, a partir da situação com o grupo Lehman
Brothers. Essa análise é baseada em explicações de que o mercado chinês tem certas
diferenças, é muito mais fechado, reduzindo riscos de se estender a crise a um
nível mundial. Também analistas contam com a forte possibilidade de intervenção
do governo da China para evitar consequências mais danosas. Apesar desta
sinalização dos analistas, houve consequências que assustaram, como a queda em
Bolsas de Valores de todo o mundo por causa do alto endividamento com riscos de
não pagamentos por parte do grupo Evergrande. Um dos motivos da crise no
grupo foi a pandemia do novo coronavírus, que causou prejuízos no fluxo de
caixa de 2020. Especialistas consideram que a direção da Evergrande errou ao
esperar que a procura por imóveis iria continuar crescendo na atualidade. Porém
o que se percebe é que passou a haver uma estabilização desse mercado na China,
influenciando nos ganhos da empresa, que tinha obtido empréstimos estrangeiros
para financiar obras e investimentos. Houve na China crédito facilitado e a
economia chinesa vinha se expandindo ultimamente, com preços de terrenos
subindo a mais de 10% ao ano, surgindo especulação. As incorporadoras chinesas
foram comprando terrenos a um preço cada vez maior e as empresas adquiririam
crédito barato, só que depois a conta iria ter que ser paga.
Embora os riscos de contaminação no
sistema financeiro possam não ser tão grandes, não quer dizer que não haja
efeitos econômicos em alguns países. No caso do Brasil, os produtos agrícolas e
minerais estavam tendo seus valores ligados ao crescimento acelerado da China.
Um desaceleramento da economia chinesa poderá influenciar na compra destas
mercadorias que são exportadas para a China e o preço delas poderá cair, o que
poderá afetar bastante a economia brasileira.
Quanto aos efeitos da crise com a
Evergrande diz a economista Catharina Sacerdote, consultora especialista
em investimentos: “A possibilidade de colapso acontece porque o mercado de
construção civil, em geral, envolve bancos, material de construção e mão de
obra. Dadas as devidas proporções, é bastante parecido com a crise do mercado
imobiliário que tivemos no Brasil, mas em uma escala muito maior, tanto porque
se trata da China, como por se tratar de uma empresa imensa dentro do país
asiático”. E ainda a mesma economista: “A chance de a empresa quebrar é grande,
e estamos falando de empréstimos que podem comprometer até mesmo as
instituições financeiras do país, impacto entre os vendedores de commodities e
nas relações com parceiros comerciais do mundo todo”. Em relação ao Brasil
disse ela: “Um dos principais parceiros comerciais é a China, principalmente na
área de commodities. Além de a economia estar enfraquecida, o que faz os
investidores externos buscarem países mais sólidos para seus recursos".
Para ela: “(...) A China é um dos países com maior poupança do mundo. O governo
chinês tem muito poder, mas não se sabe ao certo o tamanho do problema.
Espera-se que uma parte muito grande dessa crise seja contida, mas pelo lado
financeiro. De qualquer maneira, é bem provável que reduza o comércio da China
com outros países e isso tem um impacto imenso para o Brasil”.
Roberto Dumas, economista do Insper,
fez comentário sobrea crise do grupo Evergrande: “A conta capital da China é
praticamente fechada e os chineses não podem tirar o dinheiro do país. Então,
se ele não quiser comprar mais título, ele não pode levar para outro país, ele
vai ter que acabar no colo de algum banco chinês”. Sobre a relação com o
agronegócio brasileiro ele disse: . “A primeira coisa que as empresas do
agronegócio têm que verificar é de que forma o que está acontecendo com a
Evergrande vai impactar a população chinesa. Isso é importante, a renda do
trabalhador chinês”. E ainda: “O governo está fazendo de tudo para que continue
o business as usual e minimizando ao máximo possível a perda
de dinheiro da população local – até porque isso é uma maneira de evitar tensão
social”.
Para o economista Alex Araújo sobre a
Evergrande: “(...) O receio é que, se ela ficar inadimplente, isso poderá ter
um impacto no mercado financeiro na totalidade por causa desse montante, que é
enorme. São 300 bilhões de dólares". Alex considera diferenças com a crise
de 2008: "O mecanismo que aconteceu é muito parecido com 2008, que é o
efeito em cadeia que uma empresa com grandes volumes no mercado pode gerar se
ficar inadimplente. É parecido, mas naquela época tivemos uma fraude e isso
gerou muita especulação do mercado financeiro e a crise". E ainda disse:
“O erro, dessa vez, foi calcular que a demanda continuaria aumentando, mas hoje
há vários prédios que estão parados sem vender na China, mas esse componente é o
mesmo. Muda a origem, mas o mecanismo é o mesmo e isso preocupa, sim",
completou.” E sobre a relação da crise da empresa com a questão do dólar e seus
efeitos no Brasil, Alex disse: "O natural é que os investidores procurem
proteção no que é mais seguro então há aumento do dólar e do ouro. Eles saem
das posições mais arriscadas e levam para fora, e é natural que o dólar
aumente, e isso pode gerar uma pressão inflacionária no Brasil, mas é de curto
prazo".
Segundo analistas, uma das ações do
governo chinês poderá ser a compra de parte do capital da Evergrande, com a
estatização de uma parte da empresa, ou mesmo uma intermediação das dívidas da
empresa com bancos e fornecedores, para amenizar o impacto no mercado
financeiro. A imprensa chinesa informou que foram enviados assessores
financeiros por agências reguladoras da China para avaliar a empresa.
Bruce Richards, da Marathon Asset
Management comentou: "A primeira obrigação será assegurar que as pessoas
que compraram casas recebam o que adquiriram", E completou: "No fim
da lista de prioridades estão os proprietários de títulos offshore". A
estimativa é que há mais de 1,4 milhão de imóveis em construção pela Evergrande
que correm risco de não serem entregues.
Segundo Claudio Gradilone e Paula
Cristina na Revista Isto é Dinheiro de 29 de setembro de 2021 sobre a questão
envolvendo a Evergrande:
“(...) É um grupo gigantesco. Emprega
200 mil pessoas e gera 3,8 milhões de empregos indiretos. Vende produtos de
poupança e investimentos vinculados à aquisição de residências para milhões de
pessoas, e tem 1,5 milhão deles atualmente em aberto. Os recursos captados
destinam-se, no momento, á construção simultânea de 1,3 mil condomínios
residenciais, horizontais e verticais, em 280 cidades chinesas. Os interesses
do grupo vão muito além da construção civil. Ele possui engarrafadoras de água
mineral, produz veículos elétricos, opera parques temáticos e é proprietário de
um time de futebol, o Guangzhou Evergrande. Para abrigar seus jogos, a
Evergrande está construindo um estádio em forma de flor de lótus orçado em US$
1,7 bilhão. E gastou cerca de US$ 185 milhões para desenvolver o que deve
ser a escola de futebol mais cara do mundo. Tudo isso sustentado por uma dívida
de US$ 305 bilhões que corria sérios riscos de não ser honrada.
Um pagamento de juros de US$ 83,5
milhões de um título emitido por uma de suas controladoras, a Hengda Real
Estate Group, estava previsto para a quinta-feira (23). Na véspera a companhia
informou, sem dar mais detalhes, que a situação havia sido “resolvida em
negociações privadas”. Para garantir que não haverá terremoto nas finanças, na
mesma quarta-feira o Banco do Povo, o banco central chinês, injetou US$ 13,5
bilhões no sistema financeiro, em uma espécie de recado de que tudo estava bem
No entanto, há vários outros
compromissos da Evergrande, que vencerão nas próximas semanas, e cada um deles
trará uma dose de incerteza. Por enquanto, a crise já fez suas vítimas, tendo
provocado protestos de investidores que haviam comprado imóveis e levado à paralisação
de obras por toda a China. “
E ainda: “(...) Ao forçar a empresa a
reestruturar suas dívidas de modo a defender os pequenos investidores e ferir
os tubarões do mercado, o presidente chinês Xi Jinping poderá obter dois
trunfos com uma só tacada. Vai se cacifar para tentar um terceiro mandato
presidencial para 2022 e aumentará o controle do governo sobre a economia, algo
sempre precioso em um país comunista de partido único e imprensa sob rígida
vigilância. Os analistas avaliam que a demora deliberada do governo de lançar
um pacote de ajuda para a Evergrande é um sinal para os demais empresários do
setor, para evitar as tentações capitalistas da especulação e a não desafinarem
da linha do partido (...)”
_________________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor
de História
Figura:
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