No dia 29 de setembro, no debate promovido pela
Rede Globo, tornou-se mais conhecido pela população do Brasil uma pessoa que
era candidata à presidente, um religioso populista conservador que é chamado de
Padre Kelmon. Ele é ligado à Igreja Católica Apostólica Ortodoxa do
Peru. Foi ordenado padre pela Igreja Apostólica Ortodoxa da
América em 2015. Nasceu em uma família católica baiana e chegou a
participar desta Igreja quando bem jovem. Foi filiado ao PT e recentemente
ingressou no PTB e tornou-se um seguidor do presidente atual do Brasil.
Bem, esta história do Padre Kelmon, me
inspirou a escrever sobre um outro religioso ortodoxo influente, só que da fé
ortodoxa cristão da Rússia do fim do século XIX e início do século XX: Raspútin.
Vou então continuar este artigo tratando dessa figura histórica, deixando, no
entanto, bem claro, que não estou igualando a história do Padre Kelmon com a de
Rasputin, embora acredite que ambos se empenharam em exercer uma influência
política por meio da religião e os dois com características muito
conservadoras. Cada qual ligado ao seu “czar”. Mas quem foi Raspútin?
Raspútin nasceu em 21 de janeiro de 1869, na
vila de Pokrovskoye na Sibéria, em uma pobre
família camponesa. Após uma peregrinação que ele fez até um mosteiro em 1897
ele sentiu-se convertido a uma nova condição espiritual.
Segundo Douglas Smith, em sua obra Raspútin,
Fé, Poder e o Declínio dos Romanov a respeito da peregrinação de
Rasputin:
“...Raspútin, que, jamais reconheceu e se submeteu
a normas vigentes, buscou o próprio caminho, definindo, à sua maneira, o que
significava ser peregrino (...).” ... “Curioso, inteligente e tolerante, mas ao
mesmo tempo independente e até rebelde, Raspútin pegava tudo que o mundo
religioso tinha a oferecer, ficando só com o que lhe convinha, e criando,
durante esse processo, sua própria versão da ortodoxia camponesa.”
“Os anos que passou vagando pelo mundo foram a
universidade de Raspútin. Como o stranik Luka, de Ralé,
de Massim Gorki, ele tinha visto quase tudo que havia para ver no
vasto império dos tsares e se misturara a todo tipo de gente_camponeses e
trabalhadores braçais, trapaceiros, ladrões e assassinos, simples homens de
Deus e curas de aldeia (alguns virtuosos e outros não), funcionários corruptos,
mendigos e aleijados, nobres arrogantes, freiras penitentes, policiais
violentos e soldados endurecidos. Seu conhecimento da ordem social russa era
amplo, e sua compreensão da psicologia humana, profunda. Raspútin desenvolveu
em suas andanças um talento para decifrar pessoas. Era capaz de acabar de
conhecer alguém e, estranhamente, saber o que lhe ia na mente, que problemas
tinha vivido no passado, que tipo de pessoa era. E sabia como falar com os
outros. Sabia discorrer com autonomia sobre as Sagradas Escrituras e o significado
de Deus de uma forma que os padres, com seu saber livresco, não eram capazes.
Sua linguagem era direta, pessoal, inconfundivelmente viva e prática, repleta
de referências à vida diária e à beleza do mundo natural”.
Entre 1903 e 1905 Raspútin atraiu a simpatia de
alguns líderes da Igreja Ortodoxa Russa e da sociedade. Chegou a se encontrar
com o Czar em novembro de 1905. E, no fim de 1906, Raspútin começou a agir como
curandeiro do Czar e do filho desse, Alexei, herdeiro do trono russo, que era
hemofílico. Alguns membros da alta nobreza russa o viam como místico e
visionário, outros o viam como um vigarista.
A czarina Alexandra Feodorovna dedicou uma enorme
atenção à Raspútin porque ele tinha uma forma de tratar o príncipe Alexei que
fazia com que ele se sentisse melhor. A czarina chamava Raspútin de
"mensageiro de Deus". Raspútin aproveitou-se dessa aproximação com o
casal imperial para exercer influências e colocar pessoas de sua confiança na
alta hierarquia da Igreja Russa. Muitos nobres sentiam desprezo por Raspútin,
em especial por causa de sua origem camponesa.
Em 1915, estando a Rússia participando da I Guerra
Mundial, o czar resolveu ir acompanhar pessoalmente o exército que estava
enfrentando os alemães. A imperatriz Alexandra então ficou como governante, com
Raspútin como seu auxiliar. Porém, a Rússia sofria reveses na guerra e a
situação econômica do país piorava. A monarquia russa passou a se enfraquecer
cada vez mais, perdendo apoio popular. Há tempos os inimigos de Raspútin
tramavam contra ele. O primeiro atentado contra a vida de Raspútin ocorreu em
12 Julho de 1914: Ele foi atacado com uma faca por Khionia Guseva. E na
madrugada de 17 de dezembro de 1916, um grupo de aristocratas conservadores,
contrários à influência de Raspútin sobre a imperatriz, conseguiu matá-lo.
Raspútin tinha sido convidado para um jantar no
palácio de Moika, pelo príncipe Youssoupov e o sobrinho do czar russo Nicolau
II, Grigrori Novykh. Não há certeza de como foi exatamente o assassinato. Há
uma versão, contada pelo príncipe, de que Raspútin bebeu vinho e comeu bolo,
ambos com veneno colocado pelos nobres, mas o veneno não fez efeito graças
provavelmente a uma úlcera estomacal que Raspútin tinha. Depois foram
disparados onze tiros de revólver contra ele, que foi atingido no peito. Ele
foi castrado e ainda vivo foi alvo de agressões físicas e seu corpo jogado nas
águas gélidas do rio Neva. A autópsia teria revelado morte por afogamento e
pelo frio da água.
O autor Douglas Smith não acredita nessa versão.
Ele diz: “Nunca saberemos o que de fato se passou na casa de Youssoupov em 17
de dezembro. Tudo que se pode dizer é que Raspútin foi morto com três tiros, um
deles disparado na testa, à queima-roupa, a curtíssima distância. Ele tinha 47
anos(...)”
O autor fez uma comparação com a própria execução
da família imperial pelos bolcheviques:
“E não se pode negar que a maneira como Raspútin
morreu foi um presságio do fim que esperava os Románov: a caminhada de
madrugada para o subsolo, a confusão sobre o que se passava seguida por tiros
de arma de fogo, a sangrenta cena do crime, os corpos colocados às pressas em
veículos na calada da noite, a viagem até um lugar remoto onde pudessem ser
rapidamente descartados, os cadáveres reaparecendo mais tarde. Nicolau e
Alexandra não poderiam saber, mas a morte de seu amigo prenunciou seu próprio e
macabro fim” (...).
A vida de Raspútin gerou muitos boatos e
comentários nem sempre verdadeiros por parte de nobres e da imprensa russa. Um
desses comentários, sem fundamento, era de que ele seria espião a serviço da
Alemanha. Também houve a falsa alegação de que ele era amante da imperatriz.
Muitas vezes os boatos sobre o poder de Raspútin eram exagerados, embora ele
tivesse sim influência na corte russa. Também eram famosas as histórias de devassidão
do religioso, inclusive existiam rumores do envolvimento de mulheres da nobreza
russa (algumas delas casadas) com Raspútin. O czar, diante de tantos
comentários, passou a afastar-se do monge, mas Alexandra continuou a ter uma
forte ligação com ele.
Sobre as denúncias de depravação de Raspútin, diz
Douglas Smith: “A vida sexual de Raspútin é lendária, tanto por sua notável
popularidade como por sua falta de comprovação, características próprias do
mito. Consta que seu apetite era insaciável, seu vigor, estupendo, suas
proezas, inigualáveis. “Raspútin é incomparável”, disse Vassili Chulgin,
citando a filha de um senador russo que teve uma experiência com o siberiano
(...).” ... “A reputação de Raspútin como um “demônio da carne, um
erotomaníaco, um sátiro cravacheur e chefe de um seita
místico-erótica”, para citar a filha Maria, foi criada, na prática, pelos
homens(...)”. .... “ Embora os relatos de grandes orgias e de dezenas de
jovens corrompidas sejam fantasiosos, não há a menor dúvida de que Raspútin
tinha amantes. (...)” ... “As mulheres em volta de Raspútin eram quase
sempre figuras ansiosas, vítimas de algum tipo de sofrimento. Eram atraídas por
sua força interior e seus poderes de percepção, tão grandes que parecia
conhecê-las melhor do que elas próprias. Não eram poucas as mulheres de
sociedade que levavam existência tristes_com maridos que as traíam ou
ignoravam. Eram solitárias, vazias em sua vida emocional. Raspútin escutava-as,
dava-lhes atenção, acariciava e beijava-as_e para algumas isso era justamente o
que lhes faltava. O que nos primeiros anos talvez fosse uma relação casta_um
ombro no qual encostar, alguém com quem conversar e confortar_,nos últimos anos
deixou de ser (...)”
Raspútin desconfiava de que poderia ser assassinado
e antes de morrer escreveu uma carta ao czar dizendo:
"Pressinto que deixarei de viver antes
de 1 de janeiro. (...) Se eu for morto por assassinos comuns, particularmente
pelos meus irmãos, os camponeses russos, tu, Czar da Rússia, não terás nada a
temer pelos teus filhos (...) Mas se eu for morto por nobres russos, tuas mãos
ficarão manchadas por meu sangue durante vinte e cinco anos. (...) Se ouvires o
som do sino a dizer que Gregório foi morto, fica a saber que, se foi um dos
teus que provocou a minha morte, nenhum dos teus, nenhum dos teus filhos viverá
mais de dois anos. Eles serão mortos pelo povo russo". Realmente, a
família imperial foi morta a mando da cúpula bolchevique em 1918.
Embora alguns historiadores tenham levantado a
hipótese de que o serviço secreto inglês estaria envolvido na morte de Raspútin
(um filme recente de aventuras, King’s Man: A Origem, se baseou
nessa suposição), não há provas concretas sobre isso. A suposta participação
seria porque Raspútin poderia sugerir ao czar a retirada da Rússia da guerra, o
que levaria tropas alemãs poderem ser deslocadas para a frente ocidental, onde
os franceses e ingleses combatiam o exército alemão.
O funeral de Raspútin foi assistido somente por
membros da família real e alguns amigos íntimos. O corpo foi sepultado em um
pequena igreja que estava em construção. Não foram convidados a esposa e os
filhos de Raspútin. Após a queda da monarquia russa, um grupo enviado pelas
autoridades do novo governo exumou e queimou o corpo de Raspútin, pois se temia
que o túmulo virasse um lugar de veneração onde opositores pudessem se
encontrar.
É importante destacar que o fim de Raspútin
era desejado em especial por integrantes da alta aristocracia russa e de
pessoas graduadas da Igreja Ortodoxa. Ele era de origem camponesa e a
influência dele sobre a família imperial era considerada por essas pessoas da
nobreza e do alto clero como algo inaceitável.
Diz Douglas Smith:
“O fato de os assassinos de Raspútin serem
aristocratas não passou despercebido pela gente comum. Uma senhora da sociedade
de Petrogrado ouviu um soldado ferido num hospital lamentar-se: “Pois é, só um
camponês conseguiu chegar até o tsar e por isso os patrões o mataram”. Era uma
opinião bastante comum entre as massas e ajudou a alimentar o ódio contra as
classes altas da Rússia, que logo irromperia com fúria tão descontrolada...”
“Youssoupov e seus coconspiradores esperavam libertar Nicolau da influência de Raspútin e Alexandra, e com isso salvar a monarquia. Não só não salvaram a monarquia como ajudaram a apressar o seu fim. Como notou Aleksandr Blok, famosa e corretamente, a bala que matou Raspútin “atingiu o coração da dinastia reinante”.
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura:
https://www.google.com/search?q=imagem+de+rasputin&sxsrf=ALiCzs
Interessante artigo, porém lembrando que o Czar foi assassinado por aqueles que defendiam o comunismo. Algo semelhante ao atual momento da política brasileira.
ResponderExcluireu não tive a intenção de comparar com a politica atual. a realidade da Russia czarista era outra.
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