segunda-feira, 4 de setembro de 2023

A crise política no Gabão

 





No dia 30 de agosto foi anunciada por militares graduados do Gabão, país do oeste africano, a destituição e prisão do presidente Ali Bongo Ondimba, a dissolução do Parlamento e o fechamento de fronteiras. Isso aconteceu após a divulgação do resultado da eleição para presidente, na qual Ondimba foi declarado vencedor. Os militares alegaram que o presidente foi afastado por causa de fraude eleitoral. A família Bongo, que tem governado de forma rígida há décadas, tem sido acusada de corrupção.

 O Gabão foi uma colônia francesa. Tem 267 mil km ² de área e 2,3 milhões de habitantes, com grandes reservas em petróleo, um PNB por habitante moderado, mas com cerca de metade da população na linha de pobreza. Há aproximadamente 40 grupos étnicos com suas línguas e culturas. Entre os grupos há o fang (o maior), vindo em seguida os grupos myene,bandjabi,  esshiras, bapounous , okandé e outros. Há nove províncias no Gabão. O país é rico em recursos minerais. Exporta manganês, petróleo, gás natural e urânio. Há também uma considerável reserva de ferro no subsolo. A taxa de desemprego da população ativa é de cerca de 30%. Há problemas sérios no sistema de saúde e nos serviços públicos, como no fornecimento de eletricidade.

Segundo Victor Cinzento: “A maioria das pessoas é de origem Bantu, um grupo etnolinguístico presente em toda a África subsaariana que possui cerca de 680 dialetos e línguas distintas.

O país produz 200 mil barris de petróleo por dia, o tornando um dos maiores produtores do mundo. O Gabão é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).

No entanto, cerca de 1/3 da população vive abaixo da linha da pobreza, de acordo com a enciclopédia "Brittanica".

A estimativa de vida no país africano é de 64 anos para os homens e 69 para as mulheres. No Brasil, a estimativa é de 73,6 anos para os homens e 80,5 para as mulheres

 

Nome de origem portuguesa

Os primeiros europeus que chegaram ao Gabão foram comerciantes portugueses que pisaram no solo africano no século XV e deram ao país o nome da palavra portuguesa "Gabão", um casaco com manga e capuz que lembra o formato do estuário do rio Komo, principal rio do país que tem ligação direta com o Oceano Atlântico.

Posteriormente a França assumiu o status de protetora ao assinar tratados com os chefes costeiros do Gabão em 1839 e 1841.

O país europeu só passou a gerir de fato a região em 1903 quando formou um complexo nomeado de "África Equatorial Francesa", extinto em 1960 com a independência e separação em 4 territórios: República Centro-Africana, Chade, Congo e Gabão.

 

Família governante

Com o fim da colonização, o país iniciou uma eleição para formar um governo parlamentar e eleger um líder local. No entanto, nenhum partido alcançou maioria para formar governo.

Pouco depois de concluir que o Gabão tinha um número insuficiente de pessoas para um sistema bipartidário, os dois líderes dos principais partidos concordaram numa lista única de candidatos.

Optando pelo esquema presidencialista, um deles se tornou presidente e o outro fez parte da chapa como chanceler.

O método levou Leon M'Ba ao poder, acompanhado de seu vice-presidente Omar Bongo. Ambos foram vítimas de um golpe de Estado liderado pelo exército em 1964. Depois de 3 anos, uniram forças novamente e retomaram o poder.

M'Ba morreu no final de 1967 e Omar Bongo tornou-se presidente, permanecendo no cargo até sua morte em 2009, sendo sucedido pelo seu filho Ali.

Em 2019, militares ensaiaram um novo golpe, mas acabaram presos. À época, o governo de Ali Bongo determinou um toque de recolher na capital e cortou o acesso à internet (...)”

A oligarquia Bongo no poder, em troca do apoio da França, fez um acordo para que a França pudesse explorar urânio e petróleo no Gabão. Este país ficou alinhado na política internacional à França, inclusive o pai de Ali, Omar, teve de aceitar a pseudo-independência de Biafra (região pertencente à Nigéria) e o aeroporto da capital do Gabão, Libreville, foi usado como centro de entrega de armas para o Tenente-coronel Ojukwu, líder da revolta de Biafra. Também o território do Gabão foi usado por mercenários de Bob Denard em suas ações contra o governo de Benin.

Segundo o Analista de política internacional da África Paul Melly:

“Mais um golpe militar na África. Cinco semanas depois de o presidente do Níger, Mohamed Bazoum, ter sido feito refém pelas tropas da sua própria guarda presidencial, Ali Bongo, do Gabão, também foi detido.

Uma declaração feita na televisão nacional nas primeiras horas de quarta-feira (30/8) para declarar Bongo o vencedor das eleições realizadas no domingo (27/8) foi seguida, poucos minutos depois, por uma segunda transmissão surpresa, quando um grupo de soldados anunciou a tomada do poder.

Mais tarde naquele mesmo dia, quando surgiram imagens de multidões celebrando o fato — após a nova junta ter acabado com o limite de acesso à internet imposto pelo regime de Bongo antes e depois das eleições — o chefe de Estado deposto apareceu em um vídeo enviado diretamente do local de confinamento.

Perplexo, ele apelou — em inglês — para que aliados "fizessem barulho", na aparente esperança de que a pressão externa pudesse reverter a reviravolta chocante dos acontecimentos — uma perspectiva que parece remota(..)”

E ainda disse o mesmo analista: “...Há seis anos, a partida para o exílio do político gambiano Yahya Jammeh, derrotado numa eleição, deixou todos os países da África Ocidental sob regimes constitucionais multipartidários.

No centro do continente, sobreviveram alguns regimes autoritários, mas a era das conquistas militares parecia ter passado há tempos.

No entanto, os últimos três anos foram marcados por sete golpes de Estado em cinco países — além da tomada do poder por militares fortemente armados no Chade.

Existem fatores comuns que criaram as condições para que os soldados sentissem que poderiam intervir com relativa impunidade e, muitas vezes, com o apoio de uma grande fatia da população urbana, especialmente de jovens frustrados com a atual situação de seus países.

Em grande parte da África Ocidental e Central, os cidadãos mais jovens ficaram amplamente desencantados com a classe política tradicional, mesmo com aqueles que foram legitimamente eleitos para os cargos públicos.

Esta desilusão é alimentada por uma série de questões — a escassez de empregos e até de oportunidades econômicas informais, tanto para quem tem diploma como para os menos instruídos, a percepção de elevados níveis de corrupção e de privilégios entre a elite, bem como o ressentimento face à influência persistente da França na economia local.

Mas há também um profundo ressentimento pela forma como muitos governantes civis manipulam os processos eleitorais ou as regras constitucionais para prolongar a permanência no poder. A eliminação dos limites do mandato presidencial — após alterações controversas nas constituições — é uma fonte de sentimentos mais intensos.

E tais abusos também minam a autoridade moral de organismos como a União Africana — ou a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), muitas vezes rotulada como um "clube dos presidentes em exercício" — na tentativa de forçar os líderes golpistas a restaurar um governo civil eleito.

O bloco regional centro-africano ao qual o Gabão pertence nem sequer tem pretensões sérias de estabelecer ou manter padrões de governança em todos os Estados-membros.

Mas, embora todos estes fatores criem um clima em que os soldados se sentem cada vez mais encorajados a tomar o poder sob a alegação de um “novo começo”, cada golpe também foi impulsionado por motivações nacionais ou regionais estreitas — e a tomada de poder no Gabão não é uma exceção à regra.

Muitos gaboneses estavam céticos quanto à decisão de Bongo de concorrer a um terceiro mandato. Ele chegou ao poder pela primeira vez em eleições há 14 anos, após a morte do seu pai, Omar Bongo, que monopolizou a presidência durante mais de 40 anos.

Havia também sérias dúvidas sobre a capacidade dele exercer uma liderança eficaz, uma vez que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em outubro de 2018.

O governo do presidente deposto promoveu sérios esforços para modernizar a máquina governamental, diversificar a economia e combater a desigualdade social — e recebeu elogios internacionais pelos esforços proativos e inovadores para proteger as florestas tropicais e a rica biodiversidade do Gabão. 

 

 Também houve algumas concessões à oposição política.

Mas o dinamismo da reforma desvaneceu-se gradualmente, enquanto o regime se revelou, em última análise, pouco disposto a expor-se a sérios desafios eleitorais.

Na verdade, desde o início, a legitimidade e a posição política de Bongo foram minadas pela condução opaca das eleições que levaram Bongo ao poder em 2009.

Muitas pessoas pensaram que André MbaObame, o principal rival eleitoral, tenha sido provavelmente o verdadeiro vencedor.

Quando Bongo se candidatou à reeleição em 2016, numa disputa acirrada contra o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Jean Ping, só obteve uma vitória estreita após a contagem dos votos oficiais da região de Haut Ogooué — o feudo político da família Bongo —, onde ele registrou um número inacreditavelmente enorme de votos.”

 

Os generais que deram o golpe prometem agora implantar uma democracia. O general Brice Oligui Nguema disse na televisão estatal sobre as instituições do Gabão: "A ideia é reorganizá-las para as tornar mais democráticas". No entanto, ainda não foram especificadas medidas concretas sobre esta questão e nem foi definido ainda um calendário eleitoral. Gabão, Níger, Burkina Faso, Mali, Guiné e Sudão foram suspensos de suas posições de membros da União Africana pela direção da mesma por causa dos recentes golpes de Estado. Quando haverá uma democracia consolidada nestes países? Haverá novos golpes de Estado na África nos próximos anos? Como se dará a relação dos novos governantes destes países com as potências mundiais? Conflitos no continente africano podem estar sendo vistos com preocupação por países europeus, que tem presenciado um número cada vez maior de refugiados saindo de países conturbados politicamente e economicamente em direção à Europa. Também pode estar havendo o temor de governos de países como França, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos de que a Rússia esteja atraindo cada vez mais para sua esfera de influência estes países africanos, nos quais foram derrubados por via militar governos anteriores. A França perdeu em pouco tempo os governos aliados da Gâmbia e do Níger, com os quais tinha relações muito próximas. 

Com certeza o tabuleiro político mundial está tendo alterações. As ex-repúblicas soviéticas Estônia, Letônia e Lituânia e países do extinto Pacto de Varsóvia estão alinhados à OTAN. Por outro lado, a Rússia e a China procuram estender suas influências para países da Ásia e da África. A “Guerra Fria” como era antes terminou. Mas o jogo de poder e influências a nível mundial continua. O ideal é que houvesse um esforço conjunto dos poderosos em prol de toda a civilização humana, ajudando por solidariedade sincera os mais frágeis e não a luta por poder que parece interminável. Porém é preciso também que países como os africanos, que estão com seus conflitos, consigam chegar em uma estabilidade política, desenvolvendo um sistema democrático, superando as desavenças internas, seja por motivos econômicos, culturais, étnicos ou religiosos. Estes fatores tem muito a ver com a questão colonialista do passado. A superação das dificuldades e conflitos é um grande desafio para estes países e para as potências internacionais que precisam se unir em prol do bem estar mundial. É importante focar na paz entre nações e na implementação de medidas de proteção ao meio ambiente, em uma época que a crise climática precisa da tomada de ações imediatas. 

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

 

Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+mapa+do+gab%C3%A3o&tbm=isch&ved=2ahUKEwio7-yfuJKBAxWWRLgEHSW6BjAQ2-cCegQIABAA&oq=imagem+


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