No dia 14 de setembro de 2021 a França convocou
para consulta os embaixadores na Austrália e Estados Unidos. Segundo o ministro
das Relações Exteriores da França, o governo francês tomou uma “atitude
incomum" devido à "gravidade incomum" da situação. Analistas de
questões diplomáticas disseram que esse gesto francês é uma mostra de grande
insatisfação. Tal atitude se deu porque a França foi informada que no dia 15 de
setembro seria assinado um pacto de defesa entre os Estados Unidos, o Reino
Unido e a Austrália. Segundo o acordo, haverá transferência de tecnologia
para o governo australiano construir oito submarinos movidos à energia nuclear
(que são mais poderosos que submarinos comuns). O objetivo é formar uma defesa
contra a expansão chinesa na região do sul do Pacífico. O acordo também prevê a
inclusão de áreas como inteligência artificial, tecnologia quântica e
cibersegurança.
A França tinha um acordo anterior com a Austrália
para venda de doze submarinos convencionais e com o pacto com os Estados Unidos
o acordo francês será cancelado. Além da reação francesa por causa dos
seus interesses que foram contrariados (pois terá perda de cerca de 65 bilhões
de dólares), o governo chinês protestou porque considerou que a nova aliança é
uma ameaça à sua posição no Pacífico. Um representante do governo chinês assim
declarou: "A China sempre pode resolver os problemas com o próprio
país da região. Nós não precisamos da intervenção de forças de fora ou que eles
percorram milhares de quilômetros de distância para fortalecer outros países.
Eu não acho que isso seja necessário. Nós podemos resolver essas questões
pacificamente se há alguma disputa entre países da região."
O governo francês considerou que a França tinha
sido esfaqueada pelas costas pelos Estados Unidos (seu aliado na OTAN)
e pela Austrália. Afirmou o governo da França que considerava ser
um "comportamento inaceitável entre aliados e
sócios". Análise de especialistas europeus descreve a situação não só
como perda financeira como também perda de prestígio por parte da França, que
não foi avisada oficialmente do acordo que os Estados Unidos e Austrália
firmaram que foi chamado de Aukus (sigla referente à
Austrália, ao Reino Unido e aos Estados Unidos)
O governo de Macron não só convocou seus
embaixadores, como também anunciou uma aproximação com a Índia, em uma jogada
de política internacional. Também o governo francês anunciou o cancelamento da
participação francesa em um evento comemorativo da batalha de Chesapeake Bay,
que foi uma batalha muito importante na Guerra de Independência dos Estados
Unidos, que ocorreu em 5 de setembro de 1781, quando a esquadra francesa
derrotou a esquadra da Grã-Bretanha, que queria manter o domínio sobre suas
colônias na América.
O governo da Malásia afirmou temer uma corrida armamentista
no Pacífico entre os Estados Unidos e seus aliados de um lado e a China de
outro, a partir do fornecimento de submarinos nucleares para a Austrália. O
governo Biden disse que irá procurar resolver a questão com a França
brevemente, por meio diplomático na Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo disse um alto funcionário norte-americano: "Lamentamos que tenham
dado esse passo, continuaremos comprometidos nos próximos dias a resolver
nossas diferenças, como temos feito em outros temas no transcurso da nossa
longa aliança” e disse ainda: "A França é nosso aliado mais antigo e um
dos nossos parceiros mais fortes e compartilhamos uma longa história, valores
democráticos e o compromisso de trabalhar juntos para abordar os desafios
globais”. Biden afirmou que pretende com o plano realizar uma estratégia de
longo prazo de segurança na área do Indo-Pacífico, destacando a questão da
expansão chinesa que contraria os interesses dos Estados Unidos. A Austrália
por sua vez está passando por uma tensão comercial com a China, principalmente
desde 2018. Em 2021 a China implementou fortes sanções econômicas a produtos
australianos. A Austrália mostrava-se relutante em se alinhar diretamente aos
Estados Unidos contra a China, porém o governo australiano começou a temer a
expansão chinesa e decidiu reagir à forma que o governo chinês vem se portando
nas relações comerciais.
O pano de fundo da crise diplomática é o aumento
crescente do poder chinês e sua política cada vez mais intensa naquela área,
que preocupa determinados países. Um destaque é a tensão comercial entre China
e Austrália, que aumentou desde 2018. Nos últimos meses, a China impôs severas
sanções econômicas a produtos australianos.
O governo francês demonstra certa insatisfação com
Biden, porque esperava dele um tratamento diferente do que era dado por Trump
aos aliados europeus, que era um tratamento de menosprezo. Já o governo
australiano disse entender a reação francesa, porém diz que quer que haja um
entendimento entre França e Austrália. A declaração da diplomacia australiana
foi: "É evidente que são assuntos com os quais é difícil lidar". O
francês Clément Beaune, secretário de Estado para Assuntos Europeus, afirmou:
"Temos negociações comerciais com a Austrália, não vejo como podemos
confiar em um parceiro australiano". O governo australiano destacou que
entre as razões porque a Austrália preferiu os submarinos nucleares aos
convencionais franceses estão a autonomia maior que os nucleares tem e sua
maior dificuldade em serem detectados por uma outra marinha. O porta-voz do
governo francês afirmou que Macron ligará para Biden para discutir a questão
dos submarinos.
Também grupos de cidadãos australianos que são
contra o envolvimento da Austrália com tecnologias nucleares mostraram sua
indignação com o pacto com os Estados Unidos. E o governo da Nova Zelândia tem
mostrado preocupação, afirmando para o governo australiano que a Nova Zelândia
não considerará bem vindas naus movidas à energia nuclear nas águas deste país.
Reino Unido e Estados Unidos tem tido desde o século XX relações próximas, destacando-se a grande cooperação na Segunda Guerra Mundial, na Guerra do Golfo de 1991 e nas intervenções recentes no século XXI no Iraque e no Afeganistão. A Austrália também tem tido fortes relações com Estados Unidos e Reino Unido, sendo ainda bastante ligada a este último.
Vou a seguir destacar alguns aspectos históricos
para mostrar a relação histórica entre a Austrália, o Reino Unido (ex-metrópole
da Austrália) e a relação da Austrália com os Estados Unidos.
1- I
Guerra Mundial:
Em quatro de agosto de 1914 a Austrália entrou na
Primeira Guerra Mundial em apoio ao Reino Unido. As principais batalhas foram
na Campanha de Galípoli contra o Império Turco Otomano; na invasão da Nova
Guiné, na época uma colônia alemã no Pacífico; na Península do Sinai contra os
turcos e participando da invasão do Império Otomano nas três batalhas de Gaza;
e na Frente Ocidental, onde tropas australianas participaram em 1916, 1917 e
1918 ao lado de ingleses e franceses contra forças alemãs.
2-II Guerra Mundial:
A entrada da Austrália na Segunda Guerra Mundial
contra a Alemanha, apoiando o Império Britânico deu-se em 3 de setembro de
1939. Posteriormente a Austrália declarou guerra à Itália em 1940 e ao Japão,
em 1941. Os australianos lutaram na Campanha do norte da África, na Frente
Europeia e na Frente do Sudoeste do Pacífico. Nessa guerra a Austrália foi
atacada diretamente pelo Império do Japão que realizou bombardeios contra o
território australiano. A Marinha e a Força Aérea da Austrália participaram, junto
com seu exército, de várias ações contra o Eixo.
3-Guerra da Coreia:
A Austrália também participou com suas forças
armadas da Guerra da Coreia (1950-1953), que começou com a invasão da Coreia do
Sul (apoiada pelos Estados Unidos e seus aliados) pela Coreia do Norte (apoiada
pela União Soviética e depois também pela China). Em destaque houve a
participação do grupo Asa N.º 91, pertencente à Força Aérea Australiana.
4-Guerra do Vietnã: De início a Austrália
envolveu-se na Guerra do Vietnã enviando 30 conselheiros militares em 1962,
número que aumentou em anos seguintes. Depois, a partir de 1965, houve a
participação de tropas australianas em combates no Vietnã do Sul até o início
dos anos de 1970. A Austrália chegou a ter mais de 60 mil militares combatendo
ao lado do exército do Vietnã do Sul (apoiado pelo governo de Washington) e das
tropas dos Estados Unidos. Na época havia o pacto com esse país e a Austrália,
pacto chamado de ANZUS. Também a Austrália desenvolveu durante a guerra
ações de assistência a aldeias e à administração provincial, incluindo
construções públicas, desenvolvimento agrícola e tratamento
médico/odontológico. Ainda que a experiência na Guerra do Vietnã (com perdas em
vidas humanas australianas)) tenha causado resistência aos governos
australianos em se envolverem em conflitos no exterior, a aliança com os
Estados Unidos tem se mantido.
A seguir um histórico da situação do Mar do Sul da
China:
O Mar da China Meridional, cuja área cobre
aproximadamente3 500 000km², com centenas de ilhotas que formam o arquipélago
do Mar do Sul da China, é considerado um mar marginal do Oceano Pacífico.
Chama-se de mares marginais os golfos de grandes dimensões que penetram mais ou
menos nos continentes. Um exemplo é o Golfo do México. Não tem acontecido conflitos
armados na região. No entanto há possibilidades de um conflito futuro devido ao
choque de interesses entre nações. Segundo Cronin e Kaplan (2011): É uma
área onde mais de meia dúzia de países tem sobreposições territoriais sobre um
fundo do mar com reservas comprovadas de petróleo de sete bilhões de barris e
cerca de 900 trilhões de pés cúbicos de gás natural”. A importância do Mar do
sul da China está relacionada às características da região, com arquipélagos de
ilhas, recifes e outras formações marinhas que podem ser pontos estratégicos por causa de sua importância para o fluxo comercial da região, como também devido às suas reservas naturais,
em especial petróleo e gás natural.
Entre os países interessados na região que disputam
territórios há a China, o Vietnã, a Malásia, Taiwan e as Filipinas. A
China tem declarado possuir soberania em grande parte dessa região, abrangendo
as ilhas Paracel, Spratly, Dongsha, Zhongsha e Huangyan, como também a área de
aterramento marítimo, a chamada “Grande Muralha de Areia". O governo da
China argumenta que o país tem uma presença histórica na região desde os tempos
que era um império. Com base nestes termos, o governo chinês mandou uma nota
para a ONU em 2009, depois de manifestações do Vietnã e da Malásia reivindicando
territórios. Então tem havido uma situação de disputa por esta região, com uma
complexidade jurídica e política. A China tem construído ilhas artificiais
fortificadas e realizado exercícios militares na área. Existem riscos de
aumento de tensões entre países e também há a possibilidade levantada por
especialistas de que pode haver riscos para a biodiversidade marinha. As
reivindicações territoriais da China no Mar do Sul da China, que consideram o
histórico do império chinês, contam com um mapa chinês antigo conhecido
como a Demarcação da linha dos 9 traços. Tal mapa não foi
reconhecido pela Convenção das Nações Unidas e nem pelo Tribunal Internacional
do Direito do Mar.
Os Estados Unidos, por sua vez, querem manter sua
influência na região. Este país adota a estratégia chamada “comando dos
comuns”. Segundo esta estratégia: as áreas que não pertençam a nenhum Estado e
que tenham importância para o acesso a grande parte do mundo podem ser de
utilização dos Estados Unidos, podendo negá-las a outras nações. A China tem
aumentado suas forças armadas e aumentado seus gastos militares, procurando
diminuir a influência dos norte-americanos naquela região. A partir de
2011, a posição do governo Obama chamada de “estratégia de rebalanceamento”,
buscou encontrar um equilíbrio militar a favor dos Estados Unidos em relação às
forças chinesas no Mar Meridional da China e no Pacífico. Politicamente os
Estados Unidos buscam reforçar alianças com países asiáticos como Japão,
Filipinas, Cingapura e Índia. Assim, a política norte-americana pretende dar
uma aparência maior de conflito regional. O governo Obama realizou a Parceria
Transpacífica (TPP) estabelecendo regras de comércio entre os
componentes deste grupo de países. Na verdade era um plano do governo Obama de
aumentar a presença dos estados Unidos no comércio daquela região da Ásia e
Pacífico e fortaleceria a posição no Mar do Sul da China.
Segundo o professor Diego Pautasso, com auxílio dos
pesquisadores Gaio Doria, Tiago Soares Nogara e Carlos Renato Ungaretti, no
quinto artigo sobre a série “A China e o Mundo”:
“(...) A questão das disputas entre a China e parte
de seus países vizinhos pelos domínios de territórios no Mar do Sul da China
aparece frequentemente como elemento desestabilizador das relações regionais
asiáticas, e não raramente como possível foco de tensão a assumir contornos
militares mais amplos. Isso não se dá por acaso, afinal as disputas no Mar do
Sul da China têm potencial para uma escalada de violência capaz de impactar
todo o sistema internacional. Portanto, constitui mais do que simples celeumas
relacionadas às disputas da China com países como Vietnã, Brunei, Malásia e
Filipinas. Nesse caso específico, a questão passa pela compreensão de como a
China articula a defesa de seus interesses no plano regional com o contexto
mais amplo das políticas de cerco e contenção executadas por Washington contra
o seu processo de ascensão.
Dito isso, é preciso analisar as mensagens cifradas
envoltas na questão do Mar do Sul da China, muitas delas propagadas a partir de
centros midiáticos e acadêmicos que não são atores desinteressados nas
consequências práticas dessas disputas. Ou seja, a narrativa dominante
ocidental se concentra no ‘expansionismo da China’ sobre os vizinhos
fragilizados. No entanto, as evidências são, na verdade, de ostensiva presença
militar estadunidense na região, bem como de grande disparidade temporal entre
a primeira construção de estruturas chinesas nos territórios reivindicados nas
ilhas Spratly, que se deu apenas no final de 2013, e aquelas construídas
anteriormente pelos demais contendores (...)”
Bem, vê-se então que a questão envolvendo a crise
diplomática atual entre França, Austrália e Estados Unidos além da questão
comercial está inserida em um contexto mais amplo de disputas na região do
Pacífico e do sudeste asiático.
De acordo com John Blaxland, professor do Centro de
Estudos de Estratégia e Defesa da Universidade Nacional Australiana, embora a
Austrália possa ter certos ganhos em uma parceria militar com os
norte-americanos, também há o risco de associar seu destino ao dos Estados
Unidos, o que pode levar a Austrália a entrar em um futuro conflito bélico que
possa haver na região.
Em relação à França, é possível que o governo dos
Estados Unidos queira dar alguma espécie de compensação ao seu aliado da OTAN (
e aliado histórico em algumas guerras) e membro da União Europeia, com a qual
Biden afirmou ter interesses de aproximar-se. A crise atual revela que embora
Biden tenha mostrado um espírito conciliador na política interna dos Estados
Unidos, externamente está assumindo como o seu antecessor uma política de
enfrentamento com a China, mostrando mais uma vez que, apesar de diferenças em
algumas posturas entre republicanos e democratas, em se tratando de questões
que envolvem os interesses econômicos e geopolíticos da nação da América do
Norte, essencialmente não há diferenças tão profundas. Temos nós, seres humanos
que habitam este planeta, que torcer para que as tensões entre grandes
potências não levem a consequências que possam gerar uma situação severamente
problemática para o resto do mundo, considerando-se a força econômica destas
poderosas potências industriais e o seu poderio militar. Para o bem da
Humanidade devemos torcer para que alternativas diplomáticas sejam utilizadas
em vez de "soluções" armadas.
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de
História.
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