segunda-feira, 20 de junho de 2022

A triste história do Hospital Colônia de Barbacena

 








Este meu artigo é sobre uma questão que ainda é muito pouco conhecida pelos brasileiros, a existência do Hospital Colônia de Barbacena. Sobre este hospital a jornalista Daniela Arbex escreveu o livro Holocausto Brasileiro. Segundo a autora deste livro, o hospital era semelhante a um campo e concentração.

A fundação do Hospital Colônia de Barbacena foi em 12 de outubro de 1903. Era um hospital psiquiátrico localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais e integrava um conjunto de sete instituições psiquiátricas construídas nessa cidade que chegou a ser chamada de "Cidade dos Loucos". Ainda existem três desses hospitais em funcionamento.

O Hospital Colônia ficava em terras pertencentes à Fazenda da Caveira, cujo proprietário tinha sido Joaquim Silvério dos Reis. De início era um hospital para tratamento de tuberculosos e posteriormente virou hospital psiquiátrico. O local, em área montanhosa, era considerado bom para se curar os doentes com tuberculose. Também houve médicos que acharam o local favorável para tratamento de doenças mentais. O médico Joaquim Antônio Dutra foi o primeiro diretor. De Hospital Colônia de Barbacena a instituição foi depois chamada de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Durante a República Velha o local foi considerado uma referência nacional no tratamento a transtornos psiquiátricos e muito procurado por quem queria abandonar membros indesejáveis da família. Antes da inauguração do Hospital Colônia os pacientes eram atendidos nos porões da Santa Casa. Foi nos anos duros da ditadura militar que as condições do hospital pioraram.Na atualidade, funciona no lugar um hospital gerenciado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).

Em 1900 havia em Minas Gerais a Assistência aos Alienados e o hospital de Barbacena foi relacionado a essa instituição. Havia uma área de cerca de 8 mil metros quadrados onde foi criado o chamado “Cemitério da Paz”. No Brasil, em 1895 tinha sido construído em 1895 o Hospital Psiquiátrico do Juqueri e depois a Colônia Juliano Moreira.

O Hospital, que funcionava como manicômio,era formado por dezesseis pavilhões independentes, cada qual com uma função. Por exemplo, o pavilhão para as mulheres indigentes era o Pavilhão "Zoroastro Passos"; para os homens indigentes era o Pavilhão “Antônio Carlos”. Nos anos de 1980 o hospital começou a ser criticado pelo tipo de tratamento dado aos pacientes, um tratamento duro demais. Chegou a ser chamado de campo de concentração nazista pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. Durante muitos anos pacientes chegavam ao hospital em grandes vagões de carga chamados de “trem de doido”. Nesse tempo diversas linhas ferroviárias passavam pela cidade de Barbacena. De 200 leitos disponíveis no hospital em 1903 o número aumentou nas décadas seguintes e em 1961 o hospital tinha aproximadamente cinco mil pacientes, entre eles constavam opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, alcoólatras, amantes de líderes políticos, crianças indesejadas, epiléticos, vítimas de estupros, homens excessivamente tímidos, mulheres que tinham características de liderança ou que se recusavam se casar e grupos marginalizados socialmente (grande parte dos internos era de pessoas negras), todos considerados nessa época como “pessoas não agradáveis”. A maioria desses pacientes entrava no hospital sem nenhum sintoma de transtorno mental.

Foi chamado de “Holocausto Brasileiro” o período das décadas de 1960 e 1970, quando aconteceu o maio número de mortes. Alguns estudiosos estimam que pode ter sido um número aproximado a 60 mil mortos.

No tempo de funcionamento do hospital, havia famílias que, desejando um “tratamento” para membros que elas consideravam “desajustados”, encaminhavam essas pessoas para lá. Por anos o hospital operou muito além de sua capacidade normal. Havia pacientes de vários estados do Brasil que chegavam por trem em condições degradantes. Segundo o relato do médico Jairo Toledo, em um certo dia, no hospital, durante a madrugada, dezessete pacientes morreram de frio. O hospital acabou se tornando um lugar para se livrar daqueles que não eram enquadrados nos padrões de moral e de normalidade da época e até msmo como meio de se afastar pessoas que incomodavam politicamente. 

O psiquiatra Franco Basaglia, que fez uma visita em 1979, exigiu que o hospital psiquiátrico de Barbacena fosse fechado. Mas só nos anos da década de 1980 é que isso aconteceu. Em 1996 o Hospital Colônia foi reaberto e transformado em “Museu da Loucura”. O Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) hoje em dia atende um universo de 50 cidades.

Os pacientes sofriam demasiado, tinham de trabalhar manualmente, dormir sobre capim seco sobre um chão de cimento (em meio a ratos e baratas), faziam necessidades fisiológicas no chão e ainda ocorriam estupros, castigos físicos (como o instrumento de tortura cadeira do dragão), uso de camisas de força, existência de celas solitárias e pressão psicológica, acontecendo as chamadas terapias de choque e usos de ducha forte, tudo isso somado à fome, falta de água potável, imensa sujeira. Os motivos para tal tratamento desumano diversas vezes era para servir como punição ou porque existiam conflitos entre pacientes e funcionários. Não raramente pessoas morriam devido a essas condutas desumanas. Alguns internos, sedentos, bebiam sua própria urina.

Para piorar, existia a superlotação. Havia internos que andavam nus e outros com pouquíssima roupa e nas baixas temperaturas do inverno sofriam muito e parte deles morria de hipotermia. Para tomarem banho muitos tinham de se banhar ou beber em um esgoto a céu aberto. Mulheres grávidas se sujavam com fezes para evitar a aproximação de funcionários. Bebês recém-nascidos após algum tempo eram separados das mães.  Pessoas que adoeciam eram abandonadas e morriam. Não aprendiam a falar, a ler e a escrever as crianças que nasciam no Hospital Colônia.

O público só ficou sabendo da real situação que acontecia no hospital quando em 1961 o fotógrafo Luiz Alfredo de O Cruzeiro mostrou por meio de suas fotos o que acontecia. E o jornalista Hiram Firmino realizou reportagens com nome de "Nos porões da loucura" sobre a realidade do hospital. Também foi feito por Helvécio Ratton,um filme chamado Em Nome da Razão.

Com tanta gente que morria, o cemitério das proximidades não conseguia ter espaço suficiente. A alternativa encontrada por funcionários corruptos foi o tráfico de corpos para laboratórios de anatomia de universidades. O total de corpos vendidos foi de 1853. Houve também corpos que eram dissolvidos em ácido. Quando o hospital foi fechado, houve a transferência de bem poucos sobreviventes para lugares com estrutura melhor, com direito à indenização do Estado. Ninguém foi punido pelos maltratos e mortes nesse hospital. Nenhum governo foi responsabilizado.

Museu da Loucura, idealizado por Jairo Toledo e inaugurado em 1996, funciona no antigo torreão do Hospital Colônia. É o museu mais visitado por turistas dos cinco que existem em Barbacena. Jairo publicou em 2008 o livro “Colônia” sobre a tragédia que aconteceu naquele hospital.

Relatos:

A ex-paciente Sônia do hospital, que passou por eletrochoques e agressões relatou: “Lá no hospital judiavam muito da gente. Já apanhei muito, mas bati em muita gente também. Como era agressiva, me deram muito choque. Agora tenho comida gostosa, talheres e o principal: liberdade.”

Marlene Laureano, que foi funcionária do CHPB desde os 20 disse: “Todas as manhãs, eu tirava o capim e colocava para secar. Também dava banho nos pacientes, mas não havia roupas para vestirem. Tinha um pavilhão com 300 pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente para 30. Imagine! Só permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo isso ia melhorar, sei que Deus existe.

Segundo o relato de Wellerson Durães de Alkmim, que fazia parte da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, após sua ida ao hospital em 1975:

Eu era estudante do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à Colônia ‘Zoológica’ de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer uma visita ao zoológico, só que não era divertido, e nem a gente era tão criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi.”

Outro relato foi do psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, substituída, em 1977, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig):

“Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves”.

Citações de autoras:

“Existências infames: sem notoriedade, obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo sem deixar rastro – nenhuma nota de fama, nenhum feito de glória, nenhuma marca de nascimento, apenas o infortúnio de vidas cinzentas para a história e que se desvanecem nos registros porque ninguém as considera relevantes para serem trazidas à luz. Nunca tiveram importância nos acontecimentos históricos, nunca nenhuma transformação perpetrou-se por sua colaboração direta. Apenas algumas vidas em meio a uma multidão de outras, igualmente infelizes, sem nenhum valor. Porém, sua desventura, sua vilania, suas paixões, alvos ou não da violência instituída, sua obstinação e sua resistência encontraram em algum momento quem as vigiasse, quem as punisse, quem lhes ouvisse os gritos de horror, as canções de lamento ou as manifestações de alegria.”( Os infames da história – pobres, escravos e deficientes no Brasil (Faperj/Lamparina)de autoria da psicóloga Lilia Ferreira Lobo)

“Milhares de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. (…) Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo instante” (Holocausto Brasileiro/ Geração Editorial( de autoria da jornalista Daniela Arbex.)

“O repórter luta contra o esquecimento. Transforma palavra o que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade àqueles que, até então eram registrados como “Ignorados de tal”. Eram um não ser. Pela narrativa, eles retornam, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque era epilético. Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que ficou vinte e um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava. São sobreviventes de um holocausto que atravessou a maior parte do século XX, vivido na Colônia, como é chamado o maior hospício do Brasil, na cidade brasileira de Barbacena. Como pessoas, não mais como corpos sem palavras, eles, que foram chamados de “doidos”, denunciam a loucura dos “normais”(...)”

Eliane Brum (jornalista) , Prefácio do livro Holocausto Brasileiro, de autoria de Daniela Arbex.

 

Sobre o seu livro, a autora de Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex explicou:

“Dei esse nome primeiro porque foi um extermínio em massa. Depois porque os pacientes também eram enviados em vagões de carga (ao manicômio). Quando eles chegavam, os homens tinham a cabeça raspada, eram despidos e depois uniformizados”.

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O psiquiatra italiano Franco Basaglia disse em 1979 quando visitou o hospício: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo presenciei uma tragédia como essa”.

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Sugestão de vídeo: Diário do Repórter - Hospital Colônia de Barbacena

https://www.youtube.com/watch?v=38qRtOVBCgk

 

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e Psicólogo


Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+do+museu+da+loucura&sxsrf=ALiCzsbtdTf6vBnOWayUOsHL0Sqa0aCuNA%3A1655762598809&source=


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