Este meu artigo é sobre uma questão que
ainda é muito pouco conhecida pelos brasileiros, a existência do Hospital
Colônia de Barbacena. Sobre este hospital a jornalista Daniela Arbex escreveu o
livro Holocausto Brasileiro. Segundo a autora deste livro, o hospital
era semelhante a um campo e concentração.
A fundação do
Hospital Colônia de Barbacena foi em 12 de outubro de 1903. Era um hospital
psiquiátrico localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais e integrava um
conjunto de sete instituições psiquiátricas construídas nessa cidade que chegou
a ser chamada de "Cidade dos Loucos". Ainda existem três desses
hospitais em funcionamento.
O Hospital Colônia
ficava em terras pertencentes à Fazenda da Caveira, cujo proprietário tinha
sido Joaquim Silvério dos Reis. De início era um hospital para tratamento de
tuberculosos e posteriormente virou hospital psiquiátrico. O local, em área
montanhosa, era considerado bom para se curar os doentes com tuberculose.
Também houve médicos que acharam o local favorável para tratamento de doenças
mentais. O médico Joaquim Antônio Dutra foi o primeiro diretor. De Hospital
Colônia de Barbacena a instituição foi depois chamada de Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Barbacena. Durante a República Velha o local foi considerado
uma referência nacional no tratamento a transtornos psiquiátricos e muito
procurado por quem queria abandonar membros indesejáveis da família. Antes da
inauguração do Hospital Colônia os pacientes eram atendidos nos porões da Santa
Casa. Foi nos anos duros da ditadura militar que as condições do hospital
pioraram.Na atualidade, funciona no lugar um hospital gerenciado pela Fundação
Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).
Em 1900 havia em
Minas Gerais a Assistência aos Alienados e o hospital de
Barbacena foi relacionado a essa instituição. Havia uma área de cerca de 8 mil
metros quadrados onde foi criado o chamado “Cemitério da Paz”. No Brasil, em
1895 tinha sido construído em 1895 o Hospital Psiquiátrico do Juqueri e depois
a Colônia Juliano Moreira.
O Hospital, que
funcionava como manicômio,era formado por dezesseis pavilhões independentes,
cada qual com uma função. Por exemplo, o pavilhão para as mulheres indigentes
era o Pavilhão "Zoroastro Passos"; para os homens indigentes era o
Pavilhão “Antônio Carlos”. Nos anos de 1980 o hospital começou a ser criticado
pelo tipo de tratamento dado aos pacientes, um tratamento duro demais. Chegou a
ser chamado de campo de concentração nazista pelo psiquiatra italiano Franco
Basaglia. Durante muitos anos pacientes chegavam ao hospital em grandes vagões
de carga chamados de “trem de doido”. Nesse tempo diversas linhas ferroviárias
passavam pela cidade de Barbacena. De 200 leitos disponíveis no hospital em
1903 o número aumentou nas décadas seguintes e em 1961 o hospital tinha
aproximadamente cinco mil pacientes, entre eles constavam opositores políticos,
prostitutas, homossexuais, mendigos, alcoólatras, amantes de líderes políticos,
crianças indesejadas, epiléticos, vítimas de estupros, homens excessivamente
tímidos, mulheres que tinham características de liderança ou que se recusavam
se casar e grupos marginalizados socialmente (grande parte dos internos era de
pessoas negras), todos considerados nessa época como “pessoas não agradáveis”.
A maioria desses pacientes entrava no hospital sem nenhum sintoma de transtorno
mental.
Foi chamado de
“Holocausto Brasileiro” o período das décadas de 1960 e 1970, quando aconteceu
o maio número de mortes. Alguns estudiosos estimam que pode ter sido um número
aproximado a 60 mil mortos.
No tempo de
funcionamento do hospital, havia famílias que, desejando um “tratamento” para
membros que elas consideravam “desajustados”, encaminhavam essas pessoas para
lá. Por anos o hospital operou muito além de sua capacidade normal. Havia
pacientes de vários estados do Brasil que chegavam por trem em condições
degradantes. Segundo o relato do médico Jairo Toledo, em um certo dia, no
hospital, durante a madrugada, dezessete pacientes morreram de frio. O hospital
acabou se tornando um lugar para se livrar daqueles que não eram enquadrados
nos padrões de moral e de normalidade da época e até msmo como meio de se
afastar pessoas que incomodavam politicamente.
O psiquiatra Franco Basaglia, que fez
uma visita em 1979, exigiu que o hospital psiquiátrico de Barbacena fosse
fechado. Mas só nos anos da década de 1980 é que isso aconteceu. Em 1996 o
Hospital Colônia foi reaberto e transformado em “Museu da Loucura”. O Centro
Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) hoje em dia atende um universo de
50 cidades.
Os pacientes sofriam demasiado, tinham
de trabalhar manualmente, dormir sobre capim seco sobre um chão de cimento (em
meio a ratos e baratas), faziam necessidades fisiológicas no chão e ainda
ocorriam estupros, castigos físicos (como o instrumento de tortura cadeira do
dragão), uso de camisas de força, existência de celas solitárias e pressão
psicológica, acontecendo as chamadas terapias de choque e usos de ducha forte,
tudo isso somado à fome, falta de água potável, imensa sujeira. Os motivos para
tal tratamento desumano diversas vezes era para servir como punição ou porque
existiam conflitos entre pacientes e funcionários. Não raramente pessoas
morriam devido a essas condutas desumanas. Alguns internos, sedentos, bebiam
sua própria urina.
Para piorar, existia a superlotação.
Havia internos que andavam nus e outros com pouquíssima roupa e nas baixas
temperaturas do inverno sofriam muito e parte deles morria de hipotermia. Para
tomarem banho muitos tinham de se banhar ou beber em um esgoto a céu aberto.
Mulheres grávidas se sujavam com fezes para evitar a aproximação de
funcionários. Bebês recém-nascidos após algum tempo eram separados das
mães. Pessoas que adoeciam eram abandonadas e morriam. Não aprendiam
a falar, a ler e a escrever as crianças que nasciam no Hospital Colônia.
O público só ficou sabendo da real
situação que acontecia no hospital quando em 1961 o fotógrafo Luiz Alfredo
de O Cruzeiro mostrou por meio de suas fotos o que acontecia.
E o jornalista Hiram Firmino realizou reportagens com nome de "Nos
porões da loucura" sobre a realidade do hospital. Também foi feito por
Helvécio Ratton,um filme chamado Em Nome da Razão.
Com tanta gente que morria, o cemitério
das proximidades não conseguia ter espaço suficiente. A alternativa encontrada
por funcionários corruptos foi o tráfico de corpos para laboratórios de
anatomia de universidades. O total de corpos vendidos foi de 1853. Houve também
corpos que eram dissolvidos em ácido. Quando o hospital foi fechado, houve a
transferência de bem poucos sobreviventes para lugares com estrutura melhor,
com direito à indenização do Estado. Ninguém foi punido pelos maltratos e
mortes nesse hospital. Nenhum governo foi responsabilizado.
O Museu da Loucura,
idealizado por Jairo Toledo e inaugurado em 1996, funciona no antigo torreão do
Hospital Colônia. É o museu mais visitado por turistas dos cinco que existem em
Barbacena. Jairo publicou em 2008 o livro “Colônia” sobre a tragédia que
aconteceu naquele hospital.
Relatos:
A ex-paciente Sônia do hospital, que
passou por eletrochoques e agressões relatou: “Lá no hospital judiavam muito da
gente. Já apanhei muito, mas bati em muita gente também. Como era agressiva, me
deram muito choque. Agora tenho comida gostosa, talheres e o principal:
liberdade.”
Marlene Laureano, que foi funcionária
do CHPB desde os 20 disse: “Todas as manhãs, eu tirava o capim e colocava para
secar. Também dava banho nos pacientes, mas não havia roupas para vestirem.
Tinha um pavilhão com 300 pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente
para 30. Imagine! Só permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo
isso ia melhorar, sei que Deus existe.
Segundo o relato de Wellerson Durães de
Alkmim, que fazia parte da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação
Mundial de Psicanálise, após sua ida ao hospital em 1975:
Eu era estudante do Hospital de
Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à
Colônia ‘Zoológica’ de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque
encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital
de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela
não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A
metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer
uma visita ao zoológico, só que não era divertido, e nem a gente era tão
criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi.”
Outro relato foi do psiquiatra e
escritor Ronaldo Simões Coelho, que trabalhou na Colônia no início da década de
60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência
Psiquiátrica, substituída, em 1977, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas
Gerais (Fhemig):
“Muitas das doenças eram causadas por
vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei
a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como
animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a
desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de
uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte.
Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a
energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos
morriam, outros sofriam fraturas graves”.
Citações de autoras:
“Existências infames: sem notoriedade,
obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo sem
deixar rastro – nenhuma nota de fama, nenhum feito de glória, nenhuma marca de
nascimento, apenas o infortúnio de vidas cinzentas para a história e que se
desvanecem nos registros porque ninguém as considera relevantes para serem
trazidas à luz. Nunca tiveram importância nos acontecimentos históricos, nunca
nenhuma transformação perpetrou-se por sua colaboração direta. Apenas algumas
vidas em meio a uma multidão de outras, igualmente infelizes, sem nenhum valor.
Porém, sua desventura, sua vilania, suas paixões, alvos ou não da violência
instituída, sua obstinação e sua resistência encontraram em algum momento quem
as vigiasse, quem as punisse, quem lhes ouvisse os gritos de horror, as canções
de lamento ou as manifestações de alegria.”( Os infames da história –
pobres, escravos e deficientes no Brasil (Faperj/Lamparina)de autoria
da psicóloga Lilia Ferreira Lobo)
“Milhares de mulheres e homens sujos,
de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. (…) Os
homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés
descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e
beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia
fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que
carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente,
pois os urubus espreitavam a todo instante” (Holocausto Brasileiro/ Geração
Editorial( de autoria da jornalista Daniela Arbex.)
“O repórter luta contra o esquecimento.
Transforma palavra o que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex
devolve nome, história e identidade àqueles que, até então eram registrados
como “Ignorados de tal”. Eram um não ser. Pela narrativa, eles retornam, como
Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque era
epilético. Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que ficou vinte e
um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque ninguém se lembrou de
perguntar se ele falava. São sobreviventes de um holocausto que atravessou a
maior parte do século XX, vivido na Colônia, como é chamado o maior hospício do
Brasil, na cidade brasileira de Barbacena. Como pessoas, não mais como corpos
sem palavras, eles, que foram chamados de “doidos”, denunciam a loucura dos
“normais”(...)”
Eliane Brum (jornalista) , Prefácio do
livro Holocausto Brasileiro, de autoria de Daniela Arbex.
Sobre o seu livro, a autora de
Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex explicou:
“Dei esse nome primeiro porque foi um
extermínio em massa. Depois porque os pacientes também eram enviados em vagões
de carga (ao manicômio). Quando eles chegavam, os homens tinham a cabeça
raspada, eram despidos e depois uniformizados”.
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O psiquiatra italiano Franco Basaglia
disse em 1979 quando visitou o hospício: “Estive hoje num campo de concentração
nazista. Em nenhum lugar do mundo presenciei uma tragédia como essa”.
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Sugestão de vídeo: Diário do Repórter
- Hospital Colônia de Barbacena
https://www.youtube.com/watch?v=38qRtOVBCgk
Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e
Psicólogo
Figura:
https://www.google.com/search?q=imagem+do+museu+da+loucura&sxsrf=ALiCzsbtdTf6vBnOWayUOsHL0Sqa0aCuNA%3A1655762598809&source=
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