No dia 19 de outubro, auditores que fiscalizam o
trabalho escravo que trabalham no Ministério do Trabalho paralisaram suas
atividades em 22 Estados. Tal decisão de parar foi em resposta à portaria do
Ministério do Trabalho, publicada no dia 16 de outubro com regas que dificultam
o acesso à chamada "Lista suja" de empregadores que tenham sido
flagrados por trabalho escravo no Brasil. Também o texto altera o modelo de
fiscalização e abre certos espaços que podem dificultar a comprovação e a
punição desse tipo de crime.
Segundo a referida portaria, há a previsão de que
só o ministro do trabalho pode incluir na chamada Lista Suja do Trabalho
Escravo os nomes dos empregadores que se submeterem trabalhadores às condições
semelhantes à escravidão. Somente o ministro poderá autorizar a divulgação da
relação. Anteriormente, a inclusão dos empregadores pegos em flagrante e a
divulgação da lista era feita pelos técnicos. Houve alteração nas regras para a
caracterização de trabalho análogo à escravidão. O artigo 149 do Código Penal
classifica como crime submeter alguém a realizar trabalhos forçados ou a
cumprir jornadas exaustivas em condições degradantes de trabalho. Já a portaria
exclui que o fiscal autue quando flagre trabalhadores expostos a condições
degradantes ou jornadas exaustivas, se não ficar configurada restrição à sua
liberdade de ir e vir.
O que se constata é que a portaria ministerial
considera escravidão somente a coação ou cerceamento da liberdade de ir e vir,
o que fica mais claro quando se verifica a presença de vigias armados para
restringir a movimentação dos trabalhadores ou pela apreensão de documentos.
Segundo alguns críticos, a portaria fere o
ordenamento jurídico brasileiro e as convenções internacionais assinadas pelo
Brasil.
Para o coordenador da Coordenadoria Nacional de
Erradicação do Trabalho Escravo ( CONAETE), Tiago Muniz Cavalcanti: "O
governo está de mãos dadas com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da
lista suja, a falta de recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da
Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o
ministério edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções
da OIT".
Vou fazer algumas considerações sobre a
questão da escravidão na História, entendendo, é claro, que a escravidão como
conhecida em épocas passadas, como em Atenas e Roma na Antiguidade, assim como
a escravidão no Brasil Colônia, foram realidades específicas daquelas
sociedades, embora algumas características presentes naqueles tipos de
escravidão possam ser comparadas com o que acontece a determinados
trabalhadores da atualidade no Brasil que são privados de condições essenciais
à sua condição de seres humanos.
Duas formas de escravidão que existiam em Atenas
eram a escravidão por meio de guerras e a escravidão por dívidas. Etnia ou
posição social não eram aspectos decisivos para a escravidão. Para os gregos
antigos a escravidão era natural e necessária para que a liberdade pudesse ser
gozada por um grupo de cidadãos. Mas para os atenienses não havia uma atividade
específica de escravos, só que o homem livre trabalhava por sua própria conta e
o escravo para outro. O escravo não possuía direitos políticos e nem jurídicos.
Entretanto, não podiam ser maltratados e se mortos por alguém, os assassinos
respondiam por homicídio involuntário. Ainda que fosse um produto, uma mercadoria que se
comprava no mercado, o proprietário ao adquiri-lo, aceitava que tinha de educar
os filhos do escravo em sua casa.
A escravidão na Antiguidade originou-se,
principalmente, da guerra ou das dívidas, sendo esta última forma abolida na
Grécia por volta do século V a.C. Os atenienses que tornavam-se escravos eram
em muitos casos camponeses que perdiam suas pequenas propriedades para grandes
proprietários e que ainda assim ficavam devendo.
A escravidão por dívidas foi abolida pelo
reformador Sólon, que mandou libertar os escravos por dívidas e proibiu essa
prática, além de tomar medidas que evitassem certos abusos dos grandes
proprietários sobre os pequenos. A grande maioria dos escravos destinava-se ao
trabalho agrário, no entanto, realizavam todo o tipo de trabalho, seja nas
minas, nas oficinas, nas residências e para o Estado
A grande maioria dos escravos destinava-se ao
trabalho agrário, porém, realizavam todo o tipo de trabalho, seja nas minas,
nas oficinas, nas residências e para o Estado.
Em Roma, massas de pessoas eram escravizadas ao se
ganhar uma guerra, a fim de, por um lado, trazer riquezas para o vencido em
forma de produção pela mão de obra, por outro demonstrar o poder do vencedor
sobre o vencido, subjugando seus pares.
A segunda forma é a escravização por dívidas, que
ocorria quando alguém devia para outrem e não tinha mais condições de pagar tal
dívida, dando à pessoa sua própria mão de obra como pagamento da dívida, sem
ganhar nada em troca. A extensão das grandes propriedades patrícias gerava uma
desleal concorrência com os plebeus que eram pequenos proprietários de terra.
Não resistindo à concorrência econômica dos patrícios, muitos plebeus
endividavam-se e eram transformados em escravos.
Na República, pelos vestígios históricos, a
escravidão por dívidas apesar de assegurada na Lei das Doze Tábuas foi abolida
durante a República em 326 a.C., pela Lex Poetelia Papiria. A Lex
Poetelia Papiria foi uma lei da República Romana. Ela aboliu o nexum, ou seja, o acordo pelo qual um
devedor dava como garantia de um empréstimo a escravidão de si mesmo (ou de um
membro da família sobre o qual ele tinha autoridade, como uma criança) em nome
do credor em troca de se acabar com o débito).
Ser escravo em Roma, tinha formas e hierarquias
diferentes. Os escravos trabalhavam nas
minas e faziam o trabalho pesado braçal em diversos locais, mas também assumiam
os papéis de encarregados das finanças privadas e publicas do império, o de responsáveis
pela correspondência imperial e dos pedidos realizados ao imperador. Os
escravos ocupavam funções na sociedade romana que seriam ligadas diretamente
com a produção artesanal ou agrícola e havia os escravos domésticos e os que
atuavam como agentes comerciais ou financeiros, além de gerirem os negócios dos
seus senhores em troca do pecúlio (quantia de dinheiro).
Os que
trabalhavam em casas ou em funções publicas podiam ter mais chances de serem
libertos e também eram os mais bem tratados e com menores dificuldades. Os
trabalhadores que tinham de ir para trabalhos braçais mais pesados, como
lavoura e minas eram os que mais sofriam, não só pela dificuldade e cobrança da
própria atividade, mas também pela violência dos senhores.
Com o crescimento do número de escravos, que vinham
de cada vez maior número de grupos vencidos que não se submetiam ao poder de
Roma. Muitos desses grupos de escravos se uniam e se revoltavam contra seus
senhores ou mesmo contra Roma e seus representantes.
No mundo moderno (da Idade Moderna, séculos XV,XVI,
XVII e XVIII), a escravidão é a instituição social que coloca um homem (ou
grupo de homens) abaixo de outro, o rebaixamento dos homens a um estado de
“coisa”, sob propriedade de outros homens. A escravidão moderna brasileira
buscou, inclusive, no direito romano suas bases de legitimação legal. A ideia
geral de escravidão era igual para o mundo romano e a sociedade escravista
brasileira em dois fatores: o escravo ser uma propriedade, uma coisa, não
agente; o escravo não decide por si, o senhor é dono de seu trabalho, de sua
mão de obra, mas também de seu corpo e de tudo que, enquanto homem, o
caracteriza.
Cabe comentar aqui algumas diferenças. A escravidão
dos tempos modernos se baseou na etnia e focou grupos específicos de homens que
se tentava provar cientificamente serem piores (hierarquicamente) que outros
grupos, seja geograficamente, seja pela cor da pele ou pela estatura corporal
(mais altos e fortes, “feitos” para o trabalho manual). A escravidão romana
antiga apenas era voltada, especificamente (na maioria das vezes), para
estrangeiros, sendo eles nórdicos (louros dos olhos azuis, e daí alguns
defendem vir a palavra “escravo”, de “eslavos” que eram subjugado dessa forma
específica), italianos de grupos diferentes dos romanos ou negros comerciados
com a Ásia e África.
Os escravos eram capturados por toda a Europa e na
região do Mediterrâneo, incluindo povos celtas, germânicos, trácios, gregos, cartagineses como
também um pequeno grupo de etíopes no Egito Romano. Até o século I a.C., o costume
impedia a escravização de cidadãos romanos e italianos que viviam na Gália Cisalpina, porém
antes disso muitos italianos do sul e do centro da Itália foram escravizados
após serem conquistados.
Segundo o escritor Jacob Gorender em relação ao
escravismo colonial no Brasil: "O escravismo colonial emergiu como um modo
de produção de características novas, antes desconhecidas na história humana.
Nem ele constituiu repetição ou retorno do escravismo antigo, colocando-se em
sequência regular ao comunismo primitivo, nem resultou da conjugação sintética
entre as tendências inerentes à formação social portuguesa do século XVI e às
tribos indígenas".
O trabalho escravo no Brasil Colonial e no Imperial
era muito duro nas plantações e na mineração, com condições precárias de trabalho, pouco descanso, sujeito a castigos
físicos em caso de fugas ou desobediência e nas cidades havia uma
diversificação do trabalho escravo, podendo ter atividades voltadas a ofícios,
ao artesanato ou participando de pequenos negócios nas ruas, o lhes permitia
guardar um parte da renda e serem muito menos controlados no seu ir e vir.
Havia também, como na Grécia e Roma antigas, os
escravos domésticos que variavam entre aqueles que exerciam trabalhos manuais que
podiam ser ligados à limpeza, de manutenção da casa e outros considerados
"de luxo", que formavam o cortejo do senhor nos seus trajetos fora da
casa. Só que diferente do mundo romano, nas casas brasileiras não havia
escravos mais preparados intelectualmente
que pudessem servir como professores, mordomos, artistas, bibliotecários
etc.
Bem, creio que já foi dada uma noção sobre a
questão do trabalho escravo em Atenas e Roma antigas, assim como no Brasil
Colonial e Imperial. Agora vou falar do trabalho degradante de trabalhadores
livres no campo no Brasil imperial e início do período republicano, com
determinadas condições que se assemelhavam à escravidão.
Com a expansão da cafeicultura no século XIX,
vários cafeicultores demonstravam
interesse pela adoção da mão de obra do trabalhador imigrante. Mas isso não
significava de que não havia mão de obra livre disponível no Brasil para
trabalhar no campo. Havia um potencial de mão de obra entre os trabalhadores
pobres e livres que poderia atender aos interesses dos grandes proprietários no
processo de desenvolvimento da lavora cafeeira.
Porém, os trabalhadores
nacionais livres se recusavam ao trabalho nas lavouras porque possuíam uma
ideia extremamente negativa a respeito do mesmo. Eles conheciam a mentalidade de muitos fazendeiros em relação aos seus
escravos, com muita exploração e até mesmo violência e preferiam ficar
realizando serviços esporádicos nas
fazendas ou desenvolver atividades agrícolas de subsistência ao invés de se
sujeitarem ao trabalho degradante nas lavouras. Dessa forma, os
cafeicultores brasileiros optaram pela mão de obra do imigrante.
No século fim do século XVIII e no XIX, em
alguns países europeus o processo de
industrialização fez-se à custa da
exploração do trabalho dos operários urbanos e da expulsão dos trabalhadores
rurais do campo. Esses últimos, impedidos de obter a subsistência por meio do
cultivo da terra dirigiram-se para as cidades onde foram aumentar as fileiras
dos desempregados ou se submeteram ao regime de trabalho das fábricas. A
Itália, que forneceu um dos maiores contingentes de imigrantes para o Brasil,
passava à época por crises políticas e sociais responsáveis por elevados
índices de desemprego.
Foi assim que muitos trabalhadores europeus, sem
nenhuma propriedade, donos apenas de sua força de trabalho e que acreditavam
que o trabalho no Brasil seria fonte de enriquecimento e segurança, eram trabalhadores ideais na perspectiva
capitalista dos proprietários brasileiros.
No século XIX, milhares de imigrantes (alemães,
suíços, italianos, espanhóis, portugueses, entre outros) entraram no Brasil com
esperança de melhorar de vida, mas sem recursos financeiros. Para a
concretização da imigração em massa de trabalhadores europeus para o Brasil, um
fator que muito contribuiu foi a intensa
propaganda feita pelo governo brasileiro na Europa.
Um
fator impedia a aquisição de terras e subsídios de terras por colonos e imigrantes: a Lei de Terras de
1850. Essa lei
proibia a aquisição de terras devolutas por posse ou doação. A partir de
então, a terra só poderia ser adquirida mediante título de compra. Tal lei provocou a expulsão de muitos
posseiros, assim como impediu que outros
trabalhadores nacionais e também imigrantes tivessem acesso a terra.
A
partir de 1840, foi adotado o sistema de parceria. A primeira
experiência ocorreu em 1847, na Fazenda Ibicaba (região de Limeira), cujo
proprietário era o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Pelo contrato
de parceria, os fazendeiros pagavam todas as despesas de viagem pagas e
transporte até a fazenda. Os gastos com manutenção e instalação da família,
efetuados logo após a chegada dos mesmos corriam também por conta do
fazendeiro. Porém, não havia gratuidade no pagamento dessas despesas. Era apenas um adiantamento: logo que o colono
iniciasse a produção deveria começar a pagar o fazendeiro com juros de 6% ao
ano e, mais tarde, juros de até 12% ao ano. A cada família de colonos
imigrantes era atribuído um certo número de pés de café para cultivar, colher e
secar, além de um pedaço de terra para plantar gêneros de subsistência. Com o
lucro conseguido com o café colhido, o colono deveria receber a metade,
descontando-se, porém, todos os gastos com a secagem no terreiro, limpeza, beneficiamento,
transportes e impostos. O fazendeiro ficaria também com a metade do lucro dos
alimentos vendidos pelos colonos.
Os
colonos passaram a acusar os fazendeiros de lhes destinar poucos cafeeiros
frutíferos, que produziam uma safra pequena e em terras menos acessíveis.
Reclamavam dos pesos e medidas utilizados pelos proprietários que avaliavam a
mercadoria em prejuízo dos colonos. Reclamavam das moradias em que eram
instalados: casas de pau-a-pique, sem forro, de chão batido e, em algumas
vezes, até antigas senzalas. Consideravam injusta a entrega de metade da
produção de sua roça ao fazendeiro e desonesta a contagem dos juros. E diversos
fazendeiros, ao contrário do que haviam prometido antes, cobravam aluguel dos
colonos. O endividamento dos colonos era constante, porque além das dívidas
contraídas com a viagem, havia também as dívidas feitas nos armazéns das
fazendas. Durante o tempo em que o colono não podia colher seus próprios
alimentos e, em virtude do pouco que recebiam, eram obrigados a comprar fiado
nos armazéns do fazendeiro. Este comprava os alimentos a preços reduzidos e os
fornecia aos colonos a preços altíssimos. Assim, muitos imigrantes
endividaram-se de maneira irrecuperável, sendo que a dívida chegava a dobrar ou
até mesmo triplicar seu valor em dois ou três anos e o colono acabava ficando
preso ao fazendeiro, quase como um escravo.
Tal
situação provocou reações dos colonos. Inicialmente realizaram protestos
pacíficos enviando reivindicações e críticas por escrito às autoridades locais
e internacionais. Depois, recusaram-se a trabalhar e pouco a pouco muitas
famílias abandonaram as fazendas. Foram muitas as situações de greves,
rebeliões, prisões e queixas entre colonos e fazendeiros. Da parte dos
fazendeiros, eles se sentiam ameaçados e acusavam os colonos de
indisciplinados, reclamando das freqüentes deserções de suas fazendas. Quando
eram consultados sobre maneiras de melhorar o sistema, sugeriam financiamento
do governo, fiscalização e repressão policial.
Na década de 1880, iniciou-se o sistema de imigração subvencionada ou
subsidiada. Os fazendeiros paulistas organizaram, em 1886, a Sociedade
Promotora de Imigração que, entre outras atividades, passou a administrar a
Hospedaria dos Imigrantes, construída no mesmo ano em São Paulo, e que se
tornaria um verdadeiro mercado de trabalho onde se firmavam contratos entre
imigrantes e fazendeiros. Na imigração subvencionada, diferente do que ocorria
no sistema de parceria, o governo brasileiro assumia a responsabilidade de
arcar com as despesas de viagem dos trabalhadores imigrantes e de suas famílias
e os fazendeiros arcavam com os gastos do colono durante o seu primeiro ano de
vida no país. Além disso, os colonos receberiam um salário fixo anual e mais um
salário de acordo com o volume da colheita, fixado por alqueire de café
produzido.
Mesmo havendo a imigração
subvencionada, as condições de moradia, saúde e educação dos trabalhadores
imigrantes continuaram péssimas e o sonho de ter acesso a terra concretizou-se
para muito poucos. Grande
parte deles, após certo tempo trabalhando nas lavouras de café, tomava a
direção das cidades procurando trabalho nas fábricas ou em outras atividades
urbanas.
Durante a chamada Sociedade da Borracha, a Amazônia
era o principal fornecedor de borracha em nível mundial. Houve disponibilidade
de mão de obra necessária à extração do látex nas matas amazônicas, por meio da
migração nordestina que garantia a extração da borracha por um custo baixo. Havia também, a
existência do sistema de financiamento da extração e comercialização da
borracha amazônica, com o aviamento que, favorecendo o processo de dependência dos seringueiros em relação aos seringalistas,
permitia justamente a exportação da borracha pelos portos de Belém e Manaus;
além de casas de comércio estrangeiras na Amazônia que, fazendo importação e
exportação de produtos, acabava monopolizando a venda da borracha para os
mercados europeus e norte-americanos, permitindo o seu escoamento.
A migração de nordestinos aconteceu especialmente
nos períodos de seca na região, como por
exemplo, a trágica seca de 1877, que praticamente se estendeu ate 1880. Houve
também outros fatores que contribuíram para esse processo de migração, como a
crise na produção algodoeira no início da década de 1870 e a formação de
excedentes populacionais no interior das unidades econômicas tradicionais do
Nordeste (pecuária tradicional).
Muitos desses nordestinos tinham grandes esperanças
de mudar de vida. Mas os patrões faziam verdadeiro recrutamento, financiando as
passagens e despesas de viagem de vários migrantes e acenando com vantagens e
possibilidades de enriquecimento. Depois, é claro, essas despesas eram computadas como dívida para o seringueiro, e
constituíam uma forma de prender a mão de obra.
Ao chegar no seringal, o seringueiro recém-chegado
recebia no barracão os suprimentos para a sua primeira quinzena na mata:
farinha, jabá, sal, sabão, querosene para a iluminação, uma espingarda,
munição, e os instrumentos para o corte da seringa, a machadinha, tigelas e o
balde para colher o leite. Todas essas
mercadorias eram registradas em sua conta, juntamente com as despesas da viagem.
O desafio era conseguir, mesmo sem experiência, conseguir pagar a conta ao
final da temporada de corte da borracha.
O seringueiro acordava geralmente às duas horas da
manhã para começar o corte das arvores, tendo que inicialmente caminhar entre
três e seis horas para fazer as incisões na casca das seringueiras colocar as
tigelinhas abaixo do corte para que o leite caísse dentro. Depois que chegava
ao ponto final, o seringueiro ia pegar o balde para recolher o leite. Mais
uma caminhada, de árvore em árvore, recolhendo o látex das tigelas. Ao chegar
ao final da trilha, sem demora era necessário passar ao processo de defumação
da borracha.
No
início do século XXI, ainda tem sido
constatadas práticas análogas ao trabalho escravo na zona rural. O agronegócio
é o setor da economia que mais recruta pessoas para trabalhar em regime
semelhante ao da escravidão. E entre as atividades rurais com maior número de trabalhadores resgatados, o
desmatamento para expansão da fronteira
agrícola, especialmente na Amazônia.
A partir de 2007, a proporção de libertados no
setor canavieiro aumentou até atingir quase a metade do total de trabalhadores
resgatados: 51% em 2007, 49% em 2008 e 45% em 2009.
Outro setor onde foram encontradas atividades que
tem a ver com trabalho escravo foi o das carvoarias – em geral localizadas no
interior do Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Em 2004
foi elaborado um estudo da ONG Repórter Brasil, que seguiu os caminhos que
percorria a produção das 96 fazendas que constavam da Lista Suja do Ministério
do Trabalho na época, revelando que a carne bovina, a cana-de-açúcar, o café, o
carvão, a soja, o algodão e a pimenta-do-reino abasteciam 200 empresas
nacionais e estrangeiras, algumas delas entre as maiores do país.
Pelo estudo, deve ser questionada a lógica dessas
empresas de reduzir os custos de produção sem levar em conta as práticas de
fornecedores, que podem estar explorando trabalho escravo na zona rural.
No Brasil, o trabalho escravo é definido pelo
Artigo 149 do Código Penal: Artigo 149.
Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalhando, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou
preposto:
Pena- reclusão, de dois a oito anos, e multa,
além da pena correspondente à violência.
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:
I- cerceia o uso de qualquer meio de transporte por
parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º. A pena é aumentada de metade, se o crime é
cometido:
I – contra a criança ou adolescente;
I – contra a criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor etnia,
religião ou origem.
Quanto às zonas urbanas, há a situação preocupante de imigrantes latino americanos, como a de bolivianos, paraguaios e peruanos. De acordo com dados do Ministério da Justiça, de 2010 até abril de 2012, o número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou em 60%. Mas existem aqueles que, por estarem em situação irregular, são mais vulneráveis à exploração e a terem seus direitos desrespeitados. A migração deve ser considerada um direito humano, no entanto, muitas vezes, o fenômeno está relacionado a violações de direitos, como o trabalho escravo contemporâneo e o tráfico de pessoas.
Fiz toda esta exposição sobre escravidão e trabalho
escravo, assim como em condições análogas à escravidão para mostrar a questão
durante a História, no Brasil e no Mundo Antigo Greco-Romano. Vejo perigo que
nas mudanças que o governo fez em relação aos procedimentos direcionados ao
chamado trabalho escravo no Brasil, muito provavelmente como barganha política
com o setor agropecuário, que possui diversos representantes no Congresso
Nacional. Lembremos dos acordos já
feitos anteriormente com esta bancada sacrificando o meio-ambiente e facilitando
pagamento de dívidas. A seguir a posição da Organização Nacional do Trabalho:
OIT
expressa preocupação por decreto sobre trabalho escravo no Brasil
"Brasil deixa de ser
referência internacional no combate à escravidão", diz representante da
organização no país.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT)
manifestou "preocupação" pelas mudanças em torno da definição e da
fiscalização contra o trabalho escravo no Brasil, informou Antônio Rosa,
representante da entidade em Brasília.
"O Brasil, a partir de hoje, deixa de ser
referência no combate à escravidão que estava sendo na comunidade
internacional", disse Rosa, que é coordenador do Programa de Combate ao
Trabalho Escravo da OIT no país.
Nesta segunda-feira (16), o Ministério do Trabalho divulgou
um decreto que modifica a definição de trabalho escravo e deixa nas mãos do
ministro a inclusão de empresas na chamada "lista suja", que engloba
aqueles que desrespeitam os direitos trabalhistas.
Segundo o texto, publicado no Diário Oficial da União,
apenas poderá ser considerada escravidão a submissão do trabalhador sob ameaça
de castigo, a proibição de transporte obrigando ao isolamento geográfico, a
vigilância armada para manter o trabalhador no local de trabalho e a retenção
de documentos pessoais.
O decreto estabelece um conceito "condicionado
à situação de liberdade, e não é assim no mundo, a escravidão moderna não é
caracterizada assim", lamentou Rosa.
"É uma interpretação da norma bastante
restritiva, o que acaba por mudar seu sentido, impossibilitando na prática as
operações de combate ao trabalho escravo em todo o país", considerou o
auditor fiscal do Trabalho, Renato Bignami.
O decreto foi duramente criticado pelo Ministério
Público do Trabalho, assim como pela oposição no Congresso, que vê na medida
uma ação política do presidente Michel Temer, que aguarda a discussão de uma
segunda denúncia contra ele pelo Congresso.
"Temer parece desconhecer qualquer limite.
Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara é
escandaloso", avaliou em comunicado o deputado da Rede, Alessandro Molon.
"A nossa preocupação é que de fato não exista
nenhum tipo de condução das políticas de luta contra qualquer violação de
direitos humanos em benefício de algum tipo de grupo", disse Rosa.
Portal G1-
https://g1.globo.com/economia/noticia/oit-expressa-preocupacao-por-decreto-sobre-trabalho-escravo-no-brasil.ghtml
Finalizando vou reproduzir aqui um caso de trabalho
escravo:
29/03/2016 19h53 - Portal G1
Justiça
condena fazendeiro por trabalho escravo em Campos Altos
Fiscalização flagrou 25 pessoas
em condições ilegais de trabalho em 2006.
Gerente da fazenda de café também foi condenado pelo crime.
Um produtor rural e um empregado foram condenados
por manterem 25 pessoas em situação análoga a de trabalho escravo em uma
fazenda cafeeira em Campos Altos. A informação foi divulgada nesta terça-feira
(29) pelo Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, que elaborou a
denúncia contra as partes. Os réus também foram condenados pelos crimes de
aliciamento dos trabalhadores de um local para outro do país.
De acordo com a denúncia, baseada em fiscalização
da equipe do Ministério do Trabalho na Fazenda Vitória em 2006, foram
encontrados 39 trabalhadores rurais sem o devido registro formal. Desse total,
25 trabalhadores eram submetidos a condições degradantes de trabalho e
cerceamento da liberdade de locomoção. As vítimas também trabalhavam 12h
diárias de segunda a sábado, incluindo alguns domingos. Eles assinavam os recibos
de pagamento sem o devido preenchimento, totalmente em branco.
Os trabalhadores eram condenados a pagar, a título
de reparação de dano, R$ 10 mil, na proporção de 90% para o fazendeiro e o
restante para o administrador da fazenda. De acordo com a condenação, esse
valor será revertido aos programas de erradicação de trabalho escravo da União.
As vítimas foram recrutadas em Barro (CE) por um
homem, a pedido do gerente da fazenda, com a promessa de trabalho na plantação
de café. Os trabalhadores foram transportados em duas vans, pelo custo de R$
200 para cada, pelo percurso de 2 mil km. O valor foi pago pelo dono da fazenda
e descontado do primeiro pagamento das vítimas.
Condenações
O proprietário da fazenda foi sentenciado a 15 anos de prisão e pagamento de 236 dias-multa. No caso do gerente, a pena é de sete anos, sete meses e 20 dias de prisão, além do pagamento de 132 dias-multa. O homem responsável pelo aliciamento dos trabalhadores responde a processo separado e teve prisão preventiva decretada, mas encontra-se foragido.
http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2016/03/justica-condena-fazendeiro-por-trabalho-escravo-em-campos-altos.html
_______________________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura: Google.
Nenhum comentário:
Postar um comentário