domingo, 8 de outubro de 2017

Industrialização no Brasil da República Velha e na Era Vargas








Neste segundo artigo sobre a industrialização no Brasil, vou abordar  uma parte do  terceiro período da História (República) envolvendo a República Velha e a Era Vargas.

1-República Velha

No início da República continuou a haver a relação entre cafeicultura e industrialização. Mas não foram só os cafeicultores que investiram em indústrias nessa época (anos finais do Império e começo da República). Houve também outros grupos como donos de bancos ou empresas estrangeiras, além de muitos imigrantes, que chegavam de sua terra de origem com um certo volume de capitais. Na qualidade de diretores de bancos ou outras empresas estrangeiras, tais imigrantes eram diferenciados dos imigrantes que tinham vindo trabalhar na lavoura. Tornaram-se famosos como grandes investidores, imigrantes como Francisco Matarazzo, Alexandre Siciliano, Klabin e Nicolau Scarpa.
Além dos já citados investidores em São Paulo, houve outros investidores da indústria em outros estados como Domingos Bebiano (no Rio de Janeiro); Herman Lundgren (em Pernambuco) e Hering (Santa Catarina). 

Começava a surgir uma burguesia industrial no Brasil, composta por proprietários do capital aplicado nas indústrias e que viviam dos rendimentos gerados por ele. Havia uma determinada afinidade entre os interesses agrários e os industriais (havia cafeicultores que se tornaram industriais) e foi essa afinidade que impediu o surgimento de conflitos abertos entre as partes, em especial quando havia a discussão sobre protecionismo à indústria ou sobre taxa cambial. 

O desenvolvimento industrial que houve no Sudeste não se viu na mesma proporção  em outras regiões. Isso se deu porque na referida região houve um alto grau de concentração urbana, de capitais, de mão de obra de indústrias. Um fator a se destacar foi que o Rio de Janeiro na República Velha ,até a década de 20, foi o local da concentração das grandes indústrias, com ênfase nos ramos de bebidas, alimentos e principalmente produtos têxteis. 

No Império, enquanto ainda existia a escravidão, houve casos de indústrias com operários livres e escravos. Só com a abolição isso deixou de ocorrer. 

Os primeiros operários vinham das camadas mais pobres da população urbana, inclusive existiram muitos menores de idade, constituindo um contingente de trabalhadores não especializados. Os aprendizes tinham condições precárias de trabalho, que não eram melhores que a de muitos escravos. Tanto os adultos como as crianças chegavam a trabalhar até 16 horas por dia, sem folga semanal ou outro direito. 

Muitas vezes os operários qualificados, necessários ao desenvolvimento industrial, eram contratados na Inglaterra. Eles sentiam dificuldades em relação ao clima e saíam caros para os industriais, pois tinham salários maiores. A situação do operariado quanto à sua origem estava relacionada com a imigração e grande parte se constituía de italianos, portugueses e espanhois nos maiores centros industriais do país. A enorme exploração do trabalho envolvia mulheres e crianças (que recebiam salários bem menores). 

Quanto mais imigrantes chegavam nos centros industriais, mais o salário baixava pelo aumento da oferta de trabalhadores procurando emprego. Também as demissões eram frequentes e nos períodos de crise econômica como nos anos de 1897 a 1900 e durante a I Guerra Mundial a situação piorava com aumento do desemprego. Mas em relação ao total da população brasileira no início da República, o número proporcional de trabalhadores ainda era baixo (o país ainda era muito rural). Em 1900, da população ocupada brasileira de 9.503.000 indivíduos, somente havia 321.000 trabalhando nas indústrias. E só no Rio de Janeiro e São Paulo era que havia grandes concentrações operárias. Era muito difícil haver uma mobilização nacional em torno de causas comuns. 

O operariado na República Velha passava por muitas privações e exploração. Para aumentar a produtividade fabril, eram utilizados até mesmo castigos corporais ou cobranças de multas. A jornada de trabalho era, em algumas situações, de até 15 horas por dia. Em muitas fábricas havia péssimas condições de higiene, não possuindo nem mesmo água potável ou janelas para ventilação.  Havia muitos casos de alcoolismo e de doenças como tuberculose e sífilis entre os trabalhadores. O Estado não intervinha em favor dos operários. Não existiam dispositivos previdenciários,  indenizações ou aposentadorias e era muito alto o número de acidentes de trabalho. Havia uma política repressiva e, em alguns casos, um estilo paternalista dos empresários. O operário era muitas vezes considerado um ser ignorante e marginal que tinha de estar sob vigilância. 

Houve bairros operários e a construção de vilas operárias por vários empresários. Nessas vilas era estabelecido uma rígida disciplina, por exemplo, o controle de entrada e saída das pessoas, a fixação de horários para ir e vir, o policiamento dos costumes, a vigilância dos namoros de portão etc. E até o lazer era vigiado.

Outras formas de habitação dos operários eram os cortiços (mais comuns em São Paulo) e as favelas (no Rio de Janeiro). A pobreza era grande. Em ambos os casos as condições de higiene eram péssimas. As doenças se espalhavam como  tuberculose, peste bubônica, febre amarela. 

Os primeiros sindicatos tiveram como antecedentes associações como o mutualismo voltado para o auxílio mútuo entre os trabalhadores (entre 1850 e 1880) e as ligas operárias (mais politizadas e que criadas a partir de 1870). Essas ligas cobravam direitos e deram origem aos primeiros sindicatos no século XX. 

Na fase dos sindicatos na República Velha, esses procuraram se caracterizar como desvinculados do Estado. Nessa época 3 correntes disputavam entre si a liderança dos trabalhadores: a socialista, a trabalhista e a anarcossindicalista. 

Na luta por melhores condições de trabalho, houve na República Velha, entre 1917 e 1920 mais de 200 greves, apenas no eixo Rio-São Paulo, envolvendo a participação de cerca de 300.000 trabalhadores. Mas após 1920 houve um declínio do movimento operário devido à forte repressão policial e empresarial. Em 1922 surgiu o Partido Comunista Brasileiro que passou a disputar com o anarquismo a liderança dos movimentos operários. 

Nos anos 20 o empresariado industrial forma organizações como o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de São Paulo, o Centro dos Industriais de Fiação e Tecelagem de Algodão do Rio de Janeiro, o Centro Industrial do Brasil e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), futura Fiesp. 

No fim dos anos 20 foram elaboradas leis na Câmara dos Deputados. Foram elaborados projetos de lei regulamentando o trabalho fabril. O objetivo de tais leis era tentar evitar novos confrontos abertos. Apareceram então as primeiras leis trabalhistas do Brasil como a Lei de Acidentes de Trabalho (1919), a Lei de Férias (1926) e o Código do Menor (1929). Mas os empresários muitas vezes ignoravam as leis e as autoridades não fiscalizavam como deveriam fazer. Os empresários não admitiam uma legislação que interferisse no ritmo do trabalho fabril, diminuindo o grau de controle sobre tal trabalho. 

No tempo da República Velha os industriais  lutaram pelo protecionismo alfandegário, pois consideravam muito baixas as tarifas cobradas sobre os manufaturados importados, que os deixava mais baratos que os produtos similares produzidos no Brasil. Os industriais se dirigiram ao Estado várias propostas de revisão tarifária, sem muito sucesso, pois fazendeiros e importadores se beneficiavam das taxas que estavam em vigor. Assim, quanto à relação com o operariado, os industriais  recusavam a intervenção do Estado, mas para conseguir uma alteração das tarifas queriam que houvesse uma intervenção. 

2- Era Vargas

Era Vargas e desenvolvimento industrial 

Com a quebra da bolsa de Nova York, nos Estados Unidos, a crise alastrou-se por outros países. A economia brasileira foi afetada não só por causa do café que foi desvalorizado internacionalmente, como também pelo fato de que os capitais norte-americanos, que antes eram obtidos sem dificuldade pelo Brasil, terem se fechado. Para piorar havia a superprodução de café brasileiro  que ficava ainda mais difícil de escoar e que contribuía para diminuir mais o preço do produto. Nessa época, em 1930, aconteceu a chamada "Revolução de 1930", que colocou Getúlio Vargas no poder e acabou com a República Velha. Para tentar amenizar a crise na economia brasileira, Vargas mandou queimar estoques excedentes de café. Também foi criado o Departamento Nacional do Café, depois chamado de Instituto Brasileiro do Café, que controlava safras e a exportação do café. Foi também suspenso o pagamento da dívida externa brasileira e o Banco do Brasil passou a controlar a taxa cambial. 

Com os preços do café em baixa e existindo dificuldades em importar bens manufaturados, porém com o poder de consumo preservado, começou um período bem favorável à expansão da indústria brasileira. Assim, os preços dos produtos industriais aqui fabricados tiveram mais vantagens em relação aos importados. A indústria assumiria o papel de personagem principal na recuperação e expansão da economia brasileira. A capacidade das indústrias existentes foi mais aproveitada, aumentando a produção; foram adquiridos equipamentos de segunda mão mais baratos e que podiam ser bem utilizados; e os industriais já mais organizados passaram a exercer um considerável poder de pressão. Havia uma nova tendência que era diversificar os ramos industriais. Houve investimentos na estrutura industrial com o crescimento de setores voltados para a metalurgia, mecânica, cimento, material elétrico e transportes, como também indústrias químicas e farmacêuticas. Muitos bens industriais que antes eram só importados passariam a ser produzidos internamente, na chamada Substituição de Importações. O ritmo da expansão industrial cresceu, superando o da agricultura.

Por meio de  leis direcionadas para a regulamentação do mercado de trabalho, medidas protecionistas e investimentos em infraestrutura, a indústria nacional cresceu significativamente nas décadas de 1930-40. No entanto, tal desenvolvimento continuou restrito aos grandes centros urbanos da região sudeste, provocando uma grande disparidade regional.  A indústria brasileira também se beneficiou com o final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), pois, os países europeus, estavam com suas indústrias arrasadas, necessitando importar produtos industrializados de outros países, entre eles o Brasil.

Na Era Vargas houve a construção da Usina de Volta Redonda no Rio de Janeiro como também a construção da Companhia Vale do Rio Doce, destinada à exploração do minério de ferro em Minas Gerais.  Foi adotada  a substituição de mão de obra imigrante pela nacional. Essa mão de obra era formada no Rio de Janeiro e São Paulo em função do êxodo rural (decadência cafeeira) e movimentos migratórios de nordestinos.

Houve investimentos  forte na criação da infraestrutura industrial: indústria de base e energia. Destacando-se a criação do Conselho Nacional do Petróleo (1938); Companhia Siderúrgica Nacional (1941); Companhia Vale do Rio Doce (1943); Companhia Hidrelétrica do São Francisco (1945). O grande êxodo rural com o aumento da população urbana constituindo um mercador consumidor e com maior fornecimento de mão-de-obra e o aumento de exportações devido à Segunda Guerra foram fatores que contribuíram para o desenvolvimento industrial, que ocorreu especialmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, definindo a grande concentração espacial da indústria, que permanece até hoje.

No início da 2ª Guerra Mundial o crescimento diminuiu porque o Brasil não conseguia importar os equipamentos e máquinas que precisava. Apesar disso as exportações brasileiras continuaram a se manter acarretando um acúmulo de divisas. Ao final da guerra já existiam indústrias com capital e tecnologia nacionais, como a indústria de autopeças. O governo  criou a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, mas que apenas a partir de 1941 possibilitaria financiamentos importantes .

O elemento-chave da industrialização brasileira no período foi o Estado, que foi o principal agente dessa transformação. Houve a preocupação de se implantar um setor industrial que produzisse bens de produção, ou seja, um setor de indústrias pesadas ou de base. O Estado brasileiro transformou-se em investidor industrial e investidor em indústrias pesadas. Além de diversificar e ampliar o parque industrial brasileiro as empresas produtivas estatais inauguradas tinham o papel de produzir bens e serviços a baixos preços para fornecê-los aos empresários privados, para fortalecer a burguesia industrial e o próprio capitalismo no Brasil. 

Mesmo com todos esses esforços, o Estado não tinha capitais tão amplos para investir em todos as frentes da indústria de base, pois sua principal fonte de recursos era constituída de impostos. Foi assim uma industrialização restringida. O Estado também concedeu empréstimos aos industriais com juros menores que os que eram utilizados com os empresários agrícolas e a criação de novos tributos ao setor agrário, o que desestimulou a superprodução de café. E, por fim, houve o controle estatal da classe operária, havendo a regulamentação das relações de trabalho entre operários e industriais, com uma legislação trabalhista. Foram também  criados o salário mínimo e o imposto sindical. 

Havia o temor de agitações proletárias, principalmente com o aumento do número de trabalhadores. Dessa forma foi criado o Ministério do Trabalho e os sindicatos passaram a ser regulados pelo Estado por intermédio de uma nova legislação sindical. Por um lado o Estado concedia as leis de proteção social ao operariado e por outro subordinava os sindicatos, buscava-se despolitizar os trabalhadores e torná-los menos questionadores. 

Muito ainda poderia ser dito sobre o que abordei, pois a questão da industrialização é vasta,  mas espero ao menos ter proporcionado um bom entendimento. No último artigo sobre a industrialização no Brasil vou falar sobre o período de 1946 até a atualidade.
___________________________________________________
Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: Google.








Nenhum comentário:

Postar um comentário