quarta-feira, 29 de junho de 2022

O Dia Mundial dos Oceanos




Em 8 de junho é comemorado o Dia Mundial dos Oceanos. Quero destacar esta data, pois são de imensa importância os oceanos, ressaltando-se a vida marítima.  Os oceanos são fundamentais para o equilíbrio da vida no planeta.

É bom lembrar que os oceanos tem muita importância na biodiversidade, clima, alimentação, economia e eles são responsáveis pela maior parte do oxigênio na atmosfera. Eles cobrem mais de 70% da superfície da Terra e contêm 97% da água de todo o planeta. Também é importante considerar que as águas salgadas abrigam uma biodiversidade com quase 200 mil espécies identificadas e absorvem aproximadamente 30% do dióxido de carbono produzido pelos seres humanos. Até mesmo para a arqueologia os oceanos tem sua importância, porque há o estudo de navios naufragados.

Uma área de quase 362 milhões de quilômetros quadrados é ocupada aos oceanos, com uma profundidade média de 3690 metros e um volume de mais de 1,3 bilhão de quilômetros cúbicos. A forma e a dimensão de cada oceano modifica-se de forma lenta e permanente, havendo a relação com a movimentação das placas tectônicas. Os oceanos atuais não tem mais de 200 milhões de anos o que significa cerca de 1/20 da história da Terra

Os oceanos estão relacionados ao aquecimento global, erradicação da pobreza e segurança alimentar. Alguns países já comemoravam a data, mesmo antes de ser oficializada pela ONU. O primeiro país que propôs uma data sobre a importância de se preservar os mares foi o Canadá, em conferência a que houve na cidade do Rio de Janeiro em 1992. O governo canadense na época apoiou o evento “Oceans Day At Global Forum – The Blue Planet”, organizado pelo Instituto dos Oceanos do Canadá. A Comissão Intergovernamental Oceanográfica da Unesco em 1998 apoiou a criação de uma data internacional.

Com a criação da data de 8 de junho para o Dia Mundial dos Oceanos, cerca de 200 entidades de diversos países fazem várias atividades e realizam discussões  sobre a situação dos oceanos.

Em 5 de dezembro de 2017, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) anunciou  a  “Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável”. O período compreende os anos de 2021 a 2030. Esta proposta pretende formar uma estrutura de apoio às ações de gerenciamento sustentável dos Oceanos efetuadas por vários países. E assim destacou-se a seleção de uma série inicial de ações para incentivar uma “revolução do conhecimento do oceano”.

Segundo a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay:

“Da restauração da Grande Barreira de Corais ao mapeamento de 100% do fundo do oceano em alta resolução, esses programas e contribuições inovadores constituem o primeiro conjunto de Ações da Década da Ciência Oceânica que contribuirão para ajudar a entregar o oceano que desejamos até 2030”.

Entre estas ações estão incluídas iniciativas para expandir a pesquisa em alto mar e a exploração da “zona crepuscular” do oceano. Também estão previstas ações baseadas no desenvolvimento de conhecimentos e soluções para reduzir as múltiplas pressões sobre os ecossistemas marinhos, como as alterações climáticas, perda de biodiversidade e poluição e também ações para melhorar a gestão sustentável dos estoques pesqueiros.

Informações adicionais sobre os oceanos:

Mitologia Grega

Para os gregos antigos, Oceano era o mais velho dos titãs, primogênito de Urano (o Céu) e Gaia (Terra). Ele era o deus das águas correntes, do fluxo e do refluxo e a origem de todas as massas líquidas e fontes de água doce do mundo, regulamentava também o nascer e o ocaso de corpos celestes, porque a crença era de que esses corpos surgiam e desciam no reino aquático nas extremidades da Terra. Oceano era um gigantesco rio cósmico do início dos tempos, que circundava o mundo, que o mantinha apertado em uma rede circular de suas águas. Já numa época posterior, a helenística, com mais conhecimentos sobre geografia, Oceano tornou-se o deus que representava os oceanos e Poseidon reinava sobre o mar Mediterrâneo. Na obra grega Ilíada, Oceano era chamado de "o pai de todos os seres". Da união de Oceano com sua irmã Tétis, deusa das fontes de água pura surgiram rios, poços, nascentes e nuvens de chuva.

Como foram definidos os oceanos:

Conforme a proximidade dos continentes e várias características oceanográficas são definidos pela Organização Hidrográfica Internacional (IHO) cinco grandes oceanos: Oceano Atlântico, Oceano Ártico, Oceano Índico, Oceano Pacífico e Oceano Antártico. Este foi definido recentemente, pois houve há pouco tempo a identificação de suas águas como um ecossistema distinto e de grande impacto no clima global. A formação da atmosfera, o resfriamento do planeta e formação da litosfera tem uma ligação forte com a origem dos oceanos. Graças à atmosfera é que veio pelo menos 50% da água que está nas bacias oceânicas. A outra parte da água pode estar relacionada à meteoros. Os primeiros oceanos provavelmente tinham uma composição muito diferente da atual. Foi há cerca de 2,2 bilhões de anos que houve um aumento da quantidade de oxigênio no planeta. A forma como os oceanos e os continentes foram se arranjando foi um fator muito importante para haver mudanças climáticas e para a evolução de espécies.

Atlântico: O nome está relacionado à Atlas, que na mitologia grega é um dos Titãs. Por isso que também há uma outra denominação para o Atlântico: Mar de Atlas. Este oceano foi mencionado pelo historiador grego antigo Heródoto. Na Idade Média, se chamou de “mar Ocidental” ou “mar do Norte”. Foi o geógrafo Mercator que voltou a chama-lo de “Atlântico” em seu mapa do mundo de 1569.

Pacífico: Foi antes chamado de Oceano do Sul, pelo navegador espanhol Vasco Nuñez de Balboa. Foi o navegador português Fernão de Magalhães que em 1520 o chamou Pacífico, impressionado com a tranquilidade das águas deste oceano. É o maior dos oceanos.

Índico: Foi chamado assim devido às características geográficas, porque banha áreas como Índia e Indonésia. O almirante chinês Zheng He o chamava no século XV de “oceano Ocidental”, nome como os chineses conheciam este oceano. É o terceiro maior oceano, ficando trás do Atlântico e do Pacífico em extensão. Banha áreas da Ásia, da África e da Oceania.

Ártico: O nome está relacionado à geografia, vem da palavra grega “arctos” (urso, animal que habita regiões banhadas pelo Ártico) e situa-se no polo norte sob a constelação de Ursa Maior.

Antártico: O nome vem em oposição ao Ártico, o do norte é Ártico e o do sul é Antártico e circula a Antártica, o continente congelado.

Limite dos Oceanos:

Há algum tempo eram definidos 4 oceanos delimitados por terra (continentes e algumas ilhas). Hoje em dia se considera o oceano Antártico, cujas águas possuem um impacto nos outros oceanos. Atualmente a Organização Hidrográfica Internacional (IHO) é quem define os limites entre as águas oceânicas. São 77 os países que fazem parte desta Organização. Os técnicos da IHO para definir limites analisam os oceanos levando em conta relevos marinhos destes oceanos, tipos de correntes marítimas, temperaturas dessas águas e ecossistemas estabelecidos nestes ambientes.

Foi no ano 2000 que os limites do Oceano Antártico foram propostos pela IHO. Houve países membros da IHO que discordaram dos parâmetros. Em 2021 a National Geographic Society fez um reconhecimento oficial daquelas águas como sendo o quinto oceano.

Problemas:

Associação Nacional de Conservação da Natureza (Quercus), uma Organização Não Governamental de Ambiente, de Portugal, aponta dez problemas:

 "1) Sobreexploração da pesca

Estudos indicam que há uma considerável redução nas populações de algumas espécies de peixes. Como exemplo, a sobrepesca do bacalhau nas águas do Canadá quase levou à extinção deste peixe e a pesca da sardinha em Portugal que tem recomendações de organismo científico internacional para que termine totalmente já este ano. Para além da sobrepesca, também existe uma grave falta de gestão da atividade ou incumprimento de regras. Falta de definição das dimensões dos animais ou da época de captura o que permita a captura de juvenis ou fêmeas com ovos são alguns dos problemas recorrentes.

 2) Captura excessiva de espécies com ciclos de vida longos, tais como alguns tubarões e atuns

Algumas destas espécies são utilizadas para culinária de luxo ou com fins de terapias alternativas para tratamentos de saúde (exemplo, a barbatana de alguns tubarões é muito apreciada na Ásia). As espécies no topo das cadeias alimentares têm, normalmente um ciclo de vida mais longo, com reprodução mais espaçada, logo menos resistente à recuperação das espécies.

 3) Aquicultura não sustentável

A aquicultura intensiva no mar promove a proliferação de agentes poluentes nas águas marinhas. A produção de peixes e bivalves implica a utilização de antibióticos e outros produtos químicos, alguns deles tóxicos para o ecossistema. Esta situação é facilmente visível nas águas da Ásia devido à produção intensiva de amêijoa vietnamita.

 4) Lixo

A quantidade de lixos deixados nas praias ou atirados para as linhas de águas terrestres, tais como rios e ribeiras, têm como destino final o oceano. A situação é mais grave quando se tratam de resíduos não biodegradáveis, tais como os plásticos, que se vão fragmentando em partículas mais pequenas, os microplásticos, e que são confundidos com alimento por muitas espécies marinhas. Os microplásticos presentes em produtos de higiene e de limpezas domésticas e industriais também terão os mesmos destinos. As ilhas de lixo de plástico são já uma realidade em algumas zonas dos oceanos.

 5) Aquecimento das águas

O aumento da temperatura dos mares causa imensas alterações nos ecossistemas marinhos, com consequências gravosas e letais para muitas espécies. É também responsável por alteração de rotas migratórias provocando desequilíbrios nas cadeias alimentares. Para se ter uma noção, o aquecimento de 0,5ºC nas águas dos recifes de coral, provoca a sua morte. Os recifes de coral saudáveis funcionam como “maternidades” e zonas de abrigo para variadíssimas espécies usadas na alimentação humana e das quais dependem algumas comunidades de povos pescadores.

 6) Poluição

Muitos fertilizantes e pesticidas utilizados sistematicamente na agricultura acabam por ir parar ao oceano. Alguns desses produtos provocam alterações irreversíveis e fatais para as espécies (por exemplo, afetam no processo de reprodução). Além disso, se ingeridos pelo ser humano podem trazer problemas de saúde ao mesmo.

7) Concentrações elevadas de mercúrio

O mercúrio em excesso causa doenças graves nos seres vivos e no Homem. É um poluente que se acumula na cadeia alimentar (bioacumulação) e chega ao Homem através da ingestão de peixes, e que em excesso pode causar graves doenças. Daí o consumo de determinados peixes dever ser regrado, como o peixe-espada preto, o atum, entre outros.

 8) Destruição de habitats

Existem habitats muito importantes como local de abrigo para a reprodução, por exemplo as pradarias marinhas e as florestas marinhas, que estão a ser destruídas por várias causas, entre as quais a utilização de artes de pescas agressivas como a pesca de arrasto.

 9) Obras de engenharia e extração de petróleo

Todas as alterações do meio marinho provocadas por construções, perfurações em profundidade, e tantas outras (incluindo a poluição sonora) causam, alterações no habitat, provocam perturbações várias e produzem poluentes. Estes fatores contribuem para a destruição do habitat e comprometem a sobrevivência das espécies marinhas.

 10) Acidificação dos Oceanos e corais

Algumas das mudanças verificadas com as alterações climáticas ao nível dos oceanos implicam alterações do Ph, devido ao aumento da concentração de CO2 na atmosfera. Esta situação é bem notória nas zonas tropicais, onde os ecossistemas marinhos são extremamente sensíveis e ricos em biodiversidade, e cujos habitats estão a sofrer alterações que se podem revelar irreversíveis, nomeadamente do caso dos recifes de corais.”

 A referida associação fez esta observação:

“Por todos estes motivos a Quercus pediu aos responsáveis políticos que acelerem e tornem mais ambiciosos os planos para a criação de Áreas Protegidas Marinhas e que invistam fortemente na redução das fontes de poluentes marinhos.”

A seguir algumas colocações de especialistas:

Para a autora Jennifer Ann Thomas: “O lixo coloca em risco não apenas o ecossistema marinho, mas também a sobrevivência humana”

Para o oceanógrafo Alexander Turra, responsável pela Cátedra Unesco para Sustentabilidade dos Oceanos, “a poluição prejudica a biodiversidade e os processos da natureza, o que também gera impacto nos benefícios que os oceanos garantem para a humanidade”

Segundo avaliação de Marcos César de Oliveira Santos, coordenador do Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos e professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP):

“Até então, eram raros os institutos de pesquisa oceanográfica que se dedicavam à investigação dos oceanos. A partir dos anos 1960 e 1970 novos centros de oceanografia surgiram pelo mundo e tornaram a ciência oceanográfica uma realidade, e uma necessidade, para compreendermos nosso planeta e como manejá-lo da melhor forma(...)”

(...) “Em paralelo, movimentos conservacionistas se fizeram presentes globalmente com a preocupação intrínseca sobre os efeitos de nossas ações sobre a natureza e as consequências para nossa saúde e bem-estar...”

Para Ricardo Aguilar, biólogo e pesquisador sênior da Oceana, uma das ONGs mais ativas na defesa dos oceanos no mundo:

“Infelizmente, e apesar dos oceanos estarem na agenda, não houve muitos avanços, fora o reconhecimento do papel do ecossistema marinho – nada foi aprovado até agora para protegê-los de verdade (...). Temos que aumentar a superfície da área marinha protegida em todo o globo para chegar pelo menos aos 30% recomendados por cientistas, ONGs e a União Internacional para a Conservação da Natureza.”

A questão dos oceanos é algo que tem que ser tratado com muita seriedade e as recomendações dos especialistas precisam ser consideradas, com ações imediatas e amplas para se combater os problemas citados. É urgente. A negligência e a ganância que existem em muitas situações devem ser superadas para o bem da Humanidade.

Sugestão de vídeos: 

Mares e oceanos estão em perigo

https://www.youtube.com/watch?v=duzOPcSkBPE


Poluição dos Oceanos

 

https://www.youtube.com/watch?v=z3nkfhkmZls

_______________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História 

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+oceanos&sxsrf=ALiCzsZvGetrxQPOfjQ-UaS-3BwrVsQYKw:1656556056230&tbm=isch&sourc

quarta-feira, 22 de junho de 2022

O Holodomor: A Fome mortal na Ucrânia dos anos 30 no século XX

 








No início da década de 30 do século XX houve na Ucrânia o Holodomor. Traduzindo para o português, quer dizer “deixar morrer de fome” ou “assassinato por fome” (“holod”, significa fome, e “mor”,significa praga ou morte). Para certos estudiosos foi uma calamidade, mas para outros tratou-se de uma política deliberada do ditador soviético Stalin entre 1931 e 1933 contra a população ucraniana por motivos políticos, uma forma de extermínio, ou seja, um tipo de genocídio. Uma corrente de pesquisadores afirma que houve intenção do governo de Stalin de destruir a "identidade nacional ucraniana".Nesse período, entre 3 a 8 milhões de ucranianos morreram devido à fome causada pela política stalinista da época.  Alguns analistas consideram que, se forem considerados os efeitos prolongados de todas as ações duríssimas do Estado sob o comando de Stalin, o número de ucranianos mortos pode ter chegado aos 14 milhões.

Os antecedentes do Holodomor estão relacionados ao tipo de políticas econômicas de Stalin desde 1928. Stalin pretendia controlar a produção de cereais na União Soviética, fazendo uma “requisição compulsória”, forçando os camponeses a entregar a preços baixos para o Estado grande parte do excedente agrícola que tinham produzido. Também houve a coletivização forçada das propriedades agrícolas, com administração racionalizada pelo Estado soviético. Nesse contexto, a Ucrânia mostrou forte resistência e alimentava um sentimento nacional que não estava de acordo com a vontade do governo soviético que tinha considerável influência da maior república, que era a Rússia. Tal atitude ucraniana de não aceitar suas políticas para o campo instigou Stalin a tomar medidas mais rígidas em relação à Ucrânia.

Houve por parte do governo liderado por Stalin uma campanha para vencer a resistência ucraniana às políticas do Estado soviético. Intelectuais ucranianos foram perseguidos e humilhados. Focos considerados de rebeldia contra o governo soviético foram atacados. E o próprio campesinato foi atingido pelas medidas duras de Stalin.

Começou em 1929 uma intensa programação de metas de produção de cereais para serem encaminhados ao poder central. As exigências eram muito severas e os camponeses só conseguiriam atende-las se deixassem de consumir o que era necessário para não passarem fome.  Houve prisões e condenações a trabalhos forçados por atos do campesinato como, por exemplo, comer batatas ou colher o milho para o próprio consumo. As mortes foram aumentando devido à fome. Os cadáveres se espalhavam pelas ruas e pelo campo.  Segundo o historiador Thomas Woods:

Em 1933, Stalin estipulou uma nova meta de produção e coleta, a qual deveria ser executada por uma Ucrânia que estava agora à beira da mortandade em massa por causa da fome, que havia começado em março daquele ano. Vou poupar o leitor das descrições mais gráficas do que aconteceu a partir daqui. Mas os cadáveres estavam por todos os lados e o forte odor da morte pairava pesadamente sobre o ar. Casos de insanidade, e até mesmo de canibalismo, estão bem documentados.” (Woods, Thomas. A fome na Ucrânia – um dos maiores crimes do estado foi esquecido. Instituto Mises Brasil.)

Josef Stalin, que governava a União Soviética desde a morte de Lenin em 1924, implementou o Primeiro Plano Quinquenal visando implementar um grande processo de modernização nacional. Com a imposição em todo o território soviético da coletivização da agricultura privada, esperava-se aumentar a produção e assim poder vender os excedentes agrícolas para outros países. Essa venda ajudaria a conseguir recursos para um processo de industrialização. Os donos de terras que se recusassem a cooperar seriam acusados de serem inimigos do Estado. Os maiores proprietários rurais eram chamados de kulaks. Mas com o tempo, pequenos proprietários foram também incluídos nessa categoria. Os donos de terras tinham de deixar suas propriedades para o Estado. Se resistissem, as famílias desses proprietários seriam tiradas á força das terras que ocupavam e envidas para outros lugares, muitas vezes sem boas condições de sobrevivência.  Intelectuais e religiosos considerados contrários à politica de Stalin seriam também deportados como forma de punição.  Muitos camponeses empobrecidos foram para as cidades. Em 1930 a Ucrânia se destacava nas suas colheitas, tendo produzido 1/3 do trigo da União Soviética (URSS). Devido à insuficiência de recursos obtidos no campo em diversas áreas da URSS, o governo central mandou confiscar quase metade da produção agrícola ucraniana de 1930.

Além da questão econômica existia a questão política. Conforme historiadores ucranianos, o governo stalinista desconfiava dos ucranianos e em sua análise os mesmos desejavam sua independência desde os anos 20, indo eles contra a ideia da Ucrânia como parte da URSS. Dessa forma, o governo soviético esperava enfraquecer muito essas aspirações nacionalistas e fortalecer a integração da Ucrânia na URSS. Para esses estudiosos, a posição política do governo de Stalin teve grande influência no Holodomor como uma maneira de submeter a Ucrânia. A maioria dos camponeses ucranianos não concordou com a política de coletivização. O Estado soviético, cujo controle estava nas mãos de Stalin, forçou os camponeses ucranianos a entregarem suas terras, gado e ferramentas agrícolas e os mandou trabalhar em fazendas coletivas.

Os ucranianos, em 1932, que estavam sujeitos ao planejamento rígido central tiveram a situação agravada por condições duras do clima, a existência de pragas, a necessidade de mais equipamentos para a colheita e a desmotivação dos camponeses em participar das fazendas coletivas. Diante disso, não houve apoio do governo central soviético e sim um aumento das exigências de cumprimento de metas mensais. Se uma pessoa fosse pega tirando comida para fora das áreas produtivas, seria presa. Ninguém poderia ter seu estoque pessoal de comida. Conforme pesquisadores, aldeias inteiras foram dizimadas e, em algumas regiões, a taxa de mortalidade pode ter alcançado um percentual de 30%.

As dificuldades enfrentadas pelos ucranianos levaram, no início de 1933, a uma rebelião que se espalhou, havendo sabotagem da produção. A reação do governo stalinista foi uma brutal repressão, com a prisão de cem mil pessoas que foram enviadas para campos de trabalhos forçados, os gulags. Por volta da metade desse ano, cerca de 30 mil ucranianos morriam por dia. A fome era tanta que ocorreram casos de canibalismo. Diante de atos de resistência, milícias a serviço do governo soviético iam até as e levaram tudo o que era comestível. Quando a fome estava no auge, autoridades soviéticas fecharam as fronteiras para que camponeses não fugissem para outros países.

O fim do Holodomor, após milhões de mortos, se deu com ajustes no programa de coletivização da agricultura. Segundo Simon Starrow, um professor ucraniano que viveu nos Estados Unidos e que usou o pseudônimo de Miron Dolot: “No fim de maio de 1933, a fome amainou. Acabou a inanição em massa. Verduras e frutas estavam disponíveis em abundância para todos que fossem capazes de sair e procurar por eles. Além disso, as autoridades precisavam de trabalhadores para as fazendas e elas não tinham outra escolha senão a de fornecer aos membros que trabalhavam no kolhosp rações alimentares suficientes para sustentar sua existência”.

Foi aprovada na Ucrânia em 2006 uma lei reconhecendo o Holodomor como uma ação genocida. Vinte países acompanharam esse reconhecimento. Mas a ONU não se pronunciou oficialmente sobre a questão. O governo russo nunca reconheceu que tenha acontecido um genocídio. Uma versão do governo russo foi de que os ucranianos estariam tendo uma “interpretação nacionalista” da fome. Para este governo, houve uma tragédia, sem intenções de extermínio, e, portanto, não houve um genocídio. O Brasil não foi um dos países que reconheceram o Holodomor como genocídio. O Senado dos Estados Unidos definiu, em 2018,o Holodomor como genocídio. A questão, se foi ou não um genocídio, até hoje suscita debates.

Segundo a pesquisadora Alexandra Ilia:

"Os assassinatos na Ucrânia não foram numerosos apenas na fome de 1932-1933. O número de mortos na Ucrânia depois que os bolcheviques chegaram ao poder também foi bastante alto. Nos anos antes da fome, o regime bolchevique tentou acabar com os sentimentos nacionalistas do povo ucraniano passando por expurgos da elite intelectual, impondo língua russa e dissolução da igreja nacional".

E também disse a mesma autora:

"O fato de que os bolcheviques estavam tentando destruir a identidade nacional dos ucranianos também pode significar que a fome pode não ter sido uma tentativa fracassada de forçar a coletivização, mas uma tentativa bem-sucedida de esmagar a Ucrânia como um todo".

A seguir um trecho de “Memória da Fome” na revista Aventuras na História, Edição 228:

Holodomor se origina das palavras em ucraniano holod(fome) e mor (praga ou morte). Ele foi resultado da política de coletivização compulsória das propriedades rurais ucranianas-celeiro agrícola do leste europeu- e de outros países daquela região, introduzida no fim de 1929 pelo regime comunista soviético, então comandado por Joseph Stalin (1878-1953). Como era de se esperar, boa parte dos fazendeiros ofereceu resistência ao decreto que os obrigaria a trabalhar em fazendas coletivas, as kolhosps. Eles eram os chamados kulaks, médios e grandes proprietários de terras que empregavam trabalhadores e detinham meios de produção. Porém, muitos agricultores pobres também se opuseram ao novo sistema.

Na prática, o termo kulak ganhou conotação ideológica no sentido de denominar todos os homens e mulheres do campo contrários à coletivização das terras. “Nesse processo, perderam suas propriedades, suas ferramentas e a possibilidade de trabalho. Essa fragilização de suas condições acabou atingindo-os diretamente também pela fome. Além disso, a repressão veio na forma de prisões, de deportações e de confisco dos grãos e dos animais”, conta Vinicius Liebel, Professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A questão agrária na Ucrânia era vital, pois a União Soviética utilizava a produção agrícola (especialmente a ucraniana) como moeda no mercado mundial para financiar suas indústrias. Logo, a queda da produção em decorrência da perseguição aos kulaks ameaçava os planos de crescimento russos. “Quando ficou claro, no decorrer do ano de 1932, que era fisicamente impossível atingir a cota de requisição de grãos pelo Estado, Stalin tomado pela fúria, ordenou o confisco de todos os estoques disponíveis, em nada importando as consequências para a população local”, sustenta Adam Ulam, Diretor do Russian Research Center da Universidade de Harvard."

E ainda na mesma revista:

“Temos ainda que considerar os esforços empreendidos pela URSS para apagar os rastros da Grande Fome. Arquivos locais foram incinerados; registros de mortes, desvinculados da inanição; dados de recenseamento públicos, alterados. Os próprios ucranianos temiam abordar o ocorrido pelo risco de sofrerem represálias”.

Segundo a colunista Anne Applebaum do Washington Post e professora da London of Economics e colaboradora do New York Reviwof Books em sua obra: A Fome Vermelha:

“Nos anos que se seguiram à fome, os ucranianos foram proibidos de falar sobre o que ocorrera. Eles tinham medo de prantear em público. Mesmo que ousassem fazer isso, não existiam igrejas para orar e nem sepulturas para decorar com flores. Quando o Estado destruiu as instituições do interior ucraniano, desferiu também poderoso golpe contra a memória pública.

Na vida privada, entretanto, os sobreviventes se lembravam de tudo. Fizeram anotações reais e mentais sobre o que ocorrera. Alguns mantiveram diários, “trancados em baús de madeira”, como um deles recordou, e escondidos embaixo de assoalhos ou enterrados no chão. Nos vilarejos, no seio de suas famílias, as pessoas também contavam aos filhos o que havia acontecido(...)”.

A ilusão de muitos ucranianos de que a invasão alemã a partir de 1941 na Segunda Guerra Mundial os livraria dos sacrifícios impostos pelo governo de Stalin logo se esvaiu, como Anne explicou em sua obra: 

“Como cada potência que ocupava a Ucrânia, os nazistas, em síntese, tinham um só interesse: os grãos. Hitler já vinha alegando por algum tempo que “a ocupação da Ucrânia nos livrará de qualquer preocupação econômica” e que o território ucraniano nos livrará de qualquer preocupação econômica”, e que o território ucraniano a eles garantiria “eu ninguém mais passaria fome, como na última guerra”. Desde os últimos anos da década de 1930, seu governo vinha planejando transformar aquela aspiração em realidade. Herbert Backe, sinistro oficial nazista encarregado da alimentação e da agricultura, concebeu um “Plano da Fome”, cujos objetivos eram claros: “A guerra só pode ser vencida se toda a Wermacht for alimentada pela Rússia no terceiro ano do conflito armado”. Mas ele também concluiu que toda a Wermacht, assim como a própria Alemanha, só poderiam ser alimentadas se a população soviética fosse totalmente privada de alimentos. Como Backe explicou em suas “Diretrizes para a Política Econômica”, emitidas em maio, bem como no memorando que circulou entre mil funcionários germânicos, em junho de 1941, “fome inimaginável” em breve tomaria conta da Rússia, da Bielorrússia e das cidades industriais da URSS: Moscou e Leningrado, além de Kiev e Kharkov. Essa fome não seria acidental: o objetivo era que cerca de 30 milhões de pessoas “fossem extintas”(...)” E ainda a autora sobre as intenções dos invasores nazistas: “(...) Essa era a política de Stalin multiplicada por mil: a eliminação de nações inteiras pela fome por inanição (...). Os alemães jamais tiveram a oportunidade de implementar por completo o “Plano da Fome” na Ucrânia. Mas sua política pôde ser sentida na política de ocupação (...)”.

 

Sugestão de vídeo:  

HOLODOMOR | A HISTÓRIA DA FOME UCRANIANA

https://www.youtube.com/watch?v=aRPnem6Aon8

_____________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História. 


Figura:

https://www.google.com/search?q=imagens+de+holodomor&sxsrf=ALiCzsbc0u5u6VQ8YkcZT_saZaZsmwh12g:


segunda-feira, 20 de junho de 2022

A triste história do Hospital Colônia de Barbacena

 








Este meu artigo é sobre uma questão que ainda é muito pouco conhecida pelos brasileiros, a existência do Hospital Colônia de Barbacena. Sobre este hospital a jornalista Daniela Arbex escreveu o livro Holocausto Brasileiro. Segundo a autora deste livro, o hospital era semelhante a um campo e concentração.

A fundação do Hospital Colônia de Barbacena foi em 12 de outubro de 1903. Era um hospital psiquiátrico localizado na cidade de Barbacena, em Minas Gerais e integrava um conjunto de sete instituições psiquiátricas construídas nessa cidade que chegou a ser chamada de "Cidade dos Loucos". Ainda existem três desses hospitais em funcionamento.

O Hospital Colônia ficava em terras pertencentes à Fazenda da Caveira, cujo proprietário tinha sido Joaquim Silvério dos Reis. De início era um hospital para tratamento de tuberculosos e posteriormente virou hospital psiquiátrico. O local, em área montanhosa, era considerado bom para se curar os doentes com tuberculose. Também houve médicos que acharam o local favorável para tratamento de doenças mentais. O médico Joaquim Antônio Dutra foi o primeiro diretor. De Hospital Colônia de Barbacena a instituição foi depois chamada de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Durante a República Velha o local foi considerado uma referência nacional no tratamento a transtornos psiquiátricos e muito procurado por quem queria abandonar membros indesejáveis da família. Antes da inauguração do Hospital Colônia os pacientes eram atendidos nos porões da Santa Casa. Foi nos anos duros da ditadura militar que as condições do hospital pioraram.Na atualidade, funciona no lugar um hospital gerenciado pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG).

Em 1900 havia em Minas Gerais a Assistência aos Alienados e o hospital de Barbacena foi relacionado a essa instituição. Havia uma área de cerca de 8 mil metros quadrados onde foi criado o chamado “Cemitério da Paz”. No Brasil, em 1895 tinha sido construído em 1895 o Hospital Psiquiátrico do Juqueri e depois a Colônia Juliano Moreira.

O Hospital, que funcionava como manicômio,era formado por dezesseis pavilhões independentes, cada qual com uma função. Por exemplo, o pavilhão para as mulheres indigentes era o Pavilhão "Zoroastro Passos"; para os homens indigentes era o Pavilhão “Antônio Carlos”. Nos anos de 1980 o hospital começou a ser criticado pelo tipo de tratamento dado aos pacientes, um tratamento duro demais. Chegou a ser chamado de campo de concentração nazista pelo psiquiatra italiano Franco Basaglia. Durante muitos anos pacientes chegavam ao hospital em grandes vagões de carga chamados de “trem de doido”. Nesse tempo diversas linhas ferroviárias passavam pela cidade de Barbacena. De 200 leitos disponíveis no hospital em 1903 o número aumentou nas décadas seguintes e em 1961 o hospital tinha aproximadamente cinco mil pacientes, entre eles constavam opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, alcoólatras, amantes de líderes políticos, crianças indesejadas, epiléticos, vítimas de estupros, homens excessivamente tímidos, mulheres que tinham características de liderança ou que se recusavam se casar e grupos marginalizados socialmente (grande parte dos internos era de pessoas negras), todos considerados nessa época como “pessoas não agradáveis”. A maioria desses pacientes entrava no hospital sem nenhum sintoma de transtorno mental.

Foi chamado de “Holocausto Brasileiro” o período das décadas de 1960 e 1970, quando aconteceu o maio número de mortes. Alguns estudiosos estimam que pode ter sido um número aproximado a 60 mil mortos.

No tempo de funcionamento do hospital, havia famílias que, desejando um “tratamento” para membros que elas consideravam “desajustados”, encaminhavam essas pessoas para lá. Por anos o hospital operou muito além de sua capacidade normal. Havia pacientes de vários estados do Brasil que chegavam por trem em condições degradantes. Segundo o relato do médico Jairo Toledo, em um certo dia, no hospital, durante a madrugada, dezessete pacientes morreram de frio. O hospital acabou se tornando um lugar para se livrar daqueles que não eram enquadrados nos padrões de moral e de normalidade da época e até msmo como meio de se afastar pessoas que incomodavam politicamente. 

O psiquiatra Franco Basaglia, que fez uma visita em 1979, exigiu que o hospital psiquiátrico de Barbacena fosse fechado. Mas só nos anos da década de 1980 é que isso aconteceu. Em 1996 o Hospital Colônia foi reaberto e transformado em “Museu da Loucura”. O Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) hoje em dia atende um universo de 50 cidades.

Os pacientes sofriam demasiado, tinham de trabalhar manualmente, dormir sobre capim seco sobre um chão de cimento (em meio a ratos e baratas), faziam necessidades fisiológicas no chão e ainda ocorriam estupros, castigos físicos (como o instrumento de tortura cadeira do dragão), uso de camisas de força, existência de celas solitárias e pressão psicológica, acontecendo as chamadas terapias de choque e usos de ducha forte, tudo isso somado à fome, falta de água potável, imensa sujeira. Os motivos para tal tratamento desumano diversas vezes era para servir como punição ou porque existiam conflitos entre pacientes e funcionários. Não raramente pessoas morriam devido a essas condutas desumanas. Alguns internos, sedentos, bebiam sua própria urina.

Para piorar, existia a superlotação. Havia internos que andavam nus e outros com pouquíssima roupa e nas baixas temperaturas do inverno sofriam muito e parte deles morria de hipotermia. Para tomarem banho muitos tinham de se banhar ou beber em um esgoto a céu aberto. Mulheres grávidas se sujavam com fezes para evitar a aproximação de funcionários. Bebês recém-nascidos após algum tempo eram separados das mães.  Pessoas que adoeciam eram abandonadas e morriam. Não aprendiam a falar, a ler e a escrever as crianças que nasciam no Hospital Colônia.

O público só ficou sabendo da real situação que acontecia no hospital quando em 1961 o fotógrafo Luiz Alfredo de O Cruzeiro mostrou por meio de suas fotos o que acontecia. E o jornalista Hiram Firmino realizou reportagens com nome de "Nos porões da loucura" sobre a realidade do hospital. Também foi feito por Helvécio Ratton,um filme chamado Em Nome da Razão.

Com tanta gente que morria, o cemitério das proximidades não conseguia ter espaço suficiente. A alternativa encontrada por funcionários corruptos foi o tráfico de corpos para laboratórios de anatomia de universidades. O total de corpos vendidos foi de 1853. Houve também corpos que eram dissolvidos em ácido. Quando o hospital foi fechado, houve a transferência de bem poucos sobreviventes para lugares com estrutura melhor, com direito à indenização do Estado. Ninguém foi punido pelos maltratos e mortes nesse hospital. Nenhum governo foi responsabilizado.

Museu da Loucura, idealizado por Jairo Toledo e inaugurado em 1996, funciona no antigo torreão do Hospital Colônia. É o museu mais visitado por turistas dos cinco que existem em Barbacena. Jairo publicou em 2008 o livro “Colônia” sobre a tragédia que aconteceu naquele hospital.

Relatos:

A ex-paciente Sônia do hospital, que passou por eletrochoques e agressões relatou: “Lá no hospital judiavam muito da gente. Já apanhei muito, mas bati em muita gente também. Como era agressiva, me deram muito choque. Agora tenho comida gostosa, talheres e o principal: liberdade.”

Marlene Laureano, que foi funcionária do CHPB desde os 20 disse: “Todas as manhãs, eu tirava o capim e colocava para secar. Também dava banho nos pacientes, mas não havia roupas para vestirem. Tinha um pavilhão com 300 pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente para 30. Imagine! Só permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo isso ia melhorar, sei que Deus existe.

Segundo o relato de Wellerson Durães de Alkmim, que fazia parte da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, após sua ida ao hospital em 1975:

Eu era estudante do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à Colônia ‘Zoológica’ de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer uma visita ao zoológico, só que não era divertido, e nem a gente era tão criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi.”

Outro relato foi do psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, substituída, em 1977, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig):

“Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves”.

Citações de autoras:

“Existências infames: sem notoriedade, obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo sem deixar rastro – nenhuma nota de fama, nenhum feito de glória, nenhuma marca de nascimento, apenas o infortúnio de vidas cinzentas para a história e que se desvanecem nos registros porque ninguém as considera relevantes para serem trazidas à luz. Nunca tiveram importância nos acontecimentos históricos, nunca nenhuma transformação perpetrou-se por sua colaboração direta. Apenas algumas vidas em meio a uma multidão de outras, igualmente infelizes, sem nenhum valor. Porém, sua desventura, sua vilania, suas paixões, alvos ou não da violência instituída, sua obstinação e sua resistência encontraram em algum momento quem as vigiasse, quem as punisse, quem lhes ouvisse os gritos de horror, as canções de lamento ou as manifestações de alegria.”( Os infames da história – pobres, escravos e deficientes no Brasil (Faperj/Lamparina)de autoria da psicóloga Lilia Ferreira Lobo)

“Milhares de mulheres e homens sujos, de cabelos desgrenhados e corpos esquálidos cercaram os jornalistas. (…) Os homens vestiam uniformes esfarrapados, tinham as cabeças raspadas e pés descalços. Muitos, porém, estavam nus. Luiz Alfredo viu um deles se agachar e beber água do esgoto que jorrava sobre o pátio. Nas banheiras coletivas havia fezes e urina no lugar de água. Ainda no pátio, ele presenciou o momento em que carnes eram cortadas no chão. O cheiro era detestável, assim como o ambiente, pois os urubus espreitavam a todo instante” (Holocausto Brasileiro/ Geração Editorial( de autoria da jornalista Daniela Arbex.)

“O repórter luta contra o esquecimento. Transforma palavra o que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade àqueles que, até então eram registrados como “Ignorados de tal”. Eram um não ser. Pela narrativa, eles retornam, como Maria de Jesus, internada porque se sentia triste, Antônio da Silva, porque era epilético. Ou ainda Antônio Gomes da Silva, sem diagnóstico, que ficou vinte e um dos trinta e quatro anos de internação mudo porque ninguém se lembrou de perguntar se ele falava. São sobreviventes de um holocausto que atravessou a maior parte do século XX, vivido na Colônia, como é chamado o maior hospício do Brasil, na cidade brasileira de Barbacena. Como pessoas, não mais como corpos sem palavras, eles, que foram chamados de “doidos”, denunciam a loucura dos “normais”(...)”

Eliane Brum (jornalista) , Prefácio do livro Holocausto Brasileiro, de autoria de Daniela Arbex.

 

Sobre o seu livro, a autora de Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex explicou:

“Dei esse nome primeiro porque foi um extermínio em massa. Depois porque os pacientes também eram enviados em vagões de carga (ao manicômio). Quando eles chegavam, os homens tinham a cabeça raspada, eram despidos e depois uniformizados”.

_____________________________________________________

O psiquiatra italiano Franco Basaglia disse em 1979 quando visitou o hospício: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em nenhum lugar do mundo presenciei uma tragédia como essa”.

______________________________________________________

 

Sugestão de vídeo: Diário do Repórter - Hospital Colônia de Barbacena

https://www.youtube.com/watch?v=38qRtOVBCgk

 

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e Psicólogo


Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+do+museu+da+loucura&sxsrf=ALiCzsbtdTf6vBnOWayUOsHL0Sqa0aCuNA%3A1655762598809&source=


domingo, 19 de junho de 2022

O músico, cantor e compositor João Gilberto

 








Em 10 de junho de 1931, em Juazeiro, sertão da Bahia, às margens do rio São Francisco, nascia o cantor, compositor e violonista João Gilberto Pereira de Oliveira, um dos grandes nomes da música brasileira, que críticos musicais consideram como um autor genial e como um artista que revolucionou a música brasileira ao criar a “bossa nova”. Também cantores brasileiros foram influenciados pelo jeito suave de cantar dele. A Revista Rolling Stone Brasil o considerou um dos 30 maiores ícones brasileiros da guitarra e do violão e, após Tom Jobim, o segundo maior artista brasileiro de todos os tempos. João Gilberto levou a música popular brasileira a países como os Estados Unidos, Japão e outros da Europa, tendo sido um dos músicos mais influentes no jazzamericano do século XX.

O pai de João Gilberto era Joviniano Domingos de Oliveira, comerciante bem sucedido e sua mãe era Martinha do Prado Pereira de Oliveira. Quando criança João era conhecido como Joãozinho da Patu. Ele viveu em Juazeiro até 1942, ano em que foi estudar na capital de Sergipe, Aracaju e nessa cidade passou a tocar na banda da escola.  Voltou a sua cidade natal em 1946 e nessa ocasião teve a oportunidade de escutar nos alto-falantes da cidade os famosos Dorival Caymmi, Carmen Miranda, Duke Ellington, Tommy Dorsey e Charles Trenet. O pai de João também proporcionou mais contatos com a música, pois tocava cavaquinho e saxofone, como também era um apoiador financeiro da Banda de Música 22 de Março. Foi por esses tempos que João formava conjuntos vocais junto com colegas de escola. Desde a infância mostrava ter um ouvido privilegiado para a música e ganhou de seu pai seu primeiro violão, aos 14 anos. Formou em Juazeiro o conjunto vocal Enamorados do Ritmo. Tinha como seu maio ídolo o cantor Orlando Silva. Em 1947 foi morar em Salvador. Lá ficou por três anos e se dedicou exclusivamente à musica, tendo iniciado aos 18 anos sua carreira artística na Rádio Sociedade da Bahia.

Em 1950, João Gilberto foi para a cidade do Rio de Janeiro, tendo sido convidado para fazer parte do conjunto vocal Garotos da Lua. Conseguiu em 1951 se destacar na rádio. O conjunto gravou dois discos de 78 rpm. Porém, devidos a atrasos, foi mandado embora do grupo. Em 1952 ele gravou um disco solo para a gravadora Copacabana, havendo nessa época uma semelhança entre o canto de João (que cantou sem violão) e o de Orlando Silva. Mas o disco não teve sucesso. Por sugestão de Lúcio Alves, João Gilberto gravou “Um minuto só”, uma versão de Haroldo Barbosa para “Just one more chance”. A namorada de João era a futura cantora Sylvia Telles. E em 1953 em parceria com Russo do Pandeiro e com a voz de Marisa Gata Mansa foi gravada em 1953. Por esse tempo João gravou alguns jingles no estúdio de Russo do Pandeiro. Por exemplo, esse para a Toddy: "Eu era um garoto magricelo/ Muito feio e amarelo.// Toddy todo dia ele tomou/ Engordou e melhorou/ Forte ficou.// As garotas agora me chamam bonitão/ No esporte eu sou campeão". Também tocava em festa da sociedade, ganhando pouco.

Tendo conhecido em 1954 Carlos Machado, conhecido como o Rei da Noite, João participou com ele na boate Casablanca do show Esta Vida é um Carnaval. Também participaram Grande Otelo, Ataulfo Alves e outros artistas.   O público gostou e foi muito elogiado pela crítica o espetáculo. No mesmo ano João fez parte do conjunto Quitandinha Serenaders. Por um curto tempo também integrou o conjunto Anjos do Inferno.

Em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 1955, João Gilberto conheceu o compositor, pianista, violinista, professor, musicólogo Armando Albuquerque . Aramando era amigo de Radamés Gnatalli que ensinou aspectos relacionados à música para João, que meses depois foi morar com sua irmã Dadainha em Diamantina, Monas Gerais. Foi nessa época que João, em seus estudos musicais desenvolveu uma nova técnica de cantar. Depois de Diamantina ele foi para Juazeiro, ficando lá dois meses com familiares. Nesse tempo ele compôs “Bim Bom” e considerou que tinha encontrado a batida que estava querendo.

João foi para o Rio de Janeiro, em 1957, com 26 anos, depois de ter passado alguns dias em Salvador.   No Rio João mostrou sua batida para outros músicos. Quando apresentou “Bim Bom”para Roberto Menescal que gostou muito do que ouviu e apresentou a nova batida para artistas como Ronaldo Bôscoli e também no apartamento de Nara Leão. Tendo se apresentado na casa de Chico Pereira, que gravou a apresentação e que possibilitou que João conhecesse Tom Jobim, que na época estava trabalhando na gravadora Odeon. Tom ficou impressionado com a forma de tocar violão de João e percebeu que poderia se modernizar o samba por meio da simplificação do ritmo e adicionando novas harmonias, havendo mais liberdade para os arranjos. Tom então mostrou a João a composição Chega de Saudade, que tinha feito com o poeta Vinicius de Moraes. Cada vez mais João ficava conhecido no ambiente musical da cidade do Rio de Janeiro, tocando com Severino Filho e Badeco, Chaim e João Donato, com os quais fez a música Minha Saudade. Também João apresentou-se com frequência na boate do hotel Plaza, junto com Milton Banana, que adaptou sua bateria ao tipo de tocar música de João Gilberto. Um frequentador do local era Tom Jobim.

Em 1958 houve fatos muito importantes que influenciariam a música brasileira. Em julho a cantora Elisete Cardoso lançou o LP Canção do Amor Demais, com músicas de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Nas faixas Chega de Saudade e Outra Vez João Gilberto acompanhava Elisete ao violão. Foram as primeiras gravações em disco da “batida da bossa nova”. Com o apoio de Tom Jobim, Dorival Caymi e Aloysio de Oliveira, João lançou um disco gravado na Odeon, de 78 rpm com as músicas “Chega de saudade” e “Bim Bom”, com a participação da orquestra de Milton Banana e arranjos de Tom Jobim. Foi esse disco que inaugurou o gênero da bossa nova, tornando-se um sucesso comercial, com uma alta vendagem e chegando ao primeiro lugar nas rádios. Uma inovação nesse disco foi o uso de dois gravadores por João, um para ele e outro para o seu violão. A partir daí, ele foi convidado a participar de programas nas rádios e na TV, dando entrevistas e fazendo shows.

Outro disco de 78 rpm foi lançado por João em 1959, com a música “Desafinado” (de Tom Jobim e Newton Mendonça) e Hô-bá-lá-lá (de João Gilberto). Mais outro disco no mesmo ano foi lançado por João: o LP “Chega de Saudade”.

O LP Chega de Saudade foi um marco na música popular brasileira e tornou a nova batida de violão uma moda entre universitários e secundaristas e influenciou gerações de jovens que decidiram se tornar músicos. Entre os que foram influenciados podem ser citados: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Edu Lobo, Francis Hime, Roberto Carlos, Paulinho da Viola etc. O estilo de João era revolucionário, porém não houve um total rompimento com a música do passado, pois  gravou composições antigas de Ary Barroso, Dorival Caymmi e Orlando Silva. João renovou velhas canções. Na canção Chega de Saudade, que era originalmente um chorinho, foi transformada em um tipo de samba, no qual o violão não era acompanhamento, pois dividia o primeiro plano com a voz.

Em 1959 João participou da gravação do disco 78 rpm de Luiz Claúdio, com acompanhamento de violão, na primeira gravação da canção de Tom Jobim chamada Este Seu Olhar, de Tom Jobim, que fez o arranjo e tocou piano. Para o filme Orfeu de Carnaval João gravou três canções, lançadas em um compacto duplo. A gravadora era a Odeon. Nessa época João esteve na boate Meia Noite, do hotel Copacabana Palace e no Country Club, no Rio de Janeiro. A batida de João incentivou a realização de festivais de bossa nova pelo Rio

João pôde contracenar e fazer dueto com Orlando Silva no programa “Brasil 60”, na TV Excelsior. Teve um programa próprio, o Musical Três Leões, na TV Tupi, em São Paulo. Ele participou do show de inauguração da TV Excelsior. Os músicos novos que entraram no movimento da bossa nova imitavam o modo de tocar e cantar de João. Ele fez apresentações em Minas Gerais, Salvador, Rio de Janeiro e fez um jingle para a multinacional Lever, atual Unilever.

João Gilberto gravou segundo LP em 1960 chamado O Amor, o Sorriso e a Flor. Esse disco chegou em 1962 aos Estados Unidos. Nesse LP havia a inovação de trazer na contracapa as letras das músicas. Como destaque nesse disco entre as canções, havia a composição Samba de Uma Nota Só, de Tom Jobim e Newton Mendonça. Essa música representava uma síntese da bossa nova nos elementos fundamentais letra, melodia, ritmo e harmonia.

O terceiro álbum de João Gilberto foi gravado em 1961. O LP foi gravado em duas fases: a primeira com Walter Wanderley e seu conjunto e a segunda com orquestra e regência de Tom Jobim. Velhos sambas vinham alterados, rítimica e harmonicamente, soando como novos sambas. Um efeito usado por João foi o rubato. Nesse efeito são apressadas ou encurtadas frases, cantando em tempo ligeiramente diferente do acompanhamento, tirando algum tempo das notas, para depois aguardar com o violão e seguir normalmente. Foi o primeiro disco em que João gravou só ele e o violão. No mesmo ano da gravação desse disco ele realizou apresentações em São Paulo. Na Universidade Mackenzie se apresentou para 1500 pessoas e lotou tanto o teatro do clube Harmonia como o do clube Pinheiros.

A cantora Lena Horne cantou “Bin Bom”em português no Copacabana Palace e declarou ser uma admiradora de João Gilberto. Também o o discjockey Felix Grant tocou por vários dias os discos de João na rádio WMAL, de Washington. Isso influenciou artistas de jazz dos Estados Unidos e chamou a atenção para a música brasileira. Em 1962 o jornalista Joaquín Segura, da revista Life en Español, escreveu sobrea bossa nova de João Gilberto, destacando viagens ao Brasil de astros do jazz como Dizzy Gillespie, Charlie Byrd e Herbie Mann e que ao retornarem procuraram imitar o jeito de tocar violão e a voz de João Gilberto. Nessa época na França chegaram as canções Bim bom, Ho Ba La La e Um Abraço no Bonfá de João Gilberto e ele se apresentava no Uruguai e na Argentina. 

João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Os Cariocas, Milton Banana e Otávio Bailly, se apresentaram no mesmo palco, sob direção de Aloysio de Oliveira. Foi uma temporada de um mês. O público era formado por pessoas da alta sociedade carioca e dos círculos de artistas. Foi um show histórico, chamado O Encontro, realizado em 1962 no restaurante Au Bon Gourmet, em Copacabana. Grandes sucessos da bossa nova foram apresentados como Só Danço Samba, Samba da Bênção, O Astronauta, Samba do Avião e Garota de Ipanema.

Na sua vida particular, o primeiro casamento de João Gilberto foi com a talentosa cantora Astrud Evangelina Weinert, que passou a ser conhecida como Astrud Gilberto. Os dois se conheceram por meio de Nara Leão. O casal teve o filho João Marcelo, nascido em 1960.

João Gilberto esteve nos Estados Unidos em 1962 participando de um concerto no Carnegie Hall, em Nova York. O objetivo foi promover a bossa nova nos estados Unidos. Também participaram Tom Jobim, Luiz Bonfá, Agostinho dos Santos, Carlos Lyra, Sérgio Mendes etc. João Gilberto e Tom Jobim se apresentaram em novembro desse ano, com a presença de estrelas da música dos Estados Unidos como Tony Benner, Dizzy Gillespie, Milles Davis e outros. Houve uma grande cobertura da imprensa e até uma rádio transmitiu para Moscou. Uma emissora de Tv dos Estados Unidos filmou o show. A mídia desse país elogiou muito o desempenho de João Gilberto, que cantou em português. João fez outras apresentações em Nova York e Washington. Ele a partir de então passou a divulgar a bossa nova em diversos países.

No filme Seara Vermelha, lançado no Brasil, incluiu na trilha sonora uma composição chamada Lamento da Morte de Dalva na Beira do Rio São Francisco dos anos 1950 de autoria de João com parceria de Jorge Amado.

João Gilberto, o músico norte-americano Stan Getz, Astrud Gilberto, Tom Jobim, Milton Banana e Tião Neto, se uniram para gravar o disco Getz/Gilberto nos dias 18 e 19 de março de 1963, na A&R Studios, em Nova York.  Nessa época João foi homenageado por jazzistas e o cantor Jon Hendricks gravou o disco Salud! João Gilberto – Originator of the Bossa Nova.O disco de João com Getz concorreu em nove categorias e venceu 4 prêmios Grammy. Foi descrito elogiosamente nos Estados Unidos como bossa nova verdadeira e foi best-seller durante anos, tanto nos Estados Unidos como em outros países pelo mundo. Na Itália chegou a atingir as paradas de sucesso . É considerado na atualidade um clássico da discografia mundial. Influenciou gerações de jazzistas.

João Gilberto, João Donato, Tião Neto e Milton Banana foram para a Europa e se apresentaram na Itália (Roma, Viareggio). João passou a ter problemas na mão direita e o grupo encerrou as apresentações. Em Paris ele se tratou com um acupunturista. Estava separado de Astrud e conheceu nessa cidade a então estudante conhecida como Miúcha.

João foi para Nova York e tratou a sua mão com médicos dos Estados Unidos e fez tratamentos de fisioterapia. Depois apresentou-se no Carnegie Hall com Stan Getz e surgiria então o disco número 2 deles. Também João se apresentou em clubes de Nova York e em cidades como Washington, Boston e Los Angeles e na Califórnia. Em 1965 João e Miúcha se casaram. Fez um tratamento médico para a voz. Apresentou-se em 1966 no programa O fino da Bossa, na Tv Record. Nesse ano nasceu em Nova York a sua filha Isabel, conhecida depois como Bebel Gilberto. João participou em 1967 de um programa de TV alemão e fez apresentações em 1967 e 1968 em Nova York e Los Angeles e Washington.

No México, em 1969, João participou de festivais de jazz em Guadalajara, Guanajuato, Cidade do México e Puebla. Nesse ano, passou a morar na Cidade do México. Nesse país, recebeu o prêmio Troféu Chimal. Lançou o disco Em Mexico, em 1970, com boleros como "Besame Mucho" e "Farolito" e com arranjos de Oscar Castro Neves.

No Brasil, em 1971, João gravou um especial na Tv Tupi com Caetano Veloso e Gal Costa. Em 1972 voltou a residir em Nova York. De novo apresentou-se com Stan Getz, dessa vez no Rainbow Grill. João em 1973 lançou o álbum João Gilberto, conhecido como o álbum branco. Lançou o álbum The Best ofTwo Worlds, com Stan Getz e participação de Miúcha no ano de 1976Em1977 foi lançado o álbum Amoroso. O álbum virou um clássico. Fez uma temporada de shows em Nova York, com muito sucesso e uma das presentes foi Jacqueline Onassis. Também se apresentou em São Francisco e Los Angeles. Em 1978 participou de um especial para uma Tv holandesa e no Brasil se apresentou no Teatro Castro Alves em Salvador e no Teatro Municipal de São Paulo. Em Nova York apresentou-se no Carnagie Hall com Charlie Byrd e Stan Getz no Newport Festival.

No ano de 1980 João Gilberto gravou ao vivo no Teatro Fênix, do Rio de Janeiro, para a Série Grandes Nomes um especial para a Tv Globo. O Nome do programa era João Gilberto Prado Pereira de Oliveira. O especial virou disco. Houve a participação de Rita Lee. Nesse ano João teve participação especial no disco de Miúcha. Com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Maria Bethânia. João gravou o disco Brasil, em 1981. E gravou "Brazil com S” uma participação especial em um disco de Rita Lee . Na época gravou em especial na Tv Bandeirantes chamado "João Gilberto: A arte e o ofício de cantar”, com a participação de Ney Mato Grosso e fez concertos no Teatro Castro Alves. João se apresentou no Festival de Águas Claras em 1983, em São Paulo e em Roma fez concerto para o festival Festival Bahia de Todos os Sambas. Em Lisboa ele se apresentou no Coliseu dos Recreios, em 1984 e em 1985 na Suiça,  no 19° Festival de Jazz de Montreux. Em 1986, para integrar a trilha sonora da novela Hipertensão, João gravou a música Me Chama, de Lobão, que adorou a forma como João executou a música, embora de início tenha ficado aborrecido porque João tirou o verso "nem sempre se vê mágica no absurdo". Em 1987 João recebeu do Tribunal Superior do Trabalho a Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, no grau de comendador. Também em 1987 houve uma questão judicial entre João Gilberto e a EMI, que tinha ficado com o acervo musical da Odeon. A EMI tinha lançado sem permissão uma coletânea e João acusou a gravadora de adulterar a sonoridade das gravações e alteração a ordem das faixas. Essa disputa judicial durou muitos anos.

No fim dos anos de 1980 João foi indicado em 1989 ao Grammy na categoria Melhor Performance Vocal de Jazz, pelo disco "Live in Montreux". Em 1990 gravou uma participação no disco de Maria Bethania. Nos Estados Unidos nesse ano foi lançado o CD The legendary João Gilberto. Em 1991 houve o lançamento do CD João. Foi gravado somente com voz e violão. Havia a gravação de músicas em outras línguas: inglês e francês. No videoclipe Sampa, de Caetano Veloso, João Gilberto participou da gravação. Para a Brahma João gravou o jingle chamado Bossa Nova nº 1. Em 1992 ele se apresentou no aniversário da cidade de São Paulo com Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Rita Lee, no Parque Ibirapuera. E no mesmo ano se apresentou com Tom Jobim no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e foi convidado de Tom show dele no Palace, de São Paulo. João em 1993 fez um show em Salvador com a participação de Gal Costa e Maria Bethânia. Em 1994 apresentou-se em São Paulo, no Palace e para um especial da Tv Cultura sobre João Gilberto. Em 1995 com outros artistas brasileiros participou de uma homenagem a Tom Jobim em Nova York. Nos anos de 1996, 1997 e 1998 participou do Festival de Jazz de Umbria, em Perugia, Itália, fez um especial para a Tv Bandeirantes, apresentou-se em Buenos Aires e no Carnegie Hall, nos Estados Unidos. Também fez shows na Itália. Em 1999 apresentou-se com Caetano Veloso em Buenos Aires e fez um show inaugurando o Credicard Hall, em São Paulo. Mas os problemas no som neste show causaram reclamações de João. 

Em 2000 foi lançado por João Gilberto o disco João Voz e Violão. Por esse disco João recebeu em 2001 um Grammy, na categoria Melhor Álbum de World Music. João gostou muito desse disco, no qual se ouve o arranhar das cordas do violão, a percussão sutil da pronúncia dos fonemas e a controladíssima respiração. Novas harmonias foram apresentadas para Desafinado e Chega de Saudade.

No início dos anos 2000 João apresentou-se em Paris, sendo muito elogiado e agradou muito o público ao tocar Que Reste-t-il de nos Amours. Ele sabia como tocar as pessoas que o assistiam em apresentações pelos países que ia, como no Brasil, em São Paulo, quando tocava Saudosa Maloca e em Portugal quando tocou Casa Portuguesa. Quando houve a 22ª edição do Festival Internacional de Jazz de Montreal, no Canadá, João se apresentou. Recebeu a Ordem de Rio Branco, no grau de comendador, do Itamaraty. Lançou em 2002 o CD “Live at Umbria Jazz, com gravação de 1996. Na Itália em 2003 , recebeu o Premio della Critica Heineken. Em 2003 fez shows no Japão. Foi muito aplaudido. Em 2003 João teve mais uma filha, com sua nova esposa, Claudia Faissol. Em 2004 fez mais um turnê pelo Japão. No show em Osaka recebeu trinta e oito minutos de aplausos ininterruptos. Em 2005 o Ministério da Cultura do Brasil homenageou João com Ordem do Mérito Cultural. Em 2006 João fez a sua última turnê ao Japão. Ele homenageou o país com a composição "Je Vous Aime, Japão". Foi escolhido em 2007 pela revista Down Beat como um dos melhores cantores de jazz e em 2009 a mesma revista o elegeu como um dos 75 melhores guitarristas da história do jazz. No aniversário da bossa nova em 2008 ele se apresentou em São Paulo, no Rio, Salvador e no Carnegie Hall.

Em 6 de julho de 2019, com 88 anos, João Gilberto morreu em sua casa na cidade do Rio de Janeiro. O corpo foi sepultado em Niteroi, no Cemitério Parque da Colina.

Citação:

“Este ícone do movimento que se tornou conhecido como Bossa Nova nasceu João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira, no dia 10 de junho de 1931, em Juazeiro, na Bahia. Quando ainda tinha 14 anos, ganhou um presente que definiria sua vida, um violão. Ele se tornou sua mais cara obsessão, da qual nunca se libertou, para a sorte dos amantes deste ritmo brasileiro que marcou o universo musical dos anos 50 e até hoje é um símbolo do país, conhecido e respeitado internacionalmente.

Ele cresceu ouvindo Duke Ellington, Tommy Dorsey, Dorival Caymmi e Dalva de Oliveira, no seio de uma família de músicos amadores. Na sua adolescência integrou o grupo Enamorados do Ritmo. Com apenas 18 anos, agora na cidade de Salvador, tornou-se crooner da Rádio Sociedade da Bahia. No início da década de 50, porém, tomou uma decisão crucial, mudar-se para o Rio de Janeiro.

Na Cidade Maravilhosa ele alcançou um certo êxito como cantor do Garotos da Lua, que se apresentava na Rádio Tupi. Seu temperamento rebelde não lhe permitiu continuar por muito tempo neste conjunto, do qual foi expulso por falta de disciplina. Mas, antes do período em que mergulharia no trabalho individual, gravou com este grupo dois discos.

João alimentava sem cessar a idéia fixa que lhe trouxera ao Rio de Janeiro, gerar um meio original e revolucionário de se exprimir com seu violão. Assim, exilou-se do ambiente carioca entre 1955 e 1957, com o objetivo de estudar e desenvolver uma técnica diferente. Desta forma, chegou ao estilo desejado, voltando para o Rio de Janeiro com a Bossa Nova em sua bagagem, gravada em um disco de 78 rotações por minuto. Agora João Gilberto estava pronto para subverter os rumos da música brasileira (...)”

Infoescola-biografias-João Gilberto

__________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+jo%C3%A3o+gilberto&sxsrf=ALiCzsaIMnvVsPkSo5BZouWlvqB8kZZRjA:1655653037294&tbm=isch&source=