sábado, 19 de junho de 2021

João Cândido, o Líder da Revolta da Chibata

 











Em 24 de junho de 1880 nascia na fazenda Coxilha Bonita, no vilarejo Dom Feliciano, um distrito de Encruzilhada, na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, hoje em dia o Estado do Rio Grande do Sul, o futuro marinheiro João Cândido Felisberto, líder da chamada Revolta da Chibata. Ele era filho dos ex-escravos João Felisberto e Inácia Cândido Felisberto.

João Cândido em 1894 apresentou-se, com treze anos, na Companhia de Artífices Militares e Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra, que ficava em Porto Alegre, encaminhado com um recomendação do capitão-de fragata Alexandrino de Alencar. Em 1895 João foi transferido para a Escola de Aprendizes Marinheiros de Porto Alegre e em dezembro desse ano já era grumete da Marinha do Brasil, passando a servir na cidade do Rio de Janeiro. João disse  em uma entrevista para a Gazeta de Notícias de 31 de dezembro de 1912 que foi soldado do general Pinheiro Machado na Revolução Federalista em 1893.

João Cândido viajou como marinheiro por diversos países durante seus 15 anos de serviço na Marinha de Guerra. Em parte dessas viagens ele estava em processo de instrução, primeiro recebia as instruções e depois passando-as para marinheiros mais novos. Em 1909 foi para a Grã-Bretanha onde estavam sendo construídos navios de guerra para a Marinha do Brasil. Quando esteve lá soube que marinheiros russos tinham, em 1905, se rebelado para reivindicar melhores condições de trabalho e alimentação. Era elogiado por oficiais por sua conduta e querido por companheiros de farda, sendo o marinheiro mais experiente.

As razões para a revolta que aconteceria estavam ligadas ao uso da chibata como castigo na Marinha brasileira. O governo republicano em um de seus primeiro atos em 16 de novembro de 1889, por meio de um decreto de Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente da república, tinha extinto essa forma de punição. Mas oficiais da Marinha continuavam a aplicar o castigo. Na época cerca de 90% dos marinheiros brasileiros eram negros ou mestiços e muitas vezes estavam descontentes com o soldo, a má alimentação e os castigos corporais.  

Em 1893 tinha existido um caso de revolta em um navio contra a grande quantidade de castigos físicos que eram utilizados pelo comandante. A exigência dos revoltosos era a troca desse oficial. Havia oficiais da Marinha que iam além do que era estabelecido no regimento da Marinha, que estabelecia a criação de Companhias Correcionais que poderiam em certos casos indicar o uso de até 25 chibatadas como castigo.

Os marinheiros brasileiros que foram acompanhar a construção de dois encouraçados e um cruzador que seriam vendidos para o Brasil já se organizavam para formas de luta contra o uso da chibata na Marinha de Guerra. Em 1910 as eleições presidencais foram vencidas pelo marechal Hermes da Fonseca. Os marinheiros nesse ano tentaram pacificamente enviar para o governo brasileiro propostas para acabar com os castigos físicos, sem serem atendidos em sua solicitação. Diante da recusa do governo, os marinheiros decidiram por uma revolta marcada para o dia 25 de novembro de 1910. Mas a 21 de novembro desse ano o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, aplicadas na presença dos demais marinheiros do Encouraçado Minas Gerais. Com esse fato, a revolta foi antecipada para 22 de novembro. Nesse dia o capitão João Batista das Neves iria dormir fora do navio e os marinheiros aproveitariam para se armarem e tomarem conta do Minas Gerais, nau capitânia da esquadra, e depois de outros navios que estavam no Rio de Janeiro. Mesmo o capitão tendo voltado mais cedo, a revolta acabou eclodindo.

No início do conflito o comandante, dois oficiais e três marinheiros morrem. Houve outras mortes em mais dois navios. O chefe das reuniões conspiratórias que planejaram a revolta era Vitalino José Ferreira, mas como comandante da esquadra revoltada João Cândido foi escolhido pelos marinheiros. Os dois navios mais poderosos da Marinha estavam sob controle dos rebeldes, os encouraçados Minas Gerais e São Paulo.  

João Cândido manda parar as mortes nos navios e envia radiogramas dizendo que deveriam parar os castigos corporais na Marinha de Guerra. A imprensa o chamou de Almirante Negro. Os navios Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro apontaram seus canhões para a cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil. Os marinheiros mandaram a seguinte mensagem para o presidente Hermes da Fonseca: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”. O governo federal se comprometeu a acabar com o uso da chibata como castigo e disse que ia conceder anistia aos marinheiros que tinha se revoltado. Quando os marinheiros foram desarmados, o governo decretou em 28 de novembro a expulsão de marinheiros que, segundo ele, representassem risco, ato que representava uma quebra de compromisso com a anistia que tinha sido aprovada em 25 de novembro pelo Senado da República e sancionada pelo presidente Hermes.

Após a notícia dessa decisão do governo acabando com a anistia, houve boatos de que o Exército tomaria medidas contra os marinheiros. Então houve um motim dos fuzileiros navais na Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910. Na ilha estavam presos dezenas de marinheiros que participaram da revolta anterior. Essa segunda revolta tinha sido motivada pelos boatos de que o Exército atacaria o batalhão naval como vingança por causa da Revolta da Chibata. Os fuzileiros foram logo derrotados após violento bombardeio. O presidente Hermes da Fonseca conseguiu do Senado a aprovação de estado de sítio e João Cândido, apesar de declarar sua lealdade ao governo, foi preso junto com centenas de marinheiros, muitos deles mortos ou expulsos da Marinha. Noventa e seis foram enviados ao Acre para trabalhos nos seringais. João Cândido foi expulso da Marinha. Inicialmente ficou preso no quartel do Exército e em 24 de dezembro foi deslocado para a Ilha das Cobras, na qual 16 de seus 17 companheiros de cela foram assassinados por asfixia com cal. E em abril de 1911 enviaram João Cândido como louco para o Hospital dos Alienados. Considerado com boa saúde mental no hospital, foi enviado novamente pelo governo para a Ilha das Cobras. Em 1912 foi solto, após ter sido absolvido das acusações. O defensor que lutou pela causa dele foi o rábula Evaristo de Moraes, contratado pela Ordem Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.

 

Não foi permitido a João Cândido trabalhar como marinheiro em qualquer navio e ele teve que trabalhar como estivador e descarregando peixes no centro do Rio de Janeiro. Em 1928 sua segunda esposa suicidou-se, o que o deixou muito triste. Em 1930 o prenderam de novo acusando-o de subversão. Em 1933 aderiu ao Integralismo, movimento ultranacionalista brasileiro. Soube em 1953 que o navio Minas Gerais seria vendido como sucata para a Itália. Ele pegou uma canoa e foi até o navio ancorado e deu um beijo de despedida nele. Até o fim da vida a Marinha o discriminou e já em fim da vida foi para o município de São João de Meriti e passou a frequentar a Igreja Metodista. Morreu pobre, de câncer, aos 89 anos de idade, em 6 de dezembro de 1969.  

Há um monumento em homenagem a João Cândido na Praça XV, no Rio de Janeiro. Em 1959 o livro "A Revolta da Chibata", de Edmar Morel, começou a resgatar a memória jornalística sobre ele. Nos anos 70 do século XX foi feito o samba "O mestre-sala dos mares” pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc. Em 2003 foi lançado o curta-metragem "Memórias da Chibata”. E em 24 de julho de 2008 publicou-se no Diário Oficial da União a Lei Nº 11.756, concedendo anistia a João.

 

Segundo o autor Alcy Cheuiche, em seu livro João Cândido, o Almirante Negro (2010):

"Fisicamente, João Cândido era um gigante, mas nunca abusou de sua superioridade física. Hábil no uso das palavras, sempre cumpria o que prometera, ao contrário do presidente que, logo que recuperou os navios, traiu os compromissos assumidos”.

O jornalista Fernando Granato, autor dos livros O Negro da Chibata (2000) e João Cândido (2010), da coleção Retratos do Brasil Negro assim disse de João Cândido:

"De origem muito pobre, João Cândido não estudou. Mas tinha uma sabedoria e um espírito de liderança que permitiram que se destacasse na Marinha. Aprendia tudo de olhar".

Disse o filho de João Cândido, Adalberto Cândido, o Candinho:

"Embora nunca tenha sido castigado na Marinha, meu pai não aceitava que os companheiros fossem torturados. Não foi um ato de heroísmo o que ele fez. Foi um ato de humanidade”.  

Em 1934 um humorista dessa época, Apparício Torelly, conhecido como o Barão de Itararé, começou a escrever sobre a vida de João Cândido em jornal com o título A Insurreição dos Marinheiros de 1910. Após a publicação do capítulo 10 foi sequestrado e surrado. Também Aldir Blanc ao compor o Mestre-Sala dos Mares sofreu intimidação no tempo do regime militar.

 

Para ouvir: https://www.letras.mus.br/joao-bosco/663976/

Mestre Sala Dos Mares

 Há muito tempo nas águas da Guanabara

O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história nunca esqueceu

Conhecido como Navegante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas

Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas
E por batalhões de mulatas

Rubras cascatas jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história

Não esquecemos jamais
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Mas salve
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Mas faz muito tempo

 

_________________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+joao+candido&sxsrf=ALeKk01Schfo6u-hNBwBEcM8lqqjI6Zmjw:1624161503222&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=


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