Em 24 de junho de 1880 nascia na
fazenda Coxilha Bonita, no vilarejo Dom Feliciano, um distrito de Encruzilhada,
na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, hoje em dia o Estado do
Rio Grande do Sul, o futuro marinheiro João Cândido Felisberto, líder da
chamada Revolta da Chibata. Ele era filho dos ex-escravos João
Felisberto e Inácia Cândido Felisberto.
João Cândido em
1894 apresentou-se, com treze anos, na Companhia de Artífices Militares e
Menores Aprendizes no Arsenal de Guerra, que ficava em Porto Alegre,
encaminhado com um recomendação do capitão-de fragata Alexandrino de Alencar.
Em 1895 João foi transferido para a Escola de Aprendizes Marinheiros de Porto
Alegre e em dezembro desse ano já era grumete da Marinha do Brasil, passando a
servir na cidade do Rio de Janeiro. João disse em uma entrevista
para a Gazeta de Notícias de 31 de dezembro de 1912 que foi soldado do general
Pinheiro Machado na Revolução Federalista em 1893.
João Cândido
viajou como marinheiro por diversos países durante seus 15 anos de serviço na
Marinha de Guerra. Em parte dessas viagens ele estava em processo de instrução,
primeiro recebia as instruções e depois passando-as para marinheiros mais
novos. Em 1909 foi para a Grã-Bretanha onde estavam sendo construídos navios de
guerra para a Marinha do Brasil. Quando esteve lá soube que marinheiros russos
tinham, em 1905, se rebelado para reivindicar melhores condições de trabalho e
alimentação. Era elogiado por oficiais por sua conduta e querido por
companheiros de farda, sendo o marinheiro mais experiente.
As razões para a
revolta que aconteceria estavam ligadas ao uso da chibata como castigo na Marinha
brasileira. O governo republicano em um de seus primeiro atos em 16 de novembro
de 1889, por meio de um decreto de Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente da
república, tinha extinto essa forma de punição. Mas oficiais da Marinha
continuavam a aplicar o castigo. Na época cerca de 90% dos marinheiros
brasileiros eram negros ou mestiços e muitas vezes estavam descontentes com o
soldo, a má alimentação e os castigos corporais.
Em 1893 tinha
existido um caso de revolta em um navio contra a grande quantidade de castigos
físicos que eram utilizados pelo comandante. A exigência dos revoltosos era a
troca desse oficial. Havia oficiais da Marinha que iam além do que era
estabelecido no regimento da Marinha, que estabelecia a criação de Companhias
Correcionais que poderiam em certos casos indicar o uso de até 25 chibatadas
como castigo.
Os marinheiros
brasileiros que foram acompanhar a construção de dois encouraçados e um
cruzador que seriam vendidos para o Brasil já se organizavam para formas de
luta contra o uso da chibata na Marinha de Guerra. Em 1910 as eleições
presidencais foram vencidas pelo marechal Hermes da Fonseca. Os marinheiros
nesse ano tentaram pacificamente enviar para o governo brasileiro propostas
para acabar com os castigos físicos, sem serem atendidos em sua solicitação.
Diante da recusa do governo, os marinheiros decidiram por uma revolta marcada
para o dia 25 de novembro de 1910. Mas a 21 de novembro desse ano o
marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, aplicadas
na presença dos demais marinheiros do Encouraçado Minas Gerais. Com esse fato,
a revolta foi antecipada para 22 de novembro. Nesse dia o capitão João Batista
das Neves iria dormir fora do navio e os marinheiros aproveitariam para se
armarem e tomarem conta do Minas Gerais, nau capitânia da esquadra, e depois de
outros navios que estavam no Rio de Janeiro. Mesmo o capitão tendo voltado mais
cedo, a revolta acabou eclodindo.
No início do conflito o comandante,
dois oficiais e três marinheiros morrem. Houve outras mortes em mais dois
navios. O chefe das reuniões conspiratórias que planejaram a revolta era
Vitalino José Ferreira, mas como comandante da esquadra revoltada João Cândido
foi escolhido pelos marinheiros. Os dois navios mais poderosos da Marinha
estavam sob controle dos rebeldes, os encouraçados Minas Gerais e São
Paulo.
João Cândido manda parar as mortes nos navios e
envia radiogramas dizendo que deveriam parar os castigos corporais na Marinha
de Guerra. A imprensa o chamou de Almirante Negro. Os navios Minas
Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro apontaram seus canhões para a cidade do Rio
de Janeiro, capital do Brasil. Os marinheiros mandaram a seguinte mensagem para
o presidente Hermes da Fonseca: "Nós, marinheiros, cidadãos brasileiros
e republicanos, não podemos mais suportar a escravidão na Marinha brasileira”. O
governo federal se comprometeu a acabar com o uso da chibata como castigo e
disse que ia conceder anistia aos marinheiros que tinha se revoltado. Quando os
marinheiros foram desarmados, o governo decretou em 28 de novembro a expulsão
de marinheiros que, segundo ele, representassem risco, ato que
representava uma quebra de compromisso com a anistia que tinha sido aprovada em
25 de novembro pelo Senado da República e sancionada pelo presidente Hermes.
Após a notícia dessa decisão do governo
acabando com a anistia, houve boatos de que o Exército tomaria medidas contra
os marinheiros. Então houve um motim dos fuzileiros navais na Ilha das Cobras,
no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910. Na ilha estavam presos dezenas de
marinheiros que participaram da revolta anterior. Essa segunda revolta tinha
sido motivada pelos boatos de que o Exército atacaria o batalhão naval como
vingança por causa da Revolta da Chibata. Os fuzileiros foram logo derrotados após
violento bombardeio. O presidente Hermes da Fonseca conseguiu do Senado a
aprovação de estado de sítio e João Cândido, apesar de declarar sua lealdade ao
governo, foi preso junto com centenas de marinheiros, muitos deles mortos ou
expulsos da Marinha. Noventa e seis foram enviados ao Acre para trabalhos nos
seringais. João Cândido foi expulso da Marinha. Inicialmente ficou preso no
quartel do Exército e em 24 de dezembro foi deslocado para a Ilha das Cobras,
na qual 16 de seus 17 companheiros de cela foram assassinados por asfixia com
cal. E em abril de 1911 enviaram João Cândido como louco para o Hospital
dos Alienados. Considerado com boa saúde mental no hospital, foi enviado
novamente pelo governo para a Ilha das Cobras. Em 1912 foi solto, após ter sido
absolvido das acusações. O defensor que lutou pela causa dele foi o rábula
Evaristo de Moraes, contratado pela Ordem Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos.
Não foi permitido a João Cândido
trabalhar como marinheiro em qualquer navio e ele teve que trabalhar como
estivador e descarregando peixes no centro do Rio de Janeiro. Em 1928 sua
segunda esposa suicidou-se, o que o deixou muito triste. Em 1930 o prenderam de
novo acusando-o de subversão. Em 1933 aderiu ao Integralismo, movimento ultranacionalista brasileiro. Soube em 1953 que o
navio Minas Gerais seria vendido como sucata para a Itália. Ele pegou uma
canoa e foi até o navio ancorado e deu um beijo de despedida nele. Até o
fim da vida a Marinha o discriminou e já em fim da vida foi para o município de
São João de Meriti e passou a frequentar a Igreja Metodista. Morreu pobre, de
câncer, aos 89 anos de idade, em 6 de dezembro de 1969.
Há um monumento em homenagem a João
Cândido na Praça XV, no Rio de Janeiro. Em 1959 o livro "A Revolta da
Chibata", de Edmar Morel, começou a resgatar a memória jornalística sobre
ele. Nos anos 70 do século XX foi feito o samba "O mestre-sala dos mares”
pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc. Em 2003 foi lançado o curta-metragem
"Memórias da Chibata”. E em 24 de julho de 2008 publicou-se no Diário
Oficial da União a Lei Nº 11.756, concedendo anistia a João.
Segundo o autor Alcy Cheuiche, em
seu livro João Cândido, o Almirante Negro (2010):
"Fisicamente, João Cândido era um
gigante, mas nunca abusou de sua superioridade física. Hábil no uso das
palavras, sempre cumpria o que prometera, ao contrário do presidente que, logo
que recuperou os navios, traiu os compromissos assumidos”.
O jornalista Fernando Granato, autor
dos livros O Negro da Chibata (2000) e João Cândido (2010),
da coleção Retratos do Brasil Negro assim disse de João
Cândido:
"De origem muito pobre, João
Cândido não estudou. Mas tinha uma sabedoria e um espírito de liderança que permitiram
que se destacasse na Marinha. Aprendia tudo de olhar".
Disse o filho de João Cândido,
Adalberto Cândido, o Candinho:
"Embora nunca tenha sido castigado
na Marinha, meu pai não aceitava que os companheiros fossem torturados. Não foi
um ato de heroísmo o que ele fez. Foi um ato de humanidade”.
Em 1934 um humorista dessa época,
Apparício Torelly, conhecido como o Barão de Itararé, começou a escrever sobre
a vida de João Cândido em jornal com o título A Insurreição dos
Marinheiros de 1910. Após a publicação do capítulo 10 foi sequestrado e
surrado. Também Aldir Blanc ao compor o Mestre-Sala dos Mares sofreu
intimidação no tempo do regime militar.
Para ouvir: https://www.letras.mus.br/joao-bosco/663976/
Mestre Sala Dos
Mares
Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história nunca esqueceu
Conhecido como Navegante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar
Na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas
E por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas salve
Salve o Navegante Negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo
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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História
Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+joao+candido&sxsrf=ALeKk01Schfo6u-hNBwBEcM8lqqjI6Zmjw:1624161503222&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=
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