segunda-feira, 4 de março de 2024

A Cantora brasileira de Ópera Maria D'Apparecida Marques

 

 

 

 

Meu segundo artigo de março de 2024, considerando o Dia Internacional da Mulher, é sobre a cantora brasileira negra Maria D’Apparecida Marques. Ela nasceu em 17 de janeiro de 1926. Sua mãe, Dulcelina Marques, ficou grávida de um jovem de uma família rica de São Paulo para a qual ela trabalhara. Essa família a demitiu. Foi então trabalhar para um casal católico na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. Quando tinha oito anos, a mãe de Apparecida morreu de tuberculose. O casal de empregadores de sua mãe a criaram, inclusive providenciaram que ela tivesse aulas de balé, frequentasse bons colégios, aprendesse línguas e tênis. Para ela foi dada a mesma educação que suas irmãs de criação. Porém, esse casal não a adotou oficialmente.

Já adulta, Apparecida dividiu-se entre o magistério e a locução. Alfabetizava crianças em escolas primárias de dia e à noite era narradora de histórias infantis em emissoras como Globo, Eldorado, Roquette Pinto e Rádio Nacional. Em setembro de 1947, o ativista do movimento negro Abdias Nascimento e sua companhia, Teatro Experimental do Negro, promoveram o baile Rainha das Mulatas. Apparecida se inscreveu nesse baile. Jornais da época no Rio de Janeiro anunciaram: "Para homenagear a flor da mistura de raças que se processa em nossa terra, compareceram cerca de 5 mil pessoas". Na ocasião, Apparecida foi premiada com o primeiro lugar. Textos da imprensa diziam que ela era dona de uma "carinha brejeira" e "curvas capazes de entontecer qualquer mortal". Ela inspirou os compositores João de Barros e Antônio Almeida que compuseram a marchinha A Mulata é a Tal, que fez sucesso no carnaval de 1948. Ele teve em sua juventude episódios de afonia, nos quais perdia a voz. Fez aulas de canto e teatro, tendo integrado o Teatro Experimental do Negro como atriz. 

Apparecida, no tempo que ficou conhecida pelo destaque no baile, não estava satisfeita com o que acontecia na sua vida, tendo dito numa entrevista anos depois sobre esse tempo: "Descobri que era péssima professora(...). “Então começaram a dizer: 'vamos botar plumas aqui, mostrar as pernas, fazer isso e aquilo'. Fiquei tentada, mas não tive coragem." Decidiu pela carreira de cantora. Sobre isso disse em um relato: "Acho que todo brasileiro tem vocação. Você vê, chofer de táxi, empregada doméstica, todos cantam. Só que eu, mulata pernóstica, queria fazer ópera.". E assim, no final de 1949 ela formou-se em canto lírico pelo Conservatório Brasileiro de Música. Teve como professora a cantora Graziela de Salerno, que apresentava-se regularmente no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Foi nesse teatro que D’Apparecida assistiu às apresentações de duas das maiores sopranos da história — a italiana Renata Tebaldi e a greco-americana Maria Callas. Ela gostou muito e quis se apresentar naquele palco, porém por ser negra não lhe foi permitido. Segundo um relato dela um empresário ítalo-brasileiro na conservadora sociedade carioca dos anos 1950 disse para ela: “Você tem uma bela voz, mas você é negra. E negra não canta no Teatro Municipal”.

Naqueles tempos existia o rótulo de que mulheres negras tinham de ser associadas ao samba. Porém, apesar desse preconceito, cerca de 130 anos antes de Maria D’Apparecida, existiram mulheres brasileira negras na ópera. No final do século XVIII a mineira Joaquina Lapinha atravessara diversas cidades portuguesas, apresentando-se com o rosto pintado de branco. Também a cantora Zaíra de Oliveira, em 1921, ganhou uma viagem à Europa num concurso promovido pelo Instituto Nacional de Música. O júri se recusou dar o prêmio a ela por causa da cor da pele. Nos anos 50 do século XX a cantora Maura Moreira teve muitas dificuldades no Brasil para exercer sua carreira de cantora lírica e foi para a Alemanha graças a uma bolsa de estudos. Apparecida, mesmo diante dos obstáculos insistia e disse sobre essa época em sua vida: "Coragem nunca me faltou. Apresentei-me em alguns recitais por aqui, depois os amigos insistiram que eu fosse para a Europa". Fazendo uma comparação com um famoso escritor austríaco que cometeu suicídio ela disse: "Estabeleci um tempo para vencer. Caso contrário, daria uma de Stefan Zweig."

Maria D’Apparecida se inscreveu num concurso de canto na Itália, em que ganhou uma medalha. Em Paris a partir de 1959, Maria D’Apparecida conheceu o cenógrafo, pintor surrealista e entusiasta da cultura afro-brasileira Félix Labisse, que era casado e vinte anos mais velho que ela. De início Maria foi modelo para ele e depois passaram a ser amantes. A esposa do pintor não se opôs à relação deles. Em pelo menos quatorze quadros foi retratada nua, em tons celestes, como filha de Iemanjá. Foi ela que sugeriu a cor, pois percebeu a dificuldade de Labisse em dar às tintas a cor de sua pele. Nessa convivência com esse artista ela conviveu com alguns dos principais nomes da cultura europeia no século 20, pois o artista tinha contatos com pintores como Salvador Dali e René Magritte; cineastas como Federico Fellini e Alain Resnais; e escritores como Jacques Prévert e Raymond Queneau.

Para D’Apparecida ela era “Uma operária da música”. Ela afirmou: “Se no palco dou o melhor de mim, fora dele sou uma pessoa como outra qualquer. Ando de botas e calça comprida." E no ano de 1960, apresentou-se pela primeira vez na televisão na França. Em 1961 promoveria um recital de temas folclóricos no Teatro do Odéon, em Paris, com obras dos compositores brasileiros Waldemar Henrique, Hekel Tavares, Ernani Braga e Heitor Villa-Lobos. Ela disse a respeito das obras dos autores: "Música linda, da qual ninguém toma conhecimento". (...) "Aqui só queremos cantar Brahms, Schumann, Schubert. A princípio, achavam loucura eu incluir no repertório outros compositores. De minha parte, dou tanta importância à música lírica brasileira quanto à ópera." o dramaturgo Guilherme Figueiredo disse sobre o espetáculo: "Como se comportariam os franceses diante de obras que, afinal, não possuem grande coisa do que se espera que seja a música popular brasileira, isto é, alguma coisa meio americana e meio cubana?" “Como receberiam uma cantora erudita que, embora de beleza tipicamente nacional, não oferece à plateia estrangeira os requebros que ela obrigatoriamente espera de uma cantora brasileira? Maria D’Apparecida venceu a prova [...] O triunfo estava ali, na sala, na acolhida dos críticos, na imediata repercussão manifestada por convites e contratos."

D’Apparecida disse ao jornalista Hélio Oliveira, do Diário Carioca sobre como conseguiu ser a primeira brasileira a ingressar no corpo artístico da Ópera de Paris: "Trabalhando como uma negra." Ela defendia a modernização da ópera."Com a televisão e com o cinema, esse negócio de ópera tem que ser um troço assim muito pra frente, entendeu? A gente tem que fazer um circo. A gente tem que alegrar, tirar a poeira."Com a televisão e com o cinema, esse negócio de ópera tem que ser um troço assim muito pra frente, entendeu? A gente tem que fazer um circo. A gente tem que alegrar, tirar a poeira. Fazer um negócio assim, meio comédia musical, ligeiro, um pouquinho sapeca. Ópera, pra mim, é festa.

Maria D’Apparecida retornou ao Brasil em 31 de julho de 1965 para comemorações oficiais do quarto centenário do Rio de Janeiro. O Theatro Municipal foi o palco escolhido para a temporada lírica da festividade. Em uma época passada ela tinha sido recusada nesse mesmo teatro, porém agora voltava como integrante de uma trupe francesa, com a qual interpretaria a protagonista da ópera Carmen, de Bizet. Na antevéspera da primeira apresentação, dia 18 de agosto, os ingressos se esgotaram. Maria estava ansiosa. Afirmou: "Não consigo dormir". (...) “Estou em permanente estado de tensão. Não é fácil estar longe de nossa terra, de nossa gente, mesmo quando se encontra o carinho que eu, graças a Deus soube achar fora do Rio.”

A ópera tem originalmente seu ambiente na Espanha, mas houve versões que introduziram seus personagens ao imaginário negro, como Carmen Jones, musical encenado na Broadway a partir de 1943. A trama se dá nos EUA da Segunda Guerra Mundial, com um elenco inteiramente afro-americano. E, após onze anos dessa peça, Otto Preminger dirigiu uma adaptação cinematográfica da mesma, fazendo da protagonista Dorothy Dandridge a primeira negra a ser indicada ao Oscar de melhor atriz. D’Apparecida disse em certa ocasião ao jornal Pasquim: "Carmen poderia ser carioca". (...)"Ela é assim, saliente, moleca de morro. Honesta nos princípios dela, mas uma barra pesada, né?”

Infelizmente houve fatos lamentáveis relacionados às apresentações de D’Apparecida no Municipal. Quando ficou gripada, as enfermeiras do teatro se recusaram a atendê-la e colegas brasileiras a hostilizaram. Ela contou ao jornalista Lauro Gomes em uma entrevista que pessoas do coro atrás dela disseram: “Sua neguinha, o seu lugar não é aqui.” A cantora chegou a comentar: "Fico com pena. Na época atual, ter uma reação dessa natureza é o fim. O preconceito existe. Negro, judeu, pederasta, somos marginais."Quando ela apresentou o mesmo espetáculo na capital francesa semanas mais tarde, foi bem recebida. o jornal Le Parisien comentou: "D’Apparecida é, sem dúvida, a Carmen mais completa que já conhecemos".(...) "Sua voz tem os graves do violoncelo e os agudos de um metal brilhante, sem rachaduras. Ela vive do começo ao fim essa aventura, canalha e tenra, alegre e melancólica, dramática e exuberante. Uma descoberta sensacional."

Em 1964 Maria D’Apparecida esteve em países africanos e observou a luta dos movimentos anticoloniais que eclodiam no continente. No mesmo ano, ao apresentar-se em Berlim foi assistida por Martin Luther King. Quando houve uma manifestação antirracista no anfiteatro da Universidade Sorbonne, em Paris ela participou. Em 1974 houve um terrível acidente com o táxi onde ela estava. Ela feriu muito o rosto, sua voz foi muito afetada e havia o risco de ficar cega. Ela teve de enfrentar três anos de convalescença e cirurgias. Houve sequelas que impossibilitaram que ela cantasse toda uma ópera.

Foi nessa época que estava se recuperando do acidente que ela leu o romance NegrasRaízes, best-seller de Alex Haley sobre as heranças da escravidão nos EUA. Essa leitura a fez refletir muito sobre sua própria história como mulher negra. Ela passou a se direcionar ao misticismo, tendo dito a respeito: "Eu, que havia perdido um pouco a fé, fiquei de tal maneira vulnerável que senti necessidade de entender as outras religiões". (...)"O simples ato de acordar é um milagre. Que o Deus de cada um seja Cristo, Buda ou Maomé, não faz diferença alguma. O importante é agradecer.”

D’Apparecida a partir de 1977 foi se dedicando à Música Popular Brasileira (MPB). No mesmo ano lançou, na companhia do violonista Baden Powell, o primeiro álbum dessa nova fase. Ela disse sobre isso: "Arrisquei meu nome na ópera porque quis provar a mim mesma que também podia cantar música popula". (...) "Sempre dou algumas explicações ao público sobre a letra, dizendo quem é o compositor, para que não fiquem achando que é tudo igual, sobre pássaros, mar e mulher." E a intérprete gravaria Chico Buarque, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Tom Jobim e Vinicius de Moraes no disco a seguir.

Sobre si mesma como cantora ela afirmou em 1978: "Em meu país, uma negra que canta ópera só pode ser pedante, se ela não for um prodígio. O sucesso me fez esquecer essa evidência, e a pequena morte que sofri fez-me reivindicar o direito à normalidade.”

Em 1991 ela escreveu uma carta ao então presidente do Brasil Fernando Collor de Mello. Na carta ela dizia: "Não tenho capacidade emocional, física, nem dinheiro [...] para levar uma vida decente no nosso país" (...)"Há muito tempo escuto a mesma ladainha: isto aqui está horrível. Agora, parece que piorou. [...] Suas gracinhas já chegaram lá por Paris, e já não tenho mais cara para defender nosso país. Mas, como diz a canção, a gente vai levando... e eu continuarei sempre tentando segurar as pontas."

Ela quis publicar uma autobiografia, mas desistiu. Clara Chotil, quadrinista que publicou uma revista em quadrinhos sobre a cantora comentou: "Sinto que ela foi uma pessoa extremamente misteriosa”. (...)"Às vezes, é como se fosse personagem de si mesma, narrando experiências verídicas em ritmo ficcional, com alguns detalhes imprecisos e meio contraditórios. Se ela esboçou uma autobiografia no momento em que saía da vida pública, o texto provavelmente retratava a Maria que ela desejava mostrar, não a mulher fragilizada que de fato era.”

Maria D’Apparecida faleceu em 4 de julho de 2017. Morreu só, na banheira, no seu apartamento. Seu corpo ficou dois meses no IML francês até que fosse enterrado num cemitério de Paris. Ela queria ser enterrada no norte da França, junto ao seu amado Labisse, que tinha morrido nos braços dela, no início dos anos 1980. Ela não tinhafilhos e nem herdeiros. Viveu por mais de 50 anos em Paris. Ela voltava ao Brasil uma vez por ano para visitar o túmulo de sua mãe. Ela disse certa vez: “Saudade é uma palavra que eu risquei do meu vocabulário” (...).“Se alguma coisa me falta, eu procuro ter.” Ficou conhecida internacionalmente como "a Maria Callas afro-brasileira”. Foi feito em 2021 um filme-espetáculo sobre ela: “Maria d'Apparecida: Luz Negra”.

Segundo a autora Camila Fresca em 31 de dezembro de 2012:

 

“Há dois anos, a morte solitária em Paris da mezzo soprano brasileira Maria d’Apparecida chamou a atenção de parte do mundo musical. Para alguns, era a primeira vez que se ouvia falar naquele nome. Com quase 92 anos, a cantora, que não se apresentava há pelo menos 15 anos, morreu sozinha e esquecida no dia 4 de julho de 2017. Seu corpo só foi descoberto por vizinhos dias após a morte. Encaminhado ao IML, estava prestes a ser enterrado como indigente, até que, pela mobilização de conhecidos e admiradores, acionou-se a embaixada brasileira e Maria d’Apparecida foi finalmente sepultada, mais de dois meses após sua morte. 

 

Foi um final triste para a primeira brasileira negra a consagrar-se como protagonista da ópera Carmen na Ópera de Paris. Filha de uma empregada doméstica engravidada pelo filho do patrão, Maria d’Apparecida foi criada no Rio de Janeiro por uma família que a educou junto com os seus filhos, embora nunca tenha sido adotada oficialmente. Teve aulas de francês e piano e cursou o Conservatório Brasileiro de Música. Ao vencer um concurso promovido pela Associação Brasileira de Imprensa, tentou iniciar carreira no canto.

 

Em entrevista a Lauro Gomes na Rádio MEC (veja abaixo), ela contou: “Quando eu quis fazer carreira lírica no Brasil um ítalo-brasileiro me disse: ‘Maria d’Apparecida, você tem uma bela voz, mas você é negra. E negra não canta no Theatro Municipal’. Aquilo pra mim foi uma tal pedrada... Eu tive que abandonar pátria e família, não foi fácil”.

 

Maria d’Apparecida teria primeiro que se consagrar na Europa, causando enorme impacto no papel de Carmen, na década de 1960, para só então estrear no Municipal carioca, em 20 de agosto de 1965. O início da carreira europeia, no entanto, se deu com a canção de câmara brasileira. Ela partiu com o compositor Waldemar Henrique para tentar a sorte no velho continente em 1959 e, juntos, apresentaram-se em Portugal, Madri e Paris, onde gravaram um disco – o primeiro dos mais de 20 que ela faria.

Um exemplo de seu repertório pode ser conferido no programa (disponibilizado online pelo Instituto Piano Brasileiro) de um recital que ela deu no Rio de Janeiro em 1972, acompanhada ao piano por Hermelindo Castello Branco, e no qual constam canções de Villa-Lobos, Waldemar Henrique, Mignone e Almeida Prado, além de árias das Bodas de Figaro, Contos de Hoffmann, West sidestory e, claro,Carmen.

O recital aconteceu dois anos antes de um desastre que teria consequências definitivas. No Natal de 1974, ela sofreu um acidente de carro grave, do qual levaria três anos para se recuperar. Voltou ao canto lírico, mas não era mais capaz de cantar uma ópera inteira, e acabou enveredando pela música popular: o disco “Maria d'Apparecida chante Baden Powell”, de 1977, marcou a virada na carreira e foi recebido com bastante sucesso. À época do lançamento, Carlos Drummond de Andrade publicou um texto no jornal dando notícias da artista e da retomada de sua carreira. Ao final, dedicou “para Maria d’Apparecida, este quase poema resultante de uma admiração afetuosa”, cujos versos finais dizem: “Tua voz, d’Apparecida, é aparição / fulgurante, sensitiva, dramática / e vem do fundo nigroluminoso de nossos corações / e vai, e volta e vai, / Maria d’Apparecida do Brasil, /aparecedoramentecantaril”.

O poema de Drummond não foi a única obra que a cantora inspirou: Maria d’Apparecida foi musa do pintor surrealista Félix Labisse (1905-1982), com quem teve um longo romance e que a retratou em ao menos 15 telas (...)”

 

Segundo Daniel Salomão Roque, São Paulo, BBC News Brasil, em 19 de novembro de 2023:

 

“Negra e filha de doméstica: quem foi Maria D’Apparecida, primeira brasileira a cantar na Ópera de Paris

 

A dramaturga carioca Dione Carlos não economiza adjetivos ao recapitular o Natal de 2018: "Foi algo incrível, totalmente aleatório, um dos eventos mágicos da minha vida."

 

Avessa aos festejos, ela havia se abrigado em casa, e passou a noite ouvindo música — atividade que, segundo ela, faz parte de seu processo criativo.

 

"Às vezes, faço pesquisas sonoras para formar uma espécie de acervo sensível", afirma. "Isso me ajuda na escrita, e naquela madrugada resolvi buscar algumas coisas no YouTube."

 

Dali a alguns minutos, escutaria um trecho de Carmen, ópera em quatro atos composta pelo francês Georges Bizet (1838-1875).

 

O vídeo a intrigou — continha apenas o retrato onírico de uma mulher com pele azul; uma faixa de áudio, gravada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro; e o nome da intérprete, a mezzo-soprano Maria D’Apparecida.

 

"A voz era linda, e fiquei curiosa por ser uma cantora brasileira da qual eu nunca tinha ouvido falar. Então, caí noutro vídeo, dela se apresentando em Paris", lembra Dione.

 

Trata-se de uma filmagem em preto e branco, realizada pela televisão francesa num domingo, 2 de janeiro de 1966.

 

D’Apparecida, sorridente e acompanhada pelo pianista Jack Diéval, anuncia em português: "Esta noite, estou aqui entre vocês para cantar uma melodia do meu Brasil."

 

Na sequência, a dupla executa Tamba-Tajá, canção de Waldemar Henrique inspirada numa lenda indígena do povo Macuxi. Pouco a pouco, a câmera se aproxima, e o rosto da intérprete ocupa todo o quadro.

 

Como Dione, Maria D’Apparecida era negra.

 

"Por razões óbvias, quis saber mais sobre aquela mulher", conta a dramaturga.

"Mas quando joguei o nome dela no Google, fiquei revoltada com o que li."

 

A cantora morrera no dia 4 de julho de 2017.  Sem filhos nem herdeiros, vivia em Paris há mais de meio século e mantinha-se longe das ruas — suas últimas apresentações teriam ocorrido na década de 1990.

 

Isolada no próprio domicílio, sem acesso à internet, escrevia regularmente e costumava se ajoelhar em frente a imagens de santos. Ela não atendia o telefone e devolvia todas as cartas que chegavam do Brasil.

 

O contato com o mundo externo se dava exclusivamente pelas visitas de uma empregada, que batera à sua porta naquela terça-feira, às 13h30.

 

A patroa, tomando banho, lhe pediu que voltasse mais tarde — e não respondeu mais. No dia seguinte, vizinhos se queixaram da água escorrendo de seu apartamento. O corpo de Maria D’Apparecida flutuava na banheira.

 

Em vida, a intérprete lançara mais de vinte discos, excursionando por toda Europa. Em 1981, recebeu do então prefeito de Paris Jacques Chirac a Medalha da Cidade de Paris. Anos depois, o presidente francês François Mitterrand lhe concederia o título de Oficial da Legião de Honra, uma das mais altas condecorações do governo francês. Apesar disso, sua morte não foi imediatamente noticiada.

 

Moro em Paris há 38 anos e nunca tinha ouvido falar na Maria D’Apparecida", afirma a jornalista sul-mato-grossense Mazé Torquato Chotil.

 

"Um pianista brasileiro, amigo do meu marido, veio almoçar aqui em casa e perguntou se a gente tinha visto uma postagem sobre ela nas redes sociais."

 

O Consulado-Geral do Brasil veiculara um anúncio, duas semanas após o falecimento. O corpo da cantora permanecia no Instituto Médico Legal de Paris, e a entidade diplomática tentava contatar seus familiares. Caso ninguém se apresentasse, D’Apparecida seria enterrada como indigente.

 

"Daí fui pesquisar a carreira dela", relata Mazé. "Mas senti que havia pouquíssima informação disponível."

 

Para seu espanto, a mezzo-soprano surgia em fotos com Heitor Villa-Lobos, Baden Powell, Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

 

Relatos davam conta de que se apresentara na Ópera de Paris, a mais tradicional companhia do gênero na França (...)”

 

  Sugestão de vídeo:


https://www.ina.fr/ina-eclaire-actu/video/i10253125/maria-d-apparecida-tamba-taja

Maria d'Apparecida "Tamba Taja"

 

_________________________________________

 Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura:

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+maria+dapparecida#imgrc=jaqzcQb__17

 

domingo, 3 de março de 2024

A história de Catherine Dior

 



Considerando o Dia Internacional da Mulher, vou tratar neste artigo a respeito de Catherine Dior.

Ginnete Dior nasceu em 2 de agosto de 1917 em Granville, na Normandia, França. Ficou conhecida mais como Catherine Dior e era irmã do conhecido estilista francês Christian Dior. Doze anos mais nova que ele, foi por meio dele que conseguiu o primeiro emprego em Paris como vendedora de luvas em uma boutique. Ela se destacou mais por ter participado da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Ela, a partir de novembro de 1941, passou a fazer parte da unidade de inteligência franco-polonesa F2, tendo sido presa em Paris em julho de 1944 pela polícia política nazista chamada de Gestapo, que a torturou e depois a deportou para o campo de concentração de mulheres de Ravensbruck. Tempo depois foi enviada para trabalhar na prisão militar de Torgau, no campo satélite de Buchenwald e posteriormente para uma fábrica controlada pelos nazistas próxima à cidade de Leipzig. Recebeu condecorações do governo francês por seus atos de bravura na Resistência francesa em abril de 1945, especialmente a Croix de Guerre, após ter sido libertada do cárcere alemão. Também foi nomeada para a Legião de Honra.

Os pais de Ginnete eram Maurice Dior, um industrial de fertilizantes e Madeleine Dior. Ela era a mais nova de cinco filhos. Tinha três irmãos e uma irmã.  Após a quebra da bolsa nos Estados Unidos em 1929 a crise mundial atingiu as empresas de Maurice, que entraram em falência. Após essa situação e a morte de Madeleine em 1931,ele então foi morar em Callian, na Provença, com seus filhos. Raymond,um dos filhos, voltou traumatizado da Primeira Guerra Mundial e outro dos irmãos Dior, Bernard, era esquizofrênico. No final dos anos 1930, com 20 e poucos anos, Ginette foi morar com Christian em Paris.

Com a invasão da França em 1940, na Segunda Guerra Mundial, Catherine Ginette teve de voltar para a região de Provença por motivos de segurança, após grande parte do país ser ocupado por tropas nazistas. Ela vendia legumes próximo a Cannes, duas vezes por semana. Em 1941estava comprando um rádio para ouvir sobre a guerra, por meio das transmissões da BBC, com falas do General de Gaulle. Nessa ocasião conheceu Hervé des Charbonneries, um líder importante da Resistência Francesa, que tinha 36 anos, casado, com 3 filhos. Ela se apaixonou por ele e foi com ele para o movimento de resistência aos nazistas, passando a usar o apartamento do irmão Christian em Paris, para realização de reuniões clandestinas da Resistência. Christian tinha esposas de oficiais alemães como clientes suas no mundo da moda.

Catherine envolveu-se com a seção “Massif Central” da rede F2, que era um grupo da Resistência criado pelo governo polonês no exílio e com financiamento do governo inglês. Hervé era da mesma rede, tendo como seu líder o almirante Jacques Trolley de Prévaux. Dior era a responsável pelo envio de relatórios clandestinos para Londres. Ela percorria de bicicleta ruas da França, fotografando e anotando informações sobre os nazistas. Mas em 6 de julho de 1944, ela e outros 26 membros de seu grupo foram presos pela Gestapo. Um agente nazista tinha sido infiltrado no movimento e delatado integrantes da Resistência. Christian Dior tentou, por meio de contatos nos meios alemães, conseguir a libertação de sua irmã. Também recorreu ao consul-geral sueco Raoul Nordling, que conseguiu convencer os nazistas a colocar Catherine sob proteção do Estado Sueco, porém ela tinha sido mandada de trem em 15 de agosto para o campo de concentração de Ravensbruck. Depois foi para Torgau e para o "Anton Kommando" feminino onde trabalhou numa fábrica de explosivos que ficava em uma mina de potássio desativada. Também trabalhou em uma fábrica de aviação em Leipzig-Markkleeberg. Ela conseguiu fugir após a evacuação da SS, perto de Dresden, com a chegada forças aliadas, em abril de 1945, voltando a Paris em 28 de maio de 1945.

No momento de sua libertação, Catherine estava muito doente até para se alimentar. Seu irmão Cristian cuidou dela até ela se recuperar. Ela sofreu muito no cativeiro nazista. Ela preferia passar fome do que se abaixar e pegar a comida jogada no chão pelos guardas nazistas. O grupo dela na prisão era unido. Ela e companheiros do trabalho forçado cometiam erros “acidentalmente” enquanto trabalhavam, num esforço para quebrar máquinas de fábrica. Os guardas dos campos de concentração forçavam os presos a marcharem longas distâncias, desnutridos, para mudá-los de endereço à medida que os Aliados entravam em território antes ocupado pelos alemães. Catherine não contou como conseguiu sobreviver. Não se sabe se ela sofreu abuso de soldados soviéticos que abusaram de mulheres prisioneiras de guerra mesmo quando as libertavam.

Catherine teve vários problemas de saúde após o fim da guerra: artrite crônica, reumatismo e problemas renais, lesões nos quadris, costas e pés, bem como cicatrizes visíveis eram problemas constantes – além da insônia, pesadelos,, perda de memória, ansiedade e depressão. Ela testemunhou em 1952 contra 14 pessoas responsáveis pelo escritório da Gestapo em Paris que a prendeu em 1944. A Gestapo na época da ocupação alemã na França usava torturas e abusos sexuais em membros da Resistência que eram capturados.

Em 12 de fevereiro de 1947 foi apresentado o perfume Miss Dior, possivelmente uma homenagem à Catherine. Uma história era contada sobre o motivo da fragrância ser relacionada a ela. Catherine teria entrado de repente na sala no momento que seu irmão pensava em um nome para a fragrância. Ele estava junto de uma amiga, Mitzah Bricard, que então teria dito: ""Ah, aqui está a Srta. Dior!" E diante dessa fala, Christian supostamente respondeu: "Srta. Dior: agora há um nome para o meu perfume!”

Catherine tornou-se uma “representante em flores de corte” após o fim da Segunda Guerra Mundial. Ela e des Charbonneries trabalharam por 12 anos em Paris, no mercado Halles, no negócio de flores. Depois, ela se mudou para a Provença, comprando uma fazenda onde cultivava rosas para fragrâncias. La ficou até morrer. Seu irmão Christian Dior, faleceu em 23 de outubro de 1957, aos 52 anos.  Deixou por meio de testamento seus bens para serem divididos igualmente entre sua irmã Catherine e Raymonde Zehnacker, seu amigo pessoal.

Em 1963 Françoise Dior, sobrinha de Catherine, casou com o líder neo-nazista britânico Colin Jordan. Esse fato causou o afastamento de Catherine em relação à sobrinha. Catherine criticou na época declarações feitas por sua sobrinha acusando-a de arriscar manchar o nome de seu irmão Christian Dior.

Catherine Dior inaugurou em 1999 o Museu Christian-Dior, em Granville, e tornou-se presidente honorária desta instituição. Ela veio a falecer em 17 de junho de 2008, em Callian, aos 90 anos, tendo sido sepultada perto de seu irmão Christian. Maria Grazia Chiuri, então diretora de criação da Chistian Dior Itália dedicou em setembro de 2019 a coleção Pronto-a-Vestir Primavera-Verão 2020 para Catherine Dior, inspirada por sua paixão por flores.

 

A atriz britânica Maisie Williams é a intérprete de Catherine Dior em seriado sobre a vida de Christian Dior .


_____________________________________________________

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.



Fonte :

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+catherine+dior#vhid=xeB7RDdNVtfePM&vssid




domingo, 18 de fevereiro de 2024

The History of Tunas

 









This article is about the history of the Tunas. But what is a Tuna? It is a group of musicians, with the fundamental characteristic of being made up of chordophones. According to an explanation in the book “QVID TUNAE - A Tuna Estudantil em Portugal”, from 2011 by the authors Eduardo Coelho, Jean Pierre Silva, Rocardo Tavares and João Paulo Sousa, the first book in the world to try to explain the Tunas,  the reason The name “tuna” is because the “thunes” (hostels for poor people) probably received students without many resources who stayed there when they passed through the cities where they participated in musical activities. Other explanations are also possible for the name.

A tuna can be described according to its instrumental type, for example, using only instruments (that's how it started) or also with singing (which is more common nowadays). It can be a student tuna (the origins are in the students of the 19th and early 20th centuries) and the musicians can play sitting or standing or even both ways. Academic or University Tunas are student tunas. In relation to academics, they can be formations of high school students (which were numerous from the 19th century until the 70s of the 20th century) and in the case of university ones, they are formed by students from a University. 

The groups that gave rise to the tunas began in the 1830s, in Spain. They were the “Estudantinas”, carnival groups who dressed like students. Characteristics present in Spanish tunas also became part of Portuguese tunas, such as the way of standing and carrying the banner and tambourines , the symbols on the covers.

In the mid-19th century or a little later, there were already records of tunas in Portugal. The visits of the Tuna of Santiago de Compostela ( with its own hierarchy, rules and organization ) and then that of Salamanca to the University of Coimbra were important. Around this time, the Estudantina de Coimbra emerged. Others were created by university or high school students at that time, such as those in Porto, Viseu, Lisbon, etc. The Tuna Académica do Liceu de Évora still exists from that early period of Portuguese tunas  .

At the end of the 19th century, Estudantina Espanhola and Estudantina Figaro stood out , formed by professional musicians, who had an influence on the formation of such groups throughout Europe and even in Central and South America. These two “ studentinas ” also influenced the musical repertoire: classical, popular and others. Interestingly, there were students who didn't just have students as members and some of them didn't even have a university connection. To move away from the term e studantina , since there were groups of this type that did not have students, students began to value the term “Tuna”. And as in Portugal there were student tunas and others for non-students, the term “Academic” began to be added to the student-only tunas. Most of the students learned music in the tuna where they entered. 

There was, in times before the carnival students (who later gave rise to the tunas), the idea of ​​" corre la tuna " (which was another way of living with characteristics such as deceit, begging, the search for sustenance), with   a prominent image of the bohemian student. 

There is a more romantic version about the origin of the tunas that talks about the goliardos (Poor people of the Clergy, who studied at Universities and who became itinerant, with a provocative manner and in the Middle Ages they walked around taverns, University doors and other places, singing and reciting poems (poems that could be satirical, erotic, cynical), denouncing abuse and corruption. In the book "QVID TUNAE?" (book already mentioned) , the theory of goliards is not accepted, nor that troubadours, minstrels and minglers are ancestors of the Tunas.

Nowadays the members of an Academic Tuna are mainly university students. Tunantes play classical music, adaptations of themes, popular music and can be original compositions based on bohemia, love, having a certain proximity to fado and even a style of music with a humorous characteristic. Participants in these Academic Tunas wear the attire of the educational institutions where they study or special attire that may be inspired by student clothing from the past or adapted according to regional characteristics.

Popular tunas, in Portugal and other European countries, existed in rural and urban areas, and could be temporary or more permanent. They could be amateur or more of a famous orchestra. They could be made up of only men or only women or be mixed. They could represent corporations (shoemakers, clerks, etc.) or villages or neighborhoods.   There were also tunas from political groups (such as tunas linked to republican movements).

Nowadays, university academic tunas still exist. This existence owes much to the resurgence of tunas since the 1980s. This current academic tuna has to do with a musical group formed by students or former students of higher education. The main instruments used in a Tuna are:Classical guitar, cavaquinho, mandolin, mandola, acoustic bass or double bass, tambourine, accordion, bass drum, flute, violin and viola. It is very common to have tunas among academic traditions and in cities with universities. Tuna members often dress in black capes and students sing ballads and serenades. There are tuna festivals, with the presence of groups from the Iberian peninsula, South America and other places.

The Tuna Luso Brasileira club, in Belém do Pará, emerged from a musical tuna. It was initially called Tuna Luso Caixeiral (later called Tuna Luso Comercial), originating on January 1, 1903, initially formed by 21 Portuguese traveling salesmen. Missing the land, the group got together to play Portuguese music in Pará. The salesman Manoel Nunes da Silva, who was at the port of Belém, was the leader of an orchestra that played and sang songs to alleviate the longing for Portugal. The name Tuna was because it was a musical group; Luso to refer to Portuguese lands; and Caixeiral due to the founders being caixeiros (merchants). Tuna Luso from 1903 to 1906 dedicated itself to music, having even hired the Portuguese orchestra Antônio Lobo, famous at the time. Only in 1906 did Tuna Luso begin to carry out sporting activities, with emphasis on the sport of rowing boats, having been called “The Queen of the Sea”, because of her triumphs in this sport. Nowadays, Tuna Luso Brasileira continues to be a large club in Belém do Pará and has several sporting titles.



                                                          Tuna Luso Brasileira.


__________________________________________

Márcio José Matos Rodrigues

Figura 1:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+tunas+musicais&client=firefox-b-d&sca_esv=455241588eaade9a&ei=uZjSZdPcHqGr1sQPjsiYuAc&udm=&ved=

Figura 2:

https://www.google.com/search?q=Imagem+de+Tuna+Luso+Brasileira+clube&tbm=isch&ved=


quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

O Louva-a-deus

 






Lembro que desde criança eu tinha um certo fascínio por este inseto que popularmente é chamado de louva-a-deus, louva-deus , cavalinho-de-deus e outros nomes. Também eu o conhecia na minha infância como põe-a-mesa.  É um inseto pertencente à Ordem Mantodea (do grego mantis=profeta;eidos=aparência). O corpo em geral é alongado e estreito. O tamanho varia de 0,8 a 17 cm. São conhecidas aproximadamente 2400 espécies, com 430 gêneros e 15 famílias no grupo, com muitas formas e cores, geralmente por causa de estratégias de camuflagem e mimetismo. As fêmeas são maiores e mais pesadas que os machos. As espécies de louva-a-deus estão distribuídas em todas as regiões do planeta, principalmente em áreas temperadas, tropicais e subtropicais, com exceção da Antártida.

As florestas tropicais servem de lar para a maioria das espécies de louva-a-deus, eles também podem viver em desertos, pastagens e prados. O verde é a cor mais encontrada nos louva-a-deus, mas pode variar de tons e mesmo ter tons acastanhados e podem camuflar seu corpo em meio ao ambiente. A cor branca em louva-a-deus é passageira e desaparece na fase final de desenvolvimento. Segundo algumas pesquisas, uma mudança na temperatura ambiente pode causar variação na cor desse inseto. A espécie mais conhecida e estudada é a Mantis religiosa, de cor marrom ou verde, também conhecida como campamocha . Sua cabeça, tem formato triangular, podendo girar em 180º, facilitando assim a identificação de possíveis presas ou ameaças que estejam por perto. Estes insetos possuem uma boca mastigadora que pode rasgar e cortar suas vítimas. Os mantis são louva-deus de grande porte. As fêmeas são geralmente maiores que os machos. A espécie mais longa é o louva-a-deus graveto Amazônico, do gênero Angela. Outra espécie extensa em comprimento é o louva-a-deus unicórnio, do gênero Zoolea, que pode ser encontrado por todo Brasil e é identificado pelo chifre comprido no topo da cabeça.

Há povos que consideram um louva-a-deus um sinal de sorte e em uma visão espiritual o louva-a-deus representa a paz e a harmonia com o planeta, além de significar um estado de calma, quietude, concentração e foco. A vida útil de um louva-a-deus vai variar conforme a espécie; os menores podem viver de 4 a 8 semanas, enquanto as espécies maiores podem viver de 4 a 6 meses. Em cativeiro a vida útil de um louva-a-deus é de até dois anos.

A maior diversidade de espécies de Mantodea é encontrada na região tropical da África, com cerca de 900 espécies descritas. Até 2010 eram  conhecidas cerca de 270 espécies de Mantodea no Brasil. Há estimativas de que existam de fato cerca de 3.500 espécies distribuídas no mundo e 700 distribuídas no Brasil. Há fósseis da Ordem Mantodea que datam do Cretáceo Inferior (entre 100 e 135 milhões de anos atrás), encontrados na Rússia, no Brasil, no Líbano e em Mianmar.

O nome louva-a-deus é porque quando o inseto está pousado, as pernas anteriores lembram uma posição de mãos em oração. Em civilizações antigas, como a grega, a egípcia e a assíria o louva-a-deus era considerado um animal com poderes proféticos e sobrenaturais, capaz de identificar a localização de objetos, animais ou pessoas perdidas em florestas. Na China há uma veneração a este inseto e há até mesmo estilos de Kung-Fu que se inspiraram nos movimentos dele.

O voo do louva-deus é comparado a voos de caças de guerra, podendo desviar de ataques de morcegos, fazendo mergulhos durante o voo. O voo é mais comum nos machos. É possível que haja uma significativa capacidade de memorização e aprendizagem, o que se insere na complexidade de comportamentos do grupo que envolve os tipos de louva-a-deus. Há pessoas que tem louva-a-deus como animal de estimação. Nenhum louva-a-deus é venenoso.

O corpo deste inseto é dividido em cabeça triangular apoiada em um pescoço flexível (algumas espécies conseguem virar suas cabeças em até 180º), tórax dividido em protóraxmesotórax e metatórax e abdômen bem desenvolvido. A cabeça e as pernas dianteiras ficam ligadas ao protórax, que é flexivelmente articulado. Há 10 tergitos no abdômen (que é maior nas fêmeas). As pernas dianteiras são adaptadas para agarrar as presas. Em relação aos olhos, o louva-a-deus tem dois olhos compostos bulbosos e três pequenos olhos simples . Há um par de antenas, que, quando o inseto move ou vira a cabeça, atuam como sensores que ajudam na busca de sua comida . Apresenta aparelho bucal com mandíbulas fortes. Com relação às asas, os mantódeos podem ser caracterizados como sendo macrópteros (de asas longas), braquípteros (de asas curtas), micropartos (com asas vestigiais) ou ápteros (sem asas). Os hábitos de caça são essencialmente diurnos. Mas há espécies que voam à noite atraídas por luzes artificiais. O voo noturno é mais adequado para proteção contra predadores e para os machos localizarem as fêmeas, que tem um tipo de feromônio. Os olhos têm oito tipos de células fotorreceptoras, ajudando na visão noturna. Há espécies de louva-a-deus que tem um órgão auditivo torácico que os ajuda a evitar os morcegos, detectando suas chamadas de ecolocalização.  

A visão do louva-a-deus é estereoscópica, percebendo então três dimensões, e podendo identificar suas presas pelo olhar.Tem visão binocular a longo alcance, possuindo um par de olhos compostos que estão dispostos lateralmente na cabeça,sendo que sua visão estereoscópica é mais precisa a curta distância. Cada olho possui cerca de 10 000 omatídeos, estando organizados de tal forma que existem regiões diferentes nos olhos. Graças a uma pequena área, chamada de fóvea, que possui maior acuidade visual do que o resto do olho, o louva-a-deus tem maior acuidade visual , o que lhe permite gerar uma maior resolução e, caso necessário, identificar presas. Há omatídeos que absorvem luz, enquanto os outros ao redor apenas a refletem. Os omatídeos que não compõem a fóvea, os periféricos, são usados para detectar movimento. Quando este é percebido, os mantódeos movem sua cabeça de forma que ela esteja de frente para a presa e continuam a rastreando desta forma caso ocorra mais movimentação. É a organização de seus olhos que dá ao louva-a-deus esta capacidade. A forma, o contorno, a cor, o movimento e a textura da presa possibilitam sua percepção, sendo os fatores mais influentes o formato e o movimento.

O formato da presa é muito importante no processo de reconhecimento. Presas maiores são mais fáceis de identificar. Para encontrar presas em ambientes que possibilitam a camuflagem das presas, é importante a influência da cor e da textura. A percepção se dá por causa do contraste de brilho e o próprio contraste cromático ou acromático do objeto em relação ao fundo em que se encontra. Em certas espécies de louva-a-deus, existem possíveis presas que são evitadas porque possuem certas substâncias ou tem determinadas estruturas que podem fazer mal ao louva-a-deus. Esta atitude de aversão se dá pela percepção de certas colorações ou de determinados padrões. Porém, os louva-a-deus não podem ouvir como a maioria dos insetos. Em vez disso, um louva-a-deus só pode sentir vibrações.

Os mantódeos agem como predadores de emboscada e há espécies que perseguem ativamente suas presas. Entre os tipos de presas que servem de alimento estão moscas, mariposas, borboletas, grilos e gafanhotos, além de lagartos, pequenos pássaros e até pequenos mamíferos.

Para se proteger de predadores como corujas, sapos, macacos e morcegos e para capturar suas presas, o louva-a-deus muitas vezes se camufla em folhas, galhos e flores. Para capturar sua presa, utiliza suas pernas anteriores , que tem características de garras, para segurar enquanto a consome. Há pessoas que utilizam mantódeos para controle de pragas em vez de inseticidas.

Pode haver casos de canibalismo após o acasalamento. A fêmea, principalmente se estiver mal alimentada, pode comer a cabeça do macho. A fêmea depois do acasalamento põe de 10 a 400 ovos, com a proteção de uma cápsula endurecida feita de uma espuma produzida por glândulas do abdômen. Estes ovos podem ser depositados no chão, superfície plana ou enrolada em uma folha. Há algumas espécies em que a fêmea fica perto da capsula para protegê-la contra predadores como alguns tipos de vespa. O louva-a-deus nasce como uma ninfa após sair da cápsula. Passa então por etapas, desenvolvendo-se de forma gradativa. Somente quando chega a fase adulta é que surgem  asas . Mas nem todos tem asas.

Em crenças populares, há um simbolismo ligado ao louva-a-deus. Árabes e Turcos acreditam que o louva-a-deus “reza” sempre com a face apontando para Meca. Em regiões da França e de Portugal era dito que o louva-a-deus era uma espécie de guia. Em áreas do norte do Brasil há a crença de que pode dizer qual o sexo de um bebê que uma mulher grávida espera. E também há o uso das substâncias que a fêmea do louva-a-deus produz na liberação de ovos na medicina popular para tosse, doenças renais, dores de ouvido, frieiras etc.

O louva-a-deus-chinês e o  louva-a-deus-europeu, foram espécies introduzidas deliberadamente na América do Norte para controle de pragas nos Estados Unidos e Canadá. Estas espécies se espalharam. Mas o controle de pragas por louva-a-deus é algo que tem suas limitações e há o risco de o louva-a-deus devorar espécies úteis à polinização.

___________________________________________________

O parasita do louva-a-deus

Há um parasita que pode entrar no organismo do louva-a-deus e se desenvolver no inseto e controlar seu sistema nervoso com o objetivo de sair  e procurar um parceiro para reprodução. É um verme de água doce que parasita o louva-a-deus quando ele come um hospedeiro intermediário. Quando entra no organismo do louva-a-deus, pode ficar de 1 a 8 meses, dependendo da espécie de verme. Aí nesta fase vai se alimentando de órgãos internos do louva-a-deus, mas mantendo-o vivo até ser a hora de sair, quando direciona o inseto até a água para que possa então deixar o hospedeiro que muitas vezes morre ou então pode ficar com dificuldade de se reproduzir ou ficar estéril.


 __________________________________________________


Segundo pesquisadores, há aspectos do louva-a-deus que precisam ser mais estudados. As questões de aprendizagem e de memória são objetos de pesquisa. Roberto Battison, entomólogo no Musei del Canal di Brenta, na Itália, disse a respeito deste inseto: “Os olhos de um louva-a-deus não funcionam como os nossos”. Eles veem movimento melhor do que formatos e cores(...)”. Para o cientista Svenson sobre os louva-a-deus: “Acho que só estamos começando a aprender sobre eles.”

 

Sugestão de vídeos:

Louva a Deus Caçando | Curiosidades Sobre Insetos no Mundo Animal | Louva a Deus Atacando - Mantis

https://www.youtube.com/watch?v=9p_Upav1hXA

 


Louva-a-deus - Inseto do Sertão - YouTube

 

https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=Louva-a-deus+-+Inseto+do+Sert%C3%A3o+%28youtube.com%29

 

___________________________________________________

 

Márcio José Matos Rodrigues

 

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+mantis#vhid=zIVZAzQR8XtR7M&vssid=

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+mantis#vhid=zIVZAzQR8XtR7M&vssid=


domingo, 11 de fevereiro de 2024

O Mangusto

 






O mangusto é um animal mamífero carnívoro, da Família Herpestidae. Existe em lugares da África, da Ásia e da Europa. Os mangustos estão agrupados em um mesma família, com uma vasta diversidade de gêneros.Um dos grupos é chamado comumente de suricatos, que é um gênero dentro da mesma família. São 14 gêneros e 33 espécies de mangustos. Taxonomicamente o mangusto está relacionado até o nível de subordem com o grupo Viverridae.

Os mangustos tem uma peculiar agilidade e habilidade para caçar. Na maioria das vezes o mangusto é uma espécie pequena, existindo algumas  exceções, e geralmente terrestre. Há uma tendência de agir sozinho, mas há ocasiões de caça em grupo.


Os mangustos tem comprimentos no geral entre 23 e 75 cm e peso que varia entre 1 a 6 kg. Quanto à cor, podem ser cinzas ou de cor marrom com intensidades diversas. Algumas espécies podem apresentar listras. A pelagem não é muito longa e cobre todo o corpo, inclusive a cauda. O focinho é pontudo e a cabeça é pequena, assim como nariz e orelhas, estas com a particularidade de serem eretas. Possuem glândulas anais que emitem um odor desagradável e garras não retráteis.


Há mangustos que tem hábitos solitários e algumas espécies chegam a formar colônias de até 50 indivíduos e estas espécies tem um sistema complexo de tocas. Quando estão em bando podem se comunicar entre si por meio de algumas vocalizações próprias e bem discretas ou pelo odor, devido ao líquido de suas glândulas anais seja para informar  o seu território ou para indicar que está apto para a reprodução.

São geralmente terrestres, porém alguns podem ser arborícolas. Quando habitam perto de cursos de água podem nadar para conseguir se alimentar. Possuem hábitos diurnos. Os mangustos alimentam-se de pequenos mamíferos, aves, ovos, répteis, peixes, caranguejos, uma extensa variedade de insetos, e algumas espécies também podem consumir frutas. Vivem em variados ecossistemas como bosques tropicais, savanas, desertos, pastagens, áreas pantanosas, margens de rios e lagos.

Há tipos de mangusto que tem capacidade de matar e devorar certas espécies de cobras venenosas. São muito ágeis para escapar de ataques de serpentes e a pelagem também ajuda a protegê-los. O próprio organismo do mangusto é diferenciado, havendo estudos que dizem que há nele um tipo de molécula que ajuda o mangusto a ter resistência contra o veneno de cobras.

 

Os tipos de mangustos geralmente tem um período de gestação pode durar de 42 até 105 dias, com ninhadas na maioria das vezes com dois filhotes, embora possa haver casos de até mais, com até cinco. A maturidade sexual vai ser atingida , conforme o tipo,  entre 9 meses a dois anos.

 

Muitas espécies não estão em risco de extinção. Porém é preciso atenção com as espécies Bdeogale jacksoni e Bdeogale crassicauda, que se enquadram nas categorias de quase ameaçado e vulnerável, respectivamente. Isso ocorre principalmente devido à alteração do habitat desses animais.

Há casos como na Índia em que, mangustos convivendo desde cedo com o ser humano podem ter um relação amistosa com este e podem livrá-lo de roedores que infestam uma casa. Porém é uma espécie selvagem e carnívoro, não sendo recomendável tê-lo como animal de estimação, podendo mesmo atacar e reduzir a população de outras espécies de animais, como ocorreu na Jamaica, onde foi introduzido para caçar ratos e que atacou também espécies animais originárias da ilha, levando até algumas à extinção.

Sugestão de vídeos:

QUANDO O MANGUSTO E COBRAS SE ENCONTRAM

https://www.youtube.com/watch?v=mBlpH1Rmosg


Cobra vs. Mongoose | National Geographic

https://www.youtube.com/watch?v=vdg9gkmWsEA

 

Márcio José Matos Rodrigues


Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+mangusto#vhid=CfEnLBrNJXYQZM&vssid=l


segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

Poesia: Janeiro já vai


 

 

Janeiro,

O primeiro,

Acaba,

Para um jardineiro,

Como um mais um mês de flores,

No canteiro.

Para outros é um ninho ,

De caba,

E a baba

Do canino,

Deixa aflito o escoteiro.

Será raiva,

Ou só um problema corriqueiro?

Já há quem pense,

Na folia,

Em fevereiro;

Natal ficou para trás,

Um apaixonado rapaz,

Lembra  dela.

Foi o amor que deixou seu cheiro

No travesseiro.

Rapaz deixa de mágoas,

As águas,

Que caem,

São lágrimas do céu,

De  algum deus

Do Olimpo?

Só sei que Zeus,

O soberano,

Continua rindo.

Começou o ano,

A calçada está molhada,

Não, não é cano,

Que furado faz jorrar,

É chuva que veio

Para batizar

O ano novo.

O patinho sai do ovo,

O folião já toca seu pandeiro;

Pingos de chuva molham o seio,

Da noiva do padeiro,

Que não tendo trigo,

Faz o pão de centeio!

É isto meu amigo,

E minha amiga,

Da Terra do Meio.

Há quem diga,

Que Janeiro suspira

Pelo fim que chega.

Não, cara!

Não pira,

Mesmo te faltando dinheiro.

Deve existir um jeito!

E a pipira?

Fez um ninho

No teto do banheiro!

Não lamentes que janeiro parte,

Toma um vinho

E faz uma arte.

Dizem que mora uma linda vampira,

No prédio vizinho.

Garotinho,

Não vai para lá,

Que ela chupa teu sangue

Todinho!

 

Márcio José Matos Rodrigues

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagem+de+uma+linda+vampira

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

Belém 408 Anos

 






Belém,

Mais um ano!

Jovem,

No mundo;

Senhora

No Brasil.            

Menina vem te embora

Para Belém do Pará!

Belém a chuva cai agora

Em Janeiro,

Mês de teu aniversário.

Viajo nos meus sonhos numa canoa,

No Guamá,

O rio

Que te ama,

Que te banha.

O cabelo da formosa moça se assanha

Com o vento que sopra

Lá da baía de Guajará.

O paraíso

Está na Ilha do Mosqueiro.

Belém tens um especial sorriso,

Nas tardes da orla de Icoaraci.

Tens o cheiro

Do tucupi!

O sabor dos teus beijos

É do bacuri.

No meu sonho vi o Boitatá

Nas matas da Ilha do Cumbu;

Vi o Saci

Tomando tacacá,

No bosque;

A Iara chupando manga

Na Praça da República;

E a Matinta rindo,

Tomando suco de cupuaçu,

Fascinada pelo sol se pondo,

Tão lindo,

Na Estação das Docas.

Na Praça Batista Campos

À noite beijam-se bocas,

Enquanto dormem as garças.

Ah! Belém da maniçoba,

No Ver-o-Peso tem

Peixes, ervas cheirosas e tantas coisas.

Belém e suas praças!

As mangas caem nas ruas

E os garotos pegam de graça!

Belém parabéns!

Belém 408 anos!

Em parte lusitana,

Com toques franceses

E italianos.

Belém com ritmos africanos

E essência cabocla.

Brinca o menino

Debaixo de chuva forte.

O açaí Belém é teu vinho,

Tu és a gentil dama do norte!

Márcio José Matos Rodrigues

 

Figura: https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=imagens+de+Bel%C3%A9m+do+par%C3%A1