quarta-feira, 31 de março de 2021

O compositor russo Sergei Rachamaninov

 





No dia 28 de março de 1943 falecia nos Estados Unidos um dos grandes destaques do estilo romântico na música erudita do Ocidente, o compositor, pianista e maestro russo Rachmaninov. O seu nome todo era Sergei Vasilievich Rachmaninov . Ele nasceu e, Semyonovo, próximo a Novgorod, no Império Russo, em primeiro de abril de 1873. Foi um ótimo pianista e tinha o talento de logo na primeira audição poder executar composições complexas. Apesar de ter recebido após a sua morte algumas severas críticas como a do Grove Dictionary of Music and Musicians, o compositor foi recohecido em sua grandeza por outros especialistas. Harold Schoberg disse em seu livro A Vida dos Grandes Compositores sobre tal crítica: "figura entre as mais esnobes e estúpidas jamais encontradas em um livro que supostamente deve ser objetivo”.

A popularidade de Rachmaninov passou a crescer desde a segunda metade do século XX, tanto entre os entendidos da música como entre simples ouvintes. Obras dele mais complexas(sinfonias, trabalhos orquestrais, canções e música de coral) foram muito elogiadas por sua qualidade, como também as obras mais populares (para piano). Seus trabalho tem como característica a melancolia, assim como um estilo romântico tardio. Há influência de Tchaikovsky e também nota-se que foi influenciado por Chopin e Liszt. Outras influências foram as músicas de Balakirev, Medtner e Henselt. Sobre  as características físicas e de personalidade de Rachmaninov: “Era um homem alto, tímido e sem desenvoltura, que se refugiava ma própria impenetrabilidade. Mas tinha o caráter afável e bondoso. Triste e solitário, Rachmaninov se definia como um sentimental indolente_ embora a paixão pela música o tenha transformado em trabalhador incansável. Era de pouco falar e, ao entusiasmo pelo que tivera na juventude, sucedeu, mais tarde, certo desapego por tudo o que estivesse além do círculo familiar, ao qual vivia muito apegado”. ...”(Mestres da Música, Abril Cultural,1982)

Rachmaninov veio de uma família nobre, com antepassados tártaros e que tinha ligação com os czares a partir do século XVI. O pai dele era Vassili Rachmaninov, um ex-militar de família rica e a mãe era Lubov Petrovna Butakova, filha de militar. Seus pais sabiam tocar piano e sua mãe lhe deu os primeiros ensinamentos no piano.  Era o terceiro entre seis irmãos. O verdadeiro interesse do pai era que o filho seguisse carreira militar. O pai era descuidado com as finanças e a família teve de se mudar para São Petersburgo. Sobre a infância e o amadurecimento: “Embora descendente de uma família aristocrática em ruínas e apesar da separação de seus pais quando ainda era criança, Sergei Rachmaninov teve a infância e a adolescência felizes. Mas cresceu um homem triste, avesso ao brilho mundano e muito apegado à família, aos pequenos prazeres e velhos hábitos. Foi particularmente talentoso como pianista e sua fama ultrapassou as fronteiras europeias...”(Mestres da Música, Abril Cultural,1982)

Em São Petersburgo Sergei Rachmaninov passou a estudar no Conservatório de lá. Depois foi estudar em Moscou e estudou piano com Nikolai Zverev e Alexander Siloti. Estou também harmonia com Anton Arensky e contraponto com Sergei Taneyev. Sobre esse período: “Foi em Moscou que Rachmaninov iniciou sua carreira de músico. Ali teve como companheiros Lévine e Scriabin, e conheceu Anton e Nikolai Rubinstein, Piotr e Modest Tchaikovsky. Zverev queria que seus alunos recebessem formação integral, levando-os a concertos e ao teatro. Rachmaninov também estudou harmonia com Ladukhin, composiçao e fuga com Arensky. Outro professor importante foi Sergei Ivanovitch Taneyev, que ensinava contraponto no Conservatório de Moscou. Seus conhecimentos musicais eram considerados extraordinários, mas o que ele deixou marcado em Rachmaninov foi o caráter incorruptível e o exemplo de uma vida severa e íntegra.” ...”(Mestres da Música, Abril Cultural,1982)

Na sua juventude passou a mostrar seu talento para compor. Ainda estudante escreveu uma ópera de um ato (Aleko) e ganhou uma medalha de ouro pela composição. Logo depois compôs seu primeiro concerto para piano, um conjunto de peças para piano, Morceaux de Fantaisie, incluindo aí o famoso Prelúdio em Dó Sustenido Menor, composto quando ele tinha 19 anos. E nessa idade ele completou o Concerto para Piano No. 1 (revisado por ele em 1917). Ele também se destacava como pianista.

Em 27 de março de 1897 estreou a Sinfonia Nº 1. A crítica não acolheu bem essa peça. O membro do Grupo dos Cinco, César Cui, que não admirava Rachmaninov, comparou  a Sinfonia Nº 1 a uma descrição das dez pragas do Egito, tendo sugerido que seria admirada em um conservatório de música no inferno. Segundo pesquisadores, o problema foi com o maestro que regia a sinfonia, que não se saiu bem na condução da peça. As críticas a sua sinfonia e a oposição de religiosos ao seu casamento com a prima Natalia Satina, levou o compositor a uma crise nervosa e a uma depressão. Nesses tempos ele conheceu o escritor Tolstoi que lhe disse: “Por acaso você imagina que tudo em minha vida caminhou sobre rodas? Por acaso supõe que não tive problemas, que nunca tenha duvidado nem perdido a confiança em mim mesmo? Você pensa de fato que a fé é sempre igualmente forte? Todos nós temos momentos difíceis, a vida é assim. Levante a cabeça e prossiga no caminho que lhe foi assinalado. Você deve trabalhar e fazê-lo diariamente”.

Ficando alguns anos sem compor, por meio do apoio do psicólogo Nikolai Dahl Rachmaninov recuperou sua auto-estima. Assim, revigorado, ele compôs o Concerto para Piano No. 2, dedicado ao seu terapeutaRachmaninov foi o solista e a sua composição foi bem recebida pelo púbico, sendo nos dias de hoje ainda uma de suas obras mais populares. Com finalmente obtendo a permissão oficial para seu casamento com sua prima em 1902, ele se sentiu ainda melhor. Em 1903 nasceu a primeira filha, Irina. Em 1904 ele foi nomeado maestro da Orquestra do Teatro Bolshoi. Nessa orquestra fez várias inovações. No mesmo ano ele concluiu duas obras de sucesso: O Cavaleiro Avaro e Francesca da Rimini. Em 1906 foi para a Itália e depois para Dresden em novembro, onde ficou por três anos. Nos verões passava um tempo no sul da Rússia onde ele compunha e se sentia ligado à terra e aos camponeses. Em Dresden, na Alemanha, ele compôs a Primeira Sonata para Piano, o poema sinfônico A Ilha dos Mortos e a Segunda Sinfonia.

Em 1907 se apresentou com sucesso em Paris e nasceu sua segunda filha. Em 1909 Rachmaninov apresentou-se pela primeira vez nos Estados Unidos. Lá ele apresentou seu Concerto para Piano Nº 3. Ele foi bem sucedido e se tornou popular nesse país. No ano de 1910, na Rússia, a escritora Marieta Shaginian o ajudou na seleção de textos poéticos para canções e escreveu artigos falando bem do compositor. 

Com a eclosão da Revolução Bolchevique de 1917, Rachmaninov foi para Estocolmo, na Suécia, em dezembro, foi para a Dinamarca e depois para a Finlândia e então da Noruega foi para os Estados Unidos. Fixou-se em Nova York. De 1919 foi concertista em salões por vários países e sua situação econômica melhorou. Não compôs muito. São dessa época em que ele deixou a Rússia as obras Quarto Concerto para PianoTrês Canções Populares Russas, Variações sobre um tema de Corelli , a Rapsódia sobre um Tema de Paganini, a Terceira Sinfonia e as Danças Sinfônicas, Opus 45. Ele também fez gravações para Thomas Edison em 1919, usando um piano vertical. Assinou um contrato com a gravadora Victor Talking Machine Company até fevereiro de 1942. Uma escola de música foi fundada por ele e outros exilados russos em Paris em 1931.

Em 1942 Rachmaninov ficou muito doente enquanto estava se apresentando em concertos e foi diagnosticado como câncer. Ele passou a morar em Beverly Hills, na Califórnia. O último recital dele foi em 17 de fevereiro de 1943 em Knoxville, Tennessee. Ele tocou a Sonata N° 2 em Si Bemol Menor, de Chopin, que contém uma marcha fúnebre. Ele nessa época encontrava-se melancólico.

Quando morreu, em 28 de março de 1943, em Beberly Hills, Rachmaninov estava perto de fazer 70 anos. Foi enterrado no Cemitério de Kensico, no Estado de Nova York. 

Citações:

“Não sou um compositor que produz obras de acordo com fórmulas de teorias preconcebidas. Sempre senti que a música deve ser a expressão da completa personalidade do autor; não deve ser criada cerebralmente, com medida exata, para adequar-se a certos moldes preestabelecidos”. (Rachmaninov)

“Um dos mais refinados pianistas de seu tempo, o russo Sergei Rachmaninov foi um dos últimos representantes do romantismo tardio. Apaixonado pela Escola Russa de Composição, principalmente pela obra de Tchaikovsky e de Korsakov, Rachmaninov foi encontrando com o tempo o seu próprio idioma: lírico, romântico e expressivo.

Ele viveu situações paradoxais: esbanjava talento compondo ou tocando, mas não dispunha da mesma facilidade para manter o equilíbrio emocional. Por causa disso, ficou muito tempo sem tocar ou compor e só voltou à ativa graças a uma terapia de autossugestão. Depois da Revolução Russa, foi para os estados Unidos, onde permaneceu até a morte. Em mais de 25 anos de “exílio”, compôs somente seis peças.

Sua expressividade e elegância ao piano o colocaram em posição de destaque no cenário musical. Sua escrita, no entanto, era muito criticada pelos grandes compositores e intelectuais da época. Não raramente, ele era chamado de antiquado e démodé. Porém o lirismo de sua música e suas melodias tocavam a todos os ouvintes, assim como suas harmonias amplas e a orquestração requintada e brilhante. Hollywood colocou um de suas obras mais célebres, a Rapsódia Sobre um Tema de Paganini, no topo dos grandes sucessos da década de 1980, ao incluí-la na trilha do filme “Em algum lugar do Passado...”

Roberto Minczuk, maestro brasileiro e titular da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo ( Grandes Compositores da Música Clássica, Rachmaninov, Abril Coleções).

 

Sugestão de vídeos:

Em Algum Lugar do Passado (Somewhere in Time) John Barry

https://www.youtube.com/watch?v=hWijW4_sKlM

 

Rachmaninov - Rapsódia sobre um tema de Paganini (Giuliano Montini, OSESP, reg. Tibiriçá) (1992

https://www.youtube.com/watch?v=4fOuBdUwCsw

 

Rachmaninov: Piano Concerto no.2 op.18 - Anna Fedorova - Complete Live Concert - HD

https://www.youtube.com/watch?v=rEGOihjqO9w

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História


Figura:

https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk005uqFuIyc5AakhNg9smYBcXjKflw:1617209709004&source=univ&tbm=isch&q=imagem+de+rachmaninov&sa=

 

domingo, 28 de março de 2021

Os compositores russos Rimsky-Korsakov e Mussorgsky


Encerrando meus artigos de março de 2021 resolvi escrever sobre dois grandes compositores russos, Rimsky-Korsakov e Mussorgsky, ambos nascidos em março







1-    Rimsky-Korsakov

Em 18 de março de 1844, nasceu o militar, professor, teórico musical, maestro e compositor Nikolai Andreyevich Rimsky-Korsakov, em  Tikhvin, 200 km ao leste de São Petersburgo, no Império Russo. Oriundo de uma família aristocrática com tradições navais, sua mãe tinha algumas noções de como tocar piano e o pai tocava canções no mesmo instrumento. Seu irmão Voin Rimsky-Korsakov destacou-se na marinha russa. Bem pequeno ficou impressionado com danças populares apresentadas em reuniões familiares.

Suas primeiras aulas foram com professores locais. Aos dez anos começou a compor. Aos doze anos ingressou na Marinha Imperial Russa e passou a estudar na Escola de Ciências Matemáticas e Navegação de São Petersburgo. Aos 18 anos começou sua vida como oficial e servindo no navio Almaz conheceu cidades como Nova York, Londres e Rio de Janeiro. Durante tempos de folga em suas longas viagens ele fazia composições musicais. Quando estava em terra na Rússia, se integrava ao mundo musical de São Petersburgo.

Ele fez parte do grupo de compositores chamado Grupo dos Cinco, no qual também faziam parte também Mily Balakirev, Aleksandr Borodin, César Cui e Modest Mussorgsky. Ele foi reconhecido como um mestre em orquestração. Ele contribuiu, junto com outros expoentes russos da música, para o progresso de um estilo nacionalista da música erudita. Usava contos de fadas e cantos populares tradicionais russos nas suas composições. Um exemplo disso é a sua obra Scheherazade. Também empregou elementos harmônicos, melódicos e rítmicos exóticos, que eram práticas chamadas de Orientalismo musical, evitando a metodologia tradicional de composição ocidental. Entretanto, Korsakov deu importância às técnicas ocidentais quando  foi professor (desde 1871), de composição, harmonia e orquestração musical no Conservatório de São Petersburgo. O fato de ser bem jovem e assumir um posto de destaque no Conservatório causava algumas críticas. A participação no Grupo dos Cinco também não era bem vista por parte da sociedade da época, pois era um grupo questionado por elementos mais conservadores na área da música.  Ao ter descoberto as obras do compositor Wagner suas técnicas de composição e orquestração melhoraram . Estudou por conta própria o contraponto e a harmonia ocidental, tendo influências de Mikhail Glinka e de componentes do Grupo dos Cinco. Teve alunos de posterior sucesso como Prokofiev e Stravinsky.

Korsakov  procurou conciliar suas atividades na marinha com suas carreiras na composição e no ensino. Foi inspetor das bandas navais de música, função que possibilitou a ampliação seu conhecimento a respeito de instrumentos de madeira e de metal, ajudando sua capacidade de orquestração, conhecimento que transmitiu depois a seus alunos. Tinha paixão pelo mar desde sua infância, quando lia livros e ouvia sobre as aventuras de seu irmão mais velho na marinha. Tal amor pelo mar possivelmente influenciou na composição de duas obras mais conhecidas (Sadko e Scheherazade). Sobre técnicas de orquestração escreveu "Princípios de Orquestração”, concluído por seu genro Maximilian Steinberg.

Foi ainda quando estava na Marinha Imperial que ele escreveu sua Sinfonia No. 1, que caiu no agrado do público. Em 1871, passando a servir em terra, mudou-se para o apartamento de seu irmão, o qual chegou a dividir com o amigo também compositor Mussorgsky.Casou com a pianista e compositora Nadejda Nikolayevna Purgol'd em 1872. Antes de deixar a marinha em 1873 compôs a primeira versão da peça orquestral Sadko e a ópera A donzela de Pskov.Korsakov percebia que precisa aperfeiçoar sua formação musical e pediu conselhos a Tchaikovsky, que era criticado pelo Grupo dos Cinco. A partir de então, Korsakov elaborou para si um forte plano de autoestudos musicais, por três anos.

Além de composiçoes nacionalistas russas, usando muita criatividade e originalidade, Korsakov também fez arranjos de obras de Os Cinco. Participou da formação de uma geração de jovens músicos e compositores, tendo influência sobre esses compositores. Seu estilo tomava como base os compositores Liszt, Berlioz, Balakirev e Glinka e serviu de influência a compositores que não eram russos como Respighi, Dukas, Debussy e Ravel.

Trabalhou como diretor de concertos do Conservatório Livre e regente de concertos. Estudou música da Igreja Ortodoxa Russa quando estava trabalhando na Capela da Corte e nessa época praticava a natação.

Korsakov, a partir dos anos de 1890, foi responsável pela composição de doze títulos líricos, como Mlada, A noiva do czar e sua grande obra O galo de ouro. Passou a fazer apresentações como maestro em países europeus, como em Paris em 1899, quando estava acontecendo a Exposição Universal. Por ter criticado dirigentes do Conservatório ele foi demitido em 1905. Em 1906 e 1907 por meio da publicação da ópera O galo de ouro ele criticou a monarquia russa. A ópera só pôde ser apresentada em 1909, depois que o compositor tinha morrido. Ele tinha hábitos considerados diferentes, como jogar futebol durante o rigoroso inverno russo.

Rimsky-Korsakov veio a falecer em 21 de junho de 1908, em Lyubensk, vítima de um ataque cardíaco, aos 64 anos. Teve sete filhos. Seu corpo está sepultado no Cemitério Tikhvin, em São Petersburgo. Entre suas obras estão quinze óperas como Kashchei, o imortal  e  O conto do czar Saltan; composições orquestrais como a suíte sinfônica Scheherazade, Capricho Espanhol e a abertura de A Grande Páscoa Russa; além de dezenas de canções, arranjos de músicas folclóricas, música de câmara e piano, como também obras para corais. Korsakov também revelou talento em adaptações orquestrais de Mussorgski (Boris Godunov)  e Alexander Borodin (O Príncipe Igor).

Sugestão de vídeo:

The Best of Rimsky-Korsakovhttps://www.youtube.com/watch?v=KOEX-8GhicU


2-Mussorgsky





 

No dia 21 de março de 1839, em Karevo, Pskov, Império Russo, nasceu o compositor e militar russo Modest Petrovich Mussorgsky, filho de um rico proprietário. Quando criança escutava canções folclóricas russas, o que o incentivou depois a improvisá-las no piano.

É considerado um dos membros do chamado Grupo dos Cinco, um grupo nacionalista, durante o período romântico, embora Mussorgsky tenha dito não ser de nenhum dos grupos musicais que existiam no seu tempo, "nem pelas idéias musicais nem pelo caráter de sua arte" (palavras dele próprio). Uma de suas características principais foi de ter sido um compositor sobre a história da Rússia medieval. Na infância passou a ter aulas de piano e estudava em colégios militares, tendo entrado na Escola Imperial de Cadetes em 1852. Aprendeu técnica musical em 1856, no Regimento de Guardas, com Balakirev e nos próximos dois anos conheceu pessoas da intelectualidade russa como Vladimir Stasov, Aleksandr Dargomyzhsky e César Cui. Abandonou a vida militar com o objetivo de se dedicar exclusivamente à música, tendo tido dificuldades financeiras, passando a exercer um cargo no serviço público com  baixa remuneração. De início teve muita influência da música de Balakirev e da música do Ocidente. Dessa época é a ópera Édipo em Atenas. Depois, com seus próprios estudos, foi modificando seu estilo. Chegou a trabalhar na ópera Salammbô, que não foi terminada.   

A mãe de Mussorgsky morreu em 1865 e ele deixou-se levar pelo alcoolismo. Ele teve problemas psicológicos sérios em 1858 e em 1860 e sua família arruinou-se financeiramente. Arrumou um emprego público em 1863 e foi demitido em 1867.

Compôs a peça orquestral Uma noite no Monte Calvo em 1867. Sua ópera mais conhecida, Boris Godunov, baseada no drama homónimo de Pushkin e na História do Estado Russo de Karamzin, ele começou a compor aos 29 anos de idade. Ele utilizou o ritmo da fala dos mujiques e não melodias líricas, com harmonias expressivas, embora diferenciadas e dando importância a coros e personagens populares. Essa obra despertou uma polêmica. Após alterações de Mussorgsky e Rimski-Kórsakov, a ópera estreou em 1873. Em 1878 somente alguns trechos foram apresentados.

O alcoolismo começou a prejudicar Mussorgsky em sua criatividade. Dois projetos dele não foram concluídos: a ópera histórica Khovanshchina(1872-1881) e uma ópera cómica A Feira de Sorótchintsy, baseada no conto homónimo de Gogol. Em junho de 1874 compôs a suite para piano Quadros de uma Exposição, uma obra com base em uma mostra de desenhos do arquiteto e pintor Viktor Hartmann. No período de 1875 a 1877 Mussorgsky compôs o ciclo Canções e danças da morte, obra com características exóticas e orientais. Nessa época a perda de parentes acentuam o alcoolismo do compositor, que foi demitido de um emprego público em 1880. Foi internado em 1881 em um hospital e morreu solitário e pobre em 28 de março de 1881, aos 42 anos de idade. Foi sepultado no Cemitério Tikhvin do Monastério Alexandre Nevsky em São Petersburgo. Entre suas obras estão os ciclos de canções O quarto das crianças (1868-1872); Sem sol (1874) e Canções e danças da morte (1875-1877). Entre as óperas: Salammbô (fragmentos); O Casamento , primeiro ato; Khovânshchina (1872-1881), completada, instrumentada e editada em determinados momentos pelos compositores Rimski-Kórsakov, Ravel, Stravinski, Pavel Lamm e Shostakovitch; A Feira de Sorotchintsy, completada e instrumentada em certas partes pelos autores Cui, Liádov, Karatýguin, Tcherepnín, Lamm e Vissarión Shebalín. 

Mussorgski afirmava que a arte era um meio de comunicação com os outros homens e não um fim em si mesmo. Sua técnica tinha, segundo críticos, um caráter rude. E companheiros seus o criticaram dizendo ter uma mente fraca. Ele ignorava as regras acadêmicas e o conjunto de suas obras, conforme alguns comentaristas, é a mais original no século 19 em relação à arte russa. Em obras de Mussorgski a harmonia é usada como um instrumento de expressão dramática. Sua obra Boris Godunov é considerada uma obra de síntese, que simultaneamente é lírica e naturalista, com componentes como a harmonia sacra eslava e o ritmo falado das canções, sendo assim a obra um exemplo de realismo popular. Em Quadros de uma exposição, há a sugestão poética. São peças curtas para piano com base em uma exposição de desenhos. Teve interesse pelo realismo e por questões sociais o que refletiu em suas canções “O Seminarista”, “A Saída” e “A Menina Órfã”. Foi um autor com audácia e intuição, com muita sensibilidade pessoal, tomando características populares e as aproveitando em suas obras, extraindo a essência desses elementos para suas composições.

A obra Uma Noite no Monte Calvo conseguiu atrair o público na década de 1940, tendo sido lançada junto à Ave Maria de Schubert, no filme de animação Fantasia, dos estúdios Disney.

Sugestão de vídeo:

Modest Mussorgsky. Pictures at an Exhibition

https://www.youtube.com/watch?v=q7v7102X7d0

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

 Figuras:

https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk03OoTQDhNoCRn71N2B-dj97mbC19A:1616983652533&source=univ&tbm=isch&q=imagem+de+rimsky+korsakov&sa

https://www.google.com/search?q=imagem+de+mussorgsky&sxsrf=ALeKk018FBVv7xzH6WfjpACks9QMFkbR7w:1616983713652&tbm=isch&source=i

 

 


sexta-feira, 26 de março de 2021

O compositor e maestro paraense Waldemar Henrique

 





No dia 29 de março de 1995, morria em Belém, Estado do Pará, o compositor, maestro, pianista e escritor  brasileiro Waldemar Henrique. Foi um artista identificado com o espírito da cidade de Belém. Era filho de  Joana da Costa Pereira, que tinha ancestrais indígenas e do português Thiago Joaquim Pereira.

Waldemar Henrique da Costa Pereira nasceu em 15 de fevereiro de 1905. Sua mãe faleceu quando ele tinha só um ano de idade. Ele passou a ser criado por uma tia, Estefânia Rosa da Costa, que veio a casar-se com seu pai. Foi com o pai para Portugal, tendo passado sua infância na cidade do Porto. Posteriormente três canções de Waldemar seriam inspiradas pela nação lusitana. Quando ele tinha seis anos descobriu-se nele problemas de visão. Na época ele estudava em uma escola portuguesa. Passou a usar óculos que constantemente quebrava ao brincar. Para que parasse de quebrar óculos ele foi proibido de brincar, o que influenciou em sua personalidade, pois tornou-se observador e pensativo. A dificuldade com a visão forçou-o a estar procurando consultar-se com oftalmologistas durante o restante de sua vida.

Voltou de Portugal em 1918. Começou a estudar aos 13 anos piano e solfejo  com a professora Nicota de Andrade. Conheceu vários lugares na Amazônia, tendo contato com a cultura e o folclore amazônicos. Em 1923 a música Minha Terra, foi o primeiro sucesso de Waldemar,  que foi gravada em 1935 por Jorge Fernandes e com maior sucesso ao ser gravada com a voz de Francisco Alves em 1946. Entrou no Conservatório Carlos Gomes em 1929, incentivado pelo maestro e professor italiano Ettore Bosio. Sua carreira na música teve obstáculos, como a questão da visão e o desejo de seu pai que queria que ele fosse bancário. Tornou pianista e diretor artístico da Rádio Clube do Pará no começo dos anos de 1930, escrevendo também para companhias de teatro de revista em Belém.

Em 1933 o jovem Waldemar Henrique mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro e lá estudou música (piano, composição, orquestração e regência). Teve contato com as obras de Noel Rosa, Nássara, Silvio Caldas e Francisco Alves. Algumas de suas canções foram registradas pela gravadora Victor em 1934 (as toadas amazônicas Cabocla Malvada e Foi Boto Sinhá!, a valsa Meu Último Luar e o batuque amazônico Tem Pena da Nega; e Alda Verona grava Meu Amor Exaltação).

Baseou-se em composições inspiradas no folclore amazônico e brasileiro, com influências das culturas nordestina, afro-brasileira e indígena. Parte considerável de suas composições está relacionada à natureza da região, como também às suas histórias e lendas. Passou a viver compondo e suas músicas tinham boa aceitação. Fez mais de cento e cinquenta canções, como também peças para para piano solo, coro, orquestra e música para novela, teatro e filmes. A primeira versão musical de Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, foi feita por Waldemar Henrique, que atuou em rádios, teatros e cassinos do Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. Esteve em outras cidades brasileiras, assim como da Argentina, Uruguai, França, Espanha e Portugal, onde apresentou sua música. Quando esteve em São Paulo conheceu Mário de Andrade, em 1935, que mostrou interesse pela música de Waldemar por causa de temas da cultura regional.

Foi nomeado em 1965 diretor do Departamento de Cultura da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Pará e mais tarde foi diretor do Teatro da Paz por dez anos. Também foi diretor do Conservatório Carlos Gomes.  Um outro teatro de Belém recebeu o nome de Waldemar Henrique. Em 1981 foi eleito para a Academia Brasileira de Música.

Tendo morrido em 1995 aos 90 anos, de causas naturais, em Belém do Pará, Waldemar Henrique teve como algumas de suas mais importantes obras as canções Boi-BumbáFoi Bôto SinháCobra-GrandeTamba-TajáMatintaperêraUirapuruCurupiraFiz da Vida uma CançãoTrem de AlagoasCabocla Bonita entre outras. A canção Tamba-Tajá foi gravada por Fafá de Belém em 1978.

 Algumas letras de canções de Waldemar Henrique

Meu Último Luar

 

Se tu não vens
Sabendo que te espero
Morrendo a suspirar por ti
Andam lírios rezando ao luar
É minha alma que os manda rezar

E tu nao vens
Talvez pressagiando
Que a vida vai findando em mim
Preferiste teu beijo guardar
Para quem melhor te pudesse beijar

Sinto-me morrer nesta desilusão
Deixando em meu jardim
Os lírios a rezar
É o maior consolo do meu coração
Morrer assim, aos poucos
Perante a luz deste luar

Há no meu olhar
Um mórbido langor, a nevoar
Morro sem teu beijo, amor

Se tu não vens
Sabendo que te espero
Morrendo a suspirar por ti
Andam lírios rezando ao luar
É minha alma que os manda rezar

E tu nao vens
Talvez pressagiando
Que a vida vai findando em mim
Preferiste teu beijo guardar
Para quem melhor te pudesse beijar

Sinto-me morrer nesta desilusão
Deixando em meu jardim
Os lírios a rezar
É o maior consolo do meu coração
Morrer assim, aos poucos
Perante a luz deste luar

Há no meu olhar
Um mórbido langor, a nevoar
Morro sem teu beijo, amor

 Ver em: https://www.letras.mus.br/waldemar-henrique/961498/

 

Fiz da Vida Uma Canção

 

Foi depois que teu olhar
Volveu-se para mim
Que senti o coração pulsar

Percebi que minha alma
Vibrava de emoção
Então
- Eu fiz da vida, uma canção!

Meu amor!
Meu amor!
Se dissesses: "Te amo, também"

Meu amor!
Minha vida!
Só pertence a ti, a mais ninguém!

Si eu pudesse concentrar
Toda a luz do teu olhar
Em mim
Enfim

Por beijar
Tua boca
Eu seria capaz de tudo tentar!

 

Ver em : https://www.letras.mus.br/waldemar-henrique/fiz-da-vida-uma-cancao/

 

 

 

Morena

 

Deixei cabana

Deixei meu gado

Pra ver morena

Do meu cuidado

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

Eu já fui preso

Por uma açucena

Só por gostar

Da cor morena

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

A cor morena

É cor de prata

A cor morena

É que me mata

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

Eu já fui preso

Por uma açucena

Só por gostar

Da cor morena

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

[Solo]

 

Deixei cabana

Deixei meu gado

Pra ver morena

Do meu cuidado

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

Eu já fui preso

Por uma açucena

Só por gostar

Da cor morena

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

A cor morena

É cor de prata

A cor morena

É que me mata

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

Eu já fui preso

Por uma açucena

Só por gostar

Da cor morena

Morena bela

Que tanto amei

A fé mais pura

Eu te jurei

 

 Ver em https://www.youtube.com/watch?v=OW9RtiSL5Rs

 

Foi Boto Sinhá

Tajá-panema chorou no terreiro
Tajá-panema chorou no terreiro
E a virgem morena fugiu pro costeiro

Foi boto, sinhá
Foi boto, sinhô
Que veio tentá
E a moça levou
E o tal dancará
Aquele doutô
Foi boto, sinhá
Foi boto, sinhô

Tajá-panema se pôs a chorar
Tajá-panema se pôs a chorar
Quem tem filha moça é bom vigiá!

Tajá-panema se pôs a chorar
Tajá-panema se pôs a chorar
Quem tem filha moça é bom vigiá!

O boto não dorme
No fundo do rio
Seu dom é enorme
Quem quer que o viu
Que diga, que informe
Se lhe resistiu
O boto não dorme
No fundo do rio...

Ver em https://www.letras.mus.br/waldemar-henrique/388710/

 

 Tamba-tajá

 

Tamba-tajá me faz feliz
Que meu amor seja só meu
Que meu amor seja só meu
De mais ninguém
Que seja meu, todinho meu
De mais ninguém

Tamba-tajá me faz feliz
Assim o índio carregou sua macuxi
Para o roçado, para a guerra, para a morte
Assim carregue o nosso amor à boa sorte
Tamba-tajá

Tamba-tajá me faz feliz
Que meu amor seja só meu
Que meu amor seja só meu
De mais ninguém
Que seja meu, todinho meu
De mais…

 

 Ver em: https://www.letras.mus.br/waldemar-henrique/417562/

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

 


Figura: https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk027K6AcfLk2r8hufqpUFmGMZO2Q2g:1616826270127&source=univ&tbm=isch&q=imagem+de+waldemar+henrique&sa

sábado, 20 de março de 2021

O poeta brasileiro Castro Alves

 







Em 14 de março de 1847, nascia o poeta brasileiro Antônio Frederico de Castro Alves, na Fazenda Cabaceiras, na vila de Curralinho, Cachoeira, na Bahia. Teve o apelido de Cecéu, dado em família. A “mucama” Leopoldina lhe contava historias e lendas do sertão. Ele foi representante da Terceira Geração Romântica no Brasil. É o patrono da cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras. Considerado por críticos como o maior poeta romântico brasileiro. Demonstrou sua indignação por meio de suas poesias em relação aos graves problemas sociais da época. Escreveu poemas como Os Escravos, A Cachoeira de Paulo Afonso e Gonzaga. Poemas assim fizeram com que ele fosse chamado de "poeta dos escravos" e "poeta republicano” por Machado de Assis. Ou como o descreveu Joaquim Nabuco: “nacionalista, poeta social, humano e humanitário”. Afrânio Peixoto disse sobre Castro Alves: "o maior poeta brasileiro, lírico e épico”. Manuel Bandeira por sua vez afirmou sobre ele: "o único e autêntico condor nesses Andes bombásticos da poesia brasileira foi Castro Alves, criança verdadeiramente sublime, cuja glória se revigora nos dias de hoje pela intenção social que pôs na sua obra”.

Castro Alves teve suas primeiras aulas com o professor e curandeiro chamado José Peixoto da Silva. Cursou o primário em São Félix.  O poeta e seu irmão estudaram na cidade de Cachoeira, na classe do mestre-escola Antônio Frederico Loup. Dos tempos sertanejos havia as lembranças do primeiro amor infantil, Leonídia Fraga. Conforme Archimimo Ornelas, as memórias dessa época levaram o poeta a escrever: "Quando a infância corria alegre, à toa (…) Em minha infância refletia-se a tua / Beijei-te as mãos suaves, pequeninas. / Tinhas um palpitar de asas divinas… / Eras — o Anjo da Fé!…";

O pai de Castro Alves era o professor e médico Antônio José Alves e sua mãe era Clélia Brasília da Silva Castro. Tendo sido convidado para lecionar na Faculdade de Medicina em Salvador, em 1854, seu pai vai com a família para essa cidade. Lá o poeta entrou no Ginásio Baiano, onde também estudava Rui Barbosa. Logo cedo Castro Alves seguiu o caminho da poesia. Sua mãe morreu em 1859 e em 9 de setembro de 1860, em uma festa na escola, quando tinha 13 anos, recitou sua primeira poesia em público. Publicou em 1861, ainda estudante no mesmo colégio, versos para homenagear o “mestre do coração” Dom Antônio de Macedo Costa que tinha falecido.

Seu pai casou-se novamente, em 24 de janeiro de 1862 e no dia seguinte Castro Alves e seu irmão José Antônio, embarcam no navio a vapor Oiapoque para a cidade do Recife, pois o poeta iria fazer os preparatórios visando o ingresso na Faculdade de Direito. Nesses tempos Recife estava sendo sacudida pelos ideais abolicionistas e republicanos. O amigo de Castro Alves que acompanhava o poeta nessa época disse sobre ele: "A alma desse menino era de uma pureza inexcedível; a inteligência tinha lampejos que ofuscavam como relâmpago — Hugo em pequeno devia ser assim".

Aos dezesseis anos Castro Alves começou sua maior produção e iniciou seus versos de Os Escravos aos dezessete anos, em 1865. José de Alencar disse a respeito dele: "palpita em sua obra o poderoso sentimento de nacionalidade, essa alma que faz os grandes poetas, como os grandes cidadãos”. Castro Alves se envolveu com destaque na campanha abolicionista assim como Luís Gama, Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco e José do Patrocínio. Teve como influências em suas obras escritores como Victor Hugo, Lord Byron, Lamartine e Henrich Heine.

Após cinco meses na cidade do Recife Castro Alves publicou o poema “A Destruição de Jerusalém”. Por duas vezes foi reprovado ao tentar entrar para a Faculdade de Direito. Durante uma apresentação da peça Dalila no Teatro Santa Isabel, Castro Alves fica fascinado pela atriz portuguesa Eugênia Câmara. Sua primeira poesia sobre a escravidão é publicada no jornal “A Primavera”:

“Lá na última senzala, 
Sentado na estreita sala, 
Junto ao braseiro, no chão, 
Entoa o escravo seu canto 
E ao cantar correm-lhe em pranto 
Saudades do seu torrão.”

Ainda muito jovem começa a sentir os primeiro sintomas de tuberculose, enquanto escrevia uma poesia para Eugênia.  Ficou muito triste com a morte de seu irmão José Antônio que cometeu suicídio em 9 de fevereiro de 1864 e nesse ano foi aprovado para fazer o curso de Direito. No jornal “O Futuro” publica poesias, sendo que no número 4 ele publicou uma sátira à academia, assim como aos estudos jurídicos. Nesse mesmo ano ao sentir uma dor no peito e muita tosse, lembra-se da morte da mãe e de outros poetas que tinham morrido de tuberculose. E então escreve “Mocidade e Morte”. Tendo voltado para a Bahia, prejudicou seus estudos e perde assim o ano  na faculdade. Só volta ao Recife em março de 1865, indo viver com uma amante de nome Idalina (que sabia tocar piano e cantava) e continuando o curso de Direito. Depois de uma visita ao amigo Maciel Pinheiro, em prisão escolar por críticas à academia, Castro Alves escreve o poema “Pedro Ivo”, homenageando o líder republicano que fez parte da Revolução Praieira.

Duelou de forma literária com o colega sergipano Tobias Barreto, um escritor que sido amigo de Castro Alves. O tipo de personalidade de Tobias era de uma pessoa nervosa e Castro Alves era do tipo simpático, meigo. Tobias era admirador da atriz Adelaide Amaral e Castro Alves estava enamorado da atriz Eugênia Câmara. Tobias defendia Adelaide e criticava Eugênia. Dois grupos se formaram, um do lado de Adelaide e outro do lado de Eugênia. Castro Alves se inseriu no grupo pró-Eugênia. Castro Alves venceu a disputa com Tobias, atraindo mais a atenção do público e de Eugênia.

Em 11 de agosto de 1865, em uma reunião de abertura das aulas no salão nobre da faculdade, quando houve falas de autoridades, professores e alunos, Castro Alves diz: “Quebre-se o cetro do Papa,/ Faça-se dele uma cruz!/ A púrpura sirva ao povo/ Para cobrir os ombros nus. (...)”. Foi para a Bahia em 16 de dezembro com o poeta Fagundes Varela e rompe com Idalina. Escreveu sobre esse envolvimento com ela o poema “Aves de Arribação”.

Junto com Augusto Guimarães, Rui Barbosa, Plínio de Lima, Regueira Costa e outros no início de 1866 fundaram uma sociedade abolicionista. Não via com simpatias a Guerra do Paraguai, mas mesmo assim tentou se alistar, sendo recusado por suas condições de saúde.

A morte do pai de Castro Alves deixa cinco filhos com menos de 14 anos. O poeta com apenas 19 anos procura ajudar a sua madrasta na criação dos irmãos. Ele estava envolvido na época em um caso de amor com a atriz Eugênia Câmara, dez anos mais velha. O casal foi para a Bahia em 1867,  porque ela iria representar "O Gonzaga ou a Revolução de Minas", drama em prosa escrito por Castro Alves. A obra foi muito bem recebida pelo público. Depois o poeta foi para o Rio do Janeiro. Lá conhece Machado de Assis que o apoiou para entrar no círculo literário. Vai então para São Paulo e nessa cidade concluiu o Curso de Direito. Em 1868 terminou o romance  com Eugênia. Ele teve brigas com ela por causa de ciúmes. Em São Paulo para onde foram ela lhe foi infiel.

Fere em 1869 gravemente o pé esquerdo em uma caçada durante suas férias, o que resulta na perda do pé. Passou a usar uma prótese de madeira. Teve ainda algumas paixões passageiras como com Cândida e Laura, sobre as quais escreveu o poema "Os Anjos da Meia-Noite". Ainda se lembrava de Eugênia e escreveu para ela em 17 de novembro: "Adeus! P'ra sempre adeus! A voz dos ventos / Chama por mim batendo contra as fragas, / Eu vou partir... em breve o oceano / Vai lançar entre nós milhões de vagas...". Ela  respondeu: "Adeus, irmão desta alma, digo-te Adeus! / Mas deixa que eu evite esse jamais! — / Que o céu se compadeça aos rogos meus / E um dia cessarão teus e meus ais!" e "Sim que Deus iluminou a tua fronte / Com um raio divinal de Gênio! e Glória!.. / Vive, sonha, canta, este horizonte!... / O Brasil quer teu nome em sua história" e conclui "Adeus! Se um dia o Destino / Nos fizer ainda encontrar / Como irmã ou como amante / Sempre! Sempre! me hás de achar"

Em Salvador em 1870 escreveu o seu único livro editado em vida: Espumas Flutuantes. Nesse livro há uma poesia lírica, com destaque para o amor sensual e a natureza O poeta na abertura do livro fez uma dedicatória aos familiares mortos. Seu último amor foi a italiana Agnese Trinci Murri, cantora lírica, cuja beleza atraiu o poeta já bem doente. Ele escreve para ela e tenta beijá-la, mas ela não o aceita

Em 6 de julho de 1871 Castro Alves morre em Salvador, devido à tuberculose. Tinha só 24 anos de idade.

A vida de Castro Alves foi mostrada no cinema no filme luso-brasileiro de 1949 Vendaval Maravilhoso. A cantora Amália Rodrigues representou a atriz Eugênia Câmara. O filme não era uma biografia do poeta, apenas inspirou-se na vida dele. Em 1999 o ator Bruno Garcia interpretou Castro Alves no filme Castro Alves-Retrato Falado do Poeta, com destaque para suas lutas pela República e pela Abolição.

Principais obras: Espumas flutuantes ; A cachoeira de Paulo AfonsoOs escravos. Teatro: Gonzaga ou a Revolução de Minas.

Segundo a Professora licenciada em Letras Daniela Diana:

 

“Castro Alves (1847-1871) foi um dos últimos grandes poetas do Romantismo no Brasil. Sua obra representa, na evolução da poesia romântica brasileira, um momento de maturidade e de transição.

Maturidade, em relação a algumas atitudes ingênuas das gerações anteriores, como a idealização amorosa e o nacionalismo ufanista, às quais o poeta dava um tratamento mais crítico e realista.

Transição, porque sua visão mais objetiva diante da realidade aponta para o movimento literário seguinte, o Realismo, que já predominava na Europa.”

 

Segundo Diva Frazão:

“Castro Alves é a maior figura do Romantismo. Desenvolveu uma poesia sensível aos problemas sociais de seu tempo e defendeu as grandes causas da liberdade e da justiça.

Denunciou a crueldade da escravidão e clamou pela liberdade, dando ao romantismo um sentido social e revolucionário que o aproximava do Realismo. Sua poesia era como um grito explosivo a favor dos negros, sendo por isso denominado “O Poeta dos Escravos”.

Sua poesia é classificada como “Poesia Social”, que aborda o tema do inconformismo e da abolição da escravatura, através da inspiração épica e da linguagem ousada e dramática como nos poemas: Vozes d’África e Navios Negreiros, da obra Os Escravos (1883), que ficou inacabada.”



Poemas de Castro Alves:



Tragédia no mar- Trecho do poema “O navio negreiro



Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri! [...]

 

Mocidade e morte

Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n’amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me terrível,
Com gargalhar sarcástico: — impossível!

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
Avante! — brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete — avante! —
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma,
Um nome escrito no Panteon da história.

E a mesma voz repete funerária: —
Teu Panteon — a pedra mortuária!

Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta —
Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.

Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo flórido,
Sombra de morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
Morto — entre os vivos a vagar na terra.

Do sepulcro escutando triste grito
Sempre, sempre bradando-me: maldito! —

E eu morro, ó Deus! na aurora da existência,
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda Hebraica,
O ‘stilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai nos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória — nada, por amor — a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria
Já me foge a razão na noite fria!...

 

Dedicatória

A pomba d’aliança o voo espraia

Na superfície azul do mar imenso,

Rente... rente da espuma já desmaia

Medindo a curva do horizonte extenso...

Mas um disco se avista ao longe... A praia

Rasga nitente o nevoeiro denso!...

O pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!

Ninho amigo da pomba forasteira!...

 Assim, meu pobre livro as asas larga

Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...

O mar atira-lhe a saliva amarga,

O céu lhe atira o temporal de inverno...

O triste verga à tão pesada carga!

Quem abre ao triste um coração paterno?...

É tão bom ter por árvore — uns carinhos!

É tão bom de uns afetos — fazer ninhos!

 

 

Pobre órfão! Vagando nos espaços

Embalde às solidões mandas um grito!

Que importa? De uma cruz ao longe os braços

Vejo abrirem-se ao mísero precito...

Os túmulos dos teus dão-te regaços!

Ama-te a sombra do salgueiro aflito...

Vai, pois, meu livro! e como louro agreste

Traz-me no bico um ramo de... cipreste!

 

 

O laço de fita

Não sabes, criança? 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.

Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos da moça bonita,
Fingindo a serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.

Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.

E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!

Meu Deusl As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.

Há pouco voavas na célere valsa,
Na valsa que anseia, que estua e palpita.
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.

Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde a vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.

Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova... formosa Pepital
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.

 

 

Os Três Amores


Minh’alma é como a fronte sonhadora
Do louco bardo, que Ferrara chora...
Sou Tasso!... a primavera de teus risos
De minha vida as solidões enflora...
Longe de ti eu bebo os teus perfumes,
Sigo na terra de teu passo os lumes...
— Tu és Eleonora...

II

Meu coração desmaia pensativo,
Cismando em tua rosa predileta.
Sou teu pálido amante vaporoso,
Sou teu Romeu... teu lânguido poeta!...
Sonho-te às vezes virgem... seminua...
Roubo-te um casto beijo à luz da lua...
— E tu és Julieta...

III

Na volúpia das noites andaluzas
O sangue ardente em minhas veias rola...
Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,
Vós conheceis-me os trenos na viola!
Sobre o leito do amor teu seio brilha...
Eu morro, se desfaço-te a mantilha...
Tu és — Júlia, a Espanhola!...

Amar e Ser Amado

Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento,
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
P’ra tão puro e celeste sentimento
Ver nossas vidas quais dois mansos rios,
Juntos, juntos perderem-se no oceano,
Beijar teus labios em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento,
Confundido também, amante, amado
Como um anjo feliz... que pensamento!?

"Coração de Filigrana de Oiro"

Ai! Pobre coração! Assim vazio
E frio
Sem guardar a lembrança de um amor!
Nada em teu seio os dias hão deixado!…
É fado?
Nem relíquias de um sonho encantador? Não, frio coração! É que na terra
Ninguém te abriu…Nada teu seio encerra!
O vácuo apenas queres tu conter!
Não te faltam suspiros delirantes,
Nem lágrimas de afeto verdadeiro…
- É que nem mesmo o oceano inteiro
Poderia te encher!

 


As Duas Flores

São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo,no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!

                         

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

  

 Figura:



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