terça-feira, 21 de março de 2017

A questão da água e a seca no Nordeste


Considerando que dia 22 de março é o Dia Mundial da Água (foi instituído pela ONU em 22 de março de 1992), decidi escrever este artigo sobre a Seca no Nordeste do Brasil. A água é um recurso essencial para a vida e infelizmente tantos brasileiros na região Nordeste tem durante muito tempo sofrido com diversas secas que tem ocorrido durante a história brasileira.


"Na região Nordeste existe a região do semiárido que é delimitada pela região chamada de Polígono das Secas, criada em 1951 pelo governo federal para combater as secas e diminuir seus efeitos sobre a população sertaneja, compreendendo partes de quase todos estados da região, sendo exceção o estado do Maranhão (por possuir regularidade de chuvas, em relação aos outros estados da mesma região, podendo ainda ser atingido pela seca), além do norte de Minas Gerais. Inicialmente o Polígono abrangia cerca de 950 mil km², estendendo-se basicamente pelas áreas de clima semiárido. Entretanto, após a ocorrência de grandes secas, a área do Polígono foi ampliada, alcançando parte do estado de Minas Gerais, também atingido pelas estiagens. Quando ocorrem períodos prolongados de estiagem, a maior parte da população sertaneja enfrenta muitas dificuldades por causa da falta de água."

As secas ainda são uma realidade para o povo nordestino. Elas fazem parte de todo um cenário que não é só climático. Há toda uma história de descasos, de indiferença por diversos governos, de exploração dos sertanejos por parte de poderosos locais. Um estudioso da questão das ações governamentais em relação às secas, Marco Antonio Villa, ressaltou em sua obra Vida e morte no sertão, o saldo de mortos com as sucessivas secas, de um lado, e o imobilismo das autoridades públicas e da sociedade, de outro, tendo estimado em torno de três milhões de pessoas as vítimas fatais nos século XIX e XX e destacou a seca de 1877-1879 como uma das mais terríveis, dizimando cerca de 4% da população nordestina.

Certos aspectos que o mesmo autor salienta em sua obra são: os efeitos das secas sobre a economia regional e os grandes prejuízos que ocasionam; o fenômeno das migrações, orientadas, ao longo do tempo, para quase todo o Brasil, com destaque para o Maranhão, Pará, Amazonas, São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e capitais do Nordeste; o surgimento de expressões, personagens e situações próprias ao universo das secas, como "indústria da seca", a Sudene, os saques, retirantes, epidemias, frentes de trabalho, entre outros.

O autor relata em seu livro que o semi-árido foi transformado em uma região aparentemente sem história por fatores de conservação, considerando-se a permanência e imutabilidade dos problemas. Como se com as décadas ao passarem não tivessem mudado a realidade e o presente fosse um eterno passado.

A seguir um breve histórico das secas no Nordeste nos séculos XIX, XX e início do XXI    https://pt.wikipedia.org/wiki/Seca_no_Brasil):

1808/1809: Seca atinge Pernambuco na região do rio São Francisco. -1824/1825: Seca e varíola juntas definem essa grande seca. Campos esterilizados e fome atingem engenhos de cana-de-açúcar; 1833/1835 - Grande seca atinge Pernambuco- 1844/1846 : Grande fome. O saco de farinha de mandioca foi trocado por ouro ou prata- 1877/1879 : Uma das mais graves secas que atingiram todo o Nordeste. O Ceará, na época, com uma população de 800 mil habitantes foi intensamente atingido. Desses, 120 mil (15%) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros Estados-1888/1889; Ceará-1898/1900: Seca atinge Pernambuco-anos de 1930, 1932, 1953,1954, 1958, 1962: Seca na Região Nordeste-1963: Grande parte do Brasil enfrenta uma forte e intensa estiagem, seguida de recordes de calor-1966: Região NE- Seca de 1970:Seguida pelo início da construção da rodovia Transamazônica que visa entre outros objetivos transferência de parte da população mais pobre do NE para as margens extensas da rodovia Transamazônica.-Década de 1980: A década é considerada chuvosa, com apenas dois períodos de estiagem, correspondentes aos anos de 1982 e 1983- Década de 1990 - Os anos de 1993, 1996, 1997, 1998 e 1999 foram anos sofríveis -2012 - Seca na Região Nordeste, considerada a mais intensa das três décadas anteriores e que ainda está presente. 

Entre as medidas tomadas pelos governos na época citada acima (séculos XIX, XX e início do XXI) podem ser citadas: A Regência Trina autoriza a abertura de fontes artesianas profundas em 1831; 1888/1889 - D. Pedro II cria a Comissão Seca (depois Comissão de Açudes e Irrigação em 1888/1889; o governo de Nilo Peçanha cria o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS) em 1909; o Presidente Venceslau Brás reestrutura em 1915 o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), que passou a construir açudes de grandes portes e Campos de Concentração no Ceará foram criados para isolar a população faminta e impedir-lhe o movimento em direção às cidades; o governo Epitácio Pessoa transforma o IOCS em DNOCS que ainda em 1919 pelo Decreto 13.687 foi chamado de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas; reutilização dos Campos de Concentração no Ceará com plano de controle social em 1932; Transposição do Rio São Francisco iniciada em 2007.

Vê-se então uma série de ações tomadas pelos governos de diferentes épocas, chegando ao absurdo de se criar campos de concentração. Quanto à Transposição do São Francisco, embora sendo divulgada como uma obra essencial de combate à falta de água em regiões do Nordeste, é também polêmica, tendo sido criticada por especialistas, que questionam os impactos ambientais, a questão política envolvida e se o objetivo de resolver a falta de água seria alcançado. Sugiro que se leiam os seguintes  sites:




Que o Dia Mundial da Água possa servir como um momento de reflexão sobre um elemento importantíssimo para todos nós!


Márcio José Matos Rodrigues - professor de História.


sexta-feira, 17 de março de 2017

Os imigrantes nos Estados Unidos-parte 3: Os judeus



Continuando a temática dos imigrantes nos Estados Unidos, vou falar agora dos judeus.

Em 1654, chegou em Mahattan um grupo de 23 judeus. Eles vinham com o objetivo de criar raízes, de formar uma comunidade. Estavam vindo de Recife (Brasil) de onde tinham sido expulsos pelas tropas portuguesas que venceram os holandeses e reconquistaram Pernambuco. Os judeus preferiram acompanhar os holandeses que enfrentar a Inquisição. Na época a terra onde aportaram chamava-se Nova Amsterdã, pertencente à Holanda, que tinha mais tolerância religiosa aos judeus. 

Esse grupo fundou a primeira congregação judaica dos Estados Unidos em 1655. E alguns anos depois outro grupo de judeus chegou à colônia puritana de Massachusetts, sendo bem recebidos. E em Connecticut chegou um grupo de judeus venezianos. A maior comunidade judaica no século XVII era a de Rhode Island. De início houve proibição de se construir sinagogas, mas depois foram liberadas. Ao todo, no período colonial foram construídas cinco sinagogas nas chamadas treze colônias: Nova York, Filadélfia, Savannah, Charleston e Newport.

Naquela época, em que os colonos puritanos chegavam fugindo várias vezes de perseguições religiosas, a nação estava começando e os judeus foram vistos como mais um povo que tentava sobreviver em um novo mundo longe das perseguições europeias. Mas ainda assim, havia certas diferenciações, não havia igualdade civil, sendo impedidos de exercer determinadas funções. Além dos judeus, os católicos também não tinham todos os direitos, porque a religião que dominava era protestante.

Em 1664, os britânicos assumiram o controle da Nova Amsterdã, mudando seu nome para Nova Iorque, e os judeus ganharam mais liberdade.

Os judeus começaram a se destacar no comércio, no artesanato, na navegação costeira e se valiam de redes de contato em vários lugares do mundo. E até 1700 existiam entre 200 a 300 judeus nas colônias, a maioria era de sefaraditas. Os judeus mais pobres durante o período pré-independência eram de origem ashquenazita, oriundos do norte e do centro da Europa. A partir de 1720 começaram a chegar cada vez mais judeus da Alemanha e da Polônia.

Durante a Revolução Americana, além de participar ativamente nos combates militares, apoiaram econômica e financeiramente a causa revolucionária. Quando forças inglesas ocuparam Nova York, líderes comunitários e religiosos deixaram a cidade, indo para Connecticut e na Filadélfia. Com a derrota inglesa em 1783 os judeus contribuíram na formação da jovem nação. A Constituição Federal, apesar de defender a liberdade religiosa, deixou para a decisão estadual a questão do direito de voto. Nem todos os Estados do novo país desejavam conceder aos judeus esse direito. Este processo foi mais demorado.

Em 1861 começou a Guerra de Secessão entre o Norte e o Sul. Já havia 150.000 judeus nos Estados Unidos. Aproximadamente 7.000 lutaram do lado da União e 1.500 do lado dos confederados. Havia 9 generais e 21 coronéis judeus participando na guerra.

Uma nova onda migratória se formou no fim do século XIX por causa da fuga de judeus do Leste Europeu que estavam sofrendo perseguições e tinham más condições de vida.

Dois milhões de judeus estavam já morando nos Estados Unidos em 1924. Mas na ocasião começava um sentimento anti-imigração e surgiu um sistema de cotas de imigração que reduziu o fluxo de judeus que passaram a se dirigir para o Canadá.

Em uma pesquisa em 1939, 39% dos habitantes dos Estados Unidos achava que os judeus deviam ser tratados como pessoas normais, 53% consideravam que eles eram diferentes, tendo de ser sujeitos e limitações e 10% chegava a achar que eles deviam ser deportados. Durante a II Guerra Mundial cerca de 50% dos judeus entre 18 e 40 anos serviu no exército americano. Aproximadamente 100.000 judeus fugindo da perseguição nazista tentaram entrar nos Estados Unidos, porém nem todos conseguiram por causa da política de imigração vigente. Milhares de judeus chegaram com o fim da União Soviética.

Na política os judeus tem participação ativa e em 2007 havia 13 senadores judeus e no século XX houve intolerância de algumas organizações conservadoras e discriminatórias como a Klu Klux Klan.

 Há influência judaica em várias áreas nos Estados Unidos, como nas artes, com sua ligação com Hollywood e com a Broadway, por exemplo e às ciências –  37% dos americanos que ganharam um prêmio Nobel no século XX eram judeus.

Os judeus representam atualmente cerca de 2% da população dos Estados Unidos. A maioria destes se concentra na área da Nova Inglaterra, de Nova York (maior concentração) da Flórida, da Califórnia e de Nevada.

A influência  na política internacional não raramente é criticada, em especial na questão que envolve a Palestina e Israel, sendo que  crítica maior é que judeus influentes financeiramente tem feito pressão para um forte apoio em favor de Israel. Cito como exemplo a opinião de uma figura de destaque mundial, o Bispo Desmond Tutu da África do Sul, que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1984 disse: “O governo israelense está colocado em um pedestal [nos Estados Unidos], e criticá-lo é imediatamente ser classificado como anti-semita”, disse ele. “Nesse país, as pessoas têm medo de dizer o que está errado, porque o lobby sionista é poderoso – e como!”

Para encerrar destaco que muitos artistas e cientistas nos Estados Unidos eram ou são judeus. Entre eles: Isaac Asimov, Fred Astaire, Woody Allen, Bob Dylan, Richard Dreyfuss, Kirk Douglas, George Gershwin,  David Copperfield,Tony Curtis,Scarlett Johansson, Jerry Lewis, Ben Stiller, Steven Spielberg.


Márcio José Matos Rodrigues - Professor de História




segunda-feira, 13 de março de 2017

Imigrantes nos Estados Unidos - Parte 2: Os Italianos



Continuando a escrever sobre os imigrantes nos Estados Unidos, este segundo artigo tratará da questão dos imigrantes italianos, em especial nos séculos XIX e início do XX.

A Itália, após as guerras napoleônicas viu-se dividida em oito Estados soberanos, sem que fossem respeitados os desejos dos povos a eles submetidos. Mesmo separado, o povo italiano compartilhava certos costumes antigos e a religião, embora houvesse vários dialetos e aspectos culturais diferenciados de região para região, sendo que os direitos políticos estavam limitados às minorias dos mais favorecidos.

Em 1848 surgiram os primeiros passos para o processo da Unificação Italiana, que só foi concluído em 1871. A Itália era um país formado por grandes discrepâncias sociais: o Norte entrava em um amplo processo de industrialização e o sul mais atrasado economicamente.

Terminada a luta pela unificação, o sonho de paz e prosperidade foi substituído por uma realidade dura: muitos desempregados e massas de camponeses sem terras. Havia ainda uma grande concentração de riquezas nas mãos de poucos. A Europa expandia o processo de industrialização e países como a Itália estavam passando por um crescimento populacional.

A Itália além de ser uma jovem nação, era quase completamente rural e pouco industrializado, tinha uma dívida muito grande, um sistema de transporte deficiente, com uma pobreza significativa e alto índice de analfabetismo, com um estrutura de impostos desigual e com um regionalismo muito forte, com poucas pessoas tendo direito ao voto.

Diante de uma situação muito difícil, diversos trabalhadores e camponeses resolveram procurar novas oportunidades em outros países, em especial no continente americano. Assim, entre 1871 e 1875, 126.395 italianos emigraram. No início da década de 1880 a saída de italianos já alcançava números altos.
Os fatores dessa saída foram vários, sendo principalmente por motivos sócio-econômicos, seguido de razões políticas e pessoais. Nos primeiros anos, 80% dos emigrantes partiam do norte da Itália. No sul da Itália o fenômeno emigratório só chegou no início do século XX, quando os sulistas passaram a dominar a fonte de saídas.

Os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil foram os países que mais receberam italianos, sendo que para os Estados Unidos emigraram 5,6 milhões de italianos de 1870-1970.

Ao chegarem nos Estados Unidos, muitos italianos passaram por diversas dificuldades. Como eram católicos e seu tipo físico era diferente da elite anglo-saxônica protestante, sofreram preconceitos. Alguns deles se envolveram com o crime, sendo que quadrilhas de criminosos que surgiram no início do século XX foram a origem do crime organizado de onde surgiram mais tarde as famílias mafiosas. Por exemplo, O primeiro capo da máfia italiana de Nova York foi um imigrante siciliano, Giuseppe Morello, que chegou à cidade com 25 anos, em 1892. Tinha uma mão deformada, onde só havia um dedo mindinho, e provinha do ambiente mafioso de Corleone.

Só havia mil italianos em Nova York em 1850, mas em 1900 já eram 150.000. Morello não conseguiu ser mafioso logo. Era um imigrante a mais da ralé, os italianos ainda não mandavam nas ruas, dominadas por bandos de irlandeses e judeus.

Quando surgiu, a Máfia era uma cópia do sistema, uma epopeia do capitalismo em sua versão mais selvagem, com o lema de ganhar dinheiro onde for e como for. Esses imigrantes oriundos de vilarejos miseráveis e ainda feudais da Sicília ambicionavam ter dinheiro e respeito; depois, luxo e poder. Esse envolvimento de uma pequena parte dos italianos com a Máfia chegou a ter alguma influência na formação de estereótipos negativos sobre o imigrante italiano nos Estados Unidos, principalmente devido a filmes sobre mafiosos.

Os italianos começaram a chegar em maior número em 1876 e chegaram aos milhões entre 1910 e 1920, sendo em grande parte homens camponeses da Sicilia que viraram trabalhadores urbanos em Nova Iorque. Os italianos se aglomeravam em bairros pobres nas periferias das cidades, fazendo trabalhos pouco remunerados.

Presos às suas origens, os italianos se uniam em grandes comunidades, vivendo em bairros inteiros formados por italianos. A crescente indústria norte-americana precisava de trabalhadores e em pouco tempo a comunidade italiana tornou-se uma das mais prósperas dos Estados Unidos da América.

Hoje em dia os italianos estão integrados e seus descendentes formam o sexto maior grupo étnico dos Estados Unidos da América, somando 15,6 milhões de pessoas, ou 5,6% da população norte-americana. Há muitos descendentes de italianos que atualmente são famosos por lá, entre eles: Madonna, Lady Gaga, Sylvester Stallone, Tony Bennett e muitos outros.


Márcio José Matos Rodrigues - Professor de História


terça-feira, 7 de março de 2017

A Mulher na Idade Média


Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 08 de março, escrevi este artigo sobre a mulher na Idade Média. Os papéis das mulheres no Ocidente, a forma como se posicionavam na sociedade, o relacionamento com os homens e como estes as tratavam e a ideologia que definia como as mulheres tinham de se comportar na Antiguidade e na Idade Média eram fortemente influenciados pelos contextos sociais, políticos, econômicos e religiosos das diferentes épocas e também variavam de acordo com os lugares, não raramente também com as realidades regionais distintas ou com o próprio momento histórico de cada sociedade.

Na idade Média havia uma influência religiosa dominante da Igreja Católica, que havia se tornado desde o fim do Império Romano do Ocidente numa poderosa instituição política, social, ideológica e econômica. Essa influência também se fez presente na questão de como as mulheres deviam sem vistas e tratadas, determinando seus papeis e sua posição na sociedade medieval da Europa. O parentesco a partir do século X  foi sendo definido verticalmente, no qual as relações familiares passaram a serem ordenadas por uma linhagem. O primogênito passou a receber a maior parte da herança, beneficiando os componentes do sexo masculino.

Na Idade Média a mulher era vista pelos religiosos como inferior, seguindo-se a ideia de que o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus e a mulher era apenas um reflexo da imagem masculina, sendo de Deus uma imagem distorcida. O prazer, para essa visão, aprisionava o espírito ao corpo, impedindo-o de se elevar a Deus e a mulher era ao mesmo tempo doada e recebida, como um ser passivo.

Em relação às atividades profissionais não era bom que uma mulher soubesse ler e escrever, a não ser que entrasse para a vida religiosa. Uma moça deveria, isso sim, saber fiar e bordar. Se fosse pobre, teria necessidade do trabalho para sobreviver. Se fosse rica, ainda assim deveria conhecer o trabalho para administrar e supervisionar o serviço de seus domésticos e dependentes. Muitas vezes a opressão era exercida pelas mulheres poderosas sobre as suas dependentes.

Quanto às camponesas, essas deveriam, quando casadas, acompanhar seus maridos em todas as atividades desempenhadas no domínio senhorial onde trabalhavam. Quando viúvas trabalhavam com os filhos ou sozinhas. Já às aristocratas cabiam  a tarefa de serem donas de casa, função difícil na época, pois a economia doméstica era bastante complicada, exigindo muita habilidade e senso de organização da dama. O suprimento de alimentos e vestimentos da vasta família estava sob sua responsabilidade. Tinha de administrar o trabalho dos domésticos, acompanhar passo a passo à fabricação dos tecidos, controlar e supervisionar o abastecimento de alimentos.

Nas cidades o trabalho feminino teve muita importância na vida econômica. O excedente feminino da aristocracia era relegado aos conventos e o das camadas inferiores era relegado ao mundo do trabalho. A moça quando solteira ajudava os pais. Casada ajudava o marido, viúva trabalhava sozinha para sobreviver. Executava tarefas ao lado dos homens nas oficinas artesanais. A esposa do mestre era responsável pela supervisão das aprendizes, quando acabava o período de aprendizagem as moças ganhavam um oficio de onde podiam tirar o seu sustento. Os ofícios de fiação eram essencialmente femininos. Várias profissões ligadas à indústria do vestuário foram dominadas pelas mulheres.

As senhoras feudais enfrentaram muitas dificuldades na administração de suas posses, pois tiveram que sustentar pesados processos judiciais contra os homens para garantirem seus direitos. Em um ambiente em que o uso da força era a melhor forma para garantirem seus direitos, as mulheres tiveram que se adaptar às circunstâncias. Precisavam, ainda, demonstrar autoridade suficiente para evitar a rebeldia dos vassalos e impedir os ataques vizinhos ambiciosos.

Uma questão interessante era a da prostituição. A prostituição, na verdade, foi sempre ambígua, considerada um “mal necessário”. Em última instância, a prostituição, imoral, colaborava para a sanidade da sociedade. Havia um pensamento entre clérigos de que a prostituição resolvia o problema dos jovens. Segundo esse pensamento, a difusão da prostituição em meio urbano diminuiria a turbulência característica desse grupo. O recurso aos “casarões noturnos” diminuiria assim a possibilidade de estupros, arruaças e violências generalizadas cometidas pelas agremiações juvenis e poderia resolver também o problema da homossexualidade masculina.  Continuando a linha desse pensamento, a prostituição servia ainda de remédio às fraquezas dos clérigos diante dos prazeres da carne. Portanto,  de pernicioso aos olhos dos moralistas, pela garantia da moralidade pública, o meretrício, mais que tolerado, foi estimulado. Entretanto as “marcadoras do prazer” jamais foram bem vistas. Pelo contrário, era preciso afastá-las das “pessoas de bem”.

A implantação, sedimentação e sobreposição do cristianismo nas "sociedades bárbaras" teve grande apoio da devoção e religiosidade de mulheres aristocráticas e não é de se admirar o elevado número de mulheres santificadas. Os nomes de muitas piedosas foram associados ao desenvolvimento do culto cristão.

Em relação ao desenvolvimento da lírica amorosa, esse deve muito ao apoio das mulheres nobres do século XIII. O envolvimento feminino com a literatura ocorria também no processo de reprodução dos textos, deixando no fim dos manuscritos o registro de sua participação. Cristina de Pisan foi a mais famosa poetisa da Idade Média, nascida na Itália, mas criada na França, na corte de Carlos V, onde teve acesso a biblioteca real teve acesso ao saber. A Idade Média foi uma época em que a voz e as ações das mulheres foram extremamente limitadas, mas ainda sim algumas mulheres conseguiram superar as barreiras impostas pelo sexo e demonstrar aos seus contemporâneos seus desejos e aflições. Reproduzo a seguir trechos de um texto da historiadora Christiane Klapisch-Zuber:

"A "mulher medieval” existe? Ao tentar imaginar as condições de vida, a maneira de pensar, enfim, a singularidade daquela época, é fácil se contentar com estereótipos – quer cultivados pelos clérigos de outrora, quer pela divulgação histórica atual. Entretanto, as pesquisas mais recentes mostram que as condições, no plano geográfico, social ou mental, eram extremamente diversas. As mulheres que viveram a Idade Média estão – como hoje – incluídas em contextos que rechaçam qualquer generalização".

"Na maioria das vezes, são os clérigos que escreveram os relatos que nos chegaram. Devotados ao celibato, eles davam o tom do pensamento sobre a diferença dos sexos. Nas entrelinhas, fica patente seu medo desses seres que deveriam se limitar a procriar".

"Estudos sobre as atividades profissionais ou financeiras desempenhadas por várias mulheres, na cidade e no campo, no sul da Europa, registradas pelos tabeliães locais, mostram sua relativa autonomia e contribuição para a economia doméstica. O direito e os costumes, no entanto, em parte alguma lhes são favoráveis. Geralmente é necessário o consentimento de seus esposos para que dispusessem de seus bens, até mesmo por seus herdeiros, devendo a viúva permanecer sob o mesmo teto."

"As disparidades regionais demandam prudência na pesquisa histórica. Mesmo entre cidades vizinhas voltadas para os negócios, como Veneza, Gênova e Florença, as diferenças são consideráveis."

"As relações feudais não excluem as mulheres de um real exercício do poder, na verdade por delegação ou substituição ao varão legítimo, mas as que tomam o lugar de um esposo ausente ou impossibilitado são levadas não somente a administrar e julgar, mas, por vezes, a pegar em armas e guerrear".

"As dinastias concedem-lhes provisoriamente o lugar de regentes quando o sucessor masculino é jovem demais. Nos casos de vacância de um poder confiado aos homens, as mulheres que o exercem “virilmente” e revelam as qualidades de força, moderação e coragem, são elogiadas como exceções que confirmam a regra. Sua presença na vida cultural e espiritual das sociedades medievais é rica."

"Ai daquelas que escapam a seus muros para manifestar-se em público: acabarão, não raro, na fogueira, acusadas de heresia. As que usam saberes populares para invadir o território dos guardiões profissionais da farmacopeia e da medicina científica ou dos detentores do poder na aldeia são acusadas de bruxaria, caindo num modelo de repressão que não atingiu apenas as mulheres, mas foi usado para eliminar vozes e condutas discordantes".

"Trata-se menos de listar senhoras à frente de seu tempo do que de mostrar exemplos da complexidade de uma época que viu, entre guerras e pestes e silêncios, a luta de muitas mulheres".

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Márcio José Matos Rodrigues-professor de História





As mulheres e a Segunda Guerra Mundial



Considerando-se que no dia 08 de março se comemora o Dia Internacional da Mulher, resolvi escrever este artigo relacionando a mulher com a Segunda Guerra Mundial, pois as mulheres durante essa guerra passaram a participar mais do trabalho nas fábricas,em diversas funções, o que influenciou para que depois do conflito elas  tivessem mais espaço na sociedade. Também estiveram diretamente na guerra como enfermeiras; serviços administrativos; auxiliares em centros de controle anti-aéreo; pilotando aviões; sendo agentes secretas, agindo em movimentos de resistência e  até mesmo como combatentes,em especial no exército da União Soviética (URSS). 

Além das atividades nas indústrias,nas forças armadas e nos movimentos de resistência, as mulheres muitas vezes sofreram violências brutais, sendo agredidas, violentadas, exploradas sexualmente e escravizadas, assim como perdiam entes queridos em ataques aéreos e invasões de exércitos, tinham de suportar a perda de maridos e filhos servindo nas tropas em combate e passavam privações várias.

Na Grã-Bretanha, com a mobilização de 5, 5 milhões de homens, a força de trabalho passa a ser decisiva para que o país se mantenha nesse período difícil, sendo que de início a introdução da mulher de forma maciça no mercado de trabalho causou diferentes reações, porque muitos havia o temor masculino de que após a guerra a força de trabalho feminina permaneceria ativa e acabaria tirando trabalho dos homens.

Do mesmo modo que na Inglaterra, houve outros países como a URSS, o Canadá e os Estados Unidos que adotaram o trabalho feminino na construção de aviões, navios, produção de armas e outras atividades civis e militares. Assim, em 1942, 6 milhões e 769 mil mulheres estavam envolvidas no esforço de guerra na Grã-Bretanha.

Uma das primeiras forças aéreas a admitir mulheres foi a Força Aérea Canadense, tendo sido criada a Força Aérea Feminina Auxiliar do Canadá em 1941. No mesmo ano o Canadá criou o Serviço Feminino Armado Canadense e em 1942 criou a Reserva Feminina Real do Canadá. As mulheres assumiam funções administrativas, o que liberava os homens para lutar. Infelizmente as militares  recebiam uma remuneração menor que os homens.

Também mulheres soviéticas se destacaram nas forças armadas, sendo um bom exemplo a se falar o  das chamadas "bruxas da noite", batizados assim pelos seus inimigos alemães porque atacavam sempre à noite e costumavam bombardear descendo com o motor quase desligado para não serem notadas atacando assim de surpresa. Realizaram mais de 30.000 missões de ataque.

Em relação ao trabalho das enfermeiras, vários exércitos as tinham para atender seus soldados feridos, inclusive a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Cito um trecho  publicado em http://henriquemppfeb.blogspot.com.br: "Os hospitais  de campanha não atendiam somente aos brasileiros e americanos; o socorro era prestado a civis e prisioneiros.Também tiveram problemas com os uniformes; os primeiros deles foi ainda no Brasil. Os uniformes que mandaram confeccionar eram de tão má qualidade e malfeitos que não concebe que tivessem sido feitos para uma representação feminina junto a tropas estrangeiras. As primeiras fardas que receberam eram de brim chamado "Zé Carioca", o mesmo usado para macacões dos mecânicos. O alfaiate escolhido é especialista em fardas para cozinheiros e chofer de praça. Entrando na guerra muito depois das americanas as brasileiras se portaram à altura de suas colegas que lá estavam há dois anos. Inteligentes, adaptando-se rapidamente às exigências da técnica de enfermagem em plena campanha de guerra. À instabilidade oriunda da frente pelos exércitos em luta, mostraram-se resistentes fisicamente diante das longas horas de trabalho, muitas vezes dobrando os seus serviços no desconforto do meio que viviam."

Entre as espiãs destacaram-se mulheres inteligentes e corajosas como  a polonesa Krystyna Skarbek que foi uma das primeiras mulheres a servir como agente britânica na Segunda Guerra Mundial. Primeiro foi enviada para a Hungria para operar uma rede de espionagem que contrabandeava relatórios de inteligência de guerra e protótipos de armas para o Reino Unido e trabalhou junto a agentes e grupos de resistência na Polônia, sendo capturada pela Gestapo. Conseguiu fugir e depois foi enviada pelo Serviço Secreto inglês para a França onde atuou com resistentes franceses.

Uma outra espiã famosa foi a neozelandesa Nancy Wake, que  era jornalista em sua terra natal. Depois de casar com um francês, se mudar para a França e ver esse país ser ocupado por nazistas, ela decidiu que seu novo trabalho seria  contra os interesses de Hitler.  Nancy se juntou à Resistência Francesa e trabalhou ajudando soldados britânicos a escapar de volta ao Reino Unido. Chegou a ser capturada em 1940, porém enganou seus captores e escapou. Chegou a ter um prêmio alto por sua cabeça. Voltou à Inglaterra e foi enviada para a França para coordenar ataques da resistência para o dia D. Sobreviveu à guerra e foi condecorada pelo Reino Unido, França e Estados Unidos. E vários outros exemplos de mulheres assim poderiam ser citados.

Para encerrar, vou citar alguns trechos do historiador Max Hastings em sua obra "Inferno, O Mundo em Guerra, 1939-1945":

"A mobilização das mulheres foi um fenômeno social essencial na guerra, mais generalizado na União Soviética e na Inglaterra".

"Muitas moças sofriam, porém, quando jogadas num mundo fabril vergonhosamente chauvinista, dominado pelos homens".

Referindo-se às trabalhadoras nos Estados Unidos: "Todas as operárias, porém, recebiam salários muito menores, numa média 31,50 dólares por semana, enquanto os homens ganhavam 54,65 dólares".

Sobre mulheres que serviram como soldadas na URSS:  "Muitas mulheres em uniformes eram exploradas sexualmente de maneira impiedosa".

Sobre mulheres trabalhadoras na URSS: "As mulheres que trabalhavam em campos e fábricas na ausência de homens sofriam fome crônica e eram com frequência convocadas a tarefas além de sua capacidade física".

"Todos os países beligerantes empregavam mulheres como enfermeiras, num papel que muitas julgavam compensador".

"Se a guerra expandiu de forma dramática as oportunidades e as responsabilidades das mulheres em algumas sociedades, também intensificou sua exploração, principalmente sexual, num mundo governado pela força".

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Márcio José Matos Rodrigues - Professor de História



quinta-feira, 2 de março de 2017

Imigrantes nos Estados Unidos - Parte 1: Os Irlandeses



Nesta época se debate muito a questão dos imigrantes mexicanos e de outros países nos Estados Unidos. Em virtude disto, resolvi escrever alguns artigos falando sobre povos que emigraram de seus países para o país norte-americano, em especial no século XIX e nos primeiros anos do século XX. Quero ressaltar a importância destes povos, a razão da partida e as dificuldades que passaram. Vou começar pelos irlandeses.

Há cerca de 10.000 anos começaram a chegar os primeiros humanos à Irlanda. Por volta de 300 a. C, os celtas chegaram vindos da Europa continental. A língua oficial da República, o irlandês, deriva da língua celta. No século V os missionários cristãos chegaram na Irlanda e o cristianismo substituiu a religião pagã por volta de 600 d. C.

No final século VIII e durante o século IX os vikings começaram a invadir e fundaram Dublin em 988, que é hoje a capital da Irlanda. Mas anos depois os vikings foram derrotados por um rei irlandês. No século XII chegaram os normandos (descendentes dos vikings que haviam se estabelecido no norte da França e conquistaram a Inglaterra em 1066), que construíram cidades muradas, castelos e igrejas, desenvolvendo também o comércio e a agricultura.

Quando Henrique VIII era rei da Inglaterra, ele fez que o Parlamento Irlandês o declarasse rei da Irlanda em 1541. A partir daqueles tempos até o fim do século XVII, o sistema agrícola implantado pelos ingleses causou a chegada de colonos protestantes ingleses e escoceses. Começaram aí os conflitos religiosos.

No século XVII houve a imposição das leis penais. Essas leis ditavam a retirada de poder dos católicos, negando-lhes o direito à empréstimos ou a posse de terras acima de um determinado valor, o clero católico foi declarado ilegal, foi proibida a educação superior e a profissionalização. No século XVIII houve um abrandamento no cumprimento das leis penais, mas em 1778 os católicos detinham somente cerca de 5% das terras na Irlanda.

Em 1798, sob influência da Revolução Francesa,  houve uma rebelião contra a Inglaterra, com os rebeldes sendo apoiados pela França. Mas a rebelião falhou e em 1801 foi aprovada a Act of Union (Lei da União), unindo politicamente a Irlanda à Grã-Bretanha.

Em 1829, o líder irlandês Daniel O'Connel lutou pela aprovação da lei de Emancipação Católica no parlamento em Londres e conseguiu eliminar a proibição total de voto para os católicos.

Durante o período colonial, no século XVII, de 50.000 a 100.000 irlandeses, mais de 75% deles católicos, emigraram para as colônias inglesas na América. No século XVIII, mais 100.000 católicos irlandeses chegaram. Irlandeses que trabalhavam sob o sistema de servidão formavam o grupo mais comum.

A partir da década de 1820 já havia uma forte crescimento imigratório de irlandeses para os Estados Unidos, mas o auge da imigração foi durante a Grande Fome de 1845-1849. Nessa época, houve uma praga que arrasou as plantações de batata, o principal produto agrícola que servia de alimento à população irlandesa. Cerca de um milhão de pessoas morreu de fome e mais de um milhão teve de emigrar para sobreviver, a maioria para os Estados Unidos. As condições dos navios eram terríveis e os índices de mortalidade entre os viajantes chegavam a 30%.


Muitos cidadãos irlandeses, que tiveram sua estrutura familiar abalada pelo caos da Grande Fome, em décadas posteriores acabavam migrando para os Estados Unidos. A maioria desses imigrantes se instalava na parte nordeste, principalmente nos grandes centros urbanos, onde criavam suas próprias comunidades. E no início da imigração, os imigrantes católicos sofriam preconceito.


Muitos irlandeses desempregados ou muito pobres viviam em condições precárias nas cidades dos Estados Unidos. Eram os mais pobres de todos os grupos de imigrantes que chegaram aos Estados Unidos no século XIX. Mas por volta de 1900, mesmo havendo muita pobreza entre os trabalhadores imigrantes irlandeses de cidades como Chicago e Boston e Nova York, no geral, muitos imigrantes já tinham emprego e renda igual à média americana. Depois de 1945, os irlandeses católicos consistentemente ascenderam ao topo da hierarquia social, graças principalmente à sua elevada taxa de graduação em faculdade.


A pobreza de muitos  irlandeses e seus descendentes nos séculos XIX e início do XX influenciou na participação de alguns deles em gangs, ficando alguns deles famosos como George “Bugs” Moran, filho de um irlandês e de uma polonesa, chefe de uma gang e que enfrentou Al Capone em Chicago nos anos 20 do século XX.

A participação irlandesa na cultura, na política e na economia dos Estados Unidos é muito significativa e um dos presidentes desta nação era descendente de irlandeses: John Kennedy. E um dos outros destaques foi Henry Ford, um famoso industrial.

Abaixo cito uma parte de um  texto sobre a Grande Fome, de Mark Thornton, que defende que a maior responsável pela morte de tantos irlandeses foi muito mais a política econômica inglesa que a praga (um fungo) que atingiu as batatas:  

"Há teorias que dizem que os ingleses propositadamente geraram a grande fome irlandesa.  Como aquela era uma era de revoluções, e dado que havia suspeitas de que os irlandeses estavam tramando mais uma revolta, trata-se de uma teoria relativamente factível.

No entanto, a questão da culpa não é tão importante quanto a questão da causa.  O que é realmente importante é que a grande fome irlandesa originou-se de grandes erros econômicos.

 A Irlanda foi devassada pelas forças econômicas originadas por um dos mais poderosos e agressivos Estados que o mundo já conheceu.  Sua população sofreu não por causa de um fungo (cujos cientistas ingleses insistiam ser apenas umidade excessiva), mas sim por causa da colonização, da espoliação, da servidão, do protecionismo, dos preços artificialmente altos sustentados pelo governo, do assistencialismo estatal e de insensatos programas de obras públicas."



              Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História