quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Nações esfaceladas: Haiti

 







 

 

O primeiro país sobre o qual vou tratar neste meu conjunto de artigos que denominei de “Nações Esfaceladas” será o Haiti, cujo povo tem sofrido muito com as catástrofes naturais e com problemas sociais, políticos e econômicos diversos, causando uma desestruturação na sociedade haitiana

O Haiti (“terra de altas montanhas” na língua do povo indígena taíno que ocupava a ilha antes da chegada dos europeus ) se chama oficialmente República do Haiti. É um país do Caribe e se localiza numa parte ocidental da Ilha de Hispaniola (na outra parte da ilha está a República Dominicana), que é integrante do arquipélago das Grandes Antilhas. Os franceses chamam o país de La Perle des Antilles, que quer dizer “A Pérola das Antilhas”, por sua beleza natural. É o terceiro país do Caribe em extensão e em população (mais de 10 milhões de habitantes). As línguas oficiais são o francês e o crioulo haitiano. O Haiti em 1804 passou a ser a primeira nação independente da América Latina e do Caribe, graças a uma revolta de escravos e libertos que teve sucesso. Historicamente é a segunda república da América. É o país mais pobre da América. Cerca de 95% dos haitianos são negros, descendentes de escravos africanos.

Os primeiros habitantes de toda a ilha de Hispaniola foram os índios aruaques (ou taínos) e os caraíbas. Foi Cristóvão Colombo, que desembarcou na ilha em 5 de dezembro de 1492, que deu o nome de Hispaniola à ilha. Os franceses depois a chamaram de São Domingos. No fim do século XVI os colonizadores espanhóis já tinham causado a morte de quase todos os antigos nativos e entre eles muitos foram escravizados.  A área da ilha que veio a se tornar o Haiti foi cedida à França pela Espanha em 1697. Já tinha sido um local muito frequentado por piratas.

No século XVIII o Haiti era uma colônia que fornecia à França especialmente açúcar, cacau e café. A França procurava instigar o preconceito e a divisão entre os escravos, classificando-os em categorias raciais. A forma de trabalho para a agricultura era o trabalho escravo, de forma brutal. No fim do século XVIII havia cerca de 85% da população constituída por pessoas escravizadas, mais de 530 mil.

Durante a segunda metade do século XVIII houve revoltas contra o domínio francês. A ocorrência da Revolução Francesa teve influência no Haiti. Ocorreram então mais revoltas sociais e interferências militares da Espanha e da Inglaterra que foram mal sucedidas. Nesse contexto, em 1794 a escravidão foi abolida oficialmente no Haiti pelo governo da Convenção na França, sendo o primeiro país da América onde escravidão era abolida. Toussaint Louverture, um ex-escravo, tomou a liderança de um movimento popular haitiano, foi hábil em formar um exército rebelde, era um bom negociador político, sabendo como se aproveitar das rivalidades entre as potências coloniais e tornou-se governador-geral em 1801, porém se iludiu em relação às intenções da antiga metrópole, sendo deposto e enviado por militares franceses do exército de Napoleão Bonaparte para a prisão na França, onde morreu. 

As tropas napoleônicas sofreram uma grande derrota em outubro de 1803, sendo vencidas pelas forças de Jacques Dessalines, um líder haitiano. Um fator que colaborou muito para a derrota francesa foi uma epidemia de malária que atingiu grandemente o exército invasor. A independência foi então declarada em 1804, com Dessalines primeiro como presidente vitalício republicano e depois como um imperador que procurou criar um império exclusivamente negro, excluindo os brancos. Nesse mesmo ano europeus e estadunidenses ligados ao escravismo impuseram um bloqueio comercial ao Haiti. Com o assassinato de Dessalines em 1806 foi instalada de novo a república. Houve então uma guerra civil entre negros e mestiços que durou até 1810.

Foi no Haiti que Simon Bolívar encontrou refúgio em 1815, depois de ter fracassado em sua primeira tentativa de libertar territórios na América do Sul do controle espanhol. O governo haitiano deu dinheiro, armas e militares para ajuda-lo, com a condição de que ele libertaria os escravos nos locais que ficassem independentes, mas Bolívar não cumpriu o trato. Para que a França não invadisse o Haiti, o presidente Jean Pierre Boyer assinou um tratado pelo qual o Haiti teria de pagar 150 milhões de francos como indenização. Ainda que a dívida tivesse uma redução e ficasse em 90 milhões, o Haiti levou muitos anos para acabar de pagar e tal pagamento foi bastante prejudicial à economia haitiana. A Espanha tornou a ocupar a parte oriental da ilha que tinha sido ligada ao Haiti pelos franceses no fim do século XVIII, no entanto, de 1822 a 1844 essa parte esteve de novo unida ao Haiti. Quando se separou do Haiti, a parte oriental tornou-se a República Dominicana.

A República do Haiti passou por um período de instabilidade política desde a segunda metade do século XIX até o início do século XX. No período entre 1915 e 1934 os Estados Unidos mandaram tropas para ocupar o país, que ficou subordinado à nação norte-americana. A administração civil e militar, as alfândegas, o banco do Estado e as finanças do Haiti ficaram controladas pelos Estados Unidos. Foram feitos importantes investimentos na infraestrutura do Haiti pela nação ocupante, que também interferiu no sistema educacional haitiano, substituindo o modelo francês. Os motivos da ocupação foram: 1- temores de que empresários alemães (era tempo da Primeira Guerra Mundial), com fortes influências, pudessem implantar um governo haitiano contra os Estados Unidos; 2-grupos armados locais que ameaçavam interesses desse país;3-o Haiti tinha muitas dívidas com os Estados Unidos; 4-por causa de interesses de uma grande empresa deste país instalada no Haiti e ligada a produtos agrícolas.

Após um período de pouca estabilidade política, em 1957 foi eleito para presidente o médico François Duvalier, conhecido como Papa Doc, que tinha apoio dos Estados Unidos e que se tornou ditador. Ele se tornou vitalício, perseguiu a Igreja Católica e usava uma milícia cruel para atemorizar o povo. Quando morreu em 1971, seu filho Jean Claude Duvalier o substituiu, sendo chamado de Baby Doc. Em 1986 houve protestos populares fortes e Baby Doc fugiu para a França, sendo substituído provisoriamente no poder pelo general Henry Namphy. Houve eleições e foi eleito Leslie Manigat, que governou pouco tempo, de fevereiro a junho de 1988. O general Namphy de novo assumiu o poder, mas o chefe da guarda presidencial, general Prosper Avril, deu um golpe e ficou como presidente.

 Em dezembro de 1990 o padre Jean Bertarnd Aristide ganhou a eleição presidencial e governou até setembro de 1991, deposto pelo general Raul Cedras. Houve então pressões da Organização das Nações Unidos (ONU) e da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que Aristide voltasse a ser presidente. Em julho de 1993 Aristide e o general Cedras assinaram um acordo em Nova York. Houve um bloqueio total instituído pelo Conselho de Segurança da ONU em maio de 1994 e a junta militar colocou no poder, de forma provisória até novas eleições, o civil Émile Jonassaint. Em julho de 1994 foi autorizada pela ONU uma intervenção militar e em setembro de 1994 uma força multinacional entrou no Haiti em apoio a Aristide. Em outubro, Aristide voltou ao poder, tendo encontrado uma economia muito abalada por anos de instabilidade política e pelo bloqueio internacional.

Em 2003, a oposição exigia a renúncia de Aristide. Houve então uma crise política no país e em fevereiro de 2004 ex-membros do exército haitiano começaram uma revolta militar que se espalhou por várias cidades. Em 29 de fevereiro Aristide saiu do Haiti com a proteção de militares dos Estados Unidos. O presidente do Supremo Tribunal assumiu interinamente a presidência do país e pediu assistência da ONU e o Conselho de Segurança enviou uma Força Multinacional Interina (MIF), com a liderança do Brasil. Tempos depois foi criada pelo Conselho de Segurança a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), substituindo a MIF em junho de 2004. A força militar enviada era composta por soldados do Brasil, Argentina, Benim, Bolívia, Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru, Portugal, Turquia e Uruguai.

A situação social e econômica, que já era precária, tornou-se pior quando o Haiti foi sacudido por um violento terremoto em 12 de janeiro de 2010, que atingiu o país a cerca de 22 quilômetros da capital. Outros terremotos menores foram sentidos depois. Muitos prédios públicos desabaram e aproximadamente 80% das construções da capital Porto Príncipe foram seriamente afetadas, grande parte delas destruídas. O número de mortos ficou entre 220 mil e 300 mil. Mais de um milhão de pessoas ficaram desabrigadas.

Após essa grande tragédia humana, a questão política no Haiti ainda apresentava problemas sérios e em 7 de julho de 2021 foi assassinado o presidente Moise e ficou governando provisoriamente o Haiti o primeiro-ministro interino Claude Joseph. O país é assolado por outro problema político e social, representado por muitas gangues cujos membros assaltam, extorquem e matam. Estas gangues procuram interferir na política do país, causando terror, envolvendo-se com grupos partidários e nas eleições.

Entre os problemas que atingem o Haiti há também a erosão do solo e as inundações periódicas e graves como as acontecidas em 2004, devido principalmente ao desmatamento.

Para piorar a situação, houve recentemente em agosto de 2021 a ocorrência de um terremoto no Caribe que atingiu partes do Haiti. Esse terremoto, embora não tenha alcançado a magnitude da destruição de 2010, deixou mais de 1000 mortos e houve danos a propriedades na região atingida. Também há a questão da pandemia de Covid que também atingiu o país. O governo dos Estados Unidos disse que iria providenciar ajuda humanitária. Também as fortes tempestades tropicais e furacões frequentemente causam prejuízos e mortes entre os haitianos.

O Haiti é um país que deve ser lembrado além de suas catástrofes e tragédias humanas, pois foi o primeiro país da América Latina a declarar sua independência, a libertar os escravos, proclamar uma república e também pela derrota que infringiu às tropas enviadas por Napoleão, que tinha mandado instalar um regime autoritário no Haiti, com intuito de restabelecer o sistema colonial. Aliás, Napoleão tinha planos imperialistas que envolviam o Haiti como exportador de produtos agrícolas e que teria uma ligação complementar com a Louisiana, na América do Norte. O fracasso de suas tropas na ilha atrapalhou o plano napoleônico na América e contribuiu assim para a decisão do governante francês em vender a Louisiana para os Estados Unidos, que acabaram se beneficiando com a aquisição de uma vasta área que contribuiu para proporcionar uma grande expansão econômica a essa nação. Segundo o historiador Henry Adams:

"Sem a ilha, o sistema tinha mãos, pés e até cabeça, mas não corpo. De que adiantava a Louisiana quando a França havia perdido a principal colônia que a Louisiana deveria alimentar e fortalecer?"

É de se destacar que o Haiti após sua independência era uma nação considerada inimiga por países escravistas e vista como um mau exemplo para as populações escravizadas em países da América. Isso causou um isolamento do país e o que agravou a situação foi a alta indenização que o Haiti teve de pagar por vários anos para a França para que esta não invadisse o país caribenho para tentar impor novamente a colonização.

Que este país possa encontrar uma estabilidade política, social e econômica, deixando de ser, como eu mencionei, uma nação esfacelada, para que seus habitantes possam ter melhores condições de vida. Nações como os Estados Unidos e a França, que estão ligadas à história do Haiti, deveriam contribuir mais para o processo de desenvolvimento desta nação caribenha, mas não na forma de intervenção. Como diz Rosy Auguste Ducena em “Os Sobreviventes”, Revista Piauí, de agosto de 2021:

“Pedimos à comunidade internacional que não intervenha no país após o assassinato de Moise. Já sofremos um número suficiente de intervenções internacionais, militares e humanitárias. Estamos fartos dessas missões da ONU que, no fim das contas, nos deixam ainda mais machucados.

Que agora seja a primeira vez que os haitianos possam encontrar por si mesmos o caminho de seu futuro. Levaremos o tempo que for necessário para curar as feridas, desmantelar as gangues armadas por Moise, reorganizar a vida, fortalecer as instituições-chave do Estado, organizar as eleições...É assim que voltaremos a ser uma nação propriamente dita.

O Haiti continua sendo a grande vítima de todas as nossas calamidades. Antiga pérola das Antilhas para os colonizadores, transformado em pérola dos bandidos e dos líderes incompetentes e corruptos, o país está afundando. É imenso o sofrimento de seu povo. Os estragos feitos são numerosos demais para ser consertados sem a participação dos cidadãos engajados e o respeito da comunidade internacional pela capacidade já demonstrada dos filhos deste país”.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura: https://www.google.com/search?q=mapa+do+haiti&sxsrf=ALeKk02ZODLACPgJY2Dw7xf8wG2c-psUdg:1629325662926&tbm=isch&source=iu&ictx=1


segunda-feira, 16 de agosto de 2021

A queda de Cabul

 








O mundo se surpreendeu (inclusive a Inteligência militar dos Estados Unidos), com a rápida queda de Cabul, capital do Afeganistão no dia 15 de agosto deste ano, após algumas horas de cerco. Mas teria sido essa a melhor decisão política e militar do presidente já combalido regime afegão apoiado pelos Estados Unidos? A meu ver sim e uma resistência tipo Berlim em 1945 teria sido tão inútil como foi com a capital alemã no fim da Segunda Guerra Mundial. Nos dois casos, a vitória do sitiado era impossível, diante de um inimigo numericamente superior, sem perspectivas de vencer, apenas para manter uma resistência, que no caso da cidade alemã provocou ainda mais mortes e destruição e, no caso afegão, aconteceria o mesmo. E em casos assim a ferocidade dos combates pode vir acompanhada de terror contra os civis (saques, assassinatos, torturas, estupros etc). 

E por que um regime apoiado por quase vinte anos pelos Estados Unidos, uma grande potência mundial, caiu diante de um força guerrilheira que no final de 2001 foi atacada poderosamente por este país e que na época parecia derrotada e  não seria mais capaz de ocupar o poder, embora não tenha deixado de existir?

Para compreender essa vitória talibã é preciso entender que, embora tenha sido por vários anos auxiliado pelos Estados Unidos, inclusive com tropas e aviação militar, o regime deposto tinha fragilidades que lhe foram fatais. Um exército atingido pela corrupção, pela perda da vontade de lutar de muitos soldados, com problemas de comando e com número de combatentes significativamente reduzido por frequentes deserções. Enquanto isso, o talibã crescia em número de integrantes de suas fileiras, recebia apoios do Paquistão, tinha auxílios financeiros de simpatizantes no mundo islâmico e se valia de receitas oriundas de fontes como tráfico de drogas e extorsão sobre atividades econômicas como a mineração. A força aérea afegã que defendia o regime anterior também possuía problemas sérios como deficiências na manutenção de aeronaves e a pouca eficácia de suas ações. Outro fator foi a questão ideológica, pois se o exército afegão estava em grande parte desmotivado, muitos guerrilheiros afegãos eram dotados da vontade de lutar impulsionada pelo fervor religioso. E as perdas norte-americanas em vidas de soldados e mais as despesas com manutenção de suas forças foram se tornando muito custosas aos Estados Unidos, cujo governo decidiu pela retirada.

Na verdade, em outros momentos da história, regimes apoiados pelos Estados Unidos com muito dinheiro e armas sucumbiram diante da corrupção interna e de um inimigo muito mais motivado, como no caso do exército cubano de Batista frente às forças revolucionárias castristas e o exército sul vietnamita diante do avanço do exército do Vietnã do Norte, que pretendia unificar o país. Aliás, há comentários de que a retirada de Cabul por parte de diplomatas e soldados remanescentes dos Estados Unidos tem suas semelhanças com a retirada norte-americana de Saigon nos anos 70 do século XX.

Pode ser que haja quem ache que a vitória do Talibã se deu por causa de apoios da Rússia e da China, mas estes países não foram os maiores responsáveis pela vitória do grupo. Podem até ter-lhe dado algum auxílio, mas este foi secundário. Existe atualmente um oportunismo destes países, que estão vendo no regime talibã um possível aliado ou parceiro em questões relativas ao Oriente Médio, fazendo frente aos interesses de países da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. No caso da China, é provável até que haja, posteriormente, investimentos na infraestrutura do Afeganistão ou empréstimos financeiros, colocando cada vez mais este país em sua órbita de influência, como tem feito com países africanos. É de se salientar que o governo Trump fez acordo com as lideranças talibãs em 2020 para a retirada das tropas em troca de um compromisso de que o governo talibã instalado não daria apoio ao Estado Islâmico e à Al-Qaeda. Também o Irã, embora xiita e o Talibã sunita, acenou com acordos com os líderes talibãs, possivelmente por questões estratégicas no jogo de poder da região.

Mais uma vez uma grande potência foi derrotada no Afeganistão. No início de 1989 as últimas forças soviéticas deixaram o Afeganistão após cerca de nove anos de combates. A URSS havia invadido o Afeganistão em defesa de seu regime aliado de tendência socialista. No contexto da Guerra Fria os Estados Unidos ajudaram maciçamente na época grupos guerrilheiros tribais e o fim do regime socialista afegão em 1992 provocou uma luta pelo poder por diversas forças guerrilheiras, luta essa que só terminou quando o Talibã, criado no início dos anos 90 como um grupo religioso fundamentalista, que veio a contar com apoio de militares paquistaneses, tornou-se poderoso militarmente e derrotou os grupos rivais, tomando o poder em 1996 e ocupando a maior parte do país. É de se ressaltar, que o governo do Paquistão, que deu apoio aos talibãs, na época era aliado dos Estados Unidos na região e ainda é.

Foi em 2001, com a intervenção dos Estados Unidos no Afeganistão, após os ataques de 11 de setembro, que o regime talibã foi afastado do poder. Mas ele não foi aniquilado, voltou a combater e se fortaleceu. Agora, é a força vencedora. Muitos afegãos fugiram do país durante os combates entre talibãs e o exército agora derrotado, assim como tantos foram embora durante a guerra entre soviéticos e grupos guerrilheiros. E, novamente, vê-se a possibilidade de milhões tentarem sair do país para escaparem de um regime que, se repetir o tipo de governo que tinha antes da invasão dos Estados Unidos em 2001, implantará um severo domínio religioso, tornando os costumes muito mais rigorosos e um controle maior sobre a vida das mulheres, proibindo-as de trabalhar, estudar e sair sem a companhia de um membro masculino da família, além de impor uma vestimenta que cubra totalmente os rostos delas.

Uma comunicação do Talibã pouco antes de tomar Cabul dizia que a partir de agora a imprensa será respeitada, haverá diplomacia e autorização para que as mulheres deixem suas casas sozinhas e possam estudar (desde que com os rostos cobertos). Mas quem garante que isto seja verdade? Ou será só uma forma de propaganda para tentar agradar o Ocidente? Não devemos esquecer que, em 2012, a atual ativista pelos direitos humanos, Malala Yousafzai, foi alvejada quando ainda era uma criança, por talibãs no interior do Paquistão, justamente por defender o direito das meninas poderem estudar. Nos últimos dias tem-se visto professores se despedirem de suas alunas, dando a entender que será o fim de seus estudos. Portanto, é bem provável que a propaganda talibã de uma amenização das regras sobre as mulheres seja apenas uma forma de ilusão. E como ficará a questão dos refugiados? Encontrarão abrigo entre as nações que apoiaram o regime deposto ou serão negligenciados como foi grande parte de líbios e sírios que procuraram abrigo no Ocidente após suas nações se fragmentarem em guerras civis com a participação direta ou indireta de países do Ocidente?

Segundo a revista Veja de 11 de agosto de 2021: “Desde o início de 2021, 330.000 pessoas deixaram suas casas, em busca de refúgio nas cidades grandes e atravessando fronteiras (os afegãos formam o segundo maior contingente de refugiados do mundo, cerca de 3 milhões, atrás apenas dos sírios). Milhares de cidadãos que trabalharam para os Estados Unidos aguardam vistos para irem embora. Em redutos isolados, senhores da guerra que nunca prestaram contas ao governo armam milícias para proteger seus domínios da ressurreição do Talibã. No país pobre e despedaçado que duas superpotências não conseguiram controlar, um novo capítulo se inicia, sem nenhuma expectativa de melhora no horizonte”.

Sugestão de vídeos:

https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/08/16/taliba-afeganistao-cabul.ghtml

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2021/08/16/afeganistao-taliba-territorios-ja-sob-controle.htm

https://www.opovo.com.br/noticias/mundo/2021/08/16/afeganistao-taliba-assume-governo-do-pais-entenda-o-conflito.html

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 

Figura:


https://www.google.com/search?sxsrf=ALeKk02jS_Ohk3BauPyQgZrNp7JjCOrz4A:1629142462425&source=univ&tbm=isch&q=imagens+de+cabul+hoje&sa


sexta-feira, 13 de agosto de 2021

O filósofo grego Diógenes

 





Após os artigos sobre Esopo e Epicuro, agora vou tratar neste artigo sobre outro grego famoso da Antiguidade: Diógenes de Sinope. O que se sabe sobre Diógenes é principalmente por meio da obra Vidas e Opiniões de Filósofos Eminentes, de Diógenes Laércio. Não há variadas fontes históricas sobre Diógenes, que também era conhecido como Diógenes, o Cínico. Não se sabe ao certo a data de nascimento dele.Pode ter sido 404 ou 412 a. C. na cidade portuária de Sínope. Seu pai era Hicésio, que era uma espécie de banqueiro que trabalhava com cunhagem e troca de moedas e acusado de falsificar moedas. Segundo alguns, não teria sido o pai que falsificou e sim o próprio Diógenes, que foi exilado e seu pai foi preso. 

Diógenes mudou-se para Atenas. Lá foi discípulo de Antístenes, que foi seguidor de Sócrates. Antístenes de início não queria ensinar para Diógenes e, diante da insistência do mesmo em segui-lo, levantou um bastão para bater na cabeça dele que disse: “Podes golpear, pois não encontrarás um bastão tão duro que possa me fazer desistir de obter que me digas algo, como a mim parece que devas”.

Diógenes teria sido, em determinada ocasião, aprisionado por piratas para que fosse vendido como escravo e foi comprado por um cidadão instruído, Xeníades, que viu que se tratava de um homem inteligente, que deu a seu escravo as funções de gerenciar seus bens e educar seus filhos.

Diógenes passou a viver nas ruas como um mendigo e considerava sua pobreza uma virtude.  Segundo relatos, ele vivia em um enorme barril, o qual fazia de casa, andando pelas ruas e carregava uma espécie de lamparina em plena luz do dia dizendo estar a procura de um homem honesto (virtuoso). Depois de ter vivido em Atenas, Diógenes foi viver na cidade grega de Corinto.

Em Corinto, Diógenes continuou com seu ideal cínico de autossuficiência, de forma natural e rejeitando os confortos que a civilização pudesse dar. Para ele a virtude aparece mais com ação e não com teoria. Ele persistia em suas críticas às instituições e aos valores vigentes na sociedade da época, que achava corrupta, ele  não considerava a opinião pública e tinha como seus bens um manto, um bastão e uma tigela. Era chamado de forma pejorativa como kinos, ou seja, o cão, por causa de seu estilo de vida.  Ele entendia o autodomínio e a liberdade como a verdadeira felicidade e a realização da vida. Era contra o prazer, o desejo e a luxúria. Defendia a prática da virtude, que não deveria ficar só na teoria. Ele dizia: "Sou uma criatura do mundo e não de um estado ou uma cidade particular”. Segundo Peter Sloterdijk – Crítica da Razão Cínica: “A insolência apresenta fundamentalmente duas posições: alto e baixo poder e contrapoder; em termos mais convencionais: senhor e escravo. O kynismos antigo inicia o processo dos ‘argumentos nus’ a partir da oposição, sustentado pelo poder que vem de baixo...” E ainda o mesmo autor: “(...) ele despreza a glória, menospreza a arquitetura, não respeita nada, parodia as histórias de deuses e heróis, come carne e legumes crus, deita-se ao sol, mexe com as prostitutas e enxota Alexandre, o Grande, para que ele saia da frente do seu sol”.

Não se sabe ao certo, mas pode ser que Diógenes tenha escrito tragédias que mostravam a condição humana e também uma obra que teria influenciado o fundador da filosofia do Estoicismo, Zenão de Cítio. Havia histórias que se contavam sobre ele. Uma delas dizia que, certa vez, em Corinto, o general Alexandre perguntou ao filósofo se podia fazer algo por ele. Alexandre se encontrava numa posição que encobria o sol e fazia sombra para Diógenes. Este então teria dito: "Não me tires o que não me podes dar!" Ou:"Deixa-me com meu sol". A esse comportamento de Diógenes, os oficiais de Alexandre riram e ele teria dito: "Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes." Contavam também que Diógenes certa vez estava pedindo esmola a uma estátua. Para pessoas que perguntaram a razão disso ele teria respondido: "Por dois motivos: primeiro é que ela é cega e não me vê, e segundo é que eu me acostumo a não receber algo de alguém e nem depender de alguém." Ele não teve discípulos e falava usando parábolas, simbolismos, respostas curtas e grossas e com sua forma de viver. Fazendo ironias, sátiras e provocações, como também gritando, Diógenes causava incômodo em Platão, que o chamava de “Sócrates enlouquecido”. Sobre essa relação com Platão contava-se a seguinte história:

Platão teria dito que “O Homem é um bípede sem penas!” Então Diógenes, depois de pensar, teve a ideia de roubar uma galinha e foi até a escola de Platão, tirou as penas da ave e jogou-a no salão, apontando e dizendo: “Um humano! Um humano! Um bípede sem penas!” Os que estavam ali riram e Platão envergonhado por fim teria concluído: “O Homem é um bípede sem penas, das unhas chatas”.

Nunca se soube se Diógenes se considerava ofendido por ser chamado de “cão”, mas parece que ele acabou considerando essa forma de lhe chamarem como uma virtude. O termo “cínico” e “cinismo” vem de "kynikos”, oriunda de “Kynon”(cão). Para Diógenes os seres humanos tinham hábitos hipócritas e ganhariam se vissem como vive o cão. O filósofo dizia que os cães não reclamavam sobre o lugar que dormiam, viviam o presente e não ficavam em uma vida ansiosa e que sabiam por instinto quem era amigo e quem não era, sendo honestos diante da verdade. 

Os coríntios homenagearam Diógenes após sua morte com a criação de um pilar onde estava descansando um cão entalhado em mármore.  A obra que teria sido escrita por Diógenes (não há certeza se ele escreveu essa obra), com nome de Politeia (A República),criticava valores do mundo grego e defendia a liberdade sexual, a igualdade entre homens e mulheres, o fim das armas e protestava contra a arrecadação de impostos para as cidades. Ele criticava o amor, dizia que era algo absurdo, pois acreditava que não se devia ter apego a outra pessoa.

As histórias de sua morte são várias. Eis algumas: Alguns diziam que se deu por auto-asfixia, outros contavam que foi mordido por um cão. Outra versão dizia que morreu tentando comer um polvo cru.

Foi feito um túmulo por seus admiradores com os seguintes dizeres:

 

“Até o bronze cede ao tempo e envelhece, mas tua glória, Diógenes, permanecerá intacta eternamente porque só tu ensinaste aos mortais a doutrina de que a vida basta-se a si mesma, e mostraste o caminho mais fácil para viver”.

 

 

Algumas frases de Diógenes:

 

 

“Quanto mais procuro por homens honestos, mais admiro meus cachorros”.

 

“Qual o melhor momento para o jantar? Se alguém é rico, quando quiser, se é pobre, quando puder”.

 

“A liberdade para falar é a coisa mais bela para um homem”.

 

“O tempo é o espelho da eternidade”.

 

“Elogiar a si mesmo desagrada a todos”.

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

 


Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+di%C3%B3genes&sxsrf=ALeKk01-fq5Jb6-KJdViA0S69ljyMjKjBQ:1628882004907&tbm=isch&source=iu&ictx


quarta-feira, 11 de agosto de 2021

O filósofo grego Epicuro

 


                                                   



                                       

                                           


Epicuro foi um filósofo grego do período helenístico, que nasceu na Ilha de Samos em 341 a. C e morreu por volta de 271 ou 270 a. C em Atenas. O pensamento desse filósofo foi disseminado por vários lugares do mundo antigo como a Jônia, o Egito e em Roma a partir do século I, sendo Lucrécio o principal divulgador. Foi chamado de "Profeta do Prazer" e o "Apóstolo da Amizade”, apresentou um esboço da evolução 2.300 anos antes da teoria darwiniana.

Estudou em sua infância com Pânfilo, um estudioso platonista. Quando jovem Epicuro foi para Teos, na costa da Ásia Menor. Nesse local ele possivelmente estudou com Nausífanes, um discípulo de Demócrito de Abdera. Nessa época Epicuro pode ter estudado a teoria atomista e fez mudanças nessa teoria.  Aos 18 anos Epicuro cumpriu dois anos de serviço militar em Atenas. Buscava ter ideias próprias e não se dedicava com exclusividade a algum filósofo e não pretendia encontrar a suprema verdade em nenhum escrito de qualquer filósofo.

Ensinou gramática e filosofia em Lâmpsaco, Mitilene e Cólofon.Voltou para Samos em 323 a. C. Em 306 a. C tinha fundado a escola filosófica O Jardim e passou a residir em Atenas com alguns amigos. Teve problemas de saúde por causa de um cálculo renal e isso lhe proporcionou momentos de dor durante sua vida. Lecionou até sua morte em 270 a. C e quando morreu estava rodeado de amigos e discípulos.

Contexto histórico do Epicurismo:

Na época que se desenvolveu o epicurismo, havia já acontecido as conquistas macedônicas sobre territórios gregos e sobre o império persa. Após a morte do imperador Alexandre, seus generais dividiram o seu império. Uma forma de dominação de Alexandre foi manter aspectos culturais dos povos vencidos e houve uma fusão cultural envolvendo os gregos e povos orientais. Surgiu assim o helenismo. Nesse contexto foram criadas correntes filosóficas como o epicurismo. As ideias de Epicuro permaneceram mesmo com a dominação romana que se iniciou em 146 a .C. 

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A filosofia de Epicuro fez oposição à metafísica de Aristóteles e às ideias de Platão. Dizia Epicuro que nada está além de nossos sentidos e que não há outra realidade que possa existir sem o auxílio dos cinco sentidos.  Ele dizia que devemos dar prazer para receber prazer, não se deve causar injúria, deve-se viver e deixar viver, ser para si o melhor amigo ao mesmo tempo que se é um bom amigo para os outros. Para Epicuro há três tomadas de consciência do indivíduo: compreensão dos deuses, compreensão da morte e compreensão dos desejos. A sua filosofia buscava atingir a felicidade, buscando a aponia (ausência de dor física) e ataraxia (imperturbabilidade da alma). Para ele o homem segue o exemplo dos animais, procurando evitar a dor e buscando o prazer.

Para explicar a existência das coisas Epicuro baseou-se na teoria atômica de Demócrito. Dizia ele que tudo é formado de átomos, mas com diferentes naturezas, sendo os átomos com qualidades finitas, quantidades infinitas e com infinitas combinações. O corpo para ele seria uma soma de carne e alma e a morte física seria o fim do corpo e do indivíduo. Mas os átomos passariam a constituir outros corpos, pois para ele os átomos seriam eternos e indestrutíveis. A filosofia de Epicuro pretendia explicar todos os fenômenos naturais e eliminando os maiores medos humanos: o medo da morte e o medo dos deuses.

Para Epicuro os deuses viviam em perfeita harmonia e em um estado de felicidade divina. Os deuses não teriam a intenção de causar sofrimento aos seres humanos. Os deuses teriam de ser considerados como exemplos de bem-aventurança, servindo de modelos para os homens, sem instabilidade e sem serem dotados de paixões humanas.  Não deveriam ser temidos durante a vida das pessoas e nem depois da morte delas. Epicuro defendia a ideia de que não se deve temer a morte. Para ele depois de mortas as pessoas não poderão sentir algo porque estarão desprovidas de seus sentidos.

Na filosofia epicurista as dores e os prazeres estarão nesse caminho que busca a felicidade e ainda que nem sempre se possa evitar as dores físicas, elas não são duradouras, podendo ser suportadas usando-se as lembranças de momentos prazerosos que se tenha tido. Mas piores são as dores que atormentam a alma, muitas vezes relacionadas às frustrações, por causa de desejos que não foram satisfeitos. Para combater este tipo de dor, Epicuro indicava a reflexão. Os seguidores e discípulos de Epicuro encaravam a sua doutrina como uma boa nova, um meio de equilibrar dores e prazeres.

Epicuro escreveu cerca de 300 obras, porém sobraram somente três cartas que tratam a respeito da natureza, meteoros e sobre a moral. Também restaram uma coleção de pensamentos e partes fragmentadas de obras da filosofia epicurista perdidas. As cartas e os fragmentos foram reunidos por Herman Useneer, que em 1887 deu a todo este conjunto o título de Epicurea. O autor Hermann Diels veio a descobrir mais tarde que os fragmentos não eram de Epicuro e sim de Leucipo.

Epicuro dizia que o medo em relação aos deuses fazia que se cometessem maus atos, sendo empecilho à serenidade. Defendia que teria de haver a liberdade humana e a tranquilidade do espírito. Para se conseguir a liberdade e a tranquilidade seria preciso o atomismo. Na teoria epicurista há um encontro fortuito dos átomos devido a uma pequena inclinação em sua trajetória e com o choque deles se constitui a matéria. O átomo, para Epicuro, se desvia, por causa da inclinação e essa poderia ser por um desejo, uma vontade ou afinidade com outro átomo. O encontro fortuito dos átomos para ele é que asseguraria a liberdade. O Homem teria que compreender como funciona a natureza e essa compreensão o levaria a libertar-se do medo e das superstições que fazem o espírito sofrer. Epicuro em uma de suas cartas teria dito que há um número infinito de mundos no cosmos, sendo alguns habitados e outros não.

É importante destacar que o epicurismo, embora diga que o bem está no prazer, não é a mesma coisa que o hedonismo, que considera os prazeres sexuais e incentiva que haja prazer de forma intensa. No epicurismo o prazer é passivo, com ausência de paixões e com o fim de fatores que possam causar o sofrimento ou o temor, por exemplo, a morte. Segundo João Quartim de Moraes, professor aposentado da Universidade Estadual de Campinas: “Para Epicuro, a vida prazerosa exige paz de espírito, não sendo somente a totalidade dos prazeres da vida. A principal diferença, portanto, do epicurismo e do hedonismo é que o primeiro considera o prazer do repouso, a experiência psíquica da lembrança também é um prazer; enquanto a segunda considera apenas a experiência prazerosa no momento de sua fruição.”

O prazer para Epicuro é o do sábio, é a quietude da mente, domínio das emoções e de si próprio. A justa medida e não os excessos. Um prazer que satisfaz uma necessidade e acalma a dor. Para ele deve-se ter uma vida simples conduzida pela Natureza. O prazer que existe, segundo essa teoria, é o prazer corpóreo, o prazer do espírito seria lembrança dos prazeres do corpo. A saúde seria o máximo prazer. A amizade seria um desses prazeres. Na academia de Epicuro, O Jardim, os amigos se dedicavam à filosofia e essa teria como característica maior a libertação do Homem e uma vida feliz.

A classificação dos desejos para Epicuro seriam: 1- Necessários: para a felicidade, para a tranquilidade do corpo, para a vida (nutrição, sono); 2-Simplesmente naturais: variação de prazeres, busca do que é agradável; 3-Artificiais (como a riqueza e a glória); 4-Irrealizáveis (como a imortalidade). Para Epicuro, os desejos não naturais e não necessários surgem de uma opinião falsa sobre o mundo, estimulados por sentimentos de vaidade, orgulho ou inveja. Epicuro considerava que os seres humanos tinham o dever de tornar a vida presente a melhor possível e a vida teria de ter prazer, um prazer refinado, não turbulento, com uma vida simples e evitando os excitamentos de querer sempre mais. Ele dizia que a filosofia é dividida em: Uma parte lógica para diferenciar as formas de conhecimento verdadeiro; uma parte física para mostrar a estrutura verdadeira da realidade; uma parte que se constituiria na chave para abrir as portas da felicidade.

Pode-se dizer que o epicurismo é um sistema filosófico que diz que deve-se buscar prazeres moderados de modo a se atingir uma condição de tranquilidade e de libertação do medo, evitando-se o sofrimento do corpo a partir do conhecimento de como o mundo funciona e da limitação dos desejos. Os desejos exagerados podem assim gerar perturbações frequentes e causando dificuldades para se obter a felicidade,  estando essa relacionada à saúde do corpo e à serenidade do espírito. Para essa teoria, é preciso controlar medos e desejos e assim ser feliz, o estado de prazer tem que ser estável e equilibrado, havendo a tranquilidade e evitando-se a existência de perturbações.

A filosofia epicurista teve muitos seguidores no mundo antigo mediterrânico. A sua influência ainda perdurou por cerca de sete séculos após a morte do seu criador. Três elementos eram fundamentais para Epicuro para se atingir a felicidade: liberdade, amizade e tempo para filosofar. Na teoria do conhecimento epicurista há a valorização da experiência imediata. Para Epicuro o conhecimento tem origem nas sensações e impressões dos sentidos e as sensações são sempre verdadeiras. Deve-se aproximar da realidade por meio de sensação, antecipação e afecção. As afecções ocorrem de dois modos:o prazer, que é segundo a natureza, e a dor que é oposta à natureza. Faz-se necessário, segundo Epicuro, deixar os prazeres que possam causar aflição e aceitar a dor quando ela traz em si um bem futuro. Ele valorizava a contemplação intelectual e a amizade como os mais elevados prazeres e ensinou que o ser humano se livra da dor por intermédio de suas recordações e esperanças.

Para Epicuro há uma forma de pensar, o logismós, envolvendo raciocínio, cálculo e pensamento discursivo. Assim, pelo logismós pode-se fazer a alma não cair no erro em seus julgamentos e em suas opiniões, fazendo-a ser capaz de perceber os limites do prazer e saber quais prazeres causam uma vida que seja agradável e sem perturbações, havendo uma capacidade de medir e ponderar.

Epicuro teve discípulos de vários tipos, alguns ricos e outros não, até mesmo mulheres e escravos. Ele não entendia o conhecimento como algo a ser direcionado a um só tipo de pessoa, acreditando que todos tinham direito a conhecer, defendendo que a sabedoria pode conduzir à felicidade.

Em pensadores estoicos, como Cícero, Sêneca e até mesmo Marco Aurélio pode-se perceber uma influência de Epicuro, embora existam diferenças entre estoicos e epicuristas. Para os estoicos a perfeição humana estava relacionada ao fundamento de que os seres humanos estão ligados à natureza e precisam negar seus desejos e voltarem-se à realização de uma vontade direcionada pela razão, que tem que estar em equilíbrio com a natureza. A felicidade para os estoicos baseia-se numa ética rigorosa e para eles o universo é governado por uma razão universal divina e que os homens devem dominar suas paixões. Para os estóicos deve haver também a indiferença em relação ao que é externo ao ser. O epicurismo está relacionado aos prazeres terrenos. Os epicuristas dizem que os homens são inclinados aos seus interesses individuais e cada um deve buscar nos prazeres a felicidade. Para os estoicos o que deve ser procurado não é o prazer e sim a virtude.

Epicuro era conhecido por estar sempre sereno, calmo e benevolente ele, antes de morrer disse: “lembrem de meus ensinamentos

Sobre Epicuro disse Diógenes Laércio em sua obra sobre o filósofo:

“Há testemunhas suficientes para provar a índole insuperavelmente nobre deste homem para com todos os homens: a sua cidade natal, que o honrou com estátuas de bronze; seus amigos, tão numerosos que nem podem ser contados; seus partidários que ficaram cativados pelos seus ensinamentos atraentes, com exceção de Metrodoro de Estratoniceia, que passou para Carnéades, ficando, porém, profundamente humilhado pela bondade sem limites de Epicuro; pela sequência da escola, que, enquanto todas as outras, praticamente, se perderam, continuou a florescer sob a direção de diversos discípulos epicureus; pela sua gratidão para com seus pais; pela caridade para com seus irmãos; pela sua brandura para com seus escravos e, em geral, pelo seu proceder cheio de afeto para com todos os homens. O seu respeito piedoso para com a divindade e o seu amor à pátria são indizíveis: pois num excesso de equidade, ele nem quis ocupar-se com política. E, apesar de, naquele tempo, a sua pátria natal helênica haver padecido nas piores circunstâncias, lá passou ele a sua vida, viajando apenas por duas ou três vezes na região jônica da Ásia Menor para visitar seus amigos, que acorriam de todos os pontos cardeais para com ele viverem no Jardim, da maneira mais moderada e simples... Assim era o homem que pregava o “gozo” como finalidade da vida”.

Segundo Johannes Mewaldt na introdução de Pensamentos. Epicuro. Textos Selecionados:

“De pura origem ática, como nos relatam com ênfase, de velha linhagem nobre, Epicuro nasceu em janeiro do ano 341 a. C, filho de Néocles e de Queréstrata, não em Atenas, mas na ilha jônica de Samos, onde seu pai, que emigrara dez anos antes para lá, tomava conta de uma propriedade rural. Era uma época difícil, também do ponto de vista econômico, na qual a luta entre Atenas, dirigida por Demóstenes, e o rei da Macedônia, Filipe, se tornava séria; três anos depois do nascimento de Epicuro, ano de 338 a. C, a coalizão dos helenos foi aniquilada em Queroneia. Epicuro cresceu num meio campestre simples, sob a guarda de seus pais, aos quais demonstrou, por toda a sua vida, um profundo reconhecimento, e juntamente com três irmãos que mais tarde se tornaram seus discípulos (...)”

 


Pensamentos de Epicuro:

 

“É impossível viver prazerosamente sem viver prudente, bela e justamente, nem viver prudente, bela e justamente sem viver prazerosamente. Aquele que está privado daquilo que permite viver prudente, bela e justamente, não pode viver feliz, mesmo se for correto e justo.“

 

“Nenhum prazer é em si mesmo um mal, mas aquilo que produz certos prazeres acarreta sofrimentos bem maiores do que os prazeres.”

“Aqueles desejos naturais que quando permanecem insatisfeitos não provocam padecimento, mas suscitam forte tensão, são produto de uma vã opinião, e quando não se dissipam não é por causa de sua natureza própria, mas da futilidade humana.”


“Aquele que melhor goza a riqueza é aquele que menos necessidade dela tem.”

“O prazer de fazer o bem, é maior do que recebê-lo.”

“Se queres a verdadeira liberdade, deves fazer-te servo da filosofia.”

    “Nada é bastante ao homem para quem tudo é demasiado pouco.”

O prazer não é um mal em si; mas certos prazeres trazem mais dor do que felicidade.

  “Só há um caminho para a felicidade. Não nos preocuparmos com coisas  que ultrapassam o poder da nossa vontade.”

     “O homem sereno procura serenidade para si e para os outros.”

      “Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas   sim em diminuir a tua cobiça.”

      “As pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo.”

       “O justo é tranquilíssimo, o injusto é sempre muito solícito.”

“A amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada.”

“É estupidez pedir aos deuses aquilo que se pode conseguir sozinho.”

      “A liberdade é o maior fruto da autossuficiência.”

“Não se pode não ter medo quando se inspira o medo.”

“Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.”

       “Todo o desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira filosofia.”

“Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem canse o fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma.”

      “E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou, assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz.”

“Se queres enriquecer Pítocles, não lhe acrescentes riquezas: diminui-lhe os desejos.”

"Qualquer argumentação filosófica que não tenha como preocupação principal abordar terapeuticamente o sofrimento humano é inútil"

“Somente o justo desfruta de paz de espírito.”

     “Faz tudo como se alguém te contemplasse.”

“Caráter é aquilo que você é quando ninguém está te olhando.”

“Na discussão, o vencido obtém maior proveito, pois aprende aquilo que ainda não sabia.”

“Lembre-se de que aquilo que você tem hoje, um dia esteve entre as coisas que desejava."

“Os alimentos mais simples proporcionam o mesmo prazer que as iguarias mais requintadas, desde que se remova a dor provocada pela falta.”

“Das coisas que a sabedoria proporciona para tornar a vida inteiramente feliz, a maior de todas é uma amizade”.


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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História


Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+epicuro&sxsrf=ALeKk01nz9xTJwGUVywyfGKBN5FeJEolmw:1628728527602&tbm=isch&source

 

terça-feira, 3 de agosto de 2021

O fabulista grego Esopo

 





Esopo foi possivelmente um fabulista que pode ter nascido em 620  a. C e que morreu em 564 a. C, na cidade grega de Delfos. Suas obras principais foram suas fábulas. A ele é atribuída a criação desse gênero literário. As fábulas de Esopo inspiraram escritores ocidentais posteriores como Fedro e La Fontaine. Não se tem certeza sobre a real existência de Esopo, mas as fábulas tidas como obras dele foram se espalhando em muitas línguas por meio de tradição oral. As fábulas se caracterizam, por exemplo, por animais com características humanas e que podem falar.

Não se sabe sobre qual seria o local exato de nascimento de Esopo, podendo ser na Frígia, Egito, Etiópia, Samos, Atenas, Sardes e Amório. A hipótese sobre a origem africana de Esopo é forte, considerando-se que alguns animais de suas fábulas seriam muito comuns neste continente. Uma outra questão levantada por estudiosos em relação à origem de Esopo é que em locais de tradição oral de povos africanos e do Oriente Próximo, como também da Pérsia, havia contos em que animais tinham qualidades humanas, como nas fábulas. Escritos egípcios diziam que Esopo nasceu na Trácia, aproximadamente em 550 a. C. O escritor antigo Plutarco afirmou que Esopo pode ter sido conselheiro do rei Creso, da Lídia. Esopo teria viajado muito, com passagens pelo Egito, Babilônia e outros lugares, incluindo influências culturais dessas regiões nas suas fábulas.

Um relato do historiador grego Heródoto diz que Esopo foi executado injustamente em Delfos. Segundo esse historiador, Esopo teria sido escravo do filósofo Janto, de Samos, que pode ter dado a liberdade a Esopo. Quem reuniu as fábulas que Esopo teria escrito foi Demétrio de Faleros, no século III a. C. Na sua obra Retórica, Aristóteles afirmou que Esopo uma vez fez um discurso na Assembleia de Samos defendendo um demagogo. Também Platão no diálogo Fédon mencionou Esopo. As fábulas, nas quais os animais eram os personagens, tinham um sentido moral e simbólico. Em Atenas, no século V a. C, havia gosto em apreciar as fábulas. Além dos animais podia haver a presença de homens, deuses e objetos inanimados. Baseando-se na cultura popular Esopo criava as fábulas que apontavam normas que deveriam ser seguidas pelas pessoas. Os animais se comportavam como os homens. Para a atualidade chegaram 40 fábulas atribuídas a Esopo. No século I   d. C Fedro, um escravo liberto, escreveu em latim livros de fábulas parecidas em estilo com as de Esopo.


Os fabulistas medievais fizeram uso das fábulas de Esopo. O monge bizantino e humanista, do século XIV, Maximus Planudes, revisou as fábulas, que eram comparadas aos ensinamentos morais dos evangelhos cristãos. Poetas medievais também se inspiraram em Esopo. O escritor francês La Fontaine também foi influenciado pelas fábulas de Esopo. Sobre Esopo o filósofo Apolônio de Tiana, no século III d. C disse: “Como aqueles que jantam bem nos pratos mais  planos, ele fez uso de humildes incidentes para ensinar grandes verdades, e após servir uma história ele adiciona a ela o aviso para fazer uma coisa ou não fazê-la. Então, também, ele foi realmente mais atacado por causa da verdade do que os poetas são.”

 


Frases atribuídas a  Esopo:
 

“Unidos venceremos. Divididos, cairemos.”

“Um pedaço de pão comido em paz é melhor do que um banquete comido com ansiedade.”

“Nenhum gesto de amizade, por muito insignificante que seja, é desperdiçado.”

“O amor constrói, a violência arruína.”

“Quem tudo quer, tudo perde.”

“Não se deve contar com o ovo quando ele está dentro da galinha.”

“Ninguém é tão grande que não possa aprender, nem tão pequeno que não possa ensinar.”

“As desventuras servem de lição aos homens.”

“Os hábeis oradores, com astúcia e prudência, sabem converter em elogios os insultos recebidos dos amigos.”

“Não conte os seus pintos antes de saírem da casca.”

“Até mesmo os poderosos podem precisar dos fracos.”

“O intenso desejo de honras perturba a mente humana e obscurece a visão dos perigos.”

“A gratidão é a virtude das almas nobres.”

 

Algumas fábulas que podem ter sido criadas por Esopo:

 

 

“A Raposa e a Cegonha

A raposa e a cegonha mantinham boas relações e pareciam ser amigas sinceras. Certo dia, a raposa convidou a cegonha para jantar e, por brincadeira, botou na mesa apenas um prato raso contendo um pouco de sopa. Para ela, foi tudo muito fácil, mas a cegonha pode apenas molhar a ponta do bico e saiu dali com muita fome.

- Sinto muito, disse a raposa, parece que você não gostou da sopa.
- Não pense nisso, respondeu a cegonha. Espero que, em retribuição a esta visita, você venha em breve jantar comigo.

No dia seguinte, a raposa foi pagar a visita. Quando sentaram à mesa, o que havia para o jantar estava contido num jarro alto, de pescoço comprido e boca estreita, no qual a raposa não podia introduzir o focinho. Tudo o que ela conseguiu foi lamber a parte externa do jarro.

- Não pedirei desculpas pelo jantar, disse a cegonha, assim você sente no próprio estomago o que senti ontem.

(Quem com ferro fere, com ferro será ferido)”

 

“O Leão Apaixonado


Certa vez um leão se apaixonou pela filha de um lenhador e foi pedir a mão dela em casamento. O lenhador não ficou muito animado com a idéia de ver a filha com um marido perigoso daquele e disse ao leão que era uma honra, mas muito obrigado, não queria. O leão se irritou; sentindo o perigo, o homem foi esperto e fingiu que concordava:
- É uma honra, meu senhor. Mas que dentões o senhor tem! Que garras compridas! Qualquer moça ia ficar com medo. Se o senhor quer casar com minha filha, vai ter que arrancar os dentes e cortar as garras.
O leão apaixonado foi correndo fazer o que o outro tinha mandado; depois voltou à casa do pai da moça e repetiu seu pedido de casamento. Mas o lenhador, que já não sentia medo daquele leão manso e desarmado, pegou um pau e tocou o leão para fora de casa.

Moral da história:


Quem perde a cabeça por amor, sempre acaba mal.”

 

“O Rato e a Ratoeira

Numa planície da Ática, perto de Atenas, morava um fazendeiro com sua mulher; ele tinha vários tipos de cultivares, assim como: oliva, grão de bico, lentilha, vinha, cevada e trigo. Ele armazenava tudo num paiol dentro de casa, quando notou que seus cereais e leguminosas, estavam sendo devoradas pelo rato. O velho fazendeiro foi a Atenas vender partes de suas cultivares e aproveitou para comprar uma ratoeira. Quando chegou em casa, adivinha quem estava espreitando?

Um rato, olhando pelo buraco na parede, vê o fazendeiro e sua esposa abrindo um pacote. Pensou logo no tipo de comida que haveria ali.

Ao descobrir que era uma ratoeira ficou aterrorizado.

Correu para a esplanada da fazenda advertindo a todos:

- Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira na casa !!

A galinha disse:

- Desculpe-me Sr. Rato, eu entendo que isso seja um grande problema para o senhor, mas não me prejudica em nada, não me incomoda.

O rato foi até o porco e disse:

- Há uma ratoeira na casa, uma ratoeira !

- Desculpe-me Sr. Rato, disse o porco, mas não há nada que eu possa fazer, a não ser orar. Fique tranqüilo que o Sr. Será lembrado nas minhas orações.

O rato dirigiu-se à vaca. E ela lhe disse:

- O que ? Uma ratoeira ? Por acaso estou em perigo? Acho que não !

Então o rato voltou para casa abatido, para encarar a ratoeira. Naquela noite ouviu-se um barulho, como o da ratoeira pegando sua vítima.

A mulher do fazendeiro correu para ver o que havia pego.

No escuro, ela não viu que a ratoeira havia pego a cauda de uma cobra venenosa. E a cobra picou a mulher… O fazendeiro chamou imediatamente o médico, que avaliou a situação da esposa e disse: sua mulher está com muita febre e corre perigo.

Todo mundo sabe que para alimentar alguém com febre, nada melhor que uma canja de galinha. O fazendeiro pegou seu cutelo e foi providenciar o ingrediente principal. Como a doença da mulher continuava, os amigos e vizinhos vieram visitá-la.

Para alimentá-los, o fazendeiro matou o porco.

A mulher não melhorou e acabou morrendo.

Muita gente veio para o funeral. O fazendeiro então sacrificou a vaca, para alimentar todo aquele povo.

Moral:


Na próxima vez que você ouvir dizer que alguém está diante de um problema e acreditar que o problema não lhe diz respeito, lembre-se que quando há uma ratoeira na casa, toda fazenda corre risco. O problema de um é problema de todos.”

 

“A coruja e a águia

A coruja e a águia, depois de muita briga, resolveram fazer as pazes.
– Basta de guerra – disse a coruja. – O mundo é tão grande, e tolice maior que o mundo é andarmos a comer os filhotes uma da outra.
– Perfeitamente – respondeu a águia. – Também eu não quero outra coisa.
– Nesse caso combinemos isto: de agora em diante não comerás nunca os meus filhotes.
– Muito bem. Mas como vou distinguir os teus filhotes?
– Coisa fácil. Sempre que encontrares uns borrachos lindos, bem feitinhos de corpo, alegres, cheio de uma graça especial que não existe em filhote de nenhuma outra ave, já sabes, são os meus.
– Está feito! – concluiu a águia.
Dias depois, andando à caça, a águia encontrou um ninho com três monstrengos dentro, que piavam de bico muito aberto.
– Horríveis bichos! Vê-se logo que não são os filhos da coruja – disse ela, e comeu-os.
Mas eram os filhos da coruja. Ao regressar à toca a triste mãe chorou amargamente o desastre e foi ajustar as contas com a rainha das aves.
– Quê? – perguntou esta, admirada. – Eram teus filhos aqueles monstrenguinhos? Pois, olha, não se pareciam nada com o retrato que deles me fizeste...

Moral:


Quem ama o feio, bonito lhe parece.

 

 

“O Camundongo da Cidade e o do Campo


Um camundongo que morava na cidade foi, uma vez, visitar um primo que vivia no campo. Este era um pouco arrogante e espevitado, mas queria muito bem ao primo, de maneira que o recebeu com muita satisfação. Ofereceu-lhe o que tinha de melhor: feijão, toucinho, pão e queijo.

O camundongo da cidade torceu o nariz e disse:
– Não posso entender, primo, como você consegue viver com estes pobres alimentos. Naturalmente, aqui no campo, é difícil obter coisa melhor. Venha comigo e eu lhe mostrarei como se vive na cidade. Depois que passar lá uma semana, você ficará admirado de ter suportado a vida no campo.

Os dois puseram-se, então, a caminho. Tarde da noite, chegaram à casa do camundongo da cidade.
– Certamente você gostará de tomar um refresco, após esta caminhada, disse ele polidamente ao primo.

Conduziu-o à sala de jantar, onde encontraram os restos de uma grande festa. Puseram-se a comer geleias e bolos deliciosos. De repente, ouviram rosnados e latidos.
– O que é isto? – perguntou, assustado, o camundongo do campo.
– São, simplesmente, os cães da casa – respondeu o da cidade.
– Simplesmente? Não gosto desta música durante o meu jantar.

Neste momento, a porta se abriu e apareceram dois enormes cães. Os camundongos tiveram que fugir a toda pressa.

– Adeus, primo – disse o camundongo do campo. – Vou voltar para minha casa no campo.
– Já vai tão cedo? – perguntou o da cidade.
– Sim, já vou e não pretendo voltar – concluiu o primeiro.

Moral:


Mais vale o pouco certo do que o muito duvidoso.”

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

Figura: 

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