quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

A situação atual entre Ucrânia e Rússia

 





Está sendo muito noticiada a tensão existente entre a Ucrânia e a Rússia, outrora repúblicas da extinta União Soviética. Esta situação envolve também a União Europeia e os Estados Unidos. Na verdade a questão abrange aspectos geopolíticos, econômicos, culturais e militares.

A Ucrânia é um país de grandes recursos agrícolas (considerada o “celeiro Europa" devido à fertilidade de suas terras). Está localizado na Europa Oriental com 603 628 quilômetros quadrados (o maior país totalmente no continente europeu) cerca de 44 milhões de habitantes segundo informação do ano de 2020. Faz fronteira com a leste e nordeste com a Rússia; a noroeste com a Bielorússia; a oeste com com Polônia, Eslováquia e Hungria; a sudoeste com Romênia e Moldávia e ao sul e sudeste com o Mar Negro e o Mar de Azov.

Historicamente, há aproximadamente 4 mil anos, o território ucraniano começou a ser habitado. É possível que a região seja onde se começou a se domesticar cavalos e onde se iniciaram línguas indo-europeias. Na Idade Média foi um núcleo cultural dos eslavos do leste: a Rússia de Kiev. Esse Estado era poderoso nos séculos IX, X, XI e XII e estabeleceu os fundamentos das identidades nacionais ucraniana e outras nações eslavas orientais. A capital era Kiev.  Havia uma elite política formada por varegues (vindos da Escandinávia), que se integraram à população local e formaram a dinastia ruríquida. Vários príncipes dessa dinastia dominavam a região e não raramente guerreavam entre si. O principado abrangia terras das atuais Ucrânia, Bielorrússia e da Rússia europeia. No reinado de Vladimir, o Grande (980-1015), o Estado de Kiev se aproximou do cristianismo do Império Bizantino e no reinado de Jeroslau I, filho de Vladimir, houve um maior poder militar e cultural.

No século XIII o território da Ucrânia ficou fragmentado e houve a invasão por povos diversos, como os mongois, que a dividiram e passaram a domina-la. No século XIV, o rei da Polônia, Casimiro IV, conquistou grande parte da região e também os lituanos fizeram conquistas no território da antiga Rússia de Kiev. No século XVI houve a União de Lublim, criando a Comunidade Polaco-Lituana que dominou o território ucraniano.

Em 1648, após uma grande rebelião cossaca contra o rei polonês João Casimiro, houve uma partilha da Ucrânia entre a Polônia e a Rússia. Mas com as partilhas da Polônia no século XVIII entre a Prússia, a Aústria e a Rússia, houve una divisão do território ucraniano entre Aústria e Rússia. Os ucranianos ligados ao Império Russo participaram de guerras contra monarquias ocidentais e contra o Império Otomano, tendo havido ucranianos que ocuparam altos postos da administração czarista e da Igreja Ortodoxa russa.

Em relação à cidade de Kiev (atual capital da Ucrânia), ela passou para o domínio da Rússia no século XVII. No século XIX, nos anos 40, o historiador Mykola Kostomarov fundou a irmandade de São Cirilo e São Metódio, propganado a ideia de um federação do povo eslavo livre, com destaque para os ucranianos que ficariam separados da nação russa. O movimento foi reprimido pelo poder russo.

A Ucrânia gradualmente perdia autonomia no século XIX e houve uma grande migração de russos e mudanças administrativas promovidas pelo Império Russo.  Kiev foi dominada pela população russa no início do século XX, mas a população mais pobre manteve muitos costumes ucranianos. Também nobres, militares e comerciantes de origem ucraniana fizeram ações de preservação da cultura nativa de Kiev, que desde o fim do século XIX tornou-se um importante centro comercial do Império Russo e alguns anos depois também um destacado centro industrial, sendo que a primeira linha de bonde elétrico do Império Russo foi implantada na cidade. Após a revolução bolchevique, no século XX, foi consolidada a república soviética da Ucrânia. Nos anos de 1920 houve uma considerável migração da população de língua ucraniana do campo para Kiev, que foi muito industrializada durante a fase de industrialização soviética dessa época. A Ucrânia foi muito afetada pela grande fome do início dos anos 30 e a maioria dos intelectuais ucranianos foi morta na repressão política de Stalin.

Durante a Segunda Guerra Mundial houve muitas mortes e destruição na Ucrânia, inclusive terríveis massacres de judeus. Nos anos de 1980 houve a catástrofe da usina nuclear de Chernobil. E no início dos anos 90 houve o colapso da União Soviética. Em 1991, com o fim da União Soviética (URSS), a Ucrânia tornou-se independente. Possui 24 oblasts (províncias). Destacou-se em 2011 como o terceiro maior exportador de grãos do mundo. Possui importantes indústrias aeronáuticas e de equipamentos. Politicamente tem um sistema semipresidencial. Seu exército é o terceiro maior da Europa, o francês é o segundo e o russo é o maior de todos. A composição da população é na maioria de ucranianos étnicos (cerca de 77%), vindo em seguida russos (17%) e minorias de bielorrussos e romenos. A língua oficial é o ucraniano e a outra língua muito falada é o russo. O alfabeto destas duas línguas é o cirílico. Na religião predomina o cristianismo ortodoxo oriental.

Mais recentemente, em 2013, houve um movimento político na Ucrânia em direção à União Europeia. A partir de 2014 passaram a haver conflitos envolvendo a Rússia e a Ucrânia. Nesse ano, a Rússia incorporou o território da Crimeia e a partir de então houve enfrentamentos militares na região de fronteira entre Rússia e Ucrânia, com a incorporação parcial do extremo leste ucraniano com o apoio de milícias locais pró-Rússia, com um saldo de milhares de mortos.  E, atualmente, há mais de 100 mil soldados na fronteira com a Ucrânia. No momento, o inverno está atrapalhando o transporte militar e ainda não foram instalados hospitais de campanha em número suficiente. Esses são elementos que podem estar atrasando um grande ataque, mas não impedem de começar ao menos parcialmente.

O exército ucraniano tem forças consideráveis e está bem armado com equipamentos ocidentais. Segundo alguns especialistas, uma resistência maior dos ucranianos poderia começar a esgotar os esforços militares russos, embora com grandes perdas de ambos os lados. O governo dos Estados Unidos está cogitando fazer retaliações no caso de um ataque russo, atrapalhando o fornecimento de gás russo à Europa (o que poderá causar dificuldades a países europeus) e fazendo bloqueios que afetem o sistema financeiro russo (o que pode levar a uma aproximação maior da Rússia com a China, para compensar as perdas russas).

A Ucrânia tem acusado Moscou de estar coordenando ataques cibernéticos e disseminando fake news. A nível mundial, um ataque russo pode afetar o preço do barril de petróleo. Este aumento poderá atingir também o Brasil. Outras consequências estão ligadas a uma possível crise migratória e à questão energética europeia, afetando, por exemplo, a economia alemã. Devido a esta questão relativa ao fornecimento de gás russo, não há um consenso de nações europeias sobre a reação a um ataque da Rússia. Os Estados Unidos já estão colocando de prontidão alguns milhares de soldados que poderão ser deslocados para o leste europeu e também navios estão sendo mandados para a região do Mar Negro. 

A seguir análises de especialistas:

Segundo o professor aposentado de História Contemporânea, Antônio Barbosa, da Universidade de Brasília (UnB): “É uma questão basicamente de geopolítica, mexendo com o tabuleiro de xadrez da política internacional. É como se fosse um triângulo com três vértices: de um lado a Rússia, do outro lado os Estados Unidos e o terceiro vértice seria a Europa propriamente dita. E, no meio de toda esta confusão, está a Ucrânia”. E ainda disse: “Putin está conseguindo mostrar que, apesar de a União Soviética não existir mais, de ter perdido o controle sobre os países do Leste Europeu, a Rússia continua sendo uma grande potência, inclusive mantendo intacto o seu arsenal nuclear”.

Para o professor Toal, da Universidade de Virgínia Tech (EUA): “A Rússia está seguindo essas políticas no momento porque percebe que um país que está perto de sua fronteira está se tornando uma plataforma para uma aliança militar ameaçadora. Portanto, tem a ver com possibilidade de a Ucrânia se tornar membro da OTAN e assim passar a armazenar mísseis e tropas dessa aliança”. Esse professor também diz: “A Rússia não vê a Ucrânia como apenas um país. A visão dominante do nacionalismo russo é que a Ucrânia é uma nação eslava irmã e, além disso, o coração da nação russa. Essa é uma ideologia muito poderosa, que faz da Ucrânia um elemento central da identidade russa”. Diz também: “Portanto, há sentimentos muito fortes quando a Ucrânia como nação se define em oposição à Rússia. Isso causa muita raiva e frustração na Rússia, que se sente traída por um irmão. E isso tem a ver com a incapacidade da visão dominante entre os russos de reconhecer a identidade nacional ucraniana como algo separado da Rússia”.

Toal discorda de que se veja a crise na Ucrânia do ponto de vista emocional: “Muitos analistas fazem isso e penso que é uma abordagem perigosa. Quando olhamos para os argumentos emotivos da crise na Ucrânia, tendemos a reduzi-los a ideias como a de que Putin está chateado e zangado. Nós o transformamos em uma espécie de louco, que toma decisões irracionais. Isso é um erro. Essas emoções são genuínas e fazem parteda cultura geopolítica da Rússia, então qualquer líder daquele país teria de lidar com elas e decidir se afirma-las ou deixa-las de lado.” E destaca: “Acredito que as políticas de Putin tem muito a ver com sua personalidade e sua história como ex-agente da KGB (agência de inteligência da URSS) que foi treinado na era soviética e que tem um anseio particular por um Estado forte. Todas essas coisas são extremamente importantes. Um líder da geração  mais jovem provavelmente abordaria essas questões de maneira diferente, mas essas emoções são genuínas e não podemos dizer que são apenas elementos da personalidade de Putin”.

Para George Friedman, da Geopolitical Futures: “A Ucrânia é a fronteira ocidental da Rússia. Quando os russos foram atacados pelo oeste durante a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, foi o território da Ucrânia que os salvou. Inimigos tinham de percorrer mais de 1,6 mil quilômetros para chegar à Moscou. Se a Ucrânia cair nas mãos da OTAN, Moscou estaria a apenas 640 km deles. Foi a Ucrânia que salvou os russos de Napoleão. Portanto, se trata de uma zona de segurança que eles querem manter”. Para este comentarista político, os líderes russos fazem menção à Doutrina Monroe do século XIX (“A América para os americanos”), usada contra as intervenções européias na América, pois por esta ótica territórios como a Ucrânia fazem parte de uma zona de influência histórica russa e onde não deve haver interferências externas. Para esse comentarista: “(...)Do ponto de vista da segurança nacional da Ucrânia, eles buscam aliados contra um Estado que veem como muito perigoso e que já lhes tomou parte de seus territórios reconhecidos internacionalmente”. E sobre a preocupação geopolítica da Rússia diz ele: “Sim, os dois países compartilham uma historia comum. Historicamente, a Ucrânia foi dominada e oprimida pelos russos. Durante o período soviético, eles sofreram uma grande fome, em que milhões  de pessoas morreram, porque a Rússia queria exportar os grãos que produziam. A grande unidade entre o povo russo e ucraniano é um absurdo”

Outro especialista, o professor Maurício Santoro, do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj),disse: a causa última de todos esses conflitos envolvendo a Ucrânia é definir qual é a esfera de influência da Rússia, dos Estados Unidos e da União Europeia no Leste da Europa”. Esse estudioso destaca que depois do fim da URSS houve uma expansão da influência ocidental nos países que antes eram aliados da URSS e até mesmo em ex-repúblicas soviéticas. Disse a respeito: “Elas passaram a fazer parte da União Europeia, da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte], ou dos dois ao mesmo tempo.” Sobre a expansão da OTAN e a sensação de estar sob ameaça por parte da Rússia ele disse: Uma ameaça para sua própria integridade territorial” e especificamente no caso da Ucrânia afirmou: “Basicamente a metade leste do país tem uma história muito ligada à Rússia e uma presença muito grande de pessoas que falam russo, com origem étnica russa, quer dizer os laços históricos ali realmente são todos voltados para a Rússia”. Porém fez observações sobre diferenças entre a parte leste e a parte oeste da Ucrânia. Sobre a parte leste: “Basicamente a metade leste do país tem uma história muito ligada à Rússia e uma presença muito grande de pessoas que falam russo, com origem étnica russa, quer dizer os laços históricos ali realmente são todos voltados para a Rússia (...). Sobre a parte oeste:..”É um território que, em vários momentos da história, fez parte do império Habsburgo ou fez parte da Polônia. É outra cultura, outra tradição histórica, então a Ucrânia é, ela mesma, muito dividida com relação a para onde ele vai.”

Sobre a questão energética que envolve a Rússia e países da Europa, o professor Barbosa fez o seguinte comentário: “Na eventualidade de um conflito armado naquela região, a Rússia poderia suspender o fornecimento deste gás, que é vital. Um dos países que mais sofreria com isso é a Alemanha, o que talvez explique o fato de que, ao contrário do Reino Unido e ao contrário da França, a Alemanha, até o presente momento, não abriu a boca para contestar Putin”.

Diante de todo o cenário apresentado e considerando as análises mostradas acima, uma guerra envolvendo Rússia e Ucrânia terá graves efeitos não só para os dois países. Também outros países serão afetados e poderá haver consequências na economia mundial. É preciso que todas as ações diplomáticas sejam tentadas para evitar um confronto bélico e se estabelecer a paz. Penso que deve ser encontrar um meio de assinar um acordo político, possivelmente com a não adesão da Ucrânia à OTAN, mas com a garantia territorial da Ucrânia, que deveria ser restituída dos seus territórios incorporados à Rússia recentemente, com a garantia de todos os direitos políticos e culturais das populações etnicamente russas na Ucrânia e possibilitando a continuação da base militar russa em Sebastopol, na Crimeia, que é considerada altamente estratégica pela Rússia. Quanto à entrada definitiva na União Europeia, considero ser direito da Ucrânia decidir se vai fazer parte da mesma. Também penso que poderiam ser mantidos laços fortes culturais com a Rússia, assim como se estabelecendo relações políticas e econômicas com este país, desde que preservando totalmente a independência da Ucrânia.

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

 

 

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+do+mapa+da+ucrania&tbm=isch&ved=2ahUKEwi9zv21oOL1AhWVupUCHTJHAcQQ2-cCegQIABAA&oq=imagem+do+mapa+da+ucrania&gs_lcp=C

 

 


terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Poemas de fim de janeiro

 







Um poema

Eu queria fazer um poema,

Tão belo como você

Linda dama.

Um poema que pudesse dizer

O quanto você é bela.

Um poema que falasse a língua das estrelas,

Que tocasse o céu,

Que refletisse o brilho dos olhos seus,

Que fizesse você sorrir,

Que tivesse o poder,

De me transportar

Para onde você está.

Um poema que parasse as guerras,

O poema dos poemas!

Ah! Quanta ilusão!

Um poema-canção,

Um poema para chegar no seu coração.

Ah! Os poetas,

Estes viajantes,

Que ora tristes,

Ora risonhos,

Teimam em viajar em seus próprios sonhos!

Márcio José Matos Rodrigues

 








O poeta

O poeta

É um ser encantado,

Que se encanta

E se pasma

Diante do pássaro que canta.

O poeta é um ser que ama,

Que clama,

Que tem em si uma chama

Que arde.

O poeta é um ser

Que fala das manhãs,

Das tardes

E do anoitecer.

O poeta vai até você

Falando baixinho,

Sem alarde,

Oferecendo versos,

Como quem oferece uma taça de vinho!

Márcio José Matos Rodrigues

 









Meus versos

Meus versos,

Não são grilhões,

São canções,

São pássaros

Que pousam em teus braços.

Meus versos são beijos,

São abraços,

Querem ser o descanso

Para teu cansaço.

Márcio José Matos Rodrigues

 




Pássaro de fogo

Brasas,

Asas

De um pássaro de fogo.

Logo

Ele ganhará fôlego

E alcançará o céu.

Nos olhos seus

Encontro colo

Para os sonhos meus!

Márcio José Matos Rodrigues


Figuras:

https://www.google.com/search?q=imagem+de+ceu+estrelado&sxsrf=AOaemvIj_QtMHxYN2kMP6Jd8MstENI9LDw:1643146483501&tbm=isch&source=iu&ictx=1&vet=


https://www.google.com/search?q=imagem+de+p%C3%A1ssaro+cantando&sxsrf=AOaemvKeXyZyED9DeVpv-8_a2qSvAw36Lw:1643147215297&tbm=isch&source


https://www.google.com/search?q=imagem+de+p%C3%A1ssaros+voando&sxsrf=AOaemvKRutaYwinsBJH7tVdETPM1tVco2A:1643147379629&tbm=


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Tapajós

 





Tapajós

 

Lutai povo de Santarém,

O Tapajós

É nosso também,

É nós!

O mundo precisa ouvir a vossa voz

Contra o algoz,

Que destrói.

Vós precisais saber que não estais sós!

Do rio vem o sustento,

O turismo ajuda o alimento.

Vós bebeis água

Não vento.

Se eu daqui já ouço do rio

O seu lamento,

O que direi de vós

Tão perto deste sofrimento?

Pegai vossos estandartes,

Façais barulho,

Façais arte.

Não caminheis à passo lento,

Pois o perigo ruge!

Urge,

Que se faça algo neste momento.

Gritai,

Porque ainda há tempo!

Márcio José Matos Rodrigues

 

Figura:

https://www.google.com/search?q=imagem+do+rio+tapaj%C3%B3s&sxsrf=AOaemvI3u2UUBuGuFUWC4FBoubWvoTMqCw:1643145424978&tbm=isch&source=iu&ict


segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

O poeta brasileiro Thiago de Mello

 






No madrugada de 14 de janeiro de 2022 morreu em Manaus o poeta e tradutor amazonense e brasileiro Amadeu Thiago de Mello. Estava com 95 anos. Ele teve obras suas traduzidas em mais de 30 línguas, tendo se destacado nacionalmente e internacionalmente. Seus poemas estavam relacionados à vida cotidiana e às belezas da região amazônica, sendo considerado um poeta muito influente e respeitado no Brasil, com elevada relevância na literatura regional. Participou da luta contra o regime militar no Brasil e esteve exilado na Argentina e no Chile. O poema mais conhecido do autor é: “Os Estatutos do Homem”. Nesse poema há a intenção do poeta para que o leitor atente para os valores simples da natureza humana.

 

O poeta Tenório Telles destacou: "A passagem do Thiago é uma perda irreparável para a cultura do nosso estado, para o país e para a literatura mundial. Ele fará muita falta pelos compromissos que  tinha com a vida e com o ser humano".

 

Segundo Elaíze Farias e Ariel Bentes, do órgão de comunicação Amazônia Real: “O poeta todo vestido de branco. Um homem comprometido com a liberdade e com o amor. Um ser pertencente a um lugar da Natureza e à natureza desse lugar. Um opositor das tiranias e dos assombros ditatoriais. A maior referência poética do Amazonas. Um escritor premiado e reconhecido nacional e internacionalmente. Palavras não faltam para definir, segundo amigos, Thiago de Mello, que às 6h50 desta sexta-feira (14) partiu para o lugar dos encantados da floresta.

À Amazônia Real, Polyana Furtado, esposa de Thiago de Mello, disse que o poeta morreu de causas naturais. Tinha 95 anos e há 13 vivia no centro de Manaus, duelando contra os sintomas do Alzheimer. Por conta da doença, não pôde apreciar a grande homenagem que recebeu da 34ª Bienal de São Paulo. Faz escuro mas eu canto, verso extraído de “Madrugada Camponesa”, escrito há 60 anos, foi tema da tradicional exposição que ocorreu de 4 de setembro a 5 de dezembro de 2021.”

Também para Amazônia Real disse o escritor Milton Hatoum: “Thiago não invocava a Amazônia como algo exótico ou pitoresco. Ele era possuído, habitado pela região onde nasceu. E traduziu muito bem em poesia esse sentimento de pertencer a um lugar da Natureza e à natureza desse lugar”.

Tiago de Mello nasceu em Barreirinha, no Amazonas, em 30 de março de 1926. Mudou-se na infância com a família para Manaus. Lá iniciou seus estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e, depois, no Ginásio Pedro II. Após dez anos foi para o Rio de Janeiro, onde ingressou, em 1946, na Faculdade Nacional de Medicina. Ele não concluiu o curso e decidiu seguir como escritor.  Escreveu obras como Silêncio e Palavra (1951); Os Estatutos dos Homens (1977), que era um forte manifesto contra a ditadura militar no Brasil; Manaus, Amor e Memória (1984); e Mormaço na Floresta (1981).

Na década de 1950 Thiago participou da oposição ao governo de Getúlio, colaborando com veículos de comunicação que eram contra o governante. Nessa época Thiago fundou a Editora Hipocampo, lançou o livro Silêncio e Palavra.e dirigiu o Departamento Cultural da Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Esteve na Bolívia (1958) e como adido cultural no Chile (1959). Tendo sido perseguido pela ditadura, exilou-se por dez anos em Santiago, no Chile.

Thiago foi amigo do escritor Pablo Neruda, que o influenciou, passando a poesia de Thiago a ser mais acessível, conservando a qualidade poética. Sobre Pablo Neruda Thiago relatou: “Pablo Neruda, o mais importante poeta do Chile, leu poemas meus no jornal Correio da Manhã. O que mais me chamava a atenção era o seu respeito e interesse pelos poetas moços que encontrava na América do Sul”.

Um outro país onde Thiago esteve exilado foi a  Alemanha, em 1974, tendo passou pela França e Portugal em 1975. Em Barreirinha tinha uma casa projetada pelo arquiteto Lúcio Costa. Participou de encontros com poetas na Zona Franca de Manaus, no chamado Clube da Madrugada.

O poeta escreveu entre 1962 e 1963, o poema Madrugada Camponesa, que só veio a ser publicado alguns anos depois. Esse poema ganhou uma versão musical graças a uma parceria entre Thiago de Mello e o músico Monsueto Menezes, em 1965. No poema Os Estatutos do Homem, ele ressalta a importância dos valores simples da natureza humana. Recebeu em 1975 um prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Participou, ao lado do cantor e compositor Sérgio Ricardo, em 1978, do show “Faz Escuro Mas Eu Canto”, dirigido pelo cronista Flávio Rangel. No exterior era conhecido como um intelectual ligado à luta pelos Direitos Humanos. Em 2006 foi lançado pela Karmim o CD comemorativo A Criação do Mundo (com poemas de Thiago produzidos nos últimos 56 anos, que eram declamados por ele próprio e musicados por Gaudêncio, seu irmão mais novo ) em homenagem aos 80 anos do poeta.

Tendo sido membro da Academia Amazonense de Letras, Thiago de Mello recebeu o destaque em 2018 de Personalidade Literária do Prêmio Jabuti. Ele foi reconhecido pelo conjunto da obra. Em 2021, quando completou 95 anos, foi realizada pela Prefeitura de Manaus a exposição virtual “Thiago de Mello 95 anos de vida, poesia e amor por Manaus”. Essa exposição foi possível devido a acervos pessoais e públicos do poeta, com fotos, entrevistas e vídeos.

Devido à morte do poeta, foi decretado luto oficial de três dias pelo prefeito de Manaus e pelo governador do Amazonas.

Sobre Thiago de Mello,Daniel Munduruku publicou versos no Twitter: 

"O lorde Thiago de Mello nos deixou...Deixou? Não.
Deixou saudades. Deixou poesia. Deixou sonhos.
Deixou esperanças. Deixou a lembrança de que “Faz escuro, mas eu Canto”.
Sua ausência faz escuro...Sua arte, nos traz Luz.
Bom descanso, Guerreiro".

 

Segundo a autora Dilva Frazão sobre Thiago de Mello:

“Thiago de Mello (1926) é um poeta e tradutor brasileiro, reconhecido como um ícone da literatura regional. Sua poesia está vinculada ao Terceiro Tempo Modernista.

Thiago de Mello, nome literário de Amadeu Thiago de Mello, nasceu em Porantim do Bom Socorro, município de Barreirinha, no Estado do Amazonas, no dia 30 de março de 1926. Em 1931, ainda criança, mudou-se com a família para Manaus, onde iniciou seus estudos no Grupo Escolar Barão do Rio Branco e depois, no Ginásio Pedro II. Mais tarde mudou-se para o Rio de Janeiro, onde em 1946 ingressou na Faculdade Nacional de Medicina, mas não chegou a concluir o curso para seguir a carreira literária.

Em 1947, Thiago de Mello publicou seu primeiro volume de poemas, “Coração da Terra”. Em 1950 publicou seu poema “Tenso Por Meus Olhos”, na primeira página do Suplemento Literário do Jornal Correio da Manhã. Em 1951 publicou “Silêncio e Palavra”, que foi muito bem acolhido pela crítica. Em seguida publicou: “Narciso Cego” (1952) e “A Lenda da Rosa” em (1957).

Em 1957, Thiago de Mello foi convidado para dirigir o Departamento Cultural da Prefeitura do Rio de Janeiro. Entre 1959 e 1960 foi adido cultural na Bolívia e no Peru. Em 1960 publicou “Canto Geral”.  Foi adido cultural em Santiago, no Chile, onde conhece o escritor Pablo Neruda, de quem faz a tradução de uma antologia poética.

Em 1966, Thiago de Mello publicou “A Canção do Amor Armado” e “Faz Escuro Mas Eu Canto” (1968). Perseguido pelo governo militar, retornou para Santiago, onde permaneceu exilado durante dez anos. Em 1975 recebeu o Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos de Arte, pelo livro “Poesia Comprometida Com a Minha e a Tua Vida” (...)”

Poemas de Thiago de Mello:

Mormaço de primavera
Entre chuva e chuva, o mormaço.
A luz que nos entrega o dia
não dá ainda para distinguir
o sujo do encardido,
o fugaz, do provisório.
A própria luz é molhada.
De tão baça, não me deixa
sequer enxergar o fundo
dos olhos claros da mulher amada.

Mas é com esta luz mesmo,
difusa e dolorida,
que é preciso encontrar as cores certas
para poder trabalhar a Primavera.

 

O Silêncio da Floresta

Tem consistência física,
espessamente doce,
o silêncio noturno da floresta.
Não é como o do vento e vastidão,
cujos dentes de neve
morderam a minha solidão.
Nem como o silêncio aterrador
(no seu âmago o tempo brilha imóvel)
do deserto chileno de Atacama,
onde, um entardecer,
estirado entre areia e pedras,
escutei cheio de assombro
o latir do meu próprio coração.

O silêncio da floresta é sonoro:
os cânticos dos pássaros da noite
fazem parte dele, nascem dele,
são a sua voz aconchegante.

Sozinho no centro da noite amazônica,
escuto o poder mágico do silêncio,
agora quando os pássaros
conversam com as estrelas,
e recito silenciosamente
o nome lindo da mulher que eu amo.

 

Para os que Virão

Como sei pouco, e sou pouco,
faço o pouco que me cabe
me dando inteiro.
Sabendo que não vou ver
o homem que quero ser.

Já sofri o suficiente
para não enganar a ninguém:
principalmente aos que sofrem
na própria vida, a garra
da opressão, e nem sabem. (...)

 

Os Estatutos do Homem

(Ato Institucional Permanente)

A Carlos Heitor Cony

Artigo I.

Fica decretado que agora vale a verdade.

que agora vale a vida,

e que de mãos dadas,

trabalharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II.

Fica decretado que todos os dias da semana,

inclusive as terças-feiras mais cinzentas,

têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III.

Fica decretado que, a partir deste instante,

haverá girassóis em todas as janelas,

que os girassóis terão direito

a abrir-se dentro da sombra;

e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,

abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV.

Fica decretado que o homem

não precisará nunca mais

duvidar do homem.

Que o homem confiará no homem

como a palmeira confia no vento,

como o vento confia no ar,

como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo Único:

O homem confiará no homem

como um menino confia em outro menino.

Artigo V.

Fica decretado que os homens

estão livres do jugo da mentira.

Nunca mais será preciso usar

a couraça do silêncio

nem a armadura de palavras.

O homem se sentará à mesa

com seu olhar limpo

porque a verdade passará a ser servida

antes da sobremesa.

Artigo VI.

Fica estabelecida, durante dez séculos,

a prática sonhada pelo profeta Isaías,

e o lobo e o cordeiro pastarão juntos

e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII.

Por decreto irrevogável fica estabelecido

o reinado permanente da justiça e da claridade,

e a alegria será uma bandeira generosa

para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII.

Fica decretado que a maior dor

sempre foi e será sempre

não poder dar-se amor a quem se ama

e saber que é a água

que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX.

Fica permitido que o pão de cada dia

tenha no homem o sinal de seu suor.

Mas que sobretudo tenha sempre

o quente sabor da ternura.

Artigo X.

Fica permitido a qualquer pessoa,

a qualquer hora da vida,

o uso do traje branco.

Artigo XI.

Fica decretado, por definição,

que o homem é um animal que ama

e que por isso é belo.

muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII.

Decreta-se que nada será obrigado nem proibido.

tudo será permitido,

inclusive brincar com os rinocerontes

e caminhar pelas tardes

com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:

Só uma coisa fica proibida:

amar sem amor.

Artigo XIII.

Fica decretado que o dinheiro

não poderá nunca mais comprar

o sol das manhãs vindouras.

Expulso do grande baú do medo,

o dinheiro se transformará em uma espada fraternal

para defender o direito de cantar

e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.

Fica proibido o uso da palavra liberdade.

a qual será suprimida dos dicionários

e do pântano enganoso das bocas.

A partir deste instante

a liberdade será algo vivo e transparente

como um fogo ou um rio,

e a sua morada será sempre

o coração do homem.

 

O Pão de cada dia


Que o pão encontre na boca
o abraço de uma canção
construída no trabalho.
Não a fome fatigada
de um suor que corre em vão.

Que o pão do dia não chegue
sabendo a travo de luta
e a troféu de humilhação.
Que seja a bênção da flor
festivamente colhida
por quem deu ajuda ao chão.

Mais do que flor, seja fruto
que maduro se oferece,
sempre ao alcance da mão.
Da minha e da tua mão.

 

Faz Escuro, mas eu Canto: porque a manhã vai chegar

Faz escuro mas eu canto
Faz escuro mas eu canto,
porque a manhã vai chegar.
Vem comigo, companheiro,
a cor do mundo mudar.
Vale a pena não dormir para esperar
a cor do mundo mudar.
Já é madrugada,
vem o sol, quero alegria
que é para esquecer o que eu sofria.
Quem sofre fica acordado
defendendo o coração.
Vamos juntos, multidão,
trabalhar pela alegria,
amanhã é um novo dia.

Botão de Rosa

Nos reconcavos da vida jaz a morte
Germinando no silêncio.
Floresce como um girassol no escuro.
De repente vai se abrir.
No meio da vida, a morte jaz profundamente viva
.

 

Frases e Pensamentos de Thiago de Mello

 

“Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar.”

“O seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar e de ajudar o mundo a ser melhor.”

“O silêncio é um campo
plantado de verdades
que aos poucos se fazem palavras.”

 “Quem não sonha o azul do voo, perde o poder de pássaro. É sonhar, mas cavalgando o sonho e inventando o chão para o sonho florescer.”

 

Sugestão de Vídeos: 

Thiago de Mello - Imagem da Palavra - Parte 1

 https://www.youtube.com/watch?v=yiXSBZzQKaw

 

Thiago de Mello - Imagem da Palavra - Parte 2

https://www.youtube.com/watch?v=Soy5070tZV0

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História

 


Figura:

https://www.google.com/search?sxsrf=AOaemvIz4hIPIOuQXlsBIj_1da1ErylEfw:1643058534821&source=univ&tbm=isch&q=imagem+de+thiago+de+mello&fir=