domingo, 2 de abril de 2017

A questão da mentira em Pinóquio




Continuando os artigos que tratam sobre a mentira, desta vez estou escrevendo sobre o Pinóquio, por ser ele um personagem que está relacionado à questão da mentira. 

Foi escrito por Carlo Collodi em 1882 um livro chamado “As Aventuras de Pinóquio”, no qual é contada a história de um velho Mestre Carpinteiro que construiu um boneco de madeira. Há na história considerações de ordem moral e do crescimento individual, em que Pinóquio vai aprendendo e superando defeitos para se tornar um verdadeiro ser humano. A obra escrita não é um conto de fadas e sim um romance que tem uma mensagem do autor de base espiritual e esotérico, tendo sido ele um membro da Maçonaria. O próprio Walt Disney, que reproduziu a história em um filme de animação fez parte da Rosacruz. 

O autor quis enfatizar um aspecto educacional e do trabalho, criticando a ociosidade. Gepeto é um carpinteiro (ressaltando o trabalho), o grilo falante é a consciência moral (representando a Educação e o autoconhecimento) e a Fada Azul que deu vida ao boneco é uma entidade maior (lado espiritual). Pinóquio no seu início está dominado pelo egoísmo, assim como pela ignorância, alienação e indisciplina. E vai aprendendo e se desenvolvendo até se tornar um menino de verdade. Pinóquio está preso então a vícios e suas mentiras fazem crescer o nariz e seu ócio o leva a ter orelhas de burro. Um aspecto que contribuiu para seu crescimento é o seu próprio sofrimento. A história de Pinóquio objetiva fazer uma comparação com o desenvolvimento das pessoas. 

A autora Alessandra Garrido Sotero, mestre em Língua e Literatura Italiana escreveu um artigo interessante sob o ponto de vista psicanalítico sobre Pinóquio, intitulado "PINÓQUIO: DO PRINCÍPIO DO PRAZER AO PRINCÍPIO DA REALIDADE". Vou transcrever aqui alguns trechos de sua obra:

"No espaço contemporâneo, no qual o homem tem grande preocupação. Trata-se de uma análise que focaliza a necessidade de o homem se libertar do estigma de “marionete”, saindo do seu egocentrismo e mirando àquilo que está a seu redor, tornando-se pessoa."

"...Durante as suas aventuras, Pinóquio não tem uma preocupação com o certo ou com o errado, ele sempre age de acordo com aquilo que lhe dá vontade, preocupando-se com a sua satisfação imediata. Ele é exatamente a falta do dever e da moral, a falta de compromisso com qualquer princípio ou regra, a procura do prazer absoluto sem preocupar-se com qualquer coisa
que seja"(...)

"...Um exemplo claro da sua conduta observamos no quarto capítulo, quando ele responde ao Grilo Falante qual é a sua profissão: “- A de comer, beber, dormir, me divertir e vagabundear de manhã até de noite" (p. 22).  Verdadeiramente, isso é tudo o que queremos quando somos crianças, dominados por aquilo que Freud chama de princípio do prazer, que vem a ser uma tendência inata do organismo de evitar a dor e buscar o prazer (...)"

"...Embora Pinóquio tenha vida, ele não é uma pessoa (entendendo por pessoa, aquele ser capaz de viver em sociedade) e somente no fim da história, quando ele se ajusta ao princípio da realidade, então merece ser transformado em uma pessoa. Sempre que Pinóquio está sendo sugerido pelo princípio do prazer, se afasta da condição humana, e isto é representado pela sua “animalização”. Em diversas partes da história, Pinóquio se transforma em um animal, e, isto acontece sempre quando ele é sugerido pelo princípio do prazer (...)"

"...Podemos concluir que quando Pinóquio dá toda a sua economia é a representação da saída do egocentrismo, é o início de um princípio da realidade. O princípio da realidade traz uma grande mudança na vida de Pinóquio: Gepeto volta a trabalhar e a rir. Algo muito importante no fim da história é a admiração com a qual Pinóquio observa a marionete que era, que lhe parece até divertida.  Este comportamento é comum quando se cresce e se observa como um bobo, uma criança. Pinóquio, finalmente conquistou a sua maturidade. É relevante dizer que não é o fim do princípio do prazer, pois este continua durante toda a nossa vida em nós, mas é a representação de uma maturidade através do aprimoramento do princípio da realidade. Este aprimoramento é contínuo, é um processo lento que ocorre no decorrer da vida, assim como propõe As aventuras de Pinóquio."

Assim, pode-se fazer uma relação de que o vício de mentir de Pinóquio está ligado a uma fase de sua vida, que ele precisa superar defeitos individuais, o seu egocentrismo, a sua egoísta busca de prazer para então, a partir de um processo de desenvolvimento conseguir uma maturidade, na qual ele está mais ligado à realidade. As suas mentiras faziam parte de um conjunto de atitudes e comportamentos dessa primeira fase de vida, na qual predominava uma tendência à irresponsabilidade. 

Não quer dizer que ele não mentirá mais, porém já não é mais o mesmo irresponsável de antes, tendo uma maior consciência de si e do mundo que o cerca. Na sua segunda fase ele já está mais seguro de si, mais maduro.

Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História e Psicólogo





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