domingo, 9 de maio de 2021

O poeta brasileiro Murilo Mendes

 



                                                         



Em 13 de maio de 1901 nascia em Juiz de Fora, Minas Gerais, o poeta e prosador brasileiro Murilo Monteiro Mendes, que se destacou no surrealismo no movimento modernista do Brasil.  Se pai era o funcionário público Onofre Mendes e sua mãe era Elisa Valentina Monteiro de Barros. Ele perdeu a mãe muito cedo, em outubro de 1902 e o pai casa-se com Maria José Monteiro. Murilo Mendes diria sobre ela depois: "Minha segunda mãe, Maria José, grande dama de cozinha e salão, resume a ternura brasileira. Risquei do vocabulário a palavra madrasta."

Passa a colaborar com jornais e revistas desde 1920 e começa a publicar seus livros, casando-se em 1947 com Maria da Saudade Cortesão, que era filha do escritor e historiador português Jaime Cortesão que encontrava-se no exílio no Brasil. Murilo e Maria da Saudade após o casamento fixam residência no Rio de Janeiro.

Já tendo terminado tanto o curso primário como o ginasial, em 1916 Murilo ingressou na Escola de Farmácia de Juiz de Fora, porém depois de um ano deixou o curso que fazia. Trabalhou no período entre 1917 e 1921 como telegrafista, prático de farmácia, guarda-livros, empregado em um cartório e professor de Francês em um colégio na cidade de Palmira, que hoje se chama Santos Dumont. Depois mudou-se junto com seu irmão mais velho, vindo a trabalhar na Diretoria do Patrimônio Nacional (órgão ligado ao Ministério da Fazenda), como arquivista. Começou a fazer o curso de Direito, mas não concluiu. Conheceu o pintor, arquiteto, filósofo e poeta Ismael Nery no Rio de Janeiro e tornaram-se grandes amigos. De 1924 a 1929 exerceu várias funções em empregos que foi conseguindo, como por exemplo, escriturário em banco. O primeiro livro de Murilo Mendes foi  Poemas (1930) e nesse ano recebeu o prêmio Graça Aranha.  Em 1932, o livro de poemas-piadas História do Brasil desse mesmo autor é publicado.

O poeta participou do Movimento Antropofágico, que buscava uma ligação com as origens do Brasil. Depois de ter abraçado o catolicismo como religião, passou a integrar o “Grupo de poetas religiosos” que tinha como integrantes Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Frederico Schmidt etc. A segunda fase da produção poética de Murilo é influenciada por uma corrente mais direcionada ao espiritualismo e o intimismo, após a adesão de Murilo ao catolicismo.

Murilo fez sua primeira viagem à Europa em 1952 em 1953 proferiu na Universidade de Sorbonne uma palestra sobre o também poeta Jorge de Lima. Outras cidades europeias onde ele esteve, foram Louvain, Bruxelas, Amsterdam e Paris. Nesses locais ministrou conferências, tendo se mudado para a Itália e lá exerceu a função de professor de Literatura Brasileira.

Em 13 de agosto de 1975 o poeta faleceu por causa de  problemas cardíacos em Estoril, Portugal.

Segundo a autora Luana Castro Alves Perez:

“Murilo Mendes recusou as formas batidas de fazer poesia, desarticulando a ordem convencional em busca de uma poesia cósmica, social e mística.

Murilo Monteiro Mendes, ou apenas Murilo Mendes, foi um de nossos mais importantes poetas brasileiros. Representante da Geração de 1930 (também conhecida como Segunda Geração Modernista), recusou as formas batidas e a poesia convencional, transitando pelo surrealismo, pela poesia religiosa e também pelo poema humorístico. Publicou livros de poemas, de prosa e de frases, deixando uma inestimável contribuição para a moderna literatura brasileira.”

E ainda disse a autora:

“Na década de 1950 viveu quase que exclusivamente na Europa e, a partir de 1957, ensinou literatura brasileira na Universidade de Roma. Em 1972, foi agraciado com o prêmio internacional de poesia Etna-Taormina e, nesse mesmo ano, fez sua última visita ao Brasil. Faleceu em Lisboa, no dia 13 de agosto de 1975, aos 74 anos de idade, deixando várias obras inéditas, publicadas postumamente na Europa e no Brasil. Sua obra atemporal tem despertado cada vez mais o interesse dos jovens, sendo também objeto de estudo de teses de mestrado e doutoramento no Brasil e no estrangeiro.

 

Obras de Murilo Mendes

Poemas (1930), Bumba-meu-poeta (1930), História do Brasil (1933), Tempo e eternidade - com Jorge de Lima (1935), A poesia em pânico (1937), O Visionário (1941), As metamorfoses (1944), Mundo enigma e O discípulo de Emaús (1945), Poesia liberdade (1947), Janela do caos - França (1949), Contemplação de Ouro Preto (1954), Office humain - França (1954), Poesias (1959), Tempo espanhol - Portugal (1959), Siciliana - Itália (1959), Poesie - Itália (1961), Finestradel caos - Itália (1961), Siete poemas inéditos - Espanha (1961), Poemas - Espanha (1962), Antologia Poética - Portugal (1964), Le Metamorfosi - Itália (1964), Italianíssima (7 Murilogrami) - Itália 1965), Poemas inéditos de Murilo Mendes - Espanha (1965), A idade do serrote (1968), Convergência (1970), Poesia libertá - Itália (1971), Poliedro (1972), Retratos-relâmpagos, 1ª série (1973), Antologia Poética (1976) e Poesia Completa e Prosa (1994). “

Algumas frases de Murilo Mendes:

 “Eu sou um homem que espia a maré.”

“Os movimentos retrógrados não me interessam.”

“Eu sou complexo, tenho muito de racionalista e de irracionalista.”

“O texto para um poeta é qualquer coisa de definitivo.”

“Não me interessa absolutamente a consagração popular.”

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Alguns poemas de Murilo Mendes:

            Poema Espiritual

"Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco de água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.

A matéria pensa por ordem de Deus,
Transforma-se e evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.

Na igreja há pernas, seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.
A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia".

 

O alferes na cadeira

Antes eu fosse Dirceu,
Vivesse aos pés da mulata
Desfiando o lundu do amor,
Fazendo 
crochet de noite,
Do que estar como estou:
Os dentes me arrancaram,
Incendeiam meu 
chalet;
Não pude livrar ninguém
Da escravidão atual;
Arranjei foi mais um escravo,
Eu mesmo, entrei na cadeia;
Tirei retrato de herói,
Mostrei a mestre Silvério
Os planos desta revolta;
Pareço com aviador
Que faz viagem no polo,
Queria mesmo morrer;
Sentei na cadeira elétrica,
Morro, inda mesmo que tarde
A morte que sempre sonhei,
— Não essa morte vulgar,
Apagada, clandestina:
Eu quero morrer de herói,
Eu amo a posteridade;
Comecei me lamentando
De não ser como Dirceu,
Mas é só pra tapear;
Acabei me convencendo
Que não há nada melhor
Do que a gente ser herói;
Eu amo a posteridade,
Quero nome no jornal,
Estátua na praça pública,
Vejam a minha vocação!...


Canção do Exílio

 Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam  gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

 

  

Noturno Resumido

A noite suspende na bruta mão
que trabalhou no circo das idades anteriores
as casas que o pessoal dorme comportadinho
atravessado na cama
comprada no turco a prestações.

A lua e os manifestos da arte moderna
brigam no poema em branco.

A vizinha sestrosa da janela em frente
tem na vida um camarada
que se atirou dum quinto andar.
Todos têm a vidinha deles.

As namoradas não namoram mais
porque nós agora somos civilizados,
andamos no automóvel gostoso pensando no cubismo.

A noite é uma soma de sambas
que eu ando ouvindo há muitos anos.

O tinteiro caindo me suja os dedos
e me aborrece tanto:
não posso escrever a obra-prima
que todos esperam do meu talento.

 

Cantiga de Malazarte

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espí­rito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo.
nada me fixa nos caminhos do mundo.

 

Panorama

Uma forma elástica sacode as asas no espaço
e me infiltra a preguiça, o amor ao sonho.
Num recanto da terra uma mulher loura
enforca-se e vem no jornal.
Uma menina de peito largo e ancas finas
sai do fundo do mar,
sai daquele navio que afundou e vira uma sereia.
A filha mais moça do vizinho
lá está estendida no caixão
na sala de visita com paisagem,
um cheiro enjoado de angélica e meus sentidos pêsames.

Tudo está no seu lugar
minha namorada está sozinha na janela
o sonho está dormindo na cabeça do homem
o homem está andando na cabeça de Deus,
minha mãe está no céu em êxtase,

eu estou no meu corpo.

 

 O Mundo Inimigo

O cavalo mecânico arrebata o manequim pensativo
que invade a sombra das casas no espaço elástico.
Ao sinal do sonho a vida move direitinho as estátuas
que retomam seu lugar na série do planeta.
Os homens largam a ação na paisagem elementar
e invocam os pesadelos de mármore na beira do infinito.
Os fantasmas vibram mensagens de outra luz nos olhos,
expulsam o sol do espaço e se instalam no mundo.

 

Mapa

A Jorge Burlamaqui

 

Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem nem o mal
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações…
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noite, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”…
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito…
Viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.

 

 

Pós-Poema

 

O anteontem - não do tempo mas de mim -

Sorri sem jeito

E fica nos arredores do que vai acontecer

 

Como menino que pela primeira vez põe calça comprida.

Não se trata de ilusão, queixa ou lamento,

Trata-se de substituir o lado pelo centro.

O que é da pedra também pode ser do ar.

O que é da caveira pertence ao corpo:

Não se trata de ser ou não ser,

Trata-se de ser e não ser.

 



O Homem, a Luta e a Eternidade

 

Adivinho nos planos da consciência

dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos

mundo de planetas em fogo

vertigem

desequilíbrio de forças,

matéria em convulsão ardendo pra se definir.

Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,

o mundo ainda é pequeno pra te encher.

Abala as colunas da realidade,

desperta os ritmos que estão dormindo.

À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,

minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins

meus olhos verão a luz da perfeição

e não haverá mais tempo.

 

 

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 Márcio José Matos Rodrigues

Figura: 



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