sexta-feira, 14 de maio de 2021

O poeta português Mário de Sá-Carneiro

 



                                                     


Em 19 de maio de 1890, em Lisboa, nasceu o poeta, contista e ficcionista português Mário de Sá Carneiro, um dos grandes nomes do modernismo em Portugal. Foi um respeitável componente da chamada Geração d’Orpheu. Era filho e neto de militares e sua família tinha boas condições financeiras, sendo Carlos Augusto de Sá-Carneiro o seu pai  e Águeda Maria de Sousa Peres Marinello a sua mãe, que faleceu quando Mário tinha dois anos.

Com a morte da mãe, Mário passou vários anos de sua infância com seus avós, na freguesia de Camarate, próxima à Lisboa.  Passou a estudar em 1900 no Liceu de Lisboa e lá começou a escrever suas poesias aos 12 anos.  E em 1905 redigiu e imprimiu o jornal O Chinó, que era de tipo satírico.

 

Aos 15 anos Mário de Sá já conseguia traduzir o autor francês Victor Hugo e aos 16 traduzia também os autores alemães Goethe e Schiller. Como estudante nessa época teve algumas experiências como ator. Escreveu em 1910, junto com Thomas Cabreira Júnior, que veio a se suicidar um ano depois, a peça “Amizade”. Após a morte do amigo, Mário lhe dedicou o poema “A Um Suicida”:

Tu crias em ti mesmo e eras corajoso,
Tu tinhas ideais e tinhas confiança,
Oh! quantas vezes desesp'rançoso,
Não invejei a tua esp'rança!

Dizia para mim: — Aquele há-de vencer
Aquele há-de colar a boca sequiosa
Nuns lábios cor-de-rosa
Que eu nunca beijarei, que me farão morrer. (...)

Aos 21 anos Mário vai estudar em Coimbra para a Faculdade de Direito, porém sem passar do primeiro ano do curso, indo então para Paris para estudar, tendo apoio financeiro do pai. Entretanto, em Paris começa a frequentar a boemia, indo a cafés e a espetáculos, deixando os estudos que fazia na Sorbonne. Iniciou uma vida de sérias dificuldades financeiras, ficando em um estado de desespero, ligando-se emocionalmente a uma prostituta.

Foi em 1912 que Mário conheceu outro grande escritor que veio a ser seu melhor amigo, o poeta Fernando Pessoa. E em Paris conheceu o pintor Guilherme Santa-Rita. Em uma situação que estava abalado psicologicamente e com dificuldade de adaptação social, Mário criou muitas de  suas obras poéticas e  se correspondia com Fernando Pessoa. No período entre 1912 e 1916 é que sua carreira literária foi mais ativa. Em 1913 ele vai para Lisboa e entre esse ano e 1914 há uma regularidade nas idas para esta cidade.

Influenciaram em suas obras literárias os autores Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Charles Baudelaire, Stéphane Mallarmé, Fiodor Dostoievsky, Cesário Verde e Antônio Nobre. Também ele, Mário de Sá, influenciou outros autores como Eugênio de Andrade.

Mário de Sá formou junto com Almeida Negreiros e Fernando Pessoa o primeiro grupo modernista português, que tinha influências de vanguardas culturais europeias. Esse grupo teve considerável participação na publicação da revista literária Orpheu, que era editada por Antônio Ferro. Por causa da revista, o grupo tornou-se conhecido como Geração d’Orpheu ou Grupo d’Orpheu. A revista foi considerada naqueles tempos como um escândalo literário e só teve dois números. A revista do número 3 chegou a ser impressa, porém sem ser publicada e os autores foram discriminados pelas camadas conservadoras. Na atualidade, a revista é reconhecida como um marco na história da literatura portuguesa e que introduziu o Modernismo em Portugal.

Mário também colaborou em outras publicações : no semanário Azulejos; na segunda série da revista Alma Nova; na revista Contemporânea. Anos depois da morte do poeta foram publicados escritos dele nas revistas Pirâmide e Sudoeste.

Estando em Paris em 1915, escreve cartas para Fernando pessoa, revelando-se angustiado, tendo se destacado ele como perdido no “labirinto de si próprio”. O seu processo de escrita nessa época mostra uma evolução e uma maturidade. Ficou cada vez mais preso a esse sentimento de angústia e veio a se envenenar em Paris, no Hotel de Nice, morrendo, com vinte e cinco anos, em 26 de abril de 1916. Escreveu antes uma carta de despedida para o amigo Fernando Pessoa na qual dizia:

 

 

           Paris - 31 Março 1916

Meu Querido Amigo.

A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas "cartas de despedida"... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas: mas não tenho dinheiro. [...]

Mário de Sá-Carneiro,

Carta para Fernando Pessoa

 

 Escreveu também um poema sobre a questão de sua morte:

 

 

Fim

 

Quando eu morrer batam em latas

Rompam aos saltos e aos pinotes

Façam estalar no ar chicotes

Chamem palhaços e acrobatas!

Que o meu caixão vá sobre um burro

Ajaezado à andaluza...

A um morto nada se recusa,

Eu quero por força ir de burro!

 

Mário de Sá-Carneiro. Paris. 1916.

 

Fernando Pessoa dedicou ao amigo um texto na revista Athena, chamando Mário de “génio não só da arte como da inovação dela”. E faz um comentário baseando-se em um aforismo das Báquides, do autor Plauto: “Morre jovem o que os deuses amam”. Eis o texto:





“Génio na arte, não teve Sá-Carneiro nem alegria nem felicidade nesta vida. Só a arte, que fez ou que sentiu, por instantes o turbou de consolação. São assim os que os Deuses fadaram seus. Nem o amor os quer, nem a esperança os busca, nem a glória os acolhe. Ou morrem jovens, ou a si mesmos sobrevivem, íncolas da incompreensão ou da indiferença. Este morreu jovem, porque os Deuses lhe tiveram muito amor.

Mas para Sá-Carneiro, génio não só da arte mas da inovação nela, juntou-se, à indiferença que circunda os génios, o escárnio que persegue os inovadores, profetas, como Cassandra, de verdades que todos têm por mentira. In quascribebat, barbaraterrafuit. Mas, se a terra fora outra, não variara o destino. Hoje, mais que em outro tempo, qualquer privilégio é um castigo. Hoje, mais que nunca, se sofre a própria grandeza. As plebes de todas as classes cobrem, como uma maré morta, as ruínas do que foi grande e os alicerces desertos do que poderia sê-lo. O circo, mais que em Roma que morria, é hoje a vida de todos; porém alargou os seus muros até os confins da terra. A glória é dos gladiadores e dos mimos. Decide supremo qualquer soldado bárbaro, que a guarda impôs imperador. Nada nasce de grande que não nasça maldito, nem cresce de nobre que se não definhe, crescendo. Se assim é, assim seja! Os Deuses o quiseram assim. Fernando Pessoa

Athena n.º 2, Lisboa, Novembro, 1924. “

 

Mário de Sá foi influenciado pelas seguintes correntes literárias: decadentismo, o simbolismo, ou o saudosismo. Depois, influenciado por Fernando Pessoa, aderiu a outras correntes como o interseccionismo e o futurismo. Mostrou em suas poesias a sua personalidade, com destaque para a confusão dos sentidos, o delírio e revelando um narcisismo e egolatria. As carências afetivas podem tê-lo levado a esse narcisismo e a um sentimento de solidão e de frustração. As características de sua personalidade levam-no depois a uma poesia com uma agitação de experiências sensórias, com o poeta pervertendo e subvertendo a ordem lógica das coisas. Há estudiosos que dizem que tendo lido a obra De Profundis, de Oscar Wilde, Mário aumentou sua angústia e decidiu-se por fim a sua vida. Na segunda fase de suas obras, uma fase mais niilista, percebe-se na poesia de Mário de Sá uma humanidade autêntica, triste e trágica.

 

 

Segundo a autora Dilva Frazão:

 

“(...) Em 1911, Mário de Sá-Carneiro foi para Coimbra e matriculou-se na Faculdade de Direito, mas interrompeu os estudos. Em 1912 iniciou sua amizade com Fernando Pessoa. Nesse mesmo ano, com o apoio financeiro do pai, foi para Paris e matriculou-se na Faculdade de Direito. Nessa época, publicou um livro de contos, “Princípio”.

Carreira Literária

Em 1914, no começo da Primeira Guerra Mundial, Mário de Sá-Carneiro voltou para Lisboa e juntou-se a Fernando Pessoa para colaborar com a revista “Orpheu” que tinha o objetivo de divulgar os novos ideais estéticos, procurando acompanhar as transformações culturais ocorridas em toda a Europa.

Ainda em 1914, Mário de Sá-Carneiro publicou duas obras: o livro de poemas, “Dispersão” e a novela “Confissões de Lúcio”. Viveu um tempo de grande euforia em torno do início do movimento modernista português.

Em abril de 1915, foi lançado o primeiro número da revista Orpheu. No final de 1915, Sá-Carneiro publicou o livro de contos, “Céu em Fogo”. Em julho, saiu o segundo número da revista.

Depois que retornou a Paris a vida de Mário de Sá-Carneiro mudou radicalmente após seu pai entrar em falência e cortar a mesada que o sustentava.

Além da dificuldade financeira e da crise geral que todos passavam Mário de Sá-Carneiro chegou a pensar em suicídio. Possibilidade que comentara com os amigos, inclusive com Fernando Pessoa, com quem se correspondia, sem que ninguém lhe desse muito crédito. (...) “

E ainda a mesma autora:

“A Poesia de Mário de Sá Carneiro

A obra de Mário de Sá-Carneiro ocupa um lugar de destaque na literatura portuguesa, sobretudo pela poesia. Foi um poeta em todos os domínios, até mesmo no teatro e na prosa.

A sensibilidade e o espírito doentio dominava-lhe a criação poética a tal ponto, que em quase todos os versos estampa-se um perene descontentamento com a vida e com o mundo, como no poema “Dispersão”:

Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto,
E Hoje, quando me sinto,
E com saudade de mim.

Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar.
Na ânsia de ultrapassar,
nem dei pela minha vida. (...)

Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que projeto:
Se me olho a um espelho, erro -
Não me acho no que projeto. (...)

Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal...
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?... Ai de mim!... (...)

No poema “Quase”, considerado uma de suas melhores produções, Mário Sá-Carneiro define bem sua crise de personalidade:

Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espumas;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho – ó dor! – quase vivido... (...)

De tudo houve um começo... e tudo errou...
- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... -
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se enlaçou, mas não voou... (...)

Obras de Mário Sá-Carneiro

Contos: Princípio (1912);Céu em Fogo (1915)

Novela: A Confissão de Lúcio (1914)

Poesia: Dispersão (1914);Indícios de Oiro (1937)

Teatro: Amizade (1912)

Cartas a Fernando Pessoa (publicadas postumamente em dois volumes em 1958-1959).”

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A seguir uma carta de Mário Sá-Carneiro a Fernando Pessoa:

Em todas as almas há coisas secretas cujo segredo é guardado até à morte delas. E são guardadas, mesmo nos momentos mais sinceros, quando nos abismos nos expomos, todos doloridos, num lance de angústia, em face dos amigos mais queridos - porque as palavras que as poderiam traduzir seriam ridículas, mesquinhas, incompreensíveis ao mais perspicaz. Estas coisas são materialmente impossíveis de serem ditas. A própria Natureza as encerrou - não permitindo que a garganta humana pudesse arranjar sons para as exprimir - apenas sons para as caricaturar. E como essas ideias-entranha são as coisas que mais estimamos, falta-nos sempre a coragem de as caricaturar. Daqui os “isolados” que todos nós, os homens, somos. Duas almas que se compreendam inteiramente, que se conheçam, que saibam mutuamente tudo quanto nelas vive - não existem. Nem poderiam existir. No dia em que se compreendessem totalmente - ó ideal dos amorosos! - eu tenho a certeza que se fundiriam numa só. E os corpos morreriam.”

Mário de Sá-Carneiro (Cartas a Fernando Pessoa )

 

 Sugestão de música para ouvir: Adriana Calcanhoto canta O Outro. Poesia de Mário Sá-Carneiro.   https://www.youtube.com/watch?v=zRKVQNmXr0M

 

 

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Márcio José Matos Rodrigues-Professor de História.

Figura: https://www.google.com/search?q=imagem+de+mario+sa+carneiro&sxsrf=ALeKk00IU1WEzYATC8Gi8Ugh9BvYDFjxbg:1621021519962&tbm=isch&source

 

 





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